A música da paixão

Mamãe disse que já sou grande, o que significa que posso namorar se eu quiser. Também quer dizer que os livros da escola ficaram maiores e mais pesados, e que tem que ser forte e grande o suficiente para carregar eles. Além disso, há alguns meses entrei na aula de atividades sociais para jovens, ou ASJ.

O nome desse livro enorme é apostila, tenho três apostilas na minha mochila, isso está dificultando para andar, mas mesmo assim tento me apressar para chegar na hora certa na minha sala. Seguro meu andador, respiro fundo e entro no corredor.

Respirar fundo é soltar e prender a respiração algumas vezes, contando até dez, do jeitinho que a doutora Amanda ensinou, assim eu fico bem mais calma. Por que tenho que ficar calma para andar no corredor? Isso deveria ser fácil, né? Mas tenho que ficar tranquila porque ando devagar e às vezes garotos grandes gritam atrás me chamando de tartaruga, isso me deixa nervosa, e quando estou nervosa dá aquela vontade de chorar, sinto tontura, travo totalmente. É por isso que sempre respiro fundo para me certificar de que ficarei calma o suficiente para chegar na sala sozinha.

Mas no meio do corredor as apostilas parecem pesar ainda mais, isso me incomoda. Depois sinto uma mão no meu ombro, olho para trás e vejo Lucas, ele não fala muita coisa, então abro um sorriso e começo a falar primeiro:

_ Oi Lucas! Você ganhou apostilas também? Eu estava feliz com minhas apostilas, até descobrir que são muito pesadas mesmo, e que atrapalham a andar no corredor. Mas tudo bem, pelo menos ter elas significa que sou grande, né?

Lucas é autista, foi o que tia Lúcia me contou, mas não sei bem o que isso quer dizer, ela não explicou mais nada. Ele começa a tentar tirar a mochila das minhas costas, eu pergunto:

_ O que está fazendo? Não está roubando minha mochila, né? Tia Lúcia falou para tomar cuidado depois que o Diego teve a mochila roubada e encontrou ela numa lata de lixo lá na cantina, estava bem nojenta. Não é legal roubar mochilas, Lucas.

_ Vou ajudar a carregar mochila, não roubar _ é o que Lucas diz.

Deixo que ele me ajude, fica mais fácil andar. Andamos juntos até chegar na nossa sala, Lucas sempre anda mais devagar que o normal quando está comigo porque preciso desse andador e é mais complicado, mas ele tem paciência para me esperar, e isso me deixa muito feliz. 

Quando chegamos lá, tento me esconder atrás de Lucas. Meu amigo pergunta:

_ Por que se esconde, Valentina? 

Eu não sei como explicar pra ele o que está acontecendo. Será que um autista entende o que é estar apaixonado? Todas as vezes que vejo Matheus, meu coração acelera, sinto uma sensação esquisita na barriga, fico muito tímida, e não consigo parar de olhar para ele. Mamãe explicou pra mim que isso é estar apaixonada e pediu que eu tomasse cuidado, não sei o porquê de ter que tomar cuidado.

_ Por que está escondida?_ Lucas pergunta de novo.

Se eu não responder, meu amigo vai ficar repetindo a mesma pergunta várias vezes, então digo:

_ Lucas, a tia Lúcia já falou que é feio fazer perguntas irritantes para garotas, e essa pergunta é irritante, não vou responder.

Lucas olha para mim, parecendo confuso e dizendo:

_ Mas essa pergunta não estava na lista de perguntas irritantes que a tia Lúcia passou, e eu sei a lista de cor. 

Acontece que ele leva listas muito a sério, nem tudo o que é irritante necessariamente está numa lista, só que ele não entende isso. Fico calada, posiciono o andador do lado da minha mesa e sento na cadeira, esperando a aula começar.

