32 - Depois da Tempestade

Beatrice afastava-se de Gar, furiosa, batia nas mãos dele a fim de impedi-lo de segurá-la. As luzes piscavam e as árvores se sacudiam por causa do poder emanado de sua princesa. Pressionou-a contra o carro. Não estava disposto a usar de seu próprio poder para suplantar o dela como fez quando matou os vampiros. Despenderia a energia necessária para fechar o portal em caso de Andras não recuperar o controle de si.

— Bia, olhe pra mim! Olhe pra mim.

Não o ouvia. Perdia-se no oceano da fúria, o estapeava, movia cabeça de um lado para o outro, esquivando-se de suas mãos. Sem iluminação pública dependia da luz oscilante da varanda, os carros estacionados produziam um zunido constante ao vibrarem, se enfraquecia ao se defender da energia dela. Questionava se não havia razão para deixarem Beatrice ignorante das próprias capacidades, contudo pará-la afigurava-se mais importante do que refletir sobre os motivos dos protetores, se é que tivesse algum.

— Olhe pra mim, meu amor. — Gar apertou as bochechas dela e a beijou.

— Do que me chamou? – O focou, incrédula.

— Meu amor — repetiu, enfático, e redesenhou o semblante de Beatrice com as pontas dos dedos. — Por favor, se acalme. Eu preciso de você aqui, falando comigo. Preciso que se controle ou explodirá tudo. E nós não queremos isso, não é? Ayla está lá dentro, chateada com a gente. Se importa com ela, não se importa?

Balançou a cabeça em concordância. Os dedinhos escorregaram sobre os lábios de Gar e enrolaram-se numa mecha do cabelo dele. Suspirou, aliviado, por Bia se atentar ao naufrágio no caos da fúria embora estivesse trêmula. A apertou ainda mais em seu abraço e aspirou, deleitoso, o aroma adocicado do perfume.

— Você não produz caos ao respirar — Gar disse. — Você é o ser mais belo que vi em toda a minha vida. E não pode me deixar. Não pode sequer pensar em ir embora, você me entendeu?

— Você pode vir comigo, se quiser.

— Você não pode ir embora. Aonde iria?

— Para qualquer lugar, Gar. Eu sou vira-lata.

— Não. Você não é nada disso, você é minha princesa. E uma princesa não é uma vira-lata.

— Por que está sendo tão doce? Tudo isso para me acalmar?

— Porque estou com medo, Bia. Pela primeira vez em toda a minha vida, eu estou com medo.

— Medo do quê? — perguntou e arqueou a sobrancelha, ressabiada.

— Medo de que você vá embora e eu não possa te seguir — disse, sem encará-la. Estava assustado. Assustado pela reação de Beatrice. Temeroso do que sentia. Aflito pelo futuro.

— Do que você está falando? — Beatrice procurou pelos olhos de Gar.

— Não torne isso mais difícil do que é — resmungou.

— Eu sei lá do que você está falando! Odeio quando vocês começam falar tudo pela metade. Como seu amigo fez daquela vez, disse que meu colar valia mais do que milhares de vidas e nunca mais falou nada a respeito. Estou cansada de você e Andras e seus mistérios idiotas.

— Isso nem é mistério! — alardeou, aflito. — Você sabe muito bem do que estou falando, só está fingindo de boba ou de louca. Tentando me diminuir com sua atitude esnobe.

— Gar, você está ressentido comigo?

— Claro que estou. Não queria, nem devia, mas estou. Você quer que eu fale com todas as letras o que sinto para fazer uma piada qualquer e me esnobar. E nem dizer uma única palavra do que se passa em sua cabeça. Você pode continuar com seu teatro, sendo a louca, a bêbada, a despachada, como se nada nesse mundo te ferisse ou afetasse. O que mais faço desde que te conheci é te analisar, por isso sei que há sentimentos e pensamentos os quais guarda e esconde.

— Então você quer saber o que se passa dentro de mim? Por que seria importante? Quem se importa com isso? — Irritou-se.

— Eu me importo! — vociferou. A acarinhou, apertou o nariz no dela e com voz aveludada, sussurrou. — Eu me importo, Bia. Eu me importo com você de verdade.

Os lábios de Beatrice tremiam, as luzes estabilizaram, o farfalhar insistente das árvores foi substituído pelo canto noturno dos insetos e animais. Sua princesa digeria cada uma de suas palavras embora não soubesse dizer se a pausa era um bom prelúdio. A ansiedade o forçou a tamborilar os dedos nas costas de Bia, precisava ouvir, necessitava saber se sua princesa sentia o mesmo. Merecia, não merecia? Não podia negar ter sido um bom namorado até aquele momento. Quer dizer, não quando ainda se sentia desconfortado com os sentimentos, sem saber o que fazer. Não que soubesse, todavia, aceitou o fatídico destino de amar quem jamais deveria.

— Isso é amor? — Bia balbuciou.

