ii. DON'T GIVE UP NOW
ii. NÃO DESISTA AGORA
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NA MANHA SEGUINTE, FUI ACORDADA PELA LUZ DO SOL QUE ENTRAVA pela janela do meu quarto e pelo cheiro forte de café da manhã. Dividia meu apartamento com uma amiga que conhecia a pouco tempo, mas que havia sido caridosa o suficiente para dividir suas despesas comigo. Anna Marie Allen era uma mulher de lindos cabelos castanhos e um sorriso encantador. Ela tinha algumas tendências extravagantes, mas era uma boa mulher.
Anna fazia o café toda a manhã. Ela gostava de cozinhar mais do que eu e fazia isso com uma maestria incrível. O cheiro do seus ovos com bacon me faziam levantar de forma mais animada e empolgada.
Assim que abri meus olhos, sorri, não apenas pelo o que me esperava na cozinha, mas também pela noite anterior e pelo fato dela não ter sido um grande fracasso. Isso me deixou bem mais tranquila e me fez perceber que todo aquele nervosismo havia sido um grande exagero de minha parte.
Steve, como o cavaleiro que era, tinha feito questão de me levar até em casa quando tudo terminou. Conversamos o caminho inteiro sobre assuntos aleatórios e divertidos. Pude ver sua timidez desaparecer aos poucos e logo falávamos como se nós conhecêssemos a anos luz. E eu adorava aquela sensação familiar.
Fazia alguns meses que me mudei da Fredericksburg para New York. Isso aconteceu um tempo antes da guerra começar e eu vim porque sempre quis sair da minha pequena cidade, crescer um pouco, realizar o meu sonho de ser escritora e me virar sozinha. Eu pensava nisso com frequência, mas tinha decidido fazer a mudança mais para frente. Porém, as coisas se complicaram e me vi sendo obrigada a ir para New York mais cedo que o esperado.
Deixei amigos e família para trás para seguir um sonho de criar laços em um outro lugar. Eu tinha esperança de conseguir algo melhor, mas tudo desandou bem antes disso e as Star Spangled Singers foi o melhor que eu havia conseguido arrumar. Tudo graças a Anna que conhecia a coreógrafa e maquiadora das meninas, Eva Davis.
Levantei-me da cama colocando os chinelos que estavam no chão. Depois segui pelo corredor até a cozinha em busca de algo que matasse a minha fome. Minha companheira de apartamento cantarolava uma música desconhecida por mim, enquanto colocava na mesa os pratos.
─ Bom dia ─ disse animadamente. Puxei a cadeira e me sentei em seguida, observando Anna com seus ágeis movimentos de garçonete.
─ Bom dia, Eve ─ a Allen respondeu. Tinha um sorriso maroto nos lábios quando terminou de servir, um prato para mim e outro para ela. ─ Vejo que acordou animada, teve uma boa noite? ─ sua pergunta tinha um duplo sentindo, que logo me fez franzir as sobrancelhas.
─ Não foi tão ruim quanto eu esperava ─ dei de ombros e me pus a comer o café da manhã, Anna se sentou de frente para mim. ─ Mas estou feliz realmente por causa da comida. Céus, você cozinha tão bem.
─ Hum, e o rapaz que te trouxe para casa ontem a noite, quem era ele? ─ ela perguntou com a sobrancelha arqueada. Quase engasguei com o bacon e bebi um pouco de suco nervosamente para tentar disfarçar.
─ Do que você está falando, Anna? ─ perguntei. Ela riu, satisfeita com a minha reação. Tentei parecer o mais impassível o possível, mas era difícil enganar uma pessoa como Marie.
─ Não se faça de desentendida, dona Maeve ─ ela respondeu e apontou o dedo para mim. Eu a adorava, mas as vezes Anna tinha essa grande necessidade de se meter na minha vida, principalmente quando isso envolvia algum homem ─ Eu vi pela janela do meu quarto você chegando com alguém.
─ Era apenas um amigo ─ respondi, tentando fazer pouco caso disso para que ela não continuasse com o interrogatório. ─ Ele viu que estava tarde e decidiu me acompanhar até em casa. Apenas isso.
─ Desde que chegou aqui, não te vi se engraçando com nenhum rapaz. ─ ela passou o dedo pela beirada do seu próprio copo de suco, fazia isso sem tirar os olhos de mim, o que me fez sentir como se estivesse em um interrogatório ─ Até mesmo com Hank, meu amigo do exército que você achou fofo mas bem me pediu o número dele.
─ Não sou esse tipo de pessoa, An. ─ falei, agora um pouco mais séria. A necessidade que ela tinha de tentar achar alguém para mim, as vezes me deixava incomodada.
