24 - Melancolia

Kira

Os cinco estágios do luto.

Negação

A negação é uma resposta instintiva à dor e ao choque da perda. Nesta fase, a pessoa cria uma barreira temporária para proteger a si mesma do impacto emocional avassalador.

Raiva

A raiva surge quando a pessoa começa a aceitar a realidade da perda e se sente injustiçada ou traída. Essa emoção pode ser direcionada a outras pessoas, como familiares, amigos, médicos ou até mesmo quem que partiu.

Barganha

A fase da barganha é marcada por um desejo intenso de reverter ou aliviar a dor da perda. A pessoa pode fazer promessas a si mesma, a Deus ou a outras forças superiores, na esperança de que isso amenize a dor.

Depressão

A é uma resposta natural à perda, e é o momento em que a pessoa realmente sente o peso da ausência. É aquele momento em que a realidade da perda é plenamente sentida, e a pessoa pode experimentar profunda tristeza, desânimo e desinteresse pelas atividades diárias.

Aceitação

Independentemente da ordem anterior, a aceitação é o estágio final do luto, no qual a pessoa começa a se adaptar à nova realidade sem a presença do ente querido. Ela não significa que a pessoa esqueceu ou superou completamente a perda, mas sim que está aprendendo a viver com ela.

Uma explicação resumida que define normalmente os sentimentos de quem está de luto. Só que para mim eu só sentia uma tristeza. Como se minha alma não habitasse mais meu corpo. Era como uma casca vazia que respirava com muito esforço.

Eu nem lembro direito como as coisas aconteceram depois da notícia. Mayu que depois me disse que passei três dias sem comer, sem dormir, chorando deitada no chão abraçada com uma foto dele. Acho que se Mayu e Ren não estivessem ali comigo eu teria definhado imersa no mar mais profundo do desespero.

Sabe quando a vida parece estar se esvaindo de seu corpo? Era o que estava acontecendo comigo. A comida não tinha sabor, na verdade eu mal comia. Os dias eram cinzentos, não havia nada que me divertisse ou me alegrava e me dava qualquer tipo de emoção. Eu parei de ir a terapia, mesmo com a psicóloga ligando sem parar. Eu não abri mais a loja. Com o tempo, acho que entediada, Mayu tocou a loja, cuidou do meu filho. Eu estava morta em vida.

E eles tentaram me ajudar. Ren estava preocupado comigo, levava comida para mim, penteava meu cabelo. Eles se importavam comigo, mas eu não tinha mais forças para mais nada.

— Mãe... você tem que comer...

— Eu... como mais tarde filho.

— Você diz isso toda vez e não come nada. E a tia Mayu falou que você tem que tomar banho, sair desse quarto.

— Eu to bem meu filho. É só uma fase.

Uma fase.

Uma mentira absurda que contava para mim mesma. A dor não passava nunca. Ren se importava, e eu me esforçava, mas eu não conseguia agir de outra forma, meu corpo estava pesado.

— Mãe, eu e a Tia Mayu vamos jogar banco imobiliário, vamos?

— Hoje não meu filho.

Eu às vezes saía de casa em direção à praia e ficava ali de frente para o mar sentindo a brisa tocar meu rosto, olhando para toda aquela água e pensando se seria fácil acabar com a minha vida ali. Será que onde ele estava, nós nos encontraríamos?

— Kira! Vem pra dentro! Tá frio aqui fora e você... tá de pijama. — Mayu disse olhando ao redor, e me guiando para dentro. — Eu enchi a banheira para você tomar um banho.

Eu acho que me perdi no tempo. Todos os dias pareciam iguais. Sem cor, sem brilho, sem vida. Mayu esfregava minhas costas, jogava água sobre meu cabelo. Jamais imaginei que justo ela cuidaria de mim daquele jeito e acho que nem fui grata o suficiente.

— Foi divertido brincar com o Ren ontem? — Perguntei olhando fixamente para a água dentro da banheira.

— Ontem?

— Banco imobiliário.

Mayu parou o que estava fazendo e ficou me olhando com uma expressão tensa e preocupada. Ela, que estava sentada num banquinho ao lado da banheira tocou meu ombro e me virou para ela.

— Kira... isso foi semana passada.

— Semana passada? Foi ontem... não foi?

— Que dia você acha que é hoje Kira?

— Sexta-feira.

— Meu amor... — Mayu me abraçou forte e começou a chorar. Eu confesso que eu estava tão anestesiada que eu nunca sentia nada direito. Eu só sofria a falta dele... do meu Satoru. — Kira, hoje é quinta. Minha amiga. Como posso ajudar você? Eu não tô aguentando mais te ver assim.

— Não tem nada que possa fazer.

