↬❀ CONTO I
Cast do casal
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A miúda passou a festa inteira sacudindo as sete moedas na mão. Seus quatro reais eram importantes de mais, pois pagariam o bilhete do show de sua banda preferida. Não via a hora de toda aquela liturgia eclesiástica acabar e o jantar ser pulado. Nada podia arrancar-lhe o sorriso ou o entusiasmo.
Exceto uma chuva.
O céu, vermelho como os cabelos do Chapeleiro Maluco, não lhe fez temer. Os relâmpagos e trovões não lhe assustaram. Ela já tinha tomado a decisão de ir até mesmo na chuva, custasse o que custasse. Entretanto, a água torrencial fez com que o show fosse cancelado.
E ali, ilhada com algumas pessoas da festa debaixo de uma barraca, pela primeira vez a guria esmoreceu-se.
Não bastasse isso, seus amigos que foram impedidos pelos pais de a acompanharem no "passeio" incomodavam-na com sarcasmos e risos. Eles mal percebiam que a garota nunca tinha se sentindo tão triste em sua curta vida.
Ela enxugou uma lágrima e decidiu que mesmo acontecendo aquilo não deixaria se abalar. Haveria outras oportunidades de assistir à sua banda preferida. Era festa de ano novo e o que determinaria se seu ano seria bom ou ruim não seria o que aconteceria no primeiro dia, mas sim como ela lidaria com a situação. A guria lembrou que leu isso numa revista. Nunca tinha lido algo tão verdadeiro.
As moedas continuaram a sacudir na sua mão e tilintar no meio daquelas pessoas molhadas pela chuva. A garota precisava arrumar um novo propósito para elas. Pegou a moeda de menor valor e rodou entre os dedos.
E o amor da sua vida se aproximou.
Sim, o garoto que tinha o seu coração. Eles tinham ótimas lembranças juntos de tempos felizes que, diante das circunstâncias, não voltariam nunca mais. Havia dias que não pensava nele, estava quase acabando seu processo de superação pós relacionamento. Achava até que não o amava mais. Porém, só de ouvir sua voz, ela sentia a bailarina dançando na sua barriga novamente. As moedas já não eram mais sua atenção.
Diante dele, não sabia o que dizer.
— Por que está me ignorando?
Foi a primeira pergunta do garoto. A guria congelou. Não que fizesse aquilo de propósito, ela só não sabia o que dizer depois de tudo que havia acontecido. Foi muito dolorosa a separação deles, quero dizer, a guria julgou ser a pior coisa que lhe ocorrera. E, olhando-o nos olhos, ela viu sentimentos. Porventura seria os seus sentimentos refletidos na íris do rapaz ou pertenciam a ele? Não sabia dizer.
A guria desejou ter uma resposta concreta e aprazível para oferecer. Apenas desejou.
— Eu... — começou ela.
Diria a verdade? Descortinaria seus sentimentos mais intrínsecos logo no primeiro dia do ano, ainda que fosse para o amor da sua vida? Era imatura demais para tomar uma decisão correta. Certamente naquele momento, o coração da miúda doía a cada batida.
Ela inventou uma desculpa qualquer e tentou fugir do rapaz, mas sentiu-se horrível por tal escolha. Ele se afastou e decidiu ir embora. Então, a moça se deu conta do que realmente fez. Não poderia deixá-lo ir, não sem antes falar com ele. Na verdade, ela não sabia porque precisava fazer isso, apenas sentia a necessidade de estar perto o quanto pudesse ficar. Sentia que os últimos meses naquela cidade estavam sendo desperdiçados, pois não tinha mais um relacionamento com o seu primeiro amor, nem abraços, sorrisos e conversas. Tudo se tornou passado, e "aproveitar hoje enquanto dura" já não era mais uma opção.
Por um segundo ela se pôs a acreditar que seria sua última oportunidade de demonstrar algo. Por isso, correu e agarrou o braço do seu primeiro amor, pegou uma das moedas e colocou na sua mão. Finalmente havia encontrado um motivo realmente importante para aqueles pequenos metais. Não se tratava mais de um passaporte para algo efêmero, elas fariam suas lembranças se eternizarem na memória do jovem rapaz. Seria um objeto de valor inestimável que sempre a remeteria, que seria a única opção quando ele sentisse saudade, que os ligasse mesmo com a distância de lugares ou sentimentos.
— Olhe para essa moeda e lembre de mim, mesmo quando eu partir. — Ela pediu com um grande sorriso no rosto.
Era importante dizer isso. Talvez ele não entenderia. Mas o garoto lhe olhou nos olhos com pesar.
— Você vai mesmo me deixar?
A menina desviou os olhos para seu tênis rosado. O que dizer diante dessa pergunta? Mais uma vez ela não sabia responder. Sofrendo, o rapaz devolveu a moeda e partiu sem dizer adeus. Ambos não entendiam o que tinha acabado de acontecer. Ambos sofriam sem dizer. Ambos pensaram que viviam um amor unilateral. Ambos choraram.
E a miúda, mais uma vez naquele dia, desejou nunca ter amado.
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