I - Único

Draco acordou mais uma vez com a comoção perto da janela do seu quarto. Ele esfregou os olhos e olhou as horas no relógio postado tranquilamente na cômoda ao lado da cama. 4:28 da manhã. Se fossem outras circunstâncias, ele teria ficado irritado por ter sido acordado tão tarde da madrugada, o que renderia aos seus amigos mais próximos uma bela amostra de todos os palavrões que conhecia e uma série de comentários sarcásticos durante o dia inteiro, mas ao invés disso, ele suspirou. Se levantou da cama e caminhou até a janela.

Depois da guerra, havia se mudado para um casarão da família Malfoy localizado num canto rico de Hogsmeade, para fugir das lembranças aterrorizadoras da Malfoy Manor. É claro, sua paz durava pouco: Pansy e Blaise passavam tanto tempo lá que nem se surpreenderia caso os amigos aparecessem com malas e passassem a morar junto a si, mas esse era, de longe, o menor dos seus problemas. O maior deles possuía nome, sobrenome, uma cicatriz ridícula na testa e, Draco achava que Merlin ria de sua cara nesse exato momento, um casarão registrado em seu nome bem ao lado de onde o Malfoy morava agora, o que significava, o loiro pensou alarmado na primeira semana, que Harry Potter era seu vizinho.

Foi estranho durante um bom tempo. Draco se assustava com frequência quando andava pelo seu quarto e encontrava a figura de Potter na janela de frente para a sua, mas isso foi superado rapidamente. E então vieram os pesadelos.

Draco Malfoy sequer os tinha mais, estava tão acostumado com o fato de viver num show de horrores que não sonhava há anos; Harry não teve a mesma sorte. Acordava gritando quase todas as noites, e as crises de pânico levavam tempo para serem amenizadas, por conta da paciência de Hermione Granger, carinho no cabelo, e suco de abóbora, muito suco de abóbora. Essa parte Draco com certeza poderia ignorar, se os gritos do moreno não contivessem seu nome em praticamente todas as noites.

Seu coração se apertava toda vez que abria os olhos durante a madrugada e ouvia Harry chorando, apenas alguns metros ao lado, o chamando a plenos pulmões o tempo inteiro. Ele pensou em ir lá, qualquer dia desses. Perguntar, ser cordial, mas de onde tiraria a coragem para isso? Era um ex-Comensal, no final de tudo. Ainda tinha a Marca Negra no antebraço para lembrá-lo disso, embora atualmente ela se resumisse a um esboço claro na pele pálida.

Dessa maneira, se encostou no peitoril e observou em silêncio o contorno de Hermione abraçando Harry através da cortina, o confortando mais uma vez enquanto ele chorava em seu colo. Se perguntou se Harry havia se mudado pra lá de propósito. Se fazia isso para torturá-lo um pouco todas as noites, o lembrando do passado. O passado que não estava tão distante assim. Potter tinha sorte por ter amigos tão bons quanto Hermione e Ronald. Sorte de verdade.

O loiro não prestou atenção em quanto tempo ficou ali, parado, imerso em suas próprias distrações e arrependimentos. Talvez duas, três horas? O sol esquentava seu rosto quando resolveu se afastar, e Harry Potter dormia tranquilamente, sozinho. Obviamente, Draco não podia vê-lo, apenas seu contorno por trás da cortina, mas estranhamente, desejou que sim, em segredo. Desejou que pudesse ser ele a acalmar o moreno todas as madrugadas e desejou que pudesse confortá-lo enquanto chorasse. Ele desejaria que pudesse voltar no tempo e consertar as coisas para que Harry pudesse ter uma adolescência normal e não estivesse tão sobrecarregado agora, se não soubesse que isso era impossível. A estabilidade emocional de Harry Potter nunca esteve nas mãos de Draco Malfoy, e ele sabia disso, mas desejava que sim.

Desceu as escadas tão quieto quanto poderia para não acordar Blaise adormecido no sofá da sala e seguiu direto para a cozinha. Precisava de um café forte. Sentia que seria um daqueles dias longamente exaustivos.

Um aceno com a cabeça e a água fervia, o café era coado e misturado, e o Profeta Diário daquela manhã flutuava frente ao seu rosto. Ele abriu a mão, e a xícara cheia veio até seus dedos. Ele tinha se tornado extremamente bom em magia sem varinha nesses últimos tempos. Malfoy leu as notícias em silêncio, mesmo que quisesse protestar sobre o quanto aquelas notícias eram ridículas. "Harry Potter se exibe pela vitória sobre Você-Sabe-Quem no Beco Diagonal"? Céus, Potter sequer conseguia dormir uma noite inteira. Draco revirou os olhos.

— Eu realmente não sei o motivo de você ainda procurar ler essas baboseiras toda manhã. – A voz grave e rouca de Blaise Zabini preencheu o ambiente.

— Gosto de me manter informado, Zabini, você sabe. – Deu de ombros, bebericando mais um pouco do café. Um aceno, a página virou.

— Se manter informado por Rita Skeeter não me parece exatamente uma escolha inteligente, Malfoy.

— Prefere ler o Pasquim? – Draco arqueou as sobrancelhas. Blaise sorriu, ele tinha razão.