E não havia nada mesmo. Ela não podia trazê-lo de volta. Eu saí do banho e me sentei na cama ainda enrolada na toalha. Desde que eu recebi a caixa das mãos de Mayu eu não tive coragem de abrir. Ela ficava lá sobre a mesinha do meu quarto. Ensaiei abri-la diversas vezes, mas eu não tinha coragem. Eu não queria dar adeus a ele. Manter aquela caixa intacta era como se eu mantivesse ele vivo de alguma forma. Eu coloquei os pés sobre a cama e abracei minhas próprias pernas e fiquei um bom tempo ali parada. Por quanto tempo? Eu nem sei.

Eu me levantei devagar e peguei a caixa, talvez eu devesse ver o que ele havia mandado para mim. O que ele queria me entregar. A caixa de madeira com detalhes em flores de lótus do lado de fora. Eu sentei na cama mais uma vez e abri a caixa lentamente. Era uma caixa média, havia muitas, centenas de fotos, algumas da infância dele, da sua juventude, de seus amigos, cartinhas de garotas do fundamental, lembrancinhas. E as nossas fotos. Dezenas delas. Cada foto era como se me matasse um pouquinho por dentro. O sorriso dele, o mais lindo do mundo. Satoru estava morto e eu não tive nem chance de me despedir direito. De olhar mais uma vez em seus olhos. Eu não tive direito de vê-lo uma última vez, ou de estar em seu velório. Nada. Sua existência havia desaparecido assim como a neve no verão.

Eu continuei tirando tudo da caixa e a camiseta que eu havia deixado da primeira vez que fugi da casa dele. A camiseta do System of a Down e um bilhete com a letra dele: "Não fuja mais de mim". Maldito. Por que me deixou para trás? Não tinha dito que era para ser sempre meu e eu sempre sua? Por que? Por que? Por que?

Joguei a caixa no chão e levei as mãos à cabeça. Eu não estava tendo forças. Não conseguia mais. Olhei para o chão e vi um pequeno cartão de memória. Eu desci da cama e o peguei, liguei o notebook e o inseri. Era um vídeo, quando dei play, meu mundo terminou de cair.

"Oi Honey... — os olhos dele, mais azuis que os mares do Havaí, o sorriso mais doce do mundo. Ainda mais lindo do que me lembrava. Levei a mão à boca tentando abafar o choro. — ... eu queria ter ido atrás de você. Mesmo. Provavelmente se você recebeu esse vídeo, é porque deu tudo errado e eu sinto muito. Eu sabia que não seria fácil, já fui consciente. Eu sinto muito meu amor, eu queria mesmo ter saído ileso dessa. Ver você outra vez. Te abraçar e morar com você e com o Ren. Sabe, meu amor, eu fui um merda com você. Um egoísta... eu só queria ter feito algo antes. Eu precisei ficar preso por muito tempo para poder pensar a respeito disso. Refletir sobre o que você representa para mim. Akira Yosano, a mulher que mais amei na vida, eu devia ter te valorizado e te amado da maneira que você merece. E certamente você merecia um cara bem melhor do que eu. Que amasse você como deveria. Te dar um lar de verdade, uma família. Agora, analisando friamente, eu deveria ter largado tudo para viver com você, mas eu tinha muita coisa em jogo. Compromisso, responsabilidade, honra. Que só agora percebo que não valem nada sem você... mas... é tarde demais agora... Kira, quero que seja feliz, que siga em frente, que ame outra vez. Eu ficarei na sua memória e no seu coração, com todas as lembranças que vivemos. Eu amo você. Amo demais. Fala para o Ren que a coisa que mais sinto é não poder ter vivido mais com ele, mas que eu o amo muito e que ele tenha muito orgulho do pai dele. Eu... — Ele abaixou a cabeça, aquela foi a primeira vez que o vi chorar. Primeira e última. — Vou indo na frente. Quem sabe na próxima vida meu amor. Eu vou esperar por você.

A dor que já dilacerava meu peito parece que ficou ainda pior. Ali eu entendi que era mesmo o fim. Não o veria outra vez, nem sentiria seu cheiro, ou o toque de sua pele, nem adormeceria em seus braços. Não iria ouvir seu sorriso, ou o tom da sua voz. Terminou, do jeito mais doloroso possível. Eu larguei tudo naquele quarto. Saí pela varanda no meio da noite correndo descalça até a areia da praia, mal sentindo o chão debaixo dos meus pés. Desespero, amargura, ressentimento, raiva, tristeza, depressão, luto. Tudo de uma só vez. Eu te veria outra vez, meu amor, nem que fosse no além vida.

O mar rebatia nas pedras violentamente, eu não ouvia mais nada, não sentia mais nada. Eu só queria o fim. De que adiantaria viver ali sem ele? E sem pestanejar eu entrei no mar. Ali seria também meu fim. Eu iria encontrá-lo, nada mais importava.

(...)

