Capítulo 15 - A Aliada

Roberto acordou e foi para o trabalho. Aquele era como um dia normal para todos, mas não para ele. Algo da noite passada ainda lhe inquietava. Essa inquietação tinha nome: Fernanda.

O pai de Beatriz trabalhou o período matutino inteiro. Em sua aula, permitiu que os alunos jogassem o jogo que quisessem e praticassem o esporte que bem entendessem. O professor não tinha cabeça para ministrar uma aula de verdade naquele dia. Seu cérebro estava focado no que faria assim que suas aulas terminassem.

O sinal soou, indicando o fim de seu turno. Roberto pegou seus pertences na sala dos professores e caminhou até o carro. Nesse dia, ele não almoçaria na escola. Nem em sua casa. O pai de Beatriz tinha outros planos mais urgentes.

Ligou seu carro e partiu rumo ao centro da cidade. Dirigia em direção a um certo escritório de contabilidade. Precisava conversar com a esposa de Mila.

Após menos de quinze minutos ao voltante, ele estacionou o carro e entrou no estabelecimento de porte médio.

− Pois não, senhor? − disse a recepcionista.

− Olá. Meu nome é Roberto e preciso falar com a Fernanda. Sou o cunhado dela.

− Infelizmente ela está fora em uma reunião no momento, senhor. Quer deixar algum recado?

Roberto suspirou.

− Ela volta ainda hoje pra cá?

− Creio que sim − respondeu a moça.

− Ótimo. Vou aguardar.

Roberto se sentou em uma das poltronas da recepção. Ele sentia seu estômago roncando, clamando por uma refeição ou algo que apaziguasse a fome. Sentia mais ainda, porém, que havia a possibilidade de Fernanda não querer lhe receber. Dessa forma, sua melhor chance seria abordá-la na entrada do escritório. Mais algumas horas de fome não lhe matariam. Já a ansiedade por fazer da esposa de Mila sua aliada lhe corroía a alma.

Passaram-se trinta minutos. Uma hora. Mais trinta minutos. Um casal de clientes do escritório se sentou nas outras poltronas da sala. Duas horas de espera. As dúvidas começavam a dominar Roberto. Ele não tinha certeza se Fernanda voltaria tão logo para lá. O destino, porém, às vezes premia os pacientes. Ele notou um carro sendo estacionado. Sim, era ela. Enfim, sua espera havia terminado.

− Boa tarde, Isabela! − disse Fernanda à funcionária da recepção, sem notar a presença do pai de Beatriz.

− Fernanda! − manifestou-se Roberto.

A cabeça dela girou em direção da voz que lhe chamara. Ao avistá-lo, ela ficou claramente desconcertada. Ainda assim, caminhou ao encontro do homem que lhe esperara por tanto tempo.

− Roberto? Você por aqui?

− Isso... precisamos conversar.

Ela coçou sua própria cabeça e suspirou.

− Infelizmente o dia está bastante tumultuado hoje − tentou desconversar −, mas espero realmente que o que quer que esteja lhe incomodando consiga se resolver o mais rápido possível!

O pai de Beatriz, entretanto, se mostrou decidido a levar a conversa adiante.

− Não, Fernanda − disse ele, num tom de voz relativamente alto, denunciando seu desespero.− Precisamos conversar, agora! Nossas esposas estão loucas! – A atitude de Roberto chamou a atenção do casal que aguardava na sala. Eles levantaram a cabeça, atentos ao que o homem e sua concunhada falavam. − Eu estou sem saber o que fazer e acho que você é a única pessoa capaz de me entender. Se não fizer por mim, faça por nossa família! – implorou.

Fernanda emudeceu por alguns segundos. Sua vontade era a de expulsar Roberto de lá, o que, afinal, poderia ter feito. Apesar disso, a recém promovida coordenadora não queria chamar a atenção para si de forma negativa, ainda mais com clientes observando tudo o que ocorria. Preferiu resolver seus problemas de forma privativa.

− Está bem, Roberto− disse ela num tom de voz baixo, evitando os olhares e ouvidos curiosos dos presentes do local.− Venha comigo até meu escritório, mas que seja rápido.

Os dois saíram da recepção e andaram por um corredor bem iluminado. Uma porta foi aberta por Fernanda, revelando um escritório não muito grande, mas bem arrumado, e com uma decoração bastante sóbria. No local, uma mesa com duas pilhas relativamente grandes de papéis e duas cadeiras pretas.

− Sente-se – convidou, apontando para uma cadeira próxima da mesa.

Ele obedeceu.

− O que lhe traz aqui?− perguntou Fernanda, com receio da resposta que viria.

− Desculpe pelo transtorno que estou lhe causando. Não era minha intenção interromper seu trabalho, mas eu precisava...

