Menina da Aldeia
É a primeira noite que passo sozinha e já estou a entrar em pânico.
Não pensei que me fosse atingir com tanta força em tão pouco tempo. Pensei que o entusiasmo de ser finalmente livre ia distrair-me uns dias antes que a vontade de chorar ganhasse.
Pelos vistos perdi essa batalha passadas umas horas.
É triste a minha figura, agarrada ao urso que tem quase o meu tamanho, a chorar baba e ranho por saudades da minha mãezinha.
Ela disse que poderia conhecer-me melhor sozinha, só não esperava descobrir uma chorona medrosa.
Foi bom o momento em que finalmente entrei no autocarro para sair da aldeiazinha que chamei de casa durante vinte anos, saber que vou conhecer pessoas novas para além daquelas que já sabem quem sou desde que nasci deixa-me feliz e curiosa.
Não senti medo quando me sentei no assento acolchoado e disse adeus à minha mãe, nem mesmo quando vi que ela começara a chorar enquanto abanava os dedos trémulos na minha direção, reunindo toda a força para não correr atrás do autocarro para me impedir de ir.
Não tive medo quando cheguei à cidade movimentada a umas horas de distância, aquela que parecia não dormir. Diziam que as luzes ficavam acesas e as ruas cheias de gente mesmo durante a madrugada. Ouvir isso, depois de passar toda a minha vida a acordar com o sol e a dormir cedo, porque não havia nada para fazer durante a noite senão dormir, é a coisa mais refrescante do mundo.
Não que me considere uma pessoa aventureira, não é que dê valor a estar acordada a essas horas, não gosto muito de sítios barulhentos, nem de multidões, mas preciso de uma mudança, preciso de me mexer, de fugir das paredes que têm olhos e ouvidos, onde ninguém pode fazer nada sem que os vizinhos saibam.
Preciso de liberdade, de algo novo, de desafios, de algo que não conheça.
Também não me assustei quando vi o meu novo quarto, numa residência universitária, um prédio que arrenda apartamentos minúsculos a um preço ridículo por estar perto das faculdades, mesmo que seja constituído por apenas um corredor longo e uma sala.
Não tive uma festa de boas-vindas, e muito menos alguém que me guiasse pelo prédio ou pelas redondezas, entrei no prédio alto e estreito, procurei pelo número do apartamento, digitei o código enviado por e-mail há uns dias, e a porta abriu.
O corredor é literalmente a largura dos meus ombros, e o apartamento não pode ser chamado de apartamento.
Um quadrado pequeno, à esquerda o cubículo protegido por portas de correr, com uma sanita, um lavatório e acima do lavatório uma cabeça de chuveiro, pelo menos quando tomar banho poderei lavar a sanita e o lavatório ao mesmo tempo.
À frente tenho uma secretária e algumas prateleiras para os meus estudos e livros.
E contra a outra parede uma cama minúscula onde nem consigo esticar os braços sem bater na suposta casa-de-banho. A mala ficou no corredor, onde terei que saltar cada vez que quiser sair de casa.
Mas o medo não veio, mesmo com tanta pequenez, pelo menos é meu, e não tenho que partilhar com mais ninguém.
Não, o medo só veio à noite, quando estava tudo escuro e eu não tinha uma única janela para abrir.
Quando queria chamar pela minha mãe mas não a tinha, nem lhe queria ligar com medo de a preocupar.
Sempre fomos só nós contra o mundo, não conheço mais nada senão a mesma terra e as mesmas pessoas. Ela sempre foi o meu chão, e não importa do que precise, ela está lá.
Agora, se algo me acontecer, terei que recorrer a outros recursos tanto porque ela está a horas de distância como porque quero provar a mim mesma que tenho idade suficiente para tomar conta de mim.
São as saudades que me sufocam, não o resto.
Por isso continuo agarrada ao urso que quase cai ao chão porque o colchão não tem espaço para os dois, a soluçar tanto que os pulmões pedem por descanso.
Pac!
O barulho na parede mete-me em sentido, o urso cai no chão quando me sento na cama.
Apercebo-me imediatamente que estava a chorar demasiado alto.
Os apartamentos estão juntos em três, numa só parede estão três portas, todas elas dão para um dos espaços pequenos que chamaremos de casa.
Um deles ouviu-me.
Pac! Pac!
