Prólogo - Noite Fatídica

 Você conhece o chamado efeito borboleta? Segundo a cultura popular, o simples bater de asas de uma borboleta poderia influenciar o curso natural das coisas e, assim, talvez provocar um tufão do outro lado do mundo.

Vivenciamos isso todos os dias das nossas vidas, desde a hora que escolhemos abrir os olhos até o momento que eles se fecham para descansar.

Talvez você tenha ciência disso, talvez não. Liz nunca havia pensado nisso até o ocorrido naquela noite fatídica em sua casa, bem embaixo de seu nariz.


A noite mais quente do ano caía como prometido naquele sábado à noite.

Liz Dias estava completando dezoito anos naquele final de semana, e os pais finalmente haviam concordado em deixá-la se reunir com os amigos em casa, mas com uma pequena condição que não lhe parecera um empecilho - ficar com o irmão mais novo, Henrique.

Assumiu a responsabilidade. A criança vai se deitar às vinte e uma como todas as noite, sob ordens da irmã.

21:30 a campainha da porta toca.

Acabando de secar os cabelos recém tingidos de um ruivo vivo para encobrir as raízes morenas, Liz voa escada abaixo para atender. Gabrieli é o rosto familiar que a espera com um sorriso amigável, a boca carnuda com um batom vinho escuro. A garota negra havia raspado o cabelo rente à cabeça, deixando-lhes com um tom loiro claro para destacar-lhe a pele. Brincos de argola maiores que seu punho pendem sobre seus ombros. Em uma das mãos, segura uma garrafa de sua bebida preferida - uma cachaça com cheiro forte para fazer caipirinhas. Uma sacola de limões na outra mão.

Gabrieli e Liz são melhores amigas desde os onze anos, quando se sentaram coincidentemente lado a lado na primeira aula do sexto ano.

- O moleque foi dormir? - Ela pergunta, já entrando.

- Apagado. Coloquei um remedinho na sopa dele.

Gabrieli arregala os olhos.

- O que foi? É natural, um calmante lá que a minha mãe toma pra dormir. - Liz se defende, cruzando os braços em frente ao corpo.

Gabrieli troca a feição julgadora por um sorriso malicioso.

- Tá gostosa, hein? Isso tudo pra quem?

Liz passa as mãos pelo vestido vermelho colado que combina com seu cabelo e batom. Está mais curto do que convém-se adequado, mas ela não se importa. Os olhos com sombra preta destacam seus olhos verdes cor de esmeralda.

- Pra quem eu quiser, querida. - Ela tira a garrafa da mão da amiga e despeja uma boa golada do líquido com odor forte em sua boca.

A noite mal havia começado.

Henrique acorda com uma pontada de dor no estômago. Os olhos do pequeno acostumam-se vagarosamente ao escuro de seu quarto. Sente ânsia e corre em direção ao banheiro, mas não chega a tempo. Vomita toda a sopa de carne do jantar no chão de madeira de seu quarto.

Lágrimas escapam de seus olhos com um choro sentido. Ninguém gosta de vomitar.

Um som alto estremece o chão e as paredes ao seu redor. Ele percebe que vêm de sua casa.

Ainda descalço, desce as escadas esfregando os olhos, à procura da irmã.

Os adolescentes bêbados não parecem se importar com a criança de pijama em meio à uma festa como aquela.

Ele estranha cada uma daquelas pessoas, que superlotam sua casa.

A porta da frente está entreaberta.

Henrique costura por entre as pessoas até chegar ao lado de fora, à procura da irmã. Mas Liz não está lá.

Liz acorda afundada no sofá com uma garrafa de cerveja vazia ainda nas mãos, tombada no chão.

Não entende como aquilo pode ter sido uma noite bem sucedida, mas tem a sensação de que foi.

Olha no relógio da sala, em cima da lareira - 2:36 da manhã. A casa já havia esvaziado consideravelmente.

Tão cedo, ela pensa.

Olhando-a espreguiçar-se no sofá, Erik dá mais um demorado gole em sua cerveja, findando-a com um último longo gole. A noite não acabou para o amigo.

Gabrieli beija o namorado Mateus no sofá ao lado.

- Arrumem um quarto. - Liz pensa em jogar a garrafa vazia em suas mãos, mas sabe que terá que limpar a bagunça mais tarde.

- Bom dia, dorminhoca. - Erik puxa a cadeira para aproximar-se da ruiva.