Eu já tinha muitos problemas, ter um relacionamento com alguém só seria um adento para minhas dores de cabeça. Não precisava envolver mais ninguém na bagunça que era a minha vida. Além do mais, nunca fui boa em manter relações. Acho que sempre estive propensa a ir embora.
O trabalho dos meus pais nunca me deixou ficar em um lugar só. Meu pai, Allan Jackson, era cientista. Ele vivia em prol de tentar revolucionar o mundo com suas ideias mirabolantes. Minha mãe, Virgínia, fazia de tudo para apoiá-lo. Mesmo quando tudo dava errado e nosso dinheiro era apenas jogado fora.
Me mudei com frequência até os 16 anos de idade. Depois disso paramos em Fredericksburg, onde minha mãe conseguiu um emprego de secretaria e meu pai pode investir em alguns trabalhos. Já chegamos a morar em New York, mais eu era muito nova e não conseguimos manter a casa.
─ Preciso me arrumar, ─ disse, depois de ter limpado os lábios com um guardanapo e ter me posto de pé ─ tenho ensaio hoje.
─ Vou deixar passar dessa vez, mas você ainda vai me contar essa história de amigo direito, Maeve Jackson ─ Anna disse, enquanto levava o copo de suco aos lábios e me olhava de forma ameaçadora. Eu apenas revirei os olhos.
─ E você vai receber a mesma resposta de antes ─ disse enquanto sumia no corredor, voltando para o meu quarto.
─ Veremos! ─ ela gritou de volta, me fazendo rir.
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Todos os ensaios era feitos em um antigo teatro da Washington Mews. Ele não era dos melhores, porém era ótimo para os ensaios semanais. Ainda mais que daqui a 4 dias a tour pelos Estados Unidos começaria oficialmente.
Eu cheguei um tanto atrasada. Havia perdido os dois primeiros ônibus e tive que esperar alguns minutos até que o terceiro aparecesse. Eva odiava atrasos. Lembro-me do meu primeiro dia. Carrie Howlett havia chegado atrasada e ela gritou por horas. Sua voz fina e doce só piorava a situação para Carrie, que chorou durante horas no banheiro feminino.
Já estava imaginando o que eu ouviria. Eva não pouparia os sermões, era extremamente exigente. Queria perfeição e nada mais do que isso. Eu até tentava entender o lado dela, mas as vezes me sentia pressionada demais.
Quando entrei quase caindo no velho teatro, todas as meninas estavam sobre o palco conversando descontraidamente. Estranhei no momento em que percebi que elas estavam calmas demais. A coreografa não andava de um lado ao outro igual a um sargento, na realidade nem ali a Davis estava. Deixei minha bolsa sobre uma das cadeiras e subi os degraus indo de encontro a uma das garotas.
─ Bom dia, Millie. Sabe onde está a Eva? ─ perguntei a Millie Simmons, enquanto a mesma se alongava em um canto. Ela não fez questão de para o que estava fazendo, mas mesmo assim me deu uma resposta.
─ No 'camarim' ─ com isso ela queria dizer 'uma sala improvisada que Davis havia feito de escritorio e era maior que o lugar que usavamos para trocar de roupa' ─ Chorando igual um bebê recém nascido, se não pior.
─ O que houve? ─ perguntei com a testa franzida.
─ Acho que ela terminou com um de seus amantes ─ Millie deu de ombros ─ Não importa, sinceramente você deveria voltar para casa Maeve. Não acho que teremos um ensaio decente hoje.
Ela não me deu a chance de responder e, na realidade eu nem tinha uma resposta. Millie foi para o outro lado, beber água e eu fiquei pensando no que ela havia me dito.
Para o ensaio ser cancelado, Eva deveria estar muito mal. Mas do que eu poderia imaginar. Ela nunca deixava de estar presente, fazia questão de aparecer até mesmo quando estava doente. Nunca imaginei que um coração partido seria capaz de fazê-la desistir de um ensaio, ainda mais com um tour perto de acontecer.
Todas as outras meninas pareciam não se importar com isso. Elas não gostavam muito de Eva, a chamavam de bruxa e alguns outros apelidos maldosos nos bastidores. Não compartilhavam comigo, porque ainda era uma estranha para elas, mas sempre tive bons ouvidos.
Pensei na possibilidade de realmente ir embora, mas preferi ir até o "camarim" saber se Eva estava bem. Poderia ser apenas um exagero da parte de Millie e a Davis apenas estava deprimida. Coisas do tipo poderiam acontecer com todo mundo, dias bons e ruins são normais.
Porém, me surpreendi no momento em que abri a porta do local. Bati na porta umas duas vezes, mas ninguém respondeu. Apenas ouvi o som de choro e decidi tomar liberdade para abrir a porta com cautela.