As batidas não são fortes, são apenas toques suaves, mas suficientemente altos para que ouça. Como eu estou a ouvir as suas mãos, a pessoa também ouvia os meus soluços.
—Shhh
A voz quase que me aparece no ouvido, mas sei que foi a pessoa do outro lado do quarto.
Não foram rudes ou mal-educados, o barulho disse-me que está tudo bem, e por isso posso parar de chorar.
Pac!
Por alguma razão não consigo evitar o sorriso, porque percebi exatamente que tipo de intenções teve ao interagir comigo, talvez também se sinta sozinha como eu, talvez só quer que eu pare de chorar.
Não pediu que me calasse, ouviu o meu choro, sentiu-se incomodada e ofereceu um apoio silencioso não tão silencioso.
Imito o seu gesto, batendo na parede com o dedo duas vezes, como um agradecimento.
E com o som de um riso feminino do outro lado da parede, dou a nossa conversa como acabada, podendo finalmente deitar-me com os olhos secos e um ocasional sorriso que só uma situação estranha como esta pode dar.
Também não preciso de ter medo de estar sozinha.
Porque de alguma maneira estranha, não o estou.
***
No dia seguinte, com um dia inteiro de folga antes que os estudos comecem, estou mais que preparada para explorar.
Embora os olhos inchados sejam demasiado óbvios, ignoro a aparência duvidosa, visto uma roupa fresca e dou o meu primeiro salto pela mala para chegar à porta e finalmente conhecer a cidade que será minha durante este ano escolar.
Quando olho para trás, para o meu cantinho, faço uma promessa silenciosa de comprar algumas coisas para o decorar como quero. Talvez este passeio possa revelar algumas lojas divertidas, uns quadros, umas figurinhas, ou talvez uns vasos com flores falsas, para não correr o risco de as matar.
Deparo-me com uma figura bem em frente da minha porta quando saio, a minha mão apanha-lhe a saca que segurava sem querer.
Tomo um susto tão grande que o instinto congela-me o corpo.
Encaro a menina mais baixa que eu, com o cabelo castanho armado aos caracóis e uns olhos enormes e arregalados que me mostram que também se assustou.
Obrigo o meu coração a acalmar-se para a poder analisar, tem o braço esticado, enquanto segura uma saca de plástico que reparo agora que contém maçãs.
Pela direção suponho que as fosse pendurar na minha maçaneta.
— Presente de boas-vindas. — Ela abre um sorriso magnífico e entrega-me a saca, que já estava parcialmente à volta da minha mão. Depois dá-me uma palmada no ombro e o sorriso torna-se mais brincalhão enquanto pronuncia a palavra que me faz perceber quem ela é. — Chorona.
Foi ela, a pessoa que me bateu na parede e de alguma forma me confortou por estar a chorar.
Alguma parte de mim sente-se ofendida, ou talvez apenas envergonhada, por saber que ela sabe que chorei na primeira noite que passei aqui.
Ela tem um corpo pequeno, tão pequeno que nem lhe daria mais de dezoito anos, mas a sua postura diz-me que tem muito mais sabedoria que a idade que aparenta ter. Parece confiante e amigável, e o facto de querer passar o que aconteceu ontem como uma brincadeira de alguma forma faz-me gostar dela.
— Obrigada. — Antes de fechar a porta pouso a saca no chão.
— Quero espairecer e passear pela cidade, queres vir comigo? — Não sei como é que ela tem sequer coragem para se dirigir a mim com tanta confortabilidade quando eu nem sei o que lhe responder. Já se sente assim tão próxima de mim que consegue simplesmente perguntar se quero passar tempo com ela?
Até os meus pensamentos me envergonham.
Ela está a tentar ser simpática sabendo da minha disposição de ontem e aqui estou eu a duvidar das suas intenções.
— Sim, ainda não vi nada da cidade. — Tento sorrir, ainda que me sinta tímida ao ponto de querer correr para trás e passar o dia na cama.
Prometi que começaria de novo, que deixaria de ser tão fechada, que seria um pouco mais curiosa, mais corajosa. Este é o primeiro passo.
