01

Yoongi

Acordei com uma forte iluminação atingindo meu rosto e uma dor de cabeça lancinante. Ainda com os olhos semicerrados, e sem saber ao certo onde eu estava, me virei e cai de cara no chão.

Suspirando, abri os olhos preguiçosamente. Demorei um pouco para absorver o lugar ao meu redor, apenas para perceber que eu havia caído do sofá e que estava sã e salvo em casa. Como eu tinha chegado até ali era um verdadeiro mistério, meu cérebro funcionava como um disco velho, cortando acontecimentos da noite anterior que eu sentia ser importantes. Tudo de que eu conseguia lembrar era de ter saído com Jimin, Jungkook e Taehyung e de ter estragado tudo.

Eu enchi a cara, fui consumido pela culpa e pelo álcool, e gritei pra todo mundo o quanto eu tinha sido babaca mais uma vez. Provavelmente estraguei minha amizade de anos com Jungkook, e perdi meu namorado Jimin. Ele não vai querer olhar na minha cara por um bom tempo depois de tudo, e nem posso culpá-lo.

Acho que Taehyung seja o único que ainda vá tentar me entender, mas sinceramente eu prefiro que ele se afaste também. Tae é uma das pessoas mais sensíveis e incríveis que já conheci, não quero que acabe magoado também.

Só consigo me lembrar com clareza da cara de decepção mesclada com tristeza que tomou conta do rosto de Jimin quando ele ouviu sair da minha própria boca que eu queria terminar nosso relacionamento ali mesmo. Na frente de todo mundo. Lembro-me dele dizendo que eu não sabia o que fazia porque tinha bebido demais, mas eu ainda não estava bêbado naquele momento. Eu sabia o que estava fazendo. Lembro de dizer a ele que queria terminar a muito tempo, que tinha me cansado de tudo e não tinha feito isso antes por pura covardia. Só que essa parte era mentira.

Eu não queria realmente terminar com Jimin, ele era um namorado perfeito pra mim. Era muito paciente com todas as merdas que eu já tinha feito. Por isso mesmo eu tinha consciência de que ele merecia mais do que eu podia oferecer.

Depois disso a noite virou um borrão, lembro dos socos de Jungkook e de um garoto estranho usando um pijama de ursinhos amarelo, me ajudando a levantar e me acompanhando. Provavelmente nesse momento eu já devia estar sonhando.

Senti uma forte pontada na cabeça e fui fechar as cortinas da sala. Toda aquela luz adentrando o aposento só fazia eu me sentir ainda pior.

Uma ressaca monstruosa estava por vir e meu corpo dava todos os sinais disso, então peguei um copo de água bem gelado e um analgésico. Mesmo que eu seja o que mais bebe do nosso grupo — depois de Jimin, é claro — fazia tempo que eu não enchia a cara desse jeito. Prova de como eu estava um caco.

Eu conseguia estragar tudo facilmente em uma única noite. Acho que isso deveria contar como hobby, porque é algo em que eu realmente sou muito bom fazendo.

Quando terminei de tomar a água, um barulho ensurdecedor preencheu o ambiente antes calmo e silencioso. A pior parte de se morar em um prédio com certeza se resume a uma simples e assustadora palavra: vizinhos.

Eu conseguia sentir o teto do meu apartamento vibrar junto com a batida da música que o vizinho do andar de cima colocou no último volume. Não era a primeira vez que o filho da puta fazia isso. Ele com certeza achava que era o dono de tudo e que não tinham outras pessoas naquele prédio que dormiam, estudavam ou que estavam com uma dor de cabeça dilacerante.

Respirando fundo, e sem me preocupar se eu tinha uma aparência no mínimo apresentável, sai do meu apartamento pronto pra já começar o dia com uma confusão.

Realmente, aquele domingo não tinha nada para ser um dia bom.

Hoseok

Tocava Sia nos auto falantes e eu até acharia que aquilo não passava de uma boate qualquer quando vi uma... cabeça de elefante? Uma cabeça de elefante enorme no meio da multidão. Olhei pra baixo e percebi que eu usava meu pijama de ursinhos amarelos.

Mas que porra...?

Então a musica foi substituída por um toque irritante, que se parecia muito com o toque do meu celular...

Acordei assustado e com meu telefone tocando insistentemente. Catei o aparelho do criado mudo e apertei no botão de desligar sem nem olhar para o nome que brilhava na tela. Entretanto, antes mesmo que eu pudesse voltar a dormir, o celular começou a tocar novamente. Suspirando, derrotado e irritado, atendi.

— Finalmente, Hoseok. Que tipo de amizade é essa? Nem me atende mais. — Lisa falou sem nem me dar tempo de processar tudo direito.

— Hm oi. — resmunguei em resposta.

— Você tava dormindo?

— O que você acha? Claro que eu tava dormindo, Lalisa, é domingo e...

