05 -
A garotinha chamada Annabeth
Não me lembro de como saímos daquela casa. Apenas imagino que o impacto da explosão tenha conseguido abrir a porta da frente e nos jogado para fora da casa.
Quando dei por mim, estava caída na rotatória, tossindo ofegante enquanto uma torre de fogo subia para o céu noturno. Minha garganta queimava. Meus olhos pareciam ter sido lavados com ácido. Procurei por Thalia e Luke e, em vez disso, vi o rosto da Medusa em bronze. Me levantei em um impulso e saí de perto da casa.
Finalmente, Thalia me alcançou, a lança reduzida outra vez ao tamanho de uma lata de spray, o escudo em forma de bracelete de prata. Luke apareceu pouco depois e me puxou para um abraço extremamente apertado. Quando nos separamos, ficamos nos olhando durante alguns segundos e então nos lembramos de Thalia e a olhamos.
Nós nos viramos para a casa e a vimos queimar. Os tijolos esfarelavam. As cortinas pretas explodiam, transformando-se em lençóis de fogo vermelho. O telhado despencou e a fumaça se elevava para o céu. Thalia deixou escapar um soluço. Uma lágrima riscou a fuligem que cobria seu rosto.
— Ele se sacrificou — disse ela. — Por que nos salvou?
Luke abraçou sua mochila. Ele tinha o diário e uma adaga de bronze dentro dela agora, únicos objetos remanescentes da vida de Halcyon Green.
Meu peito estava apertado, como se o leucrota ainda pisasse nele. Eu havia criticado Hal por ter sido covarde, mas, no fim, ele tinha sido mais corajoso que eu. Os deuses o amaldiçoaram. Ele passara boa parte da vida preso com monstros. Teria sido fácil para ele nos deixar morrer, como havia feito com todos os outros semideuses antes de nós.
Mas escolhera se tornar um herói. Ele se tornou nosso herói.
Eu me sentia culpada por não ter conseguido salvar o homem. Queria ter conversado mais com ele. O que Hal havia visto em meu futuro que o assustou tanto?
Suas escolhas vão mudar o mundo, ele avisou a Luke e a mim. Eu não gostava nada da ideia.
O barulho de sirenes me fez voltar à realidade. Éramos menores de idade e havíamos fugido de casa, por isso Luke, Thalia e eu aprendemos a desconfiar da polícia e de qualquer figura de autoridade. Os mortais iriam querer nos interrogar, talvez nos pôr em um abrigo para menores ou em um lar temporário. Não podíamos deixar isso acontecer.
— Vamos — Luke disse.
Percorremos as ruas de Richmond até encontrarmos um pequeno parque. Fomos a um banheiro público e Thalia e eu nos separamos relutantemente de Luke. Limpamos a pele e as roupas da melhor maneira possível. Depois nós ficamos escondidos até escurecer completamente.
Não falamos sobre o que havia acontecido. Andamos atordoados por bairros e áreas industriais. Não tínhamos um plano, nenhuma cabra brilhante que pudéssemos seguir. E eu estava extremamente feliz por isso, para ser bem sincera.
Estávamos exaustos, mas não queríamos dormir ou parar. Eu desejava me afastar o máximo possível daquela mansão em chamas. Não era a primeira vez que escapávamos vivos por pouco, mas era a primeira que sobrevivíamos à custa da vida de outro semideus. Eu não conseguia afastar a tristeza. Nunca havia me sentido assim por alguém que nem mesmo conhecia.
Paramos para descansar perto de um velho galpão. À luz pálida da lua eu vi um nome pintado na lateral de um prédio de tijolos vermelhos: RICHMOND IRON WORKS. A maioria das janelas estava quebrada.
Thalia estremeceu ao meu lado.
— Podemos ir para nosso antigo acampamento — sugeriu. — No rio James. Temos muitos suprimentos lá.
Luke assentiu apático e eu também. Levaríamos pelo menos um dia para chegar lá, mas pelo menos era um plano.
Dividimos um sanduíche de presunto, que estava com gosto de papelão. Comemos em silêncio. Eu havia acabado de engolir o último pedaço quando ouvi um fraco tinido metálico em uma viela próxima. Os pelos do meu braço começaram a se arrepiar. Não estávamos sozinhos.
— Há alguém aqui por perto — avisei. — Não é um mortal comum.
Thalia ficou tensa.
— Como pode ter certeza?
Eu não tinha uma resposta, mas sabia que estava certa, então me levantei. Peguei minha faca, mais pelo brilho do bronze celestial. Thalia empunhou sua lança e evocou Aegis. Não olhei para o rosto da Medusa, mas sua presença ainda me causava arrepios. Não sabia se o escudo era o Aegis ou uma réplica feita para heróis, mas, de qualquer maneira, ele irradiava poder. Eu entendia por que Amalteia queria que Thalia o reivindicasse.