— Vou mostrar-te alguns dos meus sítios preferidos. Vais adorar. — Ela agarra-se às alças da mochila pequena preta e brilhante que tem às costas e saltita até à saída do apartamento. Com esse movimento noto que tem outra saca de maçãs na mão. Talvez para outro vizinho que tenhamos no prédio, posso não ter sido a única a chorar de saudades na noite passada. — Chamo-me Inaya, já agora. — Outro sorriso enorme nos lábios pintados de rosa. Ela tem um dom para a maquilhagem, a mistura de sombras que tem nos olhos é espantosa, algo que só sonharia em dominar.
— Omara.
— Omara. — Repete, levantando o queixo com uma careta estranha, talvez julgando o meu nome. — Já conheceste a senhoria do prédio? — Abano com a cabeça negativamente, pensava que ia ter alguém aqui para me receber quando chegasse, nem que fosse para me guiar ao meu novo apartamento, mas ninguém estava cá, tive de me guiar sozinha. — Vamos passar por lá agora. — Quando ela faz um movimento com a saca, sei que as maçãs são para ela. — Estou com fome.
A casa da senhoria não é longe do prédio, basta-nos atravessar a rua, para a casa pequena e antiga, rodeada por grades de metal enferrujado.
Inaya conta-me que a mulher é muito velha e que mal consegue ouvir, mas que oferece sempre comida, e como não lhe apetece gastar dinheiro no lanche, aproveita para deixar uma parte da grande quantidade de maçãs que a sua mãe lhe deixou antes de ir como presente e lancha o que costuma ser uma boa caneca de chá e algumas bolachas que ela mesma faz.
A mulher que nos abre o portão é realmente muito velha, e a Inaya tem que fazer um esforço para levantar a voz e repetir várias vezes o que quer dizer para que ela perceba. Mas a sua simpatia compensa quando nos convida para dentro e nos serve o chá e bolachas que já esperávamos ganhar.
A menina de cabelos castanhos anda até a cozinha e volta com uma faca, começando a cortar as maçãs, oferecendo à velha que parece estar muito contente por ter uma companhia.
— Então, Omara, nunca vieste à cidade? — A senhora Hall, descubro não muito tempo depois, pergunta-me com um sorriso carinhoso. Por momentos faz-me lembrar a minha avó, mãe da minha mãe, que morreu quando ainda era criança. Infelizmente a maioria das lembranças que tenho dela são durante a doença, mas lembro-me do seu sorriso, daquele carinho, do amor. Faço que não com a cabeça.
— A minha mãe trabalhava muito, também não gostava muito de sair, passei a vida no interior. — Dizer que não gostava de sair é pouco, por muito que pedisse por um passeio a sério, a cidade nunca seria opção. O nosso espairecer era nas poucas cascatas, campos e barragens que tínhamos perto de casa, nunca pude passear por multidões, ou ver como seria ter muitas escolhas de lojas, ou de restaurantes.
Sempre o mesmo, toda a minha vida. Sem desviar, sem mudar.
— Tens muito que conhecer, chorona. — Outra vez aquele apelido que espero que não cole, não sei se quero ser conhecida como chorona, especialmente se formos do mesmo curso. — Sou uma menina da cidade, nascida e criada. — O seu tom diz-me que está disposta a ensinar-me as suas maneiras de viver neste sítio que dizem nunca parar. Pelo menos isso agrada-me.
— Também vim para a cidade com a tua idade, pequena. — Senhora Hall começa, com um sorriso que lhe enruga a cara quase toda. — O meu sonho era ser hospedeira de bordo. Viajar pelo mundo. — Os seus olhos castanhos brilham com lembranças de sonhos há muito tempo passados.
— Chegou a viajar como queria? — Ela abana com a cabeça com mais força que devia, satisfeita com a vida que levou. Como seria conhecer todos os países, ver monumentos, culturas, línguas diferentes? Com certeza uma vida bem vivida.
A mulher oferece-se para nos mostrar um álbum das suas viagens, deslocando-se para outra sala que não esta e eu aproveito para comer mais uma das bolachas ainda quentes.
— Eu podia só... cortar o meu dedo inteiro a cortar esta maçã. — As palavras da Inaya voam por toda a sala, fazendo-me olhar para ela como se fosse uma assassina. Ela solta um som de incredulidade para a faca, com os seus pensamentos estranhos a explodir. Depois repara que a olho e sorri. — Podia, mas não o faço, sou cuidadosa. — Quando diz isso solta uma gargalhada como se tivesse dito a coisa mais normal do mundo.
