↬❀ CONTO III
Cast do casal
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Era verão, mas chovia fracamente.
Arthur abriu a porta com cautela com medo de que Camila estivesse dormindo. Deu a volta na enorme cama e ajoelhou-se de fronte a ela. Os olhos pequenos da moça encontravam-se fechados para o mundo e abertos para uma explosão de emoções. Seu nariz, vermelho como morango, fungava, desmanchando totalmente sua farsa de dormência. Mantinha a mão direita embaixo do travesseiro como no seu hábito. Sem pressa, encarou o rapaz, chorosa.
Como reação, Arthur ofereceu um singelo sorriso não apenas para alegrá-la, como também por lembrar que Camila insistira tanto em comprar as colchas de cama amarelas, mas que naquele momento se encontravam no chão, rejeitadas. Como era possível ela se afadigar tão rápido das coisas, menos dele?
Como amava aquela mulher. Lembrou-se de quando a viu pela primeira vez: ela mordia a ponta de um lápis como se o objeto tivesse acabado de lhe insultar. Nada na biblioteca se ouvia a não ser o barulho dos seus tênis batendo nervosamente no piso. Todo esse alvoroço exista, simplesmente, por não saber qual nome colocaria na máquina que acabara de inventar. De fato, Camila era a mais inteligente do departamento de Engenharia Mecatrônica e chegara a representar a faculdade numa famosa competição sul-coreana.
Embora fosse tímida e escondesse toda sua personalidade singular atrás de óculos de grau, alguém havia lhe notado. Arthur se convertera em seu admirador ábdito. E o seu sorriso se alargou com as memórias.
— Você está bem? — perguntou ele.
Como poderia Arthur fazer isso? Porventura não sabia que a pequena não segurava as lágrimas toda vez que ouvia tal pergunta? Camila logo começou a chorar e a imagem do marido tornou-se um mero borrão. Sentiu a mão firme dele afagar seus cabelos. Tentou entender como aquele homem se tornou a coisa mais importante de sua vida. E pensar que demorou muito para o notar: ela o conheceu nas vésperas de sua formatura, quando o jovem agitava um cartaz verde e amarelo, em cima de uma caminhonete velha, no protesto contra a poluição do lago da cidade. Depois de tantos anos, o amor ainda se mantinha intacto, não só por Arthur ser quem é, mas por mostrar-se dedicado aos dois todos os dias.
Camila meneou a cabeça negando, enquanto soluçava. Arthur sentou na beira da camada e encarou a esposa por um longo tempo. Palavras não precisavam ser ditas, apenas a companhia um do outro era suficiente para ambas as partes suprirem suas necessidades. Ele sabia que sua presença era a única coisa que a faria se acalmar, por isso, depositou delicadamente um beijo na testa pálida dela.
A mulher baixou a visão para a mão esquerda sobre o colchão e avistou a reluzente aliança de casamento. Em meios aos soluços, seus pensamentos retomaram o dia em que a ganhou. Como Arthur estava lindo, nunca tinha lhe visto de smoking, muito menos com os cabelos penteados. Ainda se recordava da fragrância que ele tinha escolhido especificamente para a ocasião. Guardara cada palavra que trocaram nos votos bem no fundo coração. Ponderou cada olhar ansioso e penetrante do seu noivo. Aquele dia, certamente, foi o melhor para ela.
Agora com ele, não precisava mais segurar o choro. Despejou-o como águas torrenciais.
— Shhhhh... — pediu Arthur, debruçando-se sobre ela — Vai passar... Ele partiu, mas ainda está no seu coração.
— Eu o amava tanto!
— Sabemos disso. Ele também te amava.
— Eu nem pude me despedir!
— Não tem problema, Camila, ele sabia que você não podia vir lhe ver.
— Mas eu o amava...
E mais lágrimas vieram. Enquanto Arthur alisava de leve o braço de Camila, recordou-se de todas as vezes que ela havia chorado tão profundamente. Bem sabia que a esposa era tão sensível quanto uma bromélia e agarrava-se aos sentimentos como alamandas em cercas. Era tão frágil e ao mesmo tempo tão doce e amável. Ao dirigir seus olhos azulados para ele, sabia que tinha a difícil tarefa de protegê-la.
Era a sua pequena.
— Você é tão... — Arthur procurou a palavra certa para descrevê-la – Delicada.
A atenção de Camila foi capturada.
— Quando se dispõe a amar alguém, você ama com todas as suas forças — continuou — E quando os perde, sofre como se sua própria vida tivesse sido tirada...
Arthur ainda pensou por alguns segundos ao passo que sua esposa lhe devorava com a alma.
— Parece que tem até um coração de minhoca — gargalhou da própria comparação arrancando um risinho abafado de Camila.
— Minhoca? — interrogou incrédula – Como assim, Arthur?
— É! Minhocas tem cinco corações! Para amar e sofrer tanto assim, só mesmo sendo como elas.
Camila riu do marido e segurou sua mão.
— Biólogos fazem comparações tão estranhas – afirmou ela.
— Fazer o quê? – Arthur levou a mão livre a nuca — Só sabemos dessas coisas e mais nada.
As gargalhadas do casal foram interrompidas por batidas na porta. A irmã mais nova de Camila mostrou apenas o rosto e esbanjou um sorriso brincalhão.
— Ela ainda está chorando? — perguntou em seu sotaque pouco brasileiro, devido os anos vividos na Europa.
Arthur confirmou. Então, a irmã caçula respondeu:
— Ora, Camila, deixe de choros desnecessários. Era só um cachorro!
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