Nós nos esgueiramos junto à parede do galpão. Entramos em um beco escuro que terminava em uma área de carregamento cheia de sobras de metal velha. Apontei para a plataforma. Luke franziu a testa.
— Tem certeza? — sussurrou e eu assenti. — Tem alguma coisa ali. Eu sinto.
Naquele momento houve um barulho alto. Uma folha de zinco corrugado se moveu na plataforma. Alguma coisa, ou melhor, alguém, estava ali embaixo. Continuamos nos aproximando devagar até estarmos sobre a pilha de metal. Thalia preparou sua lança. Fiz um gesto pedindo que ela esperasse. Segurei a folha de metal corrugado e movi os lábios para contar: um, dois, três!
Assim que levantei a folha de zinco, alguma coisa voou em minha direção, um borrão de flanela e cabelos castanhos. Um martelo foi arremessado contra meu rosto. As coisas podiam ter acabado muito mal. Mas, felizmente, meus reflexos eram muito bons depois dos dias de luta.
— Ei! — gritei.
Desviei do martelo e depois segurei o pulso da menina. A ferramenta caiu na calçada e deslizou para longe. A menina se debateu; não devia ter mais que sete anos de idade.
— Chega de monstros! — gritou ela enquanto chutava minhas pernas. — Vá embora!
— Ei! tudo bem! — eu disse alto.
Eu me esforçava para contê-la, mas era como segurar um gato selvagem. Thalia parecia estar perplexa demais para se mover. Ela ainda segurava a lança e o escudo em prontidão.
— Thalia — eu disse —, guarda o escudo! Você está assustando a menina!
Thalia saiu da paralisia. Ela tocou o escudo, que se encolheu e voltou a ser um bracelete. Soltou a lança.
— Ei, garotinha — disse ela, e sua voz era a mais suave que já ouvi sair de sua boca. — Está tudo bem. Não vamos machucá-la. Meu nome é Thalia. Esse é o Luke e ela é a Amaya.
— Monstros! — ela choramingou.
— Não! — garanti com a voz mais suave. A pobrezinha não lutava mais com o mesmo empenho, mas tremia muito, morrendo de medo de nós. — Mas sabemos sobre os monstros — continuei. — Também lutamos contra eles.
Eu a segurava, agora mais para confortá-la do que para contê-la. Depois de um tempo ela parou de espernear. Estava gelada. As costelas eram proeminentes sob o pijama de flanela. Imaginei há quanto tempo a menina estava sem comer. Era ainda mais nova do que Luke quando ele fugiu da casa dele e quando o encontrei no parque.
Apesar do medo, ela me encarava com seus olhos grandes. Eram castanhos, lindos e
inteligentes. Uma semideusa assim como eu, não havia dúvida sobre isso. Senti que ela era poderosa, ou seria, se sobrevivesse. Jurei a mim mesma que ela chegaria em segurança ao acampamento.
— Você é como eu? — perguntou ela, ainda desconfiada, mas um pouco mais esperançosa, também.
— Sim — respondi com um sorriso amigável. — Nós somos... — Hesitei, sem saber se ela entendia o que era, ou se alguma vez ouvira a palavra semideus. Não queria assustá-la ainda mais. — Bem, é difícil explicar, mas lutamos contra monstros. Onde está sua família?
A expressão da garotinha tornou-se dura e zangada. Seu queixo tremeu.
— Minha família me odeia. Eles não me querem. Eu fugi.
Isso partiu meu coração. Havia muito sofrimento na voz dela, um sofrimento familiar nos olhos dela. O mesmo sofrimento que eu vi por anos no olhar de Luke sempre que perguntavam sobre a família dele. Olhei para Luke, e tomamos uma decisão silenciosa ali. Cuidaríamos daquela criança. Depois do que havia acontecido com Halcyon Green... Bem, parecia ser o destino. Vimos um semideus morrer por nós. Agora encontrávamos a menininha. Era quase como uma segunda chance.
Luke se aproximou da garotinha e tocou seu ombro.
— Qual é seu nome?
— Annabeth.
Eu não contive um sorriso. Jamais ouvira aquele nome antes, mas era bonito, e parecia combinar com ela.
— Belo nome — falei. — Quer saber de uma coisa, Annabeth? Você é bem valente. Estamos precisando de uma guerreira como você.
Ela arregalou os olhos.
— Estão?
— Ah, sim — Luke confirmou com franqueza.
Ele pegou a adaga de Hal que levava presa à cintura.
