ξ𝟬𝟬𝟭. ⏣ O Esᴘᴇʟʜᴏ Mɪsᴛᴇʀɪᴏsᴏ(🪞)
❝Me encontro embrulhado
no vidro e lentamente
ensopado no limo❞
SLIPKNOT ━━ LEFT BEHIND
ÁSTER LOPES, uma jovem designer gráfica de 25 anos, habitava em Sintra, uma cidade portuguesa de beleza estonteante. As ruas de paralelepípedos, sinuosas como fitas, entrelaçavam-se entre palácios coloridos, cujas fachadas pareciam sorrir sob o sol, e jardins exuberantes, onde flores de todas as cores e formas criavam um espetáculo mágico.
Era um cenário digno de um conto de fadas, com torres góticas que se elevavam para o céu, envoltas em névoas que dançavam entre as árvores, criando uma atmosfera misteriosa e encantadora. Mas para a jovem, essa beleza era apenas um pano de fundo para a profunda tristeza que a assombrava, uma sombra constante que acompanhava cada passo.
Durante o dia, ela era a personificação da perfeição profissional na pequena agência onde trabalhava. Um sorriso radiante e uma energia contagiante a distinguiam dos colegas. Sempre prestativa e colaborativa, participava ativamente das reuniões, contribuindo com ideias criativas e soluções eficazes.
Seus cabelos, com cachos em uma tonalidade terrosa emolduravam seu rosto delicado, caíam suavemente sobre os ombros, e seus olhos verdes, brilhantes e penetrantes, irradiavam uma aura de confiança e alegria. A máscara impecavelmente construída era uma críptica fortaleza que protegia seu interior frágil do mundo externo, ocultando com habilidade a realidade sombria e profunda que a consumia nos momentos de solidão, quando a fragilidade e a dor se tornavam as companheiras silenciosas
Cada vez que cruzava o limiar de sua casa, a atmosfera acolhedora transformava-se em clima opressivo. O pequeno espaço, decorado com quadros de arte abstrata e plantas que ela cultivava com carinho, eram um reflexo de sua personalidade.
As paredes, que deveriam oferecer conforto e segurança, fechavam-se sobre ela, amplificando o silêncio que, durante o dia, lhe parecia reconfortante, mas que à noite se tornava ensurdecedor, pesado como um manto de chumbo.
Por mais que a jovem tentasse evitar as sombras do passado, sempre acabava se perdendo em memórias de sua infância e juventude, onde lembranças que a haviam marcado profundamente emergiam como feridas abertas e cruas, que se recusavam a cicatrizar.
A pressão para ser perfeita sempre foi constante em sua vida. Áster sentia uma necessidade inexplicável de atender às expectativas de sua família e amigos, um fardo que a esmagava, sufocando-a lentamente. O medo de decepcionar aqueles à sua volta a impedia de expressar suas emoções verdadeiras, fazendo com que a raiva e a tristeza se acumulassem em seu interior, como uma bola de neve.
Para lidar com a dor insuportável que parecia consumi-la, ela havia encontrado um refúgio ilusório e no álcool e nos calmantes. Todas as noites, no silêncio opressivo de seu lar, sempre se entregava a uma taça de vinho, que rapidamente se transformava em várias, enquanto os comprimidos ofereciam um alívio temporário e insuficiente para a angústia que a perseguia.
Cada gole, cada comprimido, era uma tentativa desesperada de silenciar as vozes que a atormentavam, mas essa fuga a aprisionava em um ciclo vicioso de dependência, isolando-a ainda mais.
A pergunta "O que eu me tornei?" ecoava incessantemente em sua mente.
Cada elogio recebido a fazia questionar sua autenticidade, a dúvida corroendo sua alma como um veneno letal. "Se as pessoas soubessem quem eu realmente sou, elas não me aceitariam", pensava, enquanto as lágrimas rolavam pelo seu rosto, misturando-se à solidão que a envolvia como um abraço frio e sufocante.
