A Vida é Cruel

Nada poderia parecer mais pacífico, o som relaxante das ondas calmas a fazer o caminho pela areia, o sol quente pronto para queimar qualquer pele que se lhe apresente, os pés na areia, como milhões de dedos a praticar massagens nas plantas dos pés.

O cheiro do mar invade-lhe as narinas, e ele deixa que o faça, interiorizando qualquer sensação que o seu ambiente preferido lhe proporcione.

Sai pelo arco de pedra, a saída da enorme construção feita de pedra castanho-clara, em direção à água, que parece cantar a canção mais bela deste mundo.

É a praia mais deserta que podia existir, rodeada por um muro gigantesco com muitos, muitos anos, onde foi cravada a sua casa, onde ele quis viver para o resto da sua vida imortal.

As únicas pessoas que a podem usar para além dele são os seus lacaios, aqueles que o seguem, que lhe beijam os pés, que dariam a vida vezes e vezes sem conta para salvar a sua, como muitos já o fizeram.

Aqueles que lhe chamam de Altíssimo.

Nenhum ser mortal já pisou aquela areia, cheirou ou mergulhou naquelas águas, sentiu a sua energia.

Apenas ele conhece aquele lugar como a palma da sua mão.

As suas pisadas são lentas, aproveitando cada momento que passa naquele paraíso criado por ele, a mente a mil, mas com o corpo vagaroso.

Os olhos verdes como duas esmeraldas estão escondidos enquanto ele fecha os olhos para aproveitar o seu caminho até ao grande destino que é dar vida, a água, a areia, qualquer substância que queira. Só os abre quando sente o suave cumprimento da água gelada nos dedos dos pés.

Avança, mesmo vestido, com as suas calças e robe turquesa de um tecido tão frágil e fino que quase se torna transparente, sem medo de correntes ou ondas, deixa que o mar o engula até onde quiser, como se a água sequer se atrevesse a ferir o seu Senhor.

A temperatura fria faz os pêlos brancos da sua pele arrepiarem-se, todo ele coberto de branco, como se tivesse acabado de sair de uma tempestade de neve.

A sua mão toca no súbdito que o cobre e o molha e deixa que o poder que tem dentro de si se desenrole pelos dedos, tornando-se um com o mar, pedindo, criando.

— Senhor? — A voz é medrosa, sabendo da interrupção que poderia ser punida da maneira que o Altíssimo escolhesse, caso estivesse num dia mau. O lacaio observa enquanto o seu Senhor anula a sua concentração, quase a perfurar-lhe com um único olhar, castigando-o por falar quando não foi chamado.

À sua volta as águas começam a escurecer, a circular à volta do corpo tão pálido do Senhor, uma pessoa comum pensaria que seria puxado para baixo para nunca mais ser visto, mas o lacaio conhece o seu salvador, o seu criador.

Analisa enquanto cada pontinho que se forma naquele mar que abraça o corpo do homem aumenta em tamanho, tomando forma, criando escamas, guelras, ganhando vida.

Em poucos segundos nadam por si só, em grupos grandes, passando pelo corpo do homem apenas para lhe beijar os pés em agradecimento.

Em poucos instantes nadarão em direção ao recife, bem no fundo, onde passarão pelo limite e se tornarão bebés novamente, em formação, para poderem crescer por eles e viver o seu futuro.

Com uma essência criada, é lhes dado o resto do caminho.

— Encontrámo-la. — Ele ousa pronunciar-se novamente, sem permissão, e sem resposta do seu Senhor.

Felizmente a informação é do seu agrado, a sua vida é poupada.

Como suposto, quando o seu Senhor sai da água as roupas quase se desfizeram, coladas ao seu corpo esbelto em pedaços rasgados, uma verdadeira visão dos Deuses, um cabelo branquíssimo que lhe cai pela testa, uns olhos que se querem misturar com a água que o circunda, um corpo esculpido pelos melhores artistas, qualquer um suspiraria apenas com a sua visão.

— Tens a certeza que é ela? — A voz é calma, mas firme, com uma força que apenas uma pessoa com o seu poder tem.

— Tudo indica que sim, Senhor. — O seu Senhor passa por si, este apenas o consegue perceber pela audição, porque a postura dobrada e os olhos fechados, mostrando respeito, não o deixa adivinhar a sua localização. — Devemos avançar? — O lacaio segue-o de volta ao seu lindo castelo esculpido na rocha que protege a praia. Em poucos momentos já tem outro robe à volta dos ombros, cortesia dos vários empregados que vivem para o servir.

— Está na hora. — Diz o homem, sem esperar que a mesa seja posta para o almoço para se sentar no grande trono de pedra esburacada, felizmente a comida não demora muito a chegar. Com os cotovelos pousados na mesa com acabamentos mais refinados de pedra castanho-escura, leva o copo cheio de vinho à boca, pousando-o apenas para sorrir para o lacaio que espera resposta.

Este sabe, apenas pela sua expressão, que o que for que esteja planeado, não será bom para a miúda.

— Vamos divertir-nos um bocadinho com a nossa ladra, que achas?

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