A sala estava uma bagunça. Os quadros de Eva estavam todos no chão, rabiscados e rasgados. Tinha alguns papéis também, que ela havia utilizado para limpar as lágrimas e os espalhou por todos os cantos do camarim.
A mulher estava deitada no chão, abraçada com um travesseiro e com a maquiagem toda borrada. Rímel preto escorria pelas suas bochechas, assim como o batom vermelho borrava seus lábios. Eva estava em um estado deplorável. Sempre a imaginei como uma pessoa impassível, alguém que estava sempre para cima.
Vê-la daquele jeito era, com toda a certeza do mundo, preocupante.
─ Eva... ─ eu a chamei, cautelosamente. Isso fez com que sua atenção caísse sobre mim e ela cessasse um pouco do choro. ─ Eu vim conversar com você...
─ Eu não quero conversar, Maeve Jackson ─ ela disse com a voz embargada ─ Eu quero morrer.
─ Não diga isso, Eva. ─ me aproximei um pouco dela, me sentando no sofá. ─ Você é uma mulher incrível, não deveria estar desse jeito.
─ Eu? Incrível? ─ ela se sentou para me olhar melhor e ainda soltou uma curta risada sem humor. ─ Eu sou um fracasso! Os meus tempos de brilhar passaram, não sou mais como antes.
Ela se pôs de pé e andou cambaleando até uma jarra de whisky que ficava no seu bar improvisado. Eva encheu dois copos até a boca, o que me fez arregalar os olhos com o exagero de sua parte. Depois andou até mim e se sentou ao meu lado, me oferecendo em seguida.
─ Obrigada, mas eu não bebo ─ recusei, fazendo um gesto negativo com a mão. Eva revirou os olhos.
─ Eu bebo por você então ─ ela levou até a boca e bebeu todo o líquido do copo até que não houvesse mais nada. Depois limpou os lábios com as mangas dos sobretudo preto.
─ Eu estraguei toda a minha vida ─ continuou a falar ─ Antigamente era fantástica. Dançava em vários eventos, era apreciada, os homens caíam aos meus pés. ─ ela apontou para seus quadros no chão ─ Eles escreviam sobre mim, faziam quadros, fui endeusada. Mas nem cheguei aos 50 e já fui esquecida. Agora tenho que lidar com loiras alquicigenadas que não sabem nem o que é plie. ─ ela olhou para mim ─ Sem ofensas, querida.
Eu dei de ombros, sem me importar. Eva bebeu todo o líquido do outro copo e depois os dois no chão do camarim, perto dos seus pés.
─ Estou farta de ser usada e descarta ─ sua voz soou mais fraca e triste ─ Só quero ser valorizada como a diva que sou. Você me entende, Maeve?
─ Eu... Acho que sim... ─ disse, com certa incerteza. Tinha medo de dizer que não e ela acabasse surtando.
─ Quando comecei a ser dançarina eu queria a atenção, o calor do palcos ─ ela disse de forma sonhadora, mas depois sua voltou a tristeza ─ e tudo o que tenho agora são as Star Spangled Singers e isso é realmente tedioso.
─ Você poderia voltar a dançar, Eva ─ dei a idéia ─ Com a gente, sabe? Fazer parte do grupo. Você poderia ensinar e se apresentar junto.
─ Péssima ideia, Maeve Jackson ─ ela ficou em pé ─ Deu tudo errado pra mim desde que machuquei minha perna. Fizeram uma matéria sobre mim e disseram que estava ultrapassada e cansativa. Não consegui inovar, não tenho mais criatividade e achei que conseguiria me manter se conseguisse ensinar essas meninas mimadas e arrogantes a dançar. Novamente, sem ofensas querida ─ ela olhou para mim com um sorriso simples. ─ E, além do mais, você sabe que elas me odeiam. Isso só as deixaria mais irritadas.
─ Eva, não significa que você tem que desistir agora ─ falei ─ Você é uma ótima coreógrafa, é extremamente talentosa. O show de ontem...
─ Foi horrível! ─ ela esbravejou, voltando a chorar ─ aquele Capitão não conseguia dizer uma palavra sem olhar em um papel, os passos atrasaram. Céus, Maeve Jackson como você não consegue ver o quão catastrófico foi?
─ Porque eu me diverti, Eva! ─ me levantei e andei até ela, segurei em suas mãos, fazendo a mesma me olhar nos olhos ─ Sabe, antes de subir naquele palco, eu estava super nervosa. Até pensei em ir embora. Mas, algo me fez mudar de ideia... ─ sorri, me lembrando do momento antes do show começar ─ e eu não me importei com os erros. Apenas foquei em fazer o meu trabalho. Precisa dar uma chance a isso, Eva. Precisa tentar e tentar, tenho certeza que vai conseguir fazer algo fantástico com essas meninas mimadas. Não desista agora.