Após uma semana de trabalho que lhe sugou as energias, deixando-a à mercê de uma exaustão corrosiva que lhe pesava nos ossos e lhe embaçava a visão, a designer seguia de volta para sua residência, mas a ideia de ir para casa lhe causava um frio na espinha.
Precisava de fuga, mesmo que temporária, para escapar da realidade que insistia em lhe sufocar com suas garras implacáveis, uma realidade que lhe deixava um gosto amargo na boca e uma sensação de vazio no peito.
Então, como um raio de esperança em meio à tempestade, uma lembrança surgiu em sua mente: um antiquário, misterioso e fascinante que sempre despertara sua curiosidade, um local aninhado em uma das ruas mais silenciosas e esquecidas da cidade, que prometia segredos e encantos.
Uma excitação quase palpável a impulsionou a se encaminhar para o estabelecimento, buscando uma distração temporária, um escape momentâneo para a dor lancinante que a consumia.
"Relíquias do Tempo" era muito mais do que um simples antiquário; era um santuário de objetos antigos e misteriosos, um labirinto de histórias sussurradas, um portal para outros tempos e realidades.
Ao cruzar a soleira, um aroma denso envolveu suas narinas. Era uma fragrância rica e terrosa da madeira envelhecida, que parecia sussurrar histórias antigas, mesclada ao aroma adocicado e sutil da cera de abelha, que trazia consigo um toque de tranquilidade e pureza.
As prateleiras, repletas de itens curiosos, pareciam sussurrar histórias esquecidas: relógios de bolso, com engrenagens expostas como veias pulsantes de um coração mecânico, parados no tempo; quadros empoeirados, cujos pigmentos desbotados guardavam lembranças tênues de vidas passadas; livros com capas desgastadas, suas páginas amareladas como pergaminhos antigos, guardando segredos sussurrados ao longo dos séculos.
O ambiente era uma curiosa combinação de acolhimento e mistério, uma sinfonia de silêncios e sussurros. Cada objeto emanava uma aura enigmática, como se carregasse consigo a energia e ressonância de histórias não contadas.
Navegando entre as fileiras desordenadas de objetos antiquados, algo inesperado chamou sua atenção. Em um canto obscuro e esquecido, quase escondido atrás de uma coleção de pratos de cerâmica rachados e cobertos por uma fina camada de poeira, um espelho antigo a esperava silenciosamente.
Não era um espelho comum, pois sua moldura era uma verdadeira obra-prima de metal envelhecido, que exibia uma teia intrincada de arabescos florais. Sob a luz suave e tênue da loja, esses padrões pareciam dançar, criando um jogo complexo de sombras e luzes que hipnotizava o olhar e transportava quem o contemplava para um mundo de beleza e encantamento.
O vidro, embaçado pelo tempo, pulsava com uma energia estranha, uma vibração quase palpável que lhe causou um arrepio na espinha. Ao tocar a moldura fria, sentiu uma corrente elétrica percorrer seu corpo, como se o artefato estivesse vivo, esperando por ela há séculos, pulsando com uma energia ancestral e misteriosa.
━━ Ah, você encontrou o Espelho de Veritas. ━━ Uma voz suave, rouca pelo tempo, a surpreendeu.
Era a proprietária do antiquário, uma mulher de idade avançada, cujos cabelos brancos como a neve refletiam a pureza e a serenidade que emanava de sua presença.
Seus olhos cinzentos, brilhantes e profundos, pareciam radiar uma sabedoria antiga, acumulada ao longo dos anos de observar o mundo com uma perspicácia que poucos possuíam. Seu olhar experiente, impregnado de uma compreensão profunda, parecia enxergar além da superfície das coisas, como se pudesse sondar a alma de Áster e ouvir os silêncios que ela guardava.