− Roberto − interrompeu a esposa de Camila−, por favor, seja objetivo! Não quero ser rude, mas realmente estou ocupada.

Ele olhou diretamente para Fernanda, endireitou sua coluna na cadeira e se preparou para, enfim, começar a falar sobre tudo que lhe trouxera até ali.

− Ela não é Beatriz, Fernanda! Ela não pode ser Beatriz! Até ontem, parecia que eu era a única pessoa sã dessa família. Mas agora acho que não. Você também não acredita nessa história. Mais do que isso: você, Fernanda, também se incomoda com essa história.

Ela suspirou.

− Roberto, sinceramente, eu prefiro não me envolver nisso. A família, na verdade, não é minha e...

− Você não pode não se envolver, Fernanda!− disse ele, batendo sua mão direita na mesa do escritório.−Você é minha única esperança de provar para Laura e Camila o quanto isso é uma loucura!

− Quem sabe não seja melhor assim? Laura está feliz, não está?

− Felicidade? − questionou Roberto. − É tanta felicidade habitando aquela casa que você mesma não conseguiu nem terminar o jantar! − Ele colocou as mãos no seu próprio rosto.− E isso nem é toda a loucura, Fernanda! Eu e Laura prometemos não falar disso para ninguém, mas você não sabe em qual lugar essa Beatriz apareceu antes de chegar em casa. De alguma forma, ela surgiu desmaiada na porta do...

− Eu não quero saber, Roberto! − interrompeu.− Não me interessa essa história! Eu não quero me envolver! Deixe-me em paz e saia já daqui!

Ele se levantou da cadeira.

− Não vou sair enquanto você não me disser que isso tudo é uma loucura! Que sabe, tanto quanto eu, que é impossível aquela garota ser minha filha! – desafiou.

Os olhos e orelhas de Fernanda já apresentavam uma coloração avermelhada.

− Quer que eu fale sobre loucura, Roberto? Então eu falarei! − esbravejou ela. − Todos estão loucos! Você, Laura, Beatriz e até mesmo a Camila! Pouco me importa se não acredita que ela é a sua filha! Pouco me importa se, mesmo assim, você dá banho nela e ainda parece gostar! Pouco me importa se ela apareceu no prostíbulo onde você e Laura se conheceram! Pouco me importa se são a família de Camila! Eu quero distância de todos vocês! − disse, com o dedo em riste apontado para ele.− Loucura de verdade seria permitir que me envolvam nessa história! Agora saia daqui e não pise nunca mais em meu trabalho de novo!

Roberto percebeu que Fernanda não colaboraria com ele. Com esse revés, como ele poderia ganhar a guerra contra a falsa Beatriz? Teria ele que conviver em sua própria casa com uma estranha que lhe chama de pai?

− Está bem. Se não há nada mais que eu possa fazer para lhe convencer, não lhe incomodarei mais – disse, dando-se por vencido.

A respiração ofegante de Fernanda podia ser ouvida.

− Então saia daqui, Roberto. − Seu tom de voz soava mais calmo.− Por favor!

De cabeça baixa, conformado de sua derrota, ele seguiu a caminho da porta de saída do escritório. Um passo. Dois passos. Três passos. No quarto, Roberto parou. Ergueu sua cabeça e a virou em direção de Fernanda. Ela lhe retribuiu com um olhar temeroso, já que o semblante confiante e desafiador parecia ter voltado a reinar no rosto de Roberto.

− Tem algo que você não está me contando, não é mesmo, Fernanda?

− Roberto, pela última vez: saia daqui! Na próxima, não será um pedido!

Apesar da ameaça, ele deu mais três passos na direção da esposa de Camila.

− Então me explique: como você sabe que Beatriz reapareceu no prostíbulo onde eu e Laura nos conhecemos, se nós prometemos um ao outro não falar a respeito disso para ninguém?

− Eu vou gritar!− ameaçou Fernanda.−Saia já daqui ou chamarei a polícia!

Ele se aproximou ainda mais dela, e respondeu bem próximo de seu ouvido.

− Chame! Se estiver envolvida diretamente na chegada dessa nova Beatriz, você será cúmplice no crime de falsidade ideológica.

O pai de Beatriz percebeu que a orelha de Fernanda ganhava novamente a coloração avermelhada.

− Eu não fiz isso, Roberto! Eu não fiz nada! Não envolva a polícia, por favor!

Roberto sabia que havia algo ali.

− Se não fez isso, por que está com medo da polícia? − questionou.

Fernanda coçou sua cabeça. A frequência de sua respiração havia aumentado. O nervosismo voltava a dominá-la.

− Não é a mim que quero proteger...− confessou.

Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top