Ela deu uma risada fraca, deixando transparecer um pequeno sorriso. A noite realmente não havia sido maravilhosa, mas me apeguei as melhores partes. Com os problemas que tinha com a minha filha, acabei herdando o costume de tentar ver as coisas pelo lado positivo. Até mesmo quando não havia um.
As vezes dar um sorriso em um tempo difícil, pode mudar muita coisa. Assim como o bater de asas de uma borboleta tem o poder de influenciar o curso natural das coisas. São as pequenas coisas que mudam tudo.
─ Você é sempre tão positiva assim? ─ ela perguntou, enquanto secava as lágrimas.
─ Só quando vejo que precisam da minha positividade ─ sorri. ─ Vamos, você tem um ensaio para começar.
─ Vai na frente, preciso arrumar minha maquiagem ─ ela disse, colocando a maleta em cima da mesa ─ Não posso aparecer assim na frente delas.
Eu apenas assenti e sai. As meninas ainda estavam no teatro, porém algumas já haviam se sentado outras dormiam. Mas todas esperavam alguma notícia sobre Eva.
─ E então Maeve, ela vai aparecer? ─ uma das garotas perguntou.
─ Vai sim, só esperem mais alguns minutos ─ os burburinhos e as reclamações começaram, estavam todas entediadas e loucas para ir embora.
Quando estava perto de me sentar, vi Steve entrando correndo pela porta. Atrasado, igual a mim. Com certeza deveria estar preocupado com a possibilidade de Eva gritar com ele.
─ O que aconteceu? O ensaio já começou? ─ ele me perguntou, enquanto passava a mão no cabelo para ajeitar alguns fios rebeldes.
─ Para sua sorte, ainda não ─ eu ri ─ Eva teve alguns probleminhas. Mas já foram resolvidos. Pode respirar tranquilamente Steve.
─ Perdi a hora ─ ele explicou ─ Vim o mais rápido que pude achando que ela já havia começado. Depois do que aconteceu com a Carrie, já estava me imaginando ficando surdo.
─ Também cheguei atrasada, mas por sorte os problemas emocionais da Eva nos deram uma certa ajudinha. ─ falei, agora um pouquinho mais triste enquanto me lembrava do estado da Davis. ─ Ela estava muito mal.
─ O que aconteceu? ─ Steve perguntou-me com a testa franzida.
─ Uma crise. Estava mal por causa de ontem e por sua vida não ser mais como antes.
─ Não acho que fomos tão mal assim ─ ele cruzou os braços.
─ Mas poderia ter sido melhor ─ eu disse e ele concordou com a cabeça. ─ Eva sempre quis ser idolatrada, acho que ela não está sabendo lidar muito bem com essa nova fase da vida onde tem recomeçar e ver o mundo com uma perspectiva diferente.
─ E você conseguiu convencê-la de não desistir?
─ Acho que por hora, sim ─ sorri ─ Eva Davis não é muito fácil de se levantar a alto estima quando está no 'fundo do poço'. ─ fiz aspas com as mãos. ─ Mudando de assunto, você tem planos de fazer algo depois daqui?
─ Ér... Não que eu me lembre... ─ ele disse, com as bochechas levemente rosadas. ─ Por que a pergunta?
─ Gostaria de tomar sorvete comigo? ─ perguntei, com um singelo sorriso nos lábios. ─ Queria uma companhia.
Não obtive uma resposta imediata. Steve ainda estava assimilando o meu convite quando Eva apareceu no palco, deslumbrante como se nada tivesse acontecido. A atenção de todo mundo recaiu sobre ela.
Ela olhou para mim, com um sorriso nos lábios, e deu uma piscada discreta como uma forma de agradecimento. Depois levantou as mãos e bateu palmas.
─ Levantem-se loiras preguiçosas, está na hora de começar! ─ ela gritou, fazendo com que todas as meninas ficassem em pé ─ Um show não pode acontecer se não houver uma preparação antes. E depois do horror que vi ontem, vocês vão dançar até seus pés sangrarem!
─ Nossa não-tão-querida coreógrafa está de volta. ─ comentei com ele, rindo um pouco, enquanto as meninas subiam como formigas de volta ao palco.
── NOTE;
Esse capítulo ficou enorme, deos mais de 2000 palavras. Eu decidi focar um pouquinho na interação da Maeve com outras pessoas da vida dela, acho que são importantes para a história, tanto quanto o Steve. porém não tenho certeza se ficou muito bom assim.
Sei que a Alison Sudol não é tão velha assim, mas a personagem dela já tem por volta dos 40 anos.
Também quero agradecer pelos 1k! sério gente, isso foi muito rápido. Mas do que eu esperava kaksj muito obrigada mesmo! ❤️❤️
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