━━ Dizem que este espelho tem o poder de revelar a verdadeira essência de quem se olha nele. Mas cuidado, minha jovem, pois ele também pode mostrar os aspectos que você prefere ignorar. A verdade, às vezes, é mais assustadora que qualquer mentira. ━━ A voz da anciã ecoou no silêncio do estabelecimento, carregada de um aviso que ressoou profundamente.
━━ O que mais você pode me contar sobre ele? ━━ Áster perguntou, sua voz um fio tênue, quase inaudível, mas firme em sua determinação.
━━ A lenda diz que o espelho foi criado por um artesão ocultista há muito tempo, que queria capturar a dualidade da alma humana. Acredita-se que aqueles que olham para ele vêem não apenas seu reflexo, mas também suas emoções mais profundas ━━ tanto a luz quanto as sombras. ━━ A mulher fez uma pausa antes de dar continuidade. ━━ Muitos que o usaram voltaram transformados, mas nem todos estavam prontos para enfrentar o que viram. Alguns até perderam a própria sanidade. ━━ A mulher analisou a cliente com um olhar penetrante.
A promessa de auto descoberta e o sussurro de histórias antigas, que pareciam ecoar ao seu redor, a atraíam irresistivelmente. Áster sentiu uma conexão inexplicável e avassaladora com o espelho, como se ele a estivesse chamando por um nome que apenas ela pudesse ouvir ━ uma convocação que vinha das entranhas de sua alma.
━━ Eu gostaria de levá-lo. ━━ Áster disse, sua voz firme apesar da ansiedade que a consumia.
Ao sair do antiquário, a designer sentia um turbilhão de emoções que pareciam dançar dentro dela. A expectativa era eletrizante, quase palpável como a textura áspera da pedra sob seus sapatos, que parecia trazer uma sensação de realidade ao momento. E a curiosidade, fria e intensa como o metal da moldura do espelho que apertava em suas mãos, parecia percorrer cada nervo de seu corpo.
Sintra a abraçava como uma antiga confidente. As ruas labirínticas, esculpidas em pedras seculares, tramavam narrativas sussurradas apenas ao crepúsculo. O céu ardia em tons de âmbar e rosa, derramando uma luz quase alquímica que transformava cada esquina em um altar de revelações. Os jasmins e hortênsias exalavam um perfume que transcendia o sensorial.
Mal havia cruzado o limiar de sua residência, a ansiedade a impulsionava, acelerando seus batimentos cardíacos como um convite ininterrupto para desvendar o segredo do espelho. Ao trancar a porta, Áster moveu-se diretamente até seu quarto, onde o mundo exterior parecia desaparecer. A textura macia do tapete contrastava com a aspereza da penteadeira antiga, onde ela posicionou o espelho com mãos trêmulas.
Sentada diante do artefato, Áster mergulhou em seu reflexo, e logo a magia ancestral se manifestou conforme os relatos da dona do antiquário. O ar mudava ao seu redor, como se uma brisa invisível sentisse a energia do espelho. Seus olhos, fixos no reflexo, viam algo além da superfície, e o silêncio tornou-se um testemunho mudo do que estava por vir.
Duas versões de si mesma lhe encaravam, duas facetas de sua alma expostas em toda a sua complexidade, num confronto tão visceral quanto seus batimentos cardíacos: o yin e o yang, a luz e a sombra, a serenidade e a fúria, tão próximas e tão distantes, tão interligadas e tão antagônicas.
De um lado, uma Áster serena, quase angelical ━ seus olhos irradiando uma suavidade cristalina, seus gestos traduzindo uma paz interior que ela raramente sentia; do outro, um retrato de fúria comprimida ━ cabelos negros como a noite mais profunda, emolduravam um rosto marcado por uma expressão desafiadora, plena de uma raiva que parecia brotar com uma força bruta e indomável.
A dualidade de sua alma estava exposta diante dela, crua e implacável. Paralisada, Áster sentiu-se presa entre a atração quase magnética pela força de sua versão sombria, um poder que a fascinava e a aterrorizava em partes iguais, e a segurança de sua faceta gentil, que a protegia do mundo, mas que a mantinha aprisionada em sua própria solidão, e em suas mentiras.
