PARTE 2


Kuntù apressou-se no regresso à vila. Suas narinas ardiam com o cheiro de Ipó-Okú. A fumaça subia com intensidade, ocultando parcialmente sua visão. Em meio a apreensão, gemidos o fizeram conter os passos. Depois de uma breve procura, avistou um dos anciãos, ferido e sem condições de deslocamento.

— O que aconteceu? — Perguntou Kuntù amparando a cabeça do sábio.

— Otá... Otá... Eles vieram de Okun... — Disse, sem condições de dar maiores informações.

Kuntù deslocou o ancião para a sombra de uma acácia e o deixou ali.

— Não se preocupe... voltarei para resgatá-lo. — Disse, desembainhando sua Obè.

O jovem correu como pode. Seus olhos lacrimejavam com a fuligem que dominava o ar. As pequenas cabanas ardiam, sucumbindo ao flagelo das chamas. Absorto, percorreu a vila entre corpos e destroços. Os que permaneceram vivos, corriam, a procura de uma liberdade ameaçada.

A correria denunciava a origem dos males, fazendo Kuntù divergir da lógica, aligeirando-se em sentido contrário ao êxodo.

— Yià! — Gritou assim que avistou sua mãe sendo arrastada.

Com a lâmina em riste, saltou sobre o invasor. Seu rosto era pálido, coberto de pelos. Ao contrário dos habitantes de sua vila, este cobria o corpo com vestes, que aparentavam poucos cuidados. Enquanto se atracavam, lembrou das narrativas ao redor da fogueira.

"Nossos irmãos eram levados, forçosamente, para os grandes barcos. Socados em seu interior, perdiam-se além das fronteiras de Okun, para nunca mais regressarem."

Em fúria, Kuntù cravou sua lâmina no pescoço do Otá. Ofegante, virou-se para sua Yeyé, que fragilizada, teve que ser amparada pelo filho.

— Vamos sair daqui... — Disse Kuntù. — Os gritos ao longe alertaram o jovem. — Preciso que vá sem mim. Não posso deixar nosso povo padecer sem ao menos lutar. — Decidiu.

— Meu querido... — Disse sua Yià, com lágrimas nos olhos, mas entendendo que estava diante de um guerreiro. — Que os Orixás o protejam.

Kuntù foi guiado pelos gritos e lamentos de seu povo. Oculto pela vegetação, avistou o grande barco, que recebia em seu interior seus irmãos. Não apenas de sua tribo, mas também de outros clãs que ladeavam suas bordas. Todos condenados ao mesmo destino. Por um breve instante, Kuntù se perguntou o que havia além das fronteiras de Okun, mas resoluto, voltou suas atenções para um grupo de prisioneiros que era conduzido por dois invasores.

Eles riam e falavam uma língua diferente da sua, mas mantinham suas atenções para uma jovem de beleza distinta. Kuntù, hipnotizado com sua beleza, lembrou de sua demanda.

Obirín

O jovem sabia que Obà se referia àquela moça e não poderia contrariar a vontade dos deuses.

Kuntù não tinha forças para libertar todo o seu povo, mas saberia o que fazer para conduzir sua oferenda à Obà.

Kuntù acompanhou sorrateiramente o grupo até se posicionar em sua retaguarda. Sutilmente, aproximou-se do primeiro usurpador, e lépido, deslizou sua obè na lateral de seu corpo. A dor chamou sua atenção para Kuntù. O segundo invasor avançou. De forma rápida, inverteu a posição de sua lâmina arremessando-a em direção ao oponente. Girando de forma acelerada, a obè cravou sua lâmina no peito do invasor, que tombou sem vida. Vendo o destino que acometeu o seu comparsa, desembainhou sua grande Idà, investindo contra Kuntù, que desviava, movimentando-se de forma célere. O ritmo lembrava uma dança, até girar, acertando o rosto do pirata. O golpe desestabilizou o invasor que não resistiu ao pontapé frontal desferido por Kuntù.

Pegando sua Idà, libertou o grupo.

— Foi Xangô que o trouxe até nós! — Disse a moça. — Eu clamei pelo seu auxílio e o enviou para nos libertar.

— Não podemos ficar aqui. Não tardarão em encontra-los. — Disse Kuntù, referindo-se aos invasores abatidos.

Segurando a mão de Obirín, fugiram, adentrando a savana.

Protegidos, avistaram o restante dos sequestros. Com os olhos marejados, Kuntù testemunhou a retirara do grande barco e seu percurso ao encontro dos limites de Okún.

A moça, de uma beleza incomum o fitava. Subitamente, se despiu, revelando aos olhos de Kuntù toda a sua beleza. O sol iluminava sua pele negra, salientando suas belas e perfeitas curvas. Seus seios entumecidos fizeram o jovem engolir a seco.

— Você me salvou e não tenho como te agradecer senão oferecendo o meu corpo a você... — Disse enquanto se aproximava.

A brisa morna correu mais uma vez, gelando a espinha de Kuntù. Sabia o significado daquilo. Recuando, avistou Obà.

— Vista-se! — Pediu Kuntù, enquanto recuava.

A moça, negada pelo jovem, colocou suas vestes. Tomada por um espasmo, volveu-se, avistando Obà, e ao seu lado, outra figura, desta vez masculina.

Kuntù prostrou-se imediatamente.

— Fizeste bem Kuntù. Cumpriste o que lhe foi demandado. Agora vá e não olhe para trás. — Ordenou Obà, com a voz seca.

Kuntù encarou a moça, retirando-se em seguida. A uma certa distância, movido por sua curiosidade, se escondeu para acompanhar o que haveria de acontecer.

Obà aproximou-se de Obirín e deslizando a mão sobre o corpo perfeito da jovem, a apresentou ao marido, Xangô. Imponente, olhou para a criatura com um sorriso nos lábios e o desejo nos olhos. Sua coroa brilhava, assim como o seu machado.

Hipnotizada por estar diante de Xangô, Obirín não percebeu quando Obà desembainhou sua Idà, lacerando o seu pescoço.

— Somente eu posso ser sua, meu esposo. — Disse Obà, revestida de ciúme.

Xangô a encarou. Havia rancor em seu olhar. Apesar do dia sem nuvens, raios cruzaram a imensidão de Orún.

Kuntù, absorto, fugiu temendo a fúria dos deuses. 


Total de palavras (Parte 1 + Parte 2) = 1626


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