Capítulo 8 - O Desaparecimento
− Por que não, papai?
− Eu já expliquei, Beatriz. O papai vai fazer exercícios no parque, não passear.
− Mas você prometeu! − protestou a menina.
− Na próxima semana eu passeio com você − disse Roberto, tentando convencê-la.
Os olhos da pequena Beatriz encheram de água. Um choro se aproximava. Roberto travava mais uma batalha com sua filha, inventando desculpas para não comprometerem seus reais compromissos.
− Filha... o papai não pode hoje.
Nesse momento, o que o pai de Beatriz menos desejava aconteceu: ouvindo o choro da menina, Laura surgiu da cozinha em defesa de sua filha.
− Roberto, você vai desmarcar novamente com sua filha?
− Mas amor, eu vou treinar hoje. E você sabe o quanto o treino é pesado, não sabe?
Laura puxou Roberto pelo braço e o levou até a cozinha.
− Você vai levá-la ao parque, sim!
− Mas, amor! O treino é...
− Roberto! – interrompeu. − Ela ficou a semana toda esperando por esse dia. O que custa levá-la para passear uma única vez?
− É que eu...
− Você e Beatriz vão agora para o parque – decidiu Laura. − E fim de papo!
A discussão havia terminado e Laura fora a vencedora. Roberto, mesmo que a contra-gosto, levaria a menina ao parque. O que ele faria com seu compromisso, porém, ainda não sabia. Ele não iria treinar. Seus planos no parque eram outros.
− Hoje nós vamos ao parque sim, querida − anunciou o pai de Beatriz.
Os olhos da menina se iluminaram. Com a interseção de sua mãe, ela iria, enfim, passear com Roberto. O local pouco importava, contanto que a pequena conseguisse passar um tempo com ele. Roberto era um pai mais ausente do que ela gostaria que fosse.
− Mas, antes, faça o que lhe pedi e tire as roupas do varal, filha − pediu Laura.
− Está bem, mamãe.
A pequena Beatriz caminhou em direção ao quintal onde as roupas estavam estendidas. Era uma quantidade relativamente grande, de modo que a menina precisou de três viagens para dentro de sua casa para que o varal de roupas ficasse vazio.
Após o término de sua tarefa, Beatriz se dirigiu em direção a seu quarto para vestir seu tênis e uma roupa mais propícia para seu passeio ao parque. Chegando no cômodo, avistou em cima da cama o seu Cara-a-Cara, o jogo de tabuleiro do qual mais gostava. O jogo, porém, encontrava-se quebrado. O tabuleiro que continha os rostos dos personagens estava rachado ao meio. A menina se sentou em sua cama e segurou as duas partes do tabuleiro com suas mãos, tentando entender o que havia acontecido ao jogo. Nesse momento, Roberto entrou no quarto em direção a ela.
− Papai, o jogo... está quebrado... − falou, confusa.
Roberto ajoelhou em frente à sua filha, e com um calmo sorriso no rosto, disse:
− Que pena, meu amor. Mas isso é o que acontece quando crianças não respeitam o que os seus pais dizem. − Segurou de forma firme as mãos de Beatriz e, mirando seus olhos diretamente nos dela, continuou calmamente: − Todas as vezes que desrespeitamos nossos pais, todas as vezes que você me desrespeita, há consequências. Entendeu, minha filha?
A menina apenas assentiu com a cabeça. Roberto saiu do quarto, deixando sua assustada cria sozinha. O corpo de Beatriz encontrava-se rígido. Seus olhos, arregalados. A respiração ofegante.
Beatriz caminhou até a cozinha, onde sua mãe se encontrava.
− Mamãe... acho melhor eu não ir ao parque.
− Como assim filha? − questionou?
− É que o papai... eu não quero atrapalhar.
− Você nunca atrapalha, querida. Vai, sim. Agora que quase tive uma briga com ele por conta disso, você não vai desistir.
− Mas, mamãe, é que...
− Sem desculpas. Só me faltava essa! Vão os dois juntos ao parque, sim!
− Está bem – assentiu a menina.
Enquanto isso, Roberto entrou em seu quarto para escolher uma roupa mais adequada. Passou uma quantidade de desodorante e de perfume significativa. Oficialmente, ele iria apenas andar pelo parque. Essa, porém, não era a verdadeira intenção de Roberto. Además, ele decidira que a pequena Beatriz não iria atrapalhar seus planos iniciais.
Após longos minutos arrumando-se, o homem saiu de seu quarto. Viu sua filha, Beatriz, na sala, parada ao lado do telefone e tensa.
− Que cara é essa, Beatriz? − questionou ele.
− Nada não − respondeu a menina.
− Então vamos! Hoje é dia de andar no parque com o papai.
Beatriz e Roberto despediram-se de Laura e foram de carro a caminho do Taquaral, o parque mais famoso da cidade. Dentro do carro, a ausência de conversa entre os dois era preenchida pelo som do toca discos, com a música Highway to Hell, da banda AC/DC. Beatriz gostaria de ouvir as músicas do Bozo, mas achou melhor não se arriscar com o pedido dessa vez.
Chegaram ao parque. O local possuía um percurso longo para caminhada, que margeava uma lagoa, além de árvores e mesas de piquenique do outro lado do passeio. O cenário era bonito. Dentro da lagoa, uma grande caravela, réplica das embarcações do descobrimento do país, repousava tranquila. A embarcação era um dos cartões postais da cidade de Campinas. E foi para lá onde Roberto, seguido por Beatriz, caminhou.
