Canto V: A Nova Estação
E aquilo foi tudo. Logo me despedi do Herói falho com a consciência pesada, algumas perguntas respondidas, mas ainda cheio de dúvidas.
Preferi ignorar suas opiniões sobre o Purgatório. Não é possível que não houvesse saída! O que sobraria para mim pelo resto da eternidade seriam somente linhas e linhas e ser negado das cores das quais mal me lembro?
Foi como uma tempestade na minha cabeça. E o mundo em volta respondeu. Chuva. Chuva intensa. Incessante queda de gotas longínquas que passavam por mim, sem nunca cair, sem nunca parar.
E adentrado em uma mata úmida, fechada, imensa, com um teto de folhas me protegendo da maior parte da chuva, comecei a entender: se antes era o verão, devia ser época de inverno agora. Período de lágrimas de São Pedro, alegrias e tristezas!
Ganhos pela vinda da água, perdas pela destruição da sua correnteza imparável por qualquer homem. Destruição material, perda humana.
Fazia um certo frio. Muito? Não para os padrões usuais. Vinte três graus no que parecia ser uma madrugada, aquilo era quase uma tundra para mim e não sentia que andava por uma floresta equatorial!
Estava úmido ao extremo e me sentia sufocado, mas continuei, mesmo com o medo de afundar naquele terreno pantanoso. Devia ser tão exuberante e colorido! Até me sentia triste por perder o espetáculo da paisagem que era a própria protagonista de todo o espaço.
Aos poucos, me acostumei à nova estação. Devia ser assim estar vivo. Presenciar a passagem das estações. Só duas? Talvez sim, ao menos no meu Purgatório.
Enquanto refletia nisso, tropecei numa raiz que se rebelara contra o solo e dei de cara com um velho fumando sozinho. Era o completo perfil de um viajante: Boina, sobretudo, malas cheias de cartões postais e uma barba por fazer, mais um anel dourado solto, em cima do joelho. Exalava o odor de alguém que não se banhava há semanas.
— Parece que alguém não sabe por onde anda.
Sério, em uma voz de fumante, comentou sobre a minha queda.
— Ando muito perdido.
— Então deve ser um recém-chegado. Seja bem-vindo. De onde veio?
— Da mata cerrada.
— Não, me refiro a onde você nasceu em vida.
— Ah, eu...
Silêncio. Me senti retraído diante daquele homem tão vivido se comparado a mim.
— Não sabe de que país veio? Não? Mas se falas a mesma língua que eu, deve ser do país dos poetas, sambistas e artistas, pois sou um contador de histórias.
— E onde seria isso?
O viajante então apontou para a própria maleta. Mais especificamente, para um mapa que me era vagamente familiar. Seu dedo indicador o circundava por inteiro.
— Mas me parece que não se lembra de seu lar. Bem, ele é tão vasto quanto o universo observável, infinitas artes, culturas, gente. Mas também é tão decepcionante e não consegue preencher um vazio dentro de você enquanto se sucedem as estações.
— Que são o inverno e verão, certo? Presenciei as duas aqui.
— Errado. As duas estações são meras ilusões do clima onde você cresceu. Também há a primavera, que é a estação das flores e antecede o verão, além do outono, em que caem as folhas cor de azul e, depois do mês das bruxas, chega o inverno, no qual estamos segundo este hemisfério. Como se está no sul, pode ser julho. Ou antes. Difícil dizer.
— Certo. Vou fingir que sei o que é julho.
— E mesmo as estações são diferentes em cada lugar. Onde estive pela última vez, só tinha neve por toda parte. E o frio de lá perto daqui era obsceno, de matar!
— Tem alguma chance de eu encontrar neve aqui?
— Quase zero. O determinismo climático não permite que seus desejos sejam realizados.
— Ah, que pena.
Lamentei profundamente. Pareciam interessantes aquela tal neve e mês das bruxas.
— Mas você pode imaginar qualquer coisa na sua cabeça e com um bom livro e estimulantes perto de si. Pode tragar um pouco do meu cigarro. A chuva ainda deve demorar para passar. E o amor, mais ainda. Mais ainda...
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