"Quem sou eu realmente?", a questão ecoou em sua mente, pungente e desesperadora. "Por que essa raiva me consome? "Por que não consigo ser feliz sendo apenas o que esperam que eu seja?" Por que essa necessidade constante de agradar, de corresponder a expectativas que não são minhas?" As perguntas se aglomeravam, como um enxame de abelhas furiosas, picando-a com a dor da autodescoberta.
Nesse instante, o espelho explodiu em um brilho cegante, uma luz branca e intensa a envolveu. Uma força irresistível, uma energia ancestral e poderosa, a trouxe à sua superfície, como se fosse um redemoinho lhe sugasse para um abismo de luz e sombras. O ar vibrava, zumbia, carregado de uma energia que lhe trazia um formigamento a sua pele.
O mundo ao seu redor começou a se desintegrar, não gradualmente, mas em um turbilhão caótico de cores e sombras, um caleidoscópio de imagens distorcidas que se estilhaçaram e se recombinavam a cada segundo, a própria realidade estivesse se desfazendo diante de seus olhos.
Uma onda de eletricidade percorreu seu corpo, arrepiando-lhe os cabelos até a raiz, deixando sua pele dormente, enquanto um calor intenso se misturava a uma onda gélida que lhe congelava o sangue nas veias. O cheiro de ozônio e de algo antigo, indefinível, enchia suas narinas.
O aposento mergulhou em sombras dançantes, como se a própria luz estivesse sendo engolida pelo espelho, que parecia atuar como um buraco negro, sugando toda a esperança e toda a claridade em seu redor, deixando apenas uma escuridão profunda e um silêncio opressivo que parecia sufocar o ar. No entanto, essa quietude não era absoluta; era preenchida por um zumbido quase inaudível, constante e insistente, que ecoava dentro dela, que parecia ressoar em seus ossos.
Sussurros distantes, como vozes em um sonho febril, ecoaram em seus ouvidos, chamando-a, seduzindo-a com promessas de revelações e respostas, mas também advertindo sobre os perigos que a aguardavam, sobre o preço que teria que pagar pela verdade. As vozes eram familiares e estranhas ao mesmo tempo, como memórias longínquas e obscuras, ecos de um passado que ela não conseguia alcançar.
Hipnotizada, incapaz de desviar o olhar, de romper o feitiço, ela se aproximou, atraída por uma força invisível, irresistível, entregando-se ao destino queque ela não pressentia, mas que não conseguia evitar. Quando sua mão tocou a superfície fria e lisa do espelho, uma onda de energia a envolveu, apagando tudo, absorvendo-a com a violência de uma explosão.
Áster sentiu o chão sumir sob seus pés, como se estivesse caindo em um abismo sem fim, de luz e sombras, de realidade e ilusão, um abismo que a engolia inteira. Tudo ao seu redor ficou embaçado, distorcido, desfocado, até que se viu flutuando em um vazio infinito, uma dimensão entre mundos onde o tempo e o espaço não tinham significado.
Quando finalmente abriu os olhos, a visão lhe veio em flashes, como um filme projetado em alta velocidade. ela estava em um lugar completamente diferente, um mundo onírico e aterrador, um reino fantasmagórico que refletia sua mente em conflito.
Um reino onde a luz e a escuridão dançavam em uma eterna e frenética valsa, um palco para a batalha eterna entre suas faces o palco da sua própria alma, onde ela teria que enfrentar a sua verdadeira identidade, por mais sombria que fosse.
DUALIDADE: O ESPELHO DA ALMA
• Capítulo com 2207 Palavras
• Escrita por Maíra Lima
• Sem Revisão Ortográfica
• Publicado 25 de Setembro de 2024
• Reescrito em 25 de Janeiro de 2025
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