Prólogo
Prólogo: Tudo vai mudar
Junho de 2014
Por Fernanda
Eu ainda não estava acreditando no que estava vendo. Fazia mais de meia hora que olhava para a tela do meu smartphone sem acreditar no que meus olhos viam, eu realmente tinha conseguido entrar. Eram ao todo quarenta vagas em um programa de estudos feito por quatro Universidades – UFRJ, PUC-Rio, USP e UNICAMP – e alguns hospitais do país, e eu havia me candidatado a uma delas. Fiz várias provas e testes, concorrendo com centenas de alunos por uma vaga de residência médica na área de pediatria em um desses hospitais.
Estava tão extasiada que nem vi a Jade entrar. Ela é minha colega de faculdade, interna, assim como eu, na mesma clínica escola onde trabalhávamos para pagar a carga horária obrigatória exigida para a conclusão do curso de especialização em pediatria.
― Nossa, que chuva ― disse, fechando o guarda chuva e retirando o casaco, quando ela olhou para mim. ― Que cara é essa, Fernanda? Nossa, você ta pálida, está tudo bem? ― Finalmente reagi e olhei para ela.
― Eu consegui, passei no projeto de residência ― falei, ainda sem acreditar muito em minhas próprias palavras.
― Nossa, Nanda, parabéns! Mas você deveria esta comemorando, e não com essa cara ― disse, enquanto me abraçava. ― Tem mais coisa, não tem? Pode falar. ― Seu tom era preocupado.
― Lembra que eu te disse que eram dez hospitais modelos? Eu me candidatei para um que fica no Rio, só que lá são apenas três vagas, e elas foram preenchidas por alunos que tinham alguns requisitos solicitados por eles. Porém, eu não fui um desses alunos, então fui encaixada em um outro, onde preenchia todos os requisitos necessários. ― Falei tudo em um só fôlego.
― Tudo bem, não é tão ruim, você só foi para outro hospital, só isso. Qual é o problema? ― Jade falava, enquanto ia até a cozinha beber um copo de água.
― O problema é que eu vou para o HDC, que fica em Cabo Frio. ― Eu estava meio em êxtase, sem acreditar. Queria voltar para casa, por isso tinha colocado a vaga para o hospital do Rio, pois ficaria mais perto da família e dos amigos, mas voltar para Cabo Frio não estava em meus planos. Eu sei que já faz mais de dez anos, mas existem certas cicatrizes que são tão profundas que nem o tempo consegue curar.
― Você está assim por que vai voltar para casa? Sério isso? Qual é o seu medo? Enfrentar sua família ou encontrar o Rafael? Ou os dois? Sério, Nanda, você não acha que está na hora de tomar as rédeas da sua vida? Você veio para São Paulo estudar, e seu período como interna acaba em menos de uma semana, volte para casa e coloque um ponto final em tudo o que houve, sua mãe, seu pai, seus irmãos, a Denise... Eles estão sentindo sua falta. ― Quando ela falou essas coisas, meu coração se apertou. Eu também sentia muitas saudades deles todos.
― Eu sei, você tem razão, só que às vezes penso tanto que não sei o que fazer. Ele está namorando há dois anos, sabia? A Lay me disse já tem um tempo. ― Eu sempre pensava nele, era algo automático.
― Não sei os detalhes do que houve entre vocês, tudo o que sei dessa história são fragmentos e sempre respeitei o fato de você nunca querer dividir. Compreendo que ainda deve doer, mas, Nanda, você não tem mais 16 anos, restou pouco daquela menina aí dentro e qualquer pessoa que te conheceu naquela época pode dizer isso. A mulher de 27 anos na minha frente é batalhadora, forte e luta pelos seus objetivos. ― Eu apenas escutava, enquanto ela continuava a falar: ― Então eu acho que está mais do que na hora de retornar e resolver as coisas, o que você me diz? ― falou, entregando-me o smartphone que eu tinha jogado em cima do sofá.
― Digo que eu vou confirmar essa vaga e que vou voltar para casa. ― Peguei o smartphone, confirmei minha vaga e seja o que tiver de ser. Passei muito tempo longe das pessoas que amo, chega de ficar me escondendo do passado.
Por Rafael
Trabalho, muito trabalho. Nossa, fazia duas horas que eu estava trancafiado na minha sala organizando um projeto super complicado, pois o Alam teve um imprevisto em uma das obras, o que me fez trabalhar em dobro essa manhã. Mas tudo bem, porque amo a minha profissão, é o que sempre quis fazer desde pequeno, e já estou realizando meu sonho. Meu pai Carlos, Alam, que é um dos meus melhores amigos, e eu abrimos há seis anos a Construtora Andrade, Vasconcelos e Avilar, lutamos muito pra chegar até onde estamos, hoje somos uma empresa de peso no ramo de construção e eu tenho muito orgulho disso. De repente o pequeno furacão entrou pela minha porta.