Passamos o resto da hora a ver fotos da senhora em vários países e situações e, quando achava que não aguentava mais conversar, a Inaya arranca-nos de lá para finalmente poder mostrar-me um pouco das ruas movimentadas.
Maior parte dos prédios são remodelados, pintados das mais variadas cores, e transformados em hotéis tradicionais para os turistas que visitam o centro. Vejo mais turistas do que pessoas que falam a minha língua, é bom ver a diversidade, a vontade que as pessoas têm de conhecer o que nos rodeia.
Quase que me sinto como outra pessoa, uma que não foge dos montes de pessoas, que não se sente mal quando outras pessoas esbarram nos ombros quando passam apressadas, no meio de muitos corpos que querem ver tanto a cidade quanto eu.
Não consigo comprar nada que goste, infelizmente, por muitas lojas de decoração que tenha visto no caminho que tomamos.
Pude ver tantas lojas que a certo ponto já não conseguia decorar os nomes delas, lembrando-me apenas de alguns sítios que tenho que voltar para provar a comida que ela diz ser excelente assim como algumas livrarias que pareciam grandes o suficiente para poder passar lá uma tarde inteira escondida no meio de livros.
A Inaya deixa-me no quarto à hora de jantar e promete entrar em contacto comigo, guardando o seu número no meu telemóvel.
Aproveito o meu cansaço emocional para ferver um bocadinho de água na cozinha que pertence ao prédio pequeno inteiro, e como no quarto massa com um ovo cozido, pretendendo ficar quieta e sozinha o resto da noite.
Infelizmente, percebo que o facto de conseguir ouvir tudo o que se passa do outro lado da parede, não é uma coisa boa quando já não se precisa de alguém para bater por ela para dar apoio.
Os sons aparecem não muito tempo depois de ter decidido ir dormir, no meio do silêncio que tenho entre as minhas quatro paredes, começo a ouvir duas pessoas.
Reconheço imediatamente a voz da Inaya, seguida por uma risada masculina. Não consigo perceber o que conversam, especialmente porque não muito tempo depois, mesmo que os tente ignorar, começo a ouvir os seus beijos e os movimentos apressados.
Estou fora daquele cubículo exatamente quando ouço o primeiro gemido alto.
Decido dar mais uma volta por minha conta, e surpreendo-me com a quantidade de pessoas que ainda circulam pelas ruas a esta hora. Na minha aldeia já estariam todos a dormir, e se andassem por aí a vaguear eram bêbados ou coisas piores.
Muitos dos estabelecimentos que vi durante o dia já estão fechados, mas os bares e cafés permanecem cheios de vida, luzes e música enchem o espaço inteiro.
É uma festa, todo o dia e toda a noite.
Estou quase a chegar à ribeira quando decido que a Inaya já teve tempo suficiente para expulsar o rapaz do quarto, ou pelo menos, já se terem calado. Prometo a mim mesma que, mais tarde, voltarei e que chegarei ao rio, mas por agora, as pernas já imploram por descanso, e a cabeça também.
Um rapaz passa por mim, apressado, como quase todas as pessoas daqui estão, e esbarra-me no ombro. A diferença é que a força que usa quase me faz tropeçar.
Passa com uma velocidade enorme, como se alguém estivesse a morrer, e ele tivesse de ser o seu salvador.
— Idiota! — Tapo a boca mal o nome sai, com uma rudeza que nunca pensei ter cá dentro. De onde veio esta raiva repentina? Talvez porque me tenha deixado o ombro dorido, e me tenha dado o medo de cair. Foi instinto, isso eu sei.
Espero que o rapaz se vire, que me agarre pelo colarinho e me atire contra a parede mais próxima.
O passo desacelera, ele ouviu.
Só quando vira o rosto é que percebo que parei de respirar.
Vejo apenas metade da sua face pálida, o sorriso ladeiro, malicioso.
Veste um fato verde-escuro, calças e blazer, e uma camisa cor-de-laranja de cetim, percebo isso apenas pelas golas exageradas que saem pelo blazer.
E aquele laranja é quase tão brilhante quanto... os seus olhos.