Próximo da caravela, Roberto avistou uma bela moça sentada em um dos bancos de descanso do parque e andou em direção à ela.
− Boa tarde, Amanda.
− Achei que você não fosse mais aparecer − respondeu a moça.
Os dois se cumprimentaram com um forte e caloroso abraço.
− Bem... e essa é minha filha, Beatriz.
A jovem mirou a menina com um olhar confuso.
− Ah, olá − respondeu, com um sorriso sem graça.
O trio não sabia como agir. Um silêncio constrangedor tomou o espaço por alguns segundos. Durante um breve momento, era possível ouvir os pássaros do parque cantando, mas sequer uma palavra de Roberto, Amanda e Beatriz.
− Filha, por que você não vai ver os bichinhos do parque? Olhe que pavão bonito!
O Parque Taquaral possuía alguns animais em pequenas jaulas. O pavão era um dos mais visitados.
− Mas eu não... − antes que pudesse negar o pedido, a menina percebeu o olhar severo do pai. − Está bem, papai.
Beatriz seguiu com pouco interesse para onde o grande pavão se encontrava enjaulado, há poucos metros de onde seu pai e Amanda conversavam.
− Eu achei que iríamos sair... não acha estranho trazer sua filha para cá?− questionou a moça.
− Desculpe-me, mas é uma longa história. Não havia com quem deixá-la e o que me restou foi trazê-la para cá.
− Então quer dizer que nosso momento mais privativo ficará apenas para uma próxima?
A pequena Beatriz percebeu uma movimentação grande de crianças dentro do parque, todas correndo em apenas uma direção.
− Eu não diria isso − respondeu Roberto.− Nós podemos deixá-la brincando por aqui enquanto vamos para o carro. Não poderemos ficar por muito tempo, mas será o suficiente para matar um pouco da vontade que temos um do outro.
Quando Beatriz descobriu o motivo de tamanha agitação no parque, seus olhos brilharam. O nariz e a boca vermelhos, assim como os cabelos espetados e a pele branca eram inconfundíveis. O palhaço Bozo estava no local.
− Você está brincando, não é? Deixar uma menina desse tamanho sozinha por aqui? − disse Amanda, inconformada.
− Ok, ou então nós podemos...
− Papai, papai!− chamou Beatriz.− Eu acabei de ver o...
− Eu não disse para você ver o pavão?! − falou Roberto, impaciente.
− Mas é que eu ia pedir para ir ao...
− Vai para lá! Nós estamos conversando, filha! Assunto de adulto, não está vendo?
Mesmo com a rispidez com que seu pai se dirigiu à ela, Beatriz ficou contente em ter sido autorizada a ver de perto o palhaço Bozo. Correu, sozinha, em direção ao seu ídolo.
−... ou então nós podemos ir ao shopping e deixá-la brincando na piscina de bolinhas ou algo do tipo − prosseguiu ele.
− Não, Roberto. Não acontecerá nada entre nós hoje. Não consegue perceber que é impossível e estranho com a menina por aqui?
Ele tentava encontrar de toda forma uma solução viável.
− Mas e se nós...
− Não! − interrompeu Amanda, enfática.
Uma mistura de frustração e raiva tomou conta de Roberto. Ele segurou no braço de Amanda e disse:
− Mas eu quero você.
− Solte-me, Roberto! – protestou a moça.
− Eu quero você hoje!
− Roberto, você está me machucando!
− Vamos pro carro, eu quero você agora! − disse ele, quase empurrando-a em direção à saída do parque.
− Se não me soltar agora, eu vou gritar! − esbravejou a mulher.
Alguns dos que caminhavam no parque olharam para o casal de amantes. Com isso, Roberto soltou a mulher, que saiu de forma rápida do campo de visão do pai de Beatriz, não sem xingá-lo por vários palavrões. Roberto, então, olhou para a jaula onde o pavão que, mesmo a contragosto, era exposto para o público. O homem não viu Beatriz. "Onde raios ela está?", questionou-se.
O professor caminhou pelo parque com o coração acelerado, mas ainda sem a consciência plena do que ocorrera de fato. Avistou uma aglomeração de crianças e aproximou-se delas. Um homem vestido de palhaço Bozo fazia a alegria dos pequenos. Roberto tinha certeza de que Beatriz havia se dirigido para lá, em direção ao seu grande ídolo. Procurou por sua filha. Perguntou por sua filha. Não via Beatriz. A menina não se encontrava junto das outras crianças. Roberto percorreu o parque inteiro. Suava de nervoso. O homem empalideceu com o sumiço da filha. Sentiu um aperto alucinante na boca de seu estômago, seguido de uma ânsia de vômito. Olhou para todos os lados. Perguntou dela a todos que cruzavam seu caminho. Não obteve respostas. Sua filha havia sumido.
− Onde ela está?− disse, nervosa, a voz de uma mulher.− Roberto, onde está Beatriz?
Atordoado, o professor olhou para a pessoa que lhe abordara. Era Camila, sua cunhada.
− Mila?
− Onde está a menina, Roberto?− gritava ela.
− Eu... eu não sei... ela estava...
− Pelo amor de Deus, Roberto! O que fez com ela?Onde está Beatriz?
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