― Rafa, você viu o projeto do Bistrô? Eu o deixei em cima da mesa de desenho e não estava mais lá, o seu Laerte vai vir hoje mais a tarde para verificar a área externa mais uma vez, ele insiste que deve ser "mais ampla porque tem que ser mais ampla", se for mais ampla do que já é, vai ser um campo de golfe, e não a área externa de um bistrô. Pelo amor de Deus! ― dizia Michela, a mais nova contratada do escritório. Ela era incrivelmente talentosa e esquecida, só não esquecia a cabeça porque estava presa ao pescoço.
― Você já perguntou ao Felipe? Ele deve saber, porque foi o último a utilizar a mesa de desenho ontem. ― Ainda não estava acreditando que ela tinha perdido mais um projeto, ainda bem que eu já conhecia seus repentes e pedi que fizessem uma duplicata do trabalho todo que ela tinha realizado até então, mas não ia falar para ela, pois queria ver se dessa vez aprendia. ― Eu nem preciso falar da importância que nós damos aos prazos de entrega aqui no escritório, não é? ― falei, olhando sério para ela.
― Eu sei, não precisa repetir. E sim, eu já perguntei ao Felipe, ele disse que não prestou muita a atenção e que não se lembra de ter visto nenhum projeto. Pensei que tinha sido você que tivesse pegado. ― Agora ela que estava séria.
― Resumindo, você perdeu mais um projeto? ― disse, ainda sério.
― Eu não perdi nada, ele que está se escondendo e eu vou achá-lo. Pode ter certeza, chefe ― falou com ar de seriedade, mas dessa vez não consegui segurar o riso.
― Acho bom ― disse depois que me recuperei. Eu ia deixá-la sofrer mais um pouco, e também queria ver se encontrava, da última vez ela achou e talvez ache dessa, nunca se sabe com essa cabeça que tem. Quando ela saiu, meu celular tocou um timer perfeito e quando olhei na tela, me surpreendi, era minha irmã Mel. O que será que ela queria? Nunca me ligava esse horário do dia.
― Oi minha linda, o que houve? ― Pela hora, devia ser algo realmente sério, então usei meu melhor tom de irmão amoroso.
― Oi Rafa, a Lay vai me matar por eu estar te ligando para falar isso, mas tinha que te falar. ― Usou um tom tão estranho ao dizer essas palavras, que comecei a ficar apreensivo.
― O que foi, Mel? Por que a Lay vai querer te matar? Fala logo, já to ficando tenso. ― Usei meu melhor tom de seriedade.
― É a Nanda. ― Fiquei em alerta quando escutei seu nome.
― O que houve com a Nanda? Anda, Mel, fala logo. ― Eu estava em expectativa.
― Não aconteceu nada, só que ela está voltando para Cabo Frio na sexta e acabei de ficar sabendo, por isso não te disse antes ― falou em um único fôlego.
A Nanda já veio aqui antes visitar os pais, os irmãos, nossos primos e amigos, nossa tia Adriele e o Quim, então não entendi o porquê de tanto alarde por causa disso. Eu não a via há mais de cinco anos, quando fui até São Paulo para um congresso e encontrei com ela em um restaurante que eu estava com uns amigos, tentamos nos entender, só que, mais uma vez, não conseguimos. Aquele fim de semana foi maravilhoso, porém foi minha última tentativa de entender tudo o que havia acontecido entre nós.
― Certo, e por que a Lay vai te matar por você estar me falando que a Fernanda está vindo visitar a família? Mel, ela já fez isso antes e não vejo problema nenhum nisso ― falei sem muita convicção.
― Porque ela não está de visita, Rafa. Está vindo pra ficar dessa vez. ― Tudo parou e fiquei estático, sem palavras, pela primeira vez em quase seis anos. ― Pelo o que eu entendi, ela passou para uma vaga de residência no HDC, e como já terminou a especialização, tem que trabalhar três anos como residente para poder se firmar, aí ela fez uma prova e conseguiu essa vaga aqui... Rafa, você ainda está me ouvindo?! Rafa! ― Mel começou a me chamar.
― To aqui, só estava absorvendo as novas informações. Ela já sabe sobre o casamento? ― perguntei, temendo a resposta.
― A Lay contou pra ela. Desculpa, Rafa, eu pedi para ela não contar, mas você sabe como elas duas são ― disse de forma desconfiada.
― Eu sei como vocês três são. ― Dei uma risada. Elas sempre foram grudadas. ― Tudo bem Mel, ela ia saber cedo ou tarde mesmo. ― Não estava com medo da reação dela e sim, com medo da minha.
Com ela aqui de volta, perto de mim, seria inevitável não nos encontrarmos. Eu amo a Luisa, mas o que temos e o que sinto por ela não chegam nem perto do que Nanda e eu tínhamos, é completamente diferente. De repente tudo o que vivemos e todas as coisas pelas quais passamos vieram em ondas pela minha memória, momentos que eu nunca iria vivenciar novamente, mas que estavam em minha pele, marcados a ferro em brasa.
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