Tenho apenas uns segundos para confirmar se aquela cor é realmente verdadeira, mas convenço-me que não, que uma das luzes dos múltiplos bares lhe bateu nos olhos e refletiu, que está a usar lentes muito, muito boas, ou até que a camisa tinha uma cor tão forte que lhe chegou aos olhos, que aquela cor não lhe pertence.
Mas, por alguma razão que não compreendo, sei que é esse o tom deles, assim como tenho olhos negros, os seus são laranja, tão brilhantes que brasas quase lhe saltam das órbitas.
Estou a traçar o mesmo caminho que ele, para o prédio, seguindo a um passo mais acelerado do que deveria, porque quero acompanhá-lo, quero confirmar que foi essa a cor que vi, que não foi uma ilusão.
Só consigo ver o corpo alto dentro daquele fato, as mãos dentro dos bolsos, o andar ainda apressado, mas tão, tão elegante.
Tem o cabelo negro liso um pouco mais comprido atrás da cabeça do que nos lados, e ao que parece gosta de dar nas vistas com o fato de cores chamativas.
Estamos perto do prédio e ele ainda não olhou para trás para notar que estou aqui.
Quando me aproximo do prédio, ele vira para a direita, do outro lado da rua, para a casa da senhora Hall.
O meu passo cessa, enquanto o vejo aproximar do portão, abrindo-o num empurrão suave. Lembro-me que a mulher teve que nos vir abrir o portão para que entrássemos à tarde, porque deixaria o portão aberto durante a noite?
Mais um pouco e já está à porta dela e, com mais um empurrão, ela abre-se sem problemas, como se estivesse à sua espera.
O que é que eu faço?
O rapaz pode morar lá com a senhora, embora a Inaya tenha dito que ela não tinha familiares próximos. Ele pode ser um ajudante durante a noite, talvez ela precise que alguém esteja lá durante a noite, caso algo aconteça.
Tento justificar de várias maneiras, e mesmo assim, tenho a pulga atrás da orelha.
Algo não está bem, e não magoaria confirmar.
As pernas correm até ao apartamento da Inaya, sabendo perfeitamente que ela pode ainda estar com a companhia, mas o corpo é que manda neste momento, se algo acontecesse àquela senhora e fosse porque eu não perguntei nunca me perdoaria.
Ela abre a porta, ainda de maquilhagem no rosto, mas já com o pijama vestido, pelo que percebo, já não está ninguém dentro do quarto.
— Desculpa. — Sei que muito provavelmente estaria acordada, mas ter que a incomodar depois de ela ter passado o dia comigo deixa-me desconfortável, mas é por uma boa causa. — Pode não ser nada, mas fui dar um passeio e quando estava a regressar vi um rapaz entrar na casa da senhora Hall. Pode ser algum familiar? — O olhos dela arregalam-se, o seu primeiro movimento é correr para trás para calçar as sapatilhas.
— Não.
— Talvez algum cuidador?
— Eu sou a cuidadora dela. Ela não tem visitas. Vamos. — Em instantes já esta calçada e com um casaco longo que quase lhe esconde o pijama. Pelo passo apressado percebo que devo estar alarmada. Sabia que algo se passava, mesmo que só fosse um pressentimento.
Ela não tem qualquer medo, atravessa pela rua até à casa.
Só para quando o vê que o portão está trancado.
— Ele entrou sem problema, só empurrou, nem chave usou. — Informo, com um nó na garganta.
Como é que ele conseguiu passar?
Inaya leva as mãos ao bolso e tira as chaves que presumo ser da casa da senhora Hall, pelo que diz, ela é que a ajuda, coisa que não tinha mencionado hoje quando estivemos aqui.
Passamos do portão, para a porta, e entramos.
A casa está escura, a velhinha já devia estar a dormir quando o rapaz entrou.
Felizmente a Inaya parece conhecer a casa como a palma da sua mão. Liga a lanterna do telemóvel, confirma que estou atrás dela, e começa a andar com cautela.
Sinto um arrepio a percorrer-me a espinha, estou a respirar tão rápido que acho que qualquer ladrão que aqui estivesse saberia onde estou.
Tento respirar fundo, convencendo-me de que o rapaz tem uma razão lógica para aqui estar, que a senhora Hall está bem, e que não preciso de me preocupar.
Percebo que estou errada quando a Inaya liga a luz do quarto onde a mulher está deitada e os seus olhos vazios fixam nos meus.
Morta.
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