— É, Bia. É isso. Acho que é amor o que sinto por você. — Gar fechou as pálpebras com força ao beijá-la. Exposto, vulnerável, ridículo.

Beatrice se afastou, levou a mão à cabeça, caminhou de um lado a outro. Lúcida, estarrecida. E o coração bateu descompassado. Não pela inquietação dela, e sim porque sabia o que tinha de fazer e o que o futuro reservava para eles. Tudo poderia ter acontecido, qualquer coisa seria melhor do que amá-la. Se outros soubessem de sua paixão, mesmo Andras, todo o propósito e o frágil senso de lealdade seriam colocados a prova.

O sentimento nada tinha a ver com a essência deles, o que o tornava ainda mais caro. O amor era real, e não mera confusão da combinação da essência e do corpo humanizado, pertencia a eles e deles apenas, Gar e Beatrice. Não concernia a nada ou ninguém mais. O que os desobrigavam de lealdades hereditárias. E essa conclusão em vez de deixá-lo mais calmo, o agoniou ainda mais. Que merda, Gar! Que merda!

Beatrice acendeu um cigarro. Devastada. Entretanto, a falta de explosões, focos de incêndio e objetos se quebrando denotava a calmaria. Estava calma em meio ao furacão de emoções. No que pensava? Diria algo? Ele devia dizer?

— Eu gosto de você, Gar — disse e contemplou o noturno cintilante. — E te odeio por gostar tanto de você. Não sei se é amor, nem acho que seja. Dizem que amor nasce com o passar dos dias e não tivemos todo o tempo, embora não saiba dizer quanto tempo é necessário para isso, se é que seja necessário, não sei dizer. Não entendo de nada disso.

Agitou-se, trocou o peso do corpo para a outra perna.

— Que droga, Beatrice! Do que você está falando? — disse para si e o encarou.

Gar a puxou para si.

— Eu te amo, Bia. — E a envolveu em seus braços e beijo.

Inferno! Como a queria! O que seria da vida dele no momento em que Beatrice não mais fosse parte dela? Quando não pudesse mais ouvir a respiração ruidosa, como naquele momento, em que apertava o nariz contra o semblante dele aquecendo-o com seu hálito? Trair Andras? Trair o interesse, a causa, o propósito? Ir contra as intenções de seu pai? De sua essência? Por amor? Ridículo! Ridículo!

— Saul — disse ao afastar-se do beijo.

— Sim, minha domme.

— Seja gentil e respeitoso com Gar como seu senhor e príncipe, exceto se a ordem dele for uma ameaça, contrária a qualquer ordem que eu lhe tenha dado e desrespeitosa a mim, não acate qualquer ordem que ele vier a dar contra a minha pessoa, contudo o obedeça. Até que eu lhe ordene o contrário. — Acariciou Gar. — Ele não escreve versos, mas é meu namorado.

— Sim, minha domme.

— Bia. — Gar sorriu.

Por que estava feliz, idiota?

— Se me chamar de esnobe ou dizer que te maltrato novamente, eu dou na sua cara, Gar.

— Vamos comemorar no nosso quarto? — convidou.

— Não tenho quarto ou parte nessa casa.

— Por favor, Bia. Prometo que ficaremos por essa noite e de manhã pensamos em como resolver isso.

— Entrar aí e dar o direito de Andras me insultar? Não mesmo! Vamos para um hotel. Eu não posso deixar Ayla aí de todo modo. Passamos a noite lá e depois volto pela manhã para ver se ela ainda quer falar comigo ou se vai me odiar pela eternidade.

— Claro. O que vamos fazer com Saul?

— Dê uma roupa quente sua para ele vestir também, deve estar congelando, coitado.

— Agradeço sua gentileza, minha domme — disse o demônio, servil.

— Já volto, minha princesa.

Gar adentrou a casa, surpreso ao ver Andras bebendo uísque sentado no segundo degrau da escada para o andar superior. Entreolharam-se.

— Ainda não conversou com Ayla?

— Estava me acalmando. Aonde você está indo?

— Vou com Bia para um hotel, ela não quer entrar nessa casa de jeito nenhum, voltaremos pela manhã para conversar com Ayla. — Gar o firmou, severo. — Eu falei sério, ou você arruma essa bagunça a qual você causou, ou vou te deixar e voltar a cuidar dos meus interesses.

— E você acha que vou conseguir convencer a princesa depois do que falamos?

— Mostre sua boa vontade em apaziguar e se desculpar, e passe essa casa para o nome dela, dê a ela todo o direito de proprietária. Sabe que uma mensagem pelo seu celular e a documentação estará aqui antes de chegarmos pela manhã.

— E meu orgulho fica onde?

— Se você não souber quando é mais importante seu dever ou sua vaidade, acredito que sua posição seja equivocada. E faça sua parte, estou cansado de ter que ficar arrumando a sua bagunça.





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