- Essa noite foi um fracasso. - Ela resmunga, arregalando os olhos pesados.

- Você pode achar isso, eu não acho. Acho que ela pode estar só começando.

Erik não é o padrão de homem bonito que se vê em capas de revistas e comercial de perfume, mas é charmoso e elegante. Têm lábia e sabe usá-la. Já há algum tempo ele e Liz se encontram casualmente, desfrutando da atração física mútua. Aquele era o momento perfeito.

Liz olha em volta. Na sala, mais meia dúzia de pessoas restam. Na cozinha, algumas assaltam sua geladeira.

Seus pais a matariam se soubessem o rumo que aquela "reuniãozinha" havia tomado.

Quando volta a olhá-lo, Erik está muito próximo. Seus lábios poderiam tocar os dela em uma mísera investida.

Ela sorri e ele não resiste a beijá-la, tirando o pouco que ainda resta do batom vermelho de seus lábios.

Os amassos quentes rumam para algo a mais - e ela está em sua casa. É seu aniversário.

Ainda tonta e desnorteada pelo álcool que corre em suas veias, Liz puxa o garoto escada acima, em direção aos quartos.

Antes mesmo que os degraus acabem, Erik empurra a garota com desejo contra a parede, passando as mãos por seu corpo.

Liz retribui a volúpia, mantendo-se em pé apenas por causa dele, que a ampara com as mãos em suas cinturas - e descendo.

Ela se desvencilha de seu beijo por um segundo para puxá-lo para seu quarto, mas assim que seus olhos se abrem, vê a porta do quarto do irmão aberta.

Ela se lembra de tê-la fechado.

Erik se afasta dela ao perceber o clima estranho, e olha na direção em que os olhos verdes da garota estão focando.

Liz perde o ar - a porta do quarto está aberta. No chão, ao lado da cama, uma poça de vômito mistura-se ao chão de madeira. A cama está desarrumada - e Henrique não está nela.

- Ai, meu Deus. - Liz leva as mãos ao peito, sentindo um misto de angústia e agonia.

Ainda cambaleando, corre para o quarto do irmão. Procura-o em todos os míseros cantos. Erik a olha da porta, preocupado.

- Está esperando o quê? - Ela praticamente grita ao vê-lo prostrado como um fantasma à porta. - Vá procurá-lo!

Erik não espera por mais ordens.

Vasculha por todo o segundo andar enquanto Liz desembesta a correr escada abaixo, arriscando-se com o estado de sua percepção e o salto alto.

Seus olhos saltam de órbita - a porta da sala está escancarada.

- O que foi? - Samantha é a primeira a chegar ao seu lado. Elas são amigas, mas não das mais próximas. - Liz, o que está acontecendo? Tá me assustando.

Liz tira os saltos dos pés e os joga para qualquer canto, correndo para o lado de fora da casa. Samantha a segue com o copo de caipirinha em mãos.

- Liz, o que foi?

Liz descabela-se a chorar.

- O Henrique! - Ela grita com a voz embargada pelo álcool e os soluços. Olha para trás a tempo de ver Erik descendo as escadas, sozinho.

Ela corre de volta para a casa e vasculha por cada canto. A música já estava desligada. Os últimos convidados presentes percebem o clima e dispersam-se aos poucos.

- Liz? Liz! - Gabrieli segura em seu punho. - Vamos encontrá-lo, ok? Mateus está sóbrio, vamos pegar o carro e dar uma volta. Ele é uma criança, não têm para onde ir.

Liz envergonha-se por pensar antes na bronca que irá tomar e depois na segurança do irmão.

Ela concorda com a cabeça, limpando as lágrimas insistentes.

Mateus liga a ignição do carro e Gabrieli senta-se ao seu lado. Liz e Erik prostram-se atrás e Samantha faz questão de ocupar o último lugar vago.

A noite mal havia começado - é o que Liz repetia a si mesma até o momento. Entretanto, agora, tudo o que queria era que acabasse.

Encontraram o corpo de Henrique na floresta, levado pelo riacho, na mesma noite.

Ninguém testemunhara, ninguém viu o que aconteceu, mas a quantidade de calmante no corpo da pobre criança era alarmante, a autópsia revelou.

Henrique havia caído e a correnteza o levou para longe naquela noite fatídica, impetuosamente.

Liz nunca se perdoou. Pensa todos os dias o que teria acontecido se tivesse mudado o rumo dos eventos. A tortura é agonizante.

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