— Eu vou ao Ministério. Devo assinar um monte de papéis e sairei logo em seguida. Voltarei à noite, o que você vai fazer? – Anunciou, se virando na direção de um Draco Malfoy pensativo, que agora mal prestava atenção nas notícias.

— Eu.. Vou visitar Harry Potter. – Ditou o loiro como se fosse óbvio, arqueando as sobrancelhas com as próprias conclusões. Blaise Zabini fez uma cara estranha, mas não falou nada; se ateve a pegar o casaco e deixar Malfoy sozinho.

No final das contas, Draco Malfoy sequer precisou se dar o trabalho de deixar a sua casa para se encontrar com Harry. Assim que abriu a porta, o moreno estava lá, a mão erguida pronta para bater.

— O que está fazendo aqui?

Harry parecia agitado.

— Nós precisamos conversar.

Draco deu espaço para que o Potter entrasse em casa, e ele foi direto para a sala como se conhecesse o local, embora não tenha se acomodado num dos sofás. Silêncio. Um, dois, três minutos inteiros do mais puro silêncio enquanto o Malfoy aguardava pacientemente o menino aparentemente desesperado começar a falar. Ele suava frio. Céus.

— Eu terminei com Gina. – Disse, finalmente, esfregando as palmas das mãos nas calças.

— Sim, Potter, está estampado na primeira página de todos os jornais do mundo bruxo há uma semana. Olha, eu não tenho nada a ver com a sua vida amorosa com a Weasel menor. – O mais alto revirou os olhos, cruzando os braços à frente do peito. – Se quer algum conforto por isso, procure pela Granger.

— Não, escuta. Você tem tudo a ver com isso. – Harry se aproximou um passo, mas ao ver que Draco recuou, fez o mesmo. – Malfoy.

— Está perdendo seu tempo aqui, Potter. Não posso ajudar você. – Dito isso, deu as costas em direção às escadas, mas Harry não estava disposto a desistir.

— Eu chamei por você todas as noites, todas as noites durante-

— 353 dias. Eu ouvi.

O moreno arquejou com a interrupção. Não esperava por isso. Draco deixou um pequeno sorriso torto adornar seus lábios finos.

— Por que não veio? Nenhuma das 353 noites?

— Você acha mesmo que eu iria? Com Granger e Weasley na sua casa noite após noite, sabendo que seria julgado assim que pisasse os pés fora de casa? Eu fui seu inimigo desde o primeiro ano, Potter. – Seu tom agora estava mais ameno e baixo, e Draco abaixou a cabeça o suspirar pesado. – E sequer lutei ao seu lado na guerra. Coragem é uma virtude Gryffindor, não Slytherin.

— Eu queria que você fosse. Queria que fosse você no lugar de Hermione, eu sei disso. Você sabe disso.

— Saber disso não muda as coisas. – Ele se virou. Por um momento, Harry jurou ter visto dor em seus olhos, mas um segundo após e lá estavam as barreiras Malfoy. Sempre as barreiras Malfoy.

— É claro que muda, Draco. Muda tudo. – O loiro sequer prestou atenção em toda a sentença que ouviu. Se perdeu no som do seu primeiro nome ecoando em seus ouvidos.

E Harry Potter estava ali, há um passo de distância. Com as olheiras fundas, as mãos suadas de nervosismo, os cabelos mil vezes mais bagunçados que o habitual, mas estava ali. Draco respirou fundo.

— Eu gostaria de ter salvado você. Todo esse tempo.. Todos os 353 dias, eu apenas gostaria de ter salvado você. – Continuou, a voz falhando ao final.

— E Sirius? Nymphadora? Remus? Dumbledore? Snape? Fred? – Respondeu Draco num sussurro. Harry balançou a cabeça.

— Não cabia a mim salvá-los, Draco. Mas talvez alguns deles ainda estivessem vivos se eu tivesse apenas.. Conseguido salvar você.

— Como? Você me salvou, Harry. Na Sala Precisa.

O indicador de Harry tocou os lábios de Draco sutilmente, indicando que ele deveria ficar calado agora. Apenas um pouco seria o suficiente, talvez.

— Eu me arrependo de ter negado você desde o começo.

O loiro abriu a boca para protestar. Não cabia a Harry salvá-lo dessa forma também, aquilo já fazia tanto tempo e não fazia mais diferença. Entretanto, não houve espaço para protestos, pois seus lábios foram cobertos pelos de Harry num selar simples.

— Isso definitivamente muda as coisas. – Sussurrou contra os lábios do homem ligeiramente mais baixo que si. Recebeu um sorriso cansado em troca.

— Eu não aguentava mais ver você morto durante 353 noites seguidas e não poder fazer nada. – O moreno se afastou um passo. – Agora, Malfoy, se não se importa, eu realmente preciso dormir por mais de duas horas.

— Draco.

— Hm?

— Você acabou de me beijar, trasgo. Deve ao menos saber que pode me chamar pelo primeiro nome agora. – Malfoy revirou os olhos, mas recebeu outro sorriso mesmo assim. Ele segurou a mão de Harry com cuidado. – Não volte para casa agora, fique aqui mais um pouco..

Harry Potter suspirou.

E quando Blaise Zabini chegou no princípio daquela noite e encontrou Harry Potter e Draco Malfoy enroscados e adormecidos no sofá tranquilamente, ele comemorou internamente que as coisas finalmente iriam melhorar depois da guerra.

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