Tenho aula junto com todo mundo, isso se chama inclusão. Mas não significa que eu entenda o que os professores ensinam, fico confusa, parece outra língua mesmo que não seja aula de inglês ou espanhol. Agora estou tendo aula de química, mas não faço ideia do que é um metilpropeno. Por que essa matéria tem tantos nomes estranhos? Decido tomar coragem e perguntar:

_ Professor, não entendi o que é um metilpropeno, queria saber o que é. Só vejo esses desenhos estranhos com traços e pontos, ou um monte de C, H, e mais traços.

Ouço risadas, devem me achar engraçada. Não vi nada engraçado na minha pergunta, mas olho para Matheus e vejo que está rindo. Ele fica tão bonito quando ri, mais bonito do que o normal, meu coração acelera, sinto que preciso falar mais vezes, talvez assim ele preste atenção em mim e também se apaixone.

O professor levanta seus óculos que às vezes ficam descendo no nariz, ele está bem sério, e responde para mim:

_ Valentina, eu acabei de explicar o que é um metilpropeno, não posso ficar repetindo a mesma coisa várias vezes, isso atrapalha seus colegas. Se quiser copiar o que tem no quadro, desenhar, deitar a cabeça na mesa, pode fazer, mas não é bom que faça perguntas.

Mamãe explicou que a escola é um lugar de aprendizado e conhecimento, ela diz que vou crescer e conseguir um trabalho de acordo com o que eu conseguir aprender, mas não aprendi muito. Os professores não podem ficar me respondendo, Lucas às vezes tenta me ensinar mas acaba não conseguindo, e a professora de apoio diz que não preciso ficar chateada por não entender as coisas.

Não é como se eu não tivesse aprendido nada, até aprendi algumas coisas. Sei contar dinheiro, contar de zero a cem, somar, subtrair, sei a tabuada do um e do dois, também sei ler e escrever, embora Lucas diga que eu escrevo muitas palavras erradas. O problema é que dizem que aprendi muito pouco, e eu realmente queria aprender mais, só não consigo do jeito das outras pessoas.

Começo a desenhar borboletas em meu caderno, desistindo de entender o que é um metilpropeno, e esperando pela aula de ASJ que é a única que consigo compreender agora que cresci.

Faço borboletas bem bonitas. Será que Matheus gosta de borboletas? Acho que vou dar um desenho pra ele durante o intervalo, não conheço ninguém que não goste de borboletas. Quero que ele sorria para mim assim como estava sorrindo na aula de química.

Olho para ele enquanto ouço meu coração bater acelerado, parece o som de quando eu bato no tambor lá na musicoterapia, tocando uma música agitada e alegre. Fico em silêncio, apenas apreciando sons secretos que mais ninguém ouve além de mim. Mamãe uma vez disse que essa é a música da paixão.

Oiii, minhas borboletinhas! Espero que estejam bem!

Vamos interagir um pouquinho, né?

Gostaram de conhecer Valentina? 

Como será que é a aula de ASJ? Digam o que imaginam que seja.

Será que Valentina vai ser correspondida?

Lucas é um bom amigo ou não?

Tem alguma ideia do que vai acontecer depois?

Essa personagem é uma mistura de várias pessoas que conheci no hospital, e que eu queria que se sentissem representadas. Alguém olhou para vocês, vocês não são invisíveis, e são incríveis porque me inspiraram na escrita deste livro, queria dizer isso para cada pessoa que serviu de inspiração, embora não seja possível.

Passei a minha vida toda nos hospitais, fazendo terapias individuais e em grupos. Fiz alguns amigos, mas outras vezes simplesmente estava sentada esperando na recepção observando pessoas aleatórias, cujas vidas eu não sabia como era. Essas pessoas logo saíam e eu só podia criar histórias em minha mente sobre elas, quase como se as conhecesse, embora não tenhamos trocado uma só palavra.

Talvez você aí que está lendo isso pode ser uma dessas pessoas, talvez não. Mas se  gostaram desse capítulo, votem, comentem, indiquem pros amigos de vocês, me apoiem para que eu continue escrevendo este e outros livros.

Enfim, até o próximo capítulo, minhas borboletinhas,

Tchau, tchau.

Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top

Tags: