12.Quarto de hotel

Muitos não entenderiam o lado de Jericho. Na verdade, apenas aqueles próximos teriam uma visão ampla o suficiente para se compadecer ou até mesmo entender, e isso se restringia a Guila, que a conhecia profundamente, e aos amigos de Ban, que dariam razão à lilás, mesmo sem a conhecer, pelo modo como ele vive.

Jericho era uma mulher com sonhos e ambições como qualquer outra. Quando se viu grávida, entendeu que seu mundo ruiria aos poucos. Afinal de contas, uma gravidez não planejada pode sim estragar a vida da mulher se ela não souber lidar com isso, ou não tiver o apoio e os recursos certos. E a lilás se encaixava em todos esses quesitos.

Agora, naquele carro, ela imaginava o que faria. Não contou ao irmão sobre a gravidez. Ele era quem fornecia os meios para ela estudar, pois ficou responsável pelo dinheiro da família. Mesmo que fosse pouco, soube trabalhá-lo e fazer render. O dormitório era outra questão. A universidade de Camelot tinha seus princípios e reputação. Ela não sabia se uma mulher grávida seria bem-vinda ou se especulariam que a criança foi feita ali. Se esse fosse o caso, seria expulsa e trocariam as regras, como se a utilizassem como uma espécie de exemplo. Todos sabem que jovens fazem sexo e, para completar, estaria fora do time até o próximo torneio. Nunca viu uma grávida competindo na liga e muito menos praticando esgrima.

A cabeça estava uma bagunça repetitiva, mesmo que o tempo houvesse passado desde que Ban descobriu e ela começasse no trabalho de meio período, e o platinado não estava diferente.

Ban não sabia nada sobre Jericho além de suas preferências sexuais e seu gosto por comida, esportes ou roupas. Ainda assim, tinha absoluta certeza de que o bebê era dele. E o fato de a garota continuar calada a viagem toda só o deixava internamente mais inquieto e fazia com que se lembrasse das palavras de Gowther quando descobriu que estavam tendo um lance:

— Você é muito cego ou se faz. Está na cara que Jericho está apaixonada por você. E só vê-la como uma foda ainda vai te trazer problemas.

O pensamento martelou. Naquela época, o platinado não entendia o que Gowther quis dizer com problemas. Afinal, um sexo gostoso deveria ser somente isso para ambos os lados, mas hoje era outra história. O problema em si não tinha nada a ver com o fator gravidez e sim com ele.

Um homem que tinha certeza de que não passou confiança para ela ao ponto de esconder justamente pela forma como age.

— Vamos parar em Danafor. — Ele afirmou, deixando-a confusa e finalmente o encarando. — Você está grávida, deve querer usar o banheiro e precisa se alimentar direito.

— Eu estou bem. — Ela se manteve distante e Ban não queria admitir, mas estava se corroendo.

— Jericho, desde que eu peguei a estrada só parei para abastecer e você não comeu direito, só usou o banheiro. Está anoitecendo e isso não será negociado. — Ela revirou os olhos.

— Tanto faz. Amanhã espero retornar a Camelot no horário como conversamos.

Ele estava mais sério que o comum. Na verdade, começou a se questionar se não era melhor sugerir que passassem mais tempo juntos, assim poderia acompanhar a gravidez.

A pick-up foi adentrando a cidade. Danafor é um local bonito e, diferente de Camelot, que possui majoritariamente uma construção modernizada, a cidade é pitoresca e com ar de interior, predominando as construções de madeira em tons claros. Jericho nunca adentrou a cidade, pois, quando ia para Liones, passavam por fora. Agora estava encantada, até que notou a construção à frente. O carro havia parado e claramente estavam em um local caríssimo.

Ban desligou o carro e abriu a porta. O manobrista se aproximou e ele entregou a chave, pegando a mochila no banco de trás. Depois deu a volta e abriu a porta para Jericho, pegou a bolsa dela e aguardou que saísse.

— Mas o quê...

— Você precisa descansar.

Ela já estava ficando irritada com esse jeito dele.

— Olha, eu sei o que é melhor pra mim! Então pare de agir dessa forma estranha, entendeu?

Ban respirou fundo antes de se aproximar dela e sorrir somente para ela.

— Estranha como? Cuidando de você? — Ele arqueou a sobrancelha com um sorrisinho vitorioso e ela revirou os olhos, o empurrando de leve, algo que não fez efeito.

— Você quis dizer cuidando dos seus interesses. Vamos de uma vez. — Ao passar por ele, não pôde notar o olhar incrédulo do platinado, que apenas friccionou os olhos com o polegar e o indicador antes de seguir até a recepção e ser cumprimentado.

— O de sempre. — Foi tudo o que respondeu, levando-a a crer no pior. Ban pegou a chave correspondente ao quarto novecentos e oito.

— Devo mandar algo para o seu descanso?

— Um jantar completo. Mande o garçom subir. — E assim seguiu na frente, tendo Jericho atrás de si, que ainda estava ponderando o que fazer.

Entraram no elevador e o silêncio tornou-se incômodo, até que chegaram no andar e foram até o quarto. Quando a porta abriu, ela apenas observou. O lugar era simplesmente lindo e para Jericho cabia a casa dela inteira ali dentro.

— Não fique aí parada. — Ban apoiou a mão nas costas dela.

— Ah, claro. Seu abatedouro. — Ironizou e ele riu.

— Meu quarto pessoal na cidade, toda vez que venho a trabalho. Não pense besteiras. — Ele mesmo não entendeu por que quis se explicar e ainda assim o fez, assim como não precisava parar para dormir. Entretanto, não queria que Jericho ficasse cansada.

Ban seguiu para a varanda, já tirando os sapatos e abrindo alguns botões da camisa enquanto deixava as coisas sobre uma das poltronas.

— Ban, por que paramos aqui? — Jericho questionou, parada no hall de entrada da suíte.

— Você está grávida e sei o quanto é desconfortável para a mãe e o bebê viagens longas no banco do carro, não importa o quão confortável seja o veículo. — Ele foi sincero e a lilás o observou atentamente.

— Da forma como fala, parece até que já cuidou de alguém nessa situação.

O sorriso ácido do platinado não passou despercebido por ela, que preferiu continuar em silêncio. Esse não parecia um assunto do qual ele queria conversar.

— Tem muita coisa sobre mim que você não sabe. Vou pedir o catálogo de roupas para você.

— Não precisa, eu trouxe as minhas roupas.

— Jericho, aqui esfria à noite e você não trouxe roupa para mais de um dia. Apenas escolha o que te agradar mais, não se importe com o preço. Eu preciso fazer uma ligação.

As ações dele poderiam parecer confusas e inconclusivas para a garota. A verdade é que Ban queria passar mais tempo com ela e nem ele mesmo se deu conta disso ou de como a presença dela é extremamente confortável, mesmo que seja silenciosa. Ele fechou a porta da varanda, pegando o telefone, e ela respirou pesado.

"Ele age como se se importasse comigo." Sorriu de forma irônica antes de seguir para o banheiro. Realmente estava desconfortável e, se não fosse pelo remédio de enjoo, teria vomitado no carro. Infelizmente, os primeiros meses de gravidez não são um mar de rosas, quando a mulher precisa ter o dobro de atenção e cuidado e só pode contar consigo mesma. Sentia tanto sono e estava o ignorando há tempos, porém, pensou em aproveitar essa oportunidade para descansar, já que não poderia fazer nada além disso.


[...]


Jericho não levou muito a sério o pedido de Ban, mas quando saiu do banheiro encontrou não só um catálogo de roupas, como um garçom parado na porta.

"Tem horas que Ban é bem excêntrico." Pensou antes de o encarar.

— Senhorita, o que deseja comer? — Ela piscou diversas vezes com a pergunta antes de respirar fundo. Queria ignorar a situação, mas estava com fome.

— Pode ser uma salada com peixinho e um pouquinho de iogurte de sabor? — Ela perguntou, levando o platinado a rir.

— Não pergunte, apenas escolha que ele trará. Eu quero cerveja de maçã e um bife malpassado para acompanhar salada e arroz.

Jericho piscou diversas vezes.

— Traga o que eu pedi, por favor, e um suco de limão. Ah, e também quero um arroz com vegetais.

O homem anotou tudo antes de pedir licença e Ban simplesmente a observou em silêncio.

— Agora escolha o que quer vestir de conforto. — Ela piscou algumas vezes antes de olhar o catálogo.

"Tudo é estupidamente caro." Pensou, escolhendo apenas um pijama. Ele revirou os olhos, tentando conter o sorrisinho cínico, e esperou que ela lhe entregasse o catálogo apenas para conferir as medidas. O platinado diria que antes da gravidez poderia chutar as medidas dela de cabeça, mas agora não tinha tanta certeza. Depois de ver, pediu um monte de coisas além de uma jaqueta esportiva de couro vermelho para si.

Assim que a refeição chegou, o não casal degustou calmamente, e a cada olhar de satisfação de Jericho, Ban sorria internamente. Uma coisa ficou clara: ele gostava de vê-la comer. Ao fim, a lilás pediu licença e seguiu para a varanda, onde bebeu o resto do suco, contemplando a vista de Danafor. A imagem era belíssima, porém deserta.

— Aqui é sempre assim? — perguntou, e ele se aproximou.

— Endiburgh é pior, parece a cidade dos vampiros de tão silenciosa e cheia de neblina, mas possui uma paisagem de tirar o fôlego. Danafor é mais animada durante os festivais da cidade — respondeu, olhando para ela, que não desviou o olhar da paisagem.

— Parece com Bérnia. A diferença é que Bérnia vive em festa. Todas envolvendo cerveja — ela revirou os olhos.

Ele sorriu.

— Eu vou em todos. Faz parte da exposição anual, é como se fosse a rota da cerveja. Começamos em Bérnia e depois partimos para todos os outros — ele havia apoiado o pulso no gradil e curvado o corpo, e ela não pôde deixar de reparar que essa era possivelmente a primeira vez que conversavam a respeito de um assunto qualquer e com leveza.

— Mas sua empresa é reconhecida, não precisa mais disso — foi direta, e ele sorriu.

— Não se trata de reconhecimento ou dinheiro, é apenas uma boa diversão.

Ela viu o brilho no olhar dele e, apesar disso, parecia triste, como se estivesse se recordando de um momento extremamente pessoal.

E de fato estava. Era o sorriso da loira e as viagens juntos que agora amorteciam seu coração e predominavam sua mente em um curto lampejo. Assim que desviou o olhar para Jericho, ele sentiu as lembranças bagunçadas.

A lilás estava ali, carregando seu filho, e ele estava extremamente dividido em respeito aos próprios sentimentos. Veja bem, essas mesmas emoções não são românticas e nem dizem respeito diretamente a Jericho.

São apenas confusões sobre vivências perdidas e ilusórias. Afinal, ela sempre quis um filho com ele, e agora Ban vivia esse mesmo momento com outra pessoa.

O som da campainha do quarto o tirou dos pensamentos, e só então percebeu o quão próximo estava de Jericho, tocando a face macia e encarando a boca rosada.

A contragosto, saiu da varanda e seguiu até a porta. Quando o entregador passou, carregado de sacolas de luxo, colocou-as no local que o platinado determinou. Ban lhe deu a gorjeta e ele foi embora.

— Nossa, eu não sabia que iria fazer compras — Jericho afirmou, e ele apenas pegou uma das sacolas de papelão e catou a jaqueta.

— Não são para mim — a encarou com um ar pretensioso antes de seguir para o banheiro, e Jericho piscou diversas vezes, se aproximando daquelas sacolas e respirando fundo. Todas as roupas que havia ali eram femininas, cada peça mais bonita que a outra, deixando-a extremamente constrangida. Ainda assim, não negou que apreciou a atitude dele, só não contaria para o platinado.

Do banheiro, pela fresta da porta, Ban observou a pequena raiva dela por ele ter feito isso. Por um lado, adorava vê-la bravinha, mas, por outro, esperava que ela gostasse das escolhas.


A noite realmente estava fria. Jericho já havia tomado um banho e estava de pijama, encarando-se no espelho do banheiro. A barriga tão pequenininha estava dando sinais, ainda mais com aquele pijama macio de algodão forrado. Os cabelos estavam soltos e arrumados, e nos pés, um chinelinho macio de pano e solado fofo.

Ao sair do banheiro, deu de cara com o platinado sem camisa, o belo peitoral aparente e as entradas cavadas nas laterais que a fizeram corar. Para completar, ele estava usando uma calça de tecido fino, e ela sabia que estava sem cueca, pois era um costume de Ban dormir assim. Ele havia tomado banho e se trocado, mas Jericho não fazia a menor ideia de que o quarto tinha dois banheiros, além de uma cama extra.

— Eu vou dormir na outra cama. Não se preocupe com isso. — Ela piscou duas vezes, e ele a analisou melhor. A barriguinha estava levemente aparente e ele queria muito passar a mão nela, mas não faria. Ainda não.

Ban se despediu de Jericho e seguiu para a outra porta. Ela simplesmente foi para a cama e não pôde conter o olhar indo de encontro ao quarto dele. A cabeça até poderia estar no travesseiro macio, mas o coração de ambos seguia pesado.

A noite poderia ser calma lá fora, ainda assim, o turbilhão de emoções estava apenas no começo.

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