Isto vai proteger seu dono, dissera o semideus. Ele a ganhara da menina cuja vida salvara. Agora o destino nos dava a chance de salvar outra menina.
— O que acha de ter uma verdadeira arma para matar monstros? — Luke perguntou mostrando a adaga.
— Isto é bronze celestial. Funciona muito melhor do que um martelo. — Eu disse e ela sorriu envergonhada pela quase martelada que me deu.
Annabeth pegou a faca e a estudou, fascinada. É, eu sei…ela só tinha sete anos de idade, no máximo. Onde Luke e eu estávamos com a cabeça para dar uma arma à menina? Mas a garota era uma semideusa. Tínhamos que nos defender. Hércules era só um bebê quando estrangulou duas cobras no berço.
— Apenas os guerreiros mais corajosos e rápidos possuem adagas — eu expliquei a ela. Minha voz soou embargada quando me lembrei de Hal Green e de que ele havia morrido para nos salvar. — Elas não têm o alcance ou o poder de uma espada, mas são fáceis de esconder e encontram pontos fracos na armadura do inimigo.
— Só um guerreiro esperto sabe usar uma faca como esta. E tenho a sensação de que você é muito esperta. — Luke disse sorrindo para Annabeth.
Annabeth sorriu para nós dois e, naquele instante, foi como se todos os meus problemas desaparecessem. Foi como se ela tivesse quebrado todo o mau humor que eu possuía em mim. Eu sentia que havia feito a coisa certa. Jurei para mim mesma que nunca deixaria nenhum mal se abater sobre aquela criança.
— Eu sou esperta! — retrucou ela.
Thalia riu e afagou os cabelos de Annabeth. E foi assim que arrumamos uma nova companheira.
— Agora temos que ir, Annabeth — avisou Thalia. — Temos um abrigo seguro no rio James. Vamos providenciar roupas e comida para você.
O sorriso de Annabeth perdeu parte do brilho. Por um momento, a expressão selvagem de antes voltou.
— Você não... Não vai me levar de volta para minha família? Promete?
Engoli o nó que se formou em minha garganta. Annabeth era muito jovem, mas já havia aprendido uma dura lição, como Thalia, Luke e eu de certa forma. Nossos pais haviam nos abandonado. Todos temos isso em comum. Os deuses eram cruéis, duros e distantes. Os Semideuses só tinham uns aos outros.
Toquei o ombro de Annabeth.
— Você agora é parte da nossa família. E prometo que não vou abandonar você. Tá bom? — Eu disse e Luke me olhou com um brilho nos olhos.
— Combinado — respondeu ela com uma expressão feliz, pegando sua nova adaga.
Thalia apanhou a lança e sorriu para mim em sinal de aprovação. Algo inédito para mim. Sorri de volta.
— Agora vamos. Não podemos ficar aqui por muito tempo!
* * *
Então aqui estou eu de vigia. Luke acabou de acordar e agora está tentando saber o que tanto escrevo. Acham que devo dar uma canetada nele?
Bom, estamos acampados na floresta ao sul de Richmond. Amanhã iremos seguir adiante até o rio James para nos reabastecer com alguns suprimentos. Depois disso...eu não sei. Não consigo parar de pensar nas previsões de Hal Green. Uma sensação sinistra aperta meu peito. Há algo sombrio no futuro. O caminho até lá pode ser longo, mas a impressão é de que uma tempestade se forma no horizonte, tornando o ar mais pesado. Só espero ter forças para cuidar de meus amigos.
Ao observar Thalia adormecida à luz do fogo, e Annabeth dormindo com a cabeça nas minhas pernas, fico admirada com a expressão serena em seus rostos.
Luke disse que somos os “pais” do grupo. Saber que confiam na gente é bom. Nenhum deles teve sorte no quesito família. E quanto a isso eu tenho muita sorte e Luke teve isso lá em casa, consigo ver em seus olhos o quanto ele ama a minha família, espero que ele saiba que amamos ele também.
Podemos ter apenas 14 anos, mas isso não é desculpa. Luke e eu precisamos manter essa nova família unida. As duas precisam da gente, mesmo Thalia bancando a durona e chata.
Bom, agora vamos sobreviver um dia após o outro e eu vou escrever aqui quando quiser e precisar desabafar. Duvido que alguém vai ler isso aqui.
Minha mão está doendo agora, ótimo!
Amaya Jackson.
Parte 03 de 03
Oi semideuses, como vcs estão?
A pequena Annabeth apareceu!!! Ela é uma pitica e já aviso que ela e a Amaya vão ser como irmãs, sim!!
Espero que tenham gostado, não se esqueçam de favoritar e comentar bastante.
Bjs, Ana!!
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