Interrompi-me antes de falar demais e acabar contando o que tinha acontecido na última madrugada. Não que eu não confiasse em Lisa, sempre contava tudo pra ela e sem pudor nenhum, mas a noite de ontem era confusa até para mim. Além disso, caso eu abrisse a boca, teria que explicar o motivo de eu ter saído de casa aquele horário pra vagar pelas ruas sem rumo, e eu já sabia o que ela diria disso. Que eu passava tanto tempo sozinho que estava sendo consumido pelos meus próprios pensamentos. Não que ela estivesse errada.

-— Exatamente, Jung Hoseok. Hoje é domingo, já são duas da tarde e hoje a noite você vai sair comigo, Rosé e Taehyung. Nem adianta contestar, faz mais de um mês que você não tira esse seu traseiro lindo de dentro de casa pra se divertir e talvez eu esteja com saudades.

Não pude evitar rir depois de ouvir aquilo. Lisa era sempre bem direta e sincera, e eu sabia por experiência própria que, se dissesse não, ela apareceria aqui pra me arrastar pra fora de casa. Minha mãe infelizmente vivia para me jogar aos lobos, o que era o contrário do que uma mãe devia fazer, então ela estava compactuada com Lisa. Eu não teria escapatória.

— Ai porra, tudo bem. Eu saio com você e com essas outras pessoas que eu não faço a menor idéia de quem são — me rendi.

— SÉRIO? Você não vai nem fazer aquele cu doce de sempre? Gostei desse novo Hoseok, continue assim até de noite pelo menos.

— Não me faça mudar de ideia — fiz uma pausa — Eu acho que talvez dessa vez você esteja certa. Está na hora de eu passar a mudar um pouco mais a minha rotina.

Eu sabia, no fundo, que aquilo tudo não me fez bem, ou pelo menos não ajudou em nada a diminuir o meu vazio interior. Ela sabe disso. Lisa estava aqui quando tudo aconteceu e por isso ela é tão próxima de minha mãe, quase como se fosse da família.

— Realmente esse novo Hoseok está me surpreendendo cada vez mais. Isso é muito bom, Hobi. Sendo sincera também, eu estava cada vez mais preocupada. Já faz quatro meses, e desde então você está assim, distante e sozinho. Você até dizia que ia arrumar um trabalho, lembra? Mas eu sei que você nem enviou os currículos ou foi a alguma entrevista de emprego.

Fiquei em silêncio por um momento.

— Sim, você está certa. Durante todo esse tempo fiquei em casa remoendo tudo. Como se eu estivesse parado enquanto o mundo continua, mas agora isso vai começar a mudar, te prometo.

Depois de mais um pouco de conversa jogada fora, combinei tudo com Lisa e desliguei o telefone.

O dia mal havia começado pra mim e a culpa já me consumia. Lisa estava certa, obviamente. Eu não tinha ido atrás de um emprego, e tinha me afastado dela e do nosso grupo. Ela conseguiu a vaga na universidade de primeira e eu fiquei pra trás. Se eu tiver sorte, talvez seja chamado daqui a dois meses durante a segunda chamada.

Quatro meses atrás meu pai descobriu minha sexualidade quando me viu beijando outro garoto. Eu fui um tanto descuidado, mas eu nem deveria ter que sentir medo dele por causa disso. Ainda assim, era impossível controlar. Tentei me esconder o máximo que pude, mesmo sabendo que era inevitável, um dia ele teria que descobrir. Não só ele como toda a família.

Foi nesse momento que minha vida se tornou um inferno. Naquele dia, lembro de ter chegado em casa feliz pelo meu romance de colegial. Até ser recebido por uma pessoa que eu não conseguia reconhecer como "pai". Ele me distribuiu socos, e logo depois me jogou na parede da sala onde bati a cabeça. Acabei parando no hospital.

Quando cheguei em casa fiquei sabendo que, depois da briga, ele havia pegado as economias que tínhamos, o carro e as coisas dele e simplesmente nos deixado. Minha mãe teve que procurar emprego em outra escola pra conseguir uma renda que sustentasse a mim, o encosto da família, e meu irmão mais novo. Agora ela trabalha praticamente em tempo integral.

Eu tinha consciência de que deveria ter procurado um emprego pra ajudar nas despesas da casa, mas simplesmente não tinha disposição pra isso. Minha mãe era um anjo por ter me entendido e respeitado meu espaço, mesmo que eu não merecesse nem metade de sua compreensão. Afinal, foi por minha culpa que acabamos nessa situação. Embora ela tenha se livrado do escroto do meu pai, que saiu daqui diretamente pros braços de outra mulher, não é como se nossa vida estivesse melhor agora.

Eu disse a Lisa que ia procurar tentar melhorar tudo isso, mas eu já disse isso antes. Não é tão fácil. Senti-me culpado ao pensar nisso e imediatamente saber que na verdade eu tinha mentido pra ela, e pra mim mesmo.

Eu tinha três anjos na minha vida: Lisa, minha mãe e meu irmão, novo demais pra entender tudo, e eu não os merecia.

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