Narrador

Mayu andava de um lado para o outro desesperada com o corpo molhado e um celular na mão. Ren estava parado diante da praia assustado. As luzes da ambulância giravam sem parar, curiosos parados diante da casa deles.

— Hiei? — Mayu disse sentindo o alívio tomar conta de seu corpo.

— O que houve? Mayu? Que número é esse?

— É um chip que comprei aqui no Havaí, ainda bem que os sinais voltaram. Eu estou desesperada!

Fala com calma. Respira fundo!

— Eu preciso de ajuda! Acabamos de tirar a Kira do mar!

Que? Como assim?

— Ela se jogou na água. Eu não sabia para quem ligar, ela não come, ela não dorme, ela não sai da cama, emagreceu, parece morta em vida. Eu sabia que não devia ter contado para ele sobre a morte dele.

Nossa... e onde ela está?

— Os vizinhos ligaram para uma ambulância e ela está sendo socorrida e vão levá-la ao hospital. Hiei eu tô grávida, do outro lado do mundo com um garoto que está vendo a mãe padecendo em desespero. Eu não sei o que fazer!

— Vou ver o que posso fazer, não deixa ela sozinha!

— Eu não devia ter contado.

Ela ia saber de algum jeito. Ela só não gostava veio até aqui porque não era assim tão fácil. Mas, apesar dos pesares, as coisas aqui estão melhorando. Fica tranquila Mayu. Nós vamos dar um jeito tá?

—Tá. — Mayu sabia que não seria assim tão fácil. O desespero de se perder alguém que ama, ainda mais com a intensidade que eram os sentimentos de Kira.

Kira ficou no hospital por quase uma semana. Quando voltou para casa a expressão era ainda mais triste. Os olhos opacos e sem vida. Mayu agradecia pela habilidade dela depender de contratos, senão provavelmente já teria a utilizado para atentar a própria vida.

Ela não comia, não andava, não falava, estava definhando, afundada num mar de amargura e desespero. Sentada na cadeira de rodas com os olhos na direção do mar o tempo todo. Mayu e Ren tentavam de todas as formas, mas Kira havia desistido de viver.

Ren deu a ideia de levá-la para a loja, mas ela ainda se mantinha na mesma postura. Mayu acreditava que ela estava maquinando na primeira oportunidade para tentar mais uma vez.

— Eu não suporto ver a mãe desse jeito. — Ren disse cabisbaixo.

— Eu também não. Quer dizer, eu sabia que ela amava ele, mas não dessa intensidade.

— Meu pai era incrível Mayu.

— Era sim.

— Vovô não vai vir para cá? Ele talvez poderia ajudar.

— Não, agora não. Falou para eu aguentar firme mais um pouco.

— Então tá né. Vou lá buscar umas sacolinhas. — Ren disse indo em direção aos fundos da loja.

Mayu alisou a barriga enorme de grávida e olhou para Kira que ainda estava na mesma posição. Ela ouviu alguém entrar na porta. Um jovem de cabelos pretos se aproximou com um pacote e colocou sobre o balcão.

— Boa tarde. — Mayu disse sorrindo e se levantando com dificuldade.

— Boa tarde, moça. Eu sou motorista de táxi, me pediram para entregar essa encomenda.

— Encomenda?

— Aqui é a loja da Akira Yosano?

— É sim. Quem mandou?

— Um estrangeiro. Alto, bem alto na verdade. Bem, tenho que ir, até mais.

— Tenho que pagar alguma coisa?

— Não.

Mayu agradeceu o jovem motorista e desembalou o pacote rapidamente. Uma katana com empunhadura em branco e preto.

— A Naku Mibojin?

Mayu sentiu um arrepio na espinha. Era algum tipo de brincadeira. Ela embalou a espada temendo que Kira piorasse seu quadro. Mas, quando ela desviou o olhar para a cadeira onde Kira estava, ela havia desaparecido.

— Merda! Ren! Sua mãe sumiu! REN!

(...)

Kira manteve a mente maquinando o tempo todo sobre o que queria. Ela iria aproveitar qualquer oportunidade que tivesse e terminaria o que havia começado. Ela só queria que fosse no mar, afundando lentamente nas partes mais obscuras do oceano, contemplando uma imensidão azul como os olhos dele. Ela começou a correr. Kira era resistente, não era qualquer coisa que a derrubava. Ela só disfarçava o tempo todo, se não eles não dariam bobeira. Quando ela avistou o mar, ela começou a correr o mais rápido que podia, dessa vez não daria tempo de ninguém a impedir. Seria ali o fim de tudo.

Ela já estava alcançando o mar, podia sentir as ondas cada vez mais perto. Kira estava prestes a se jogar na água quando sentiu seu corpo bater em algo e ser arremessada violentamente para trás. Kira se levantou devagar e apontou o olhar para ver o que a havia atingido. Foi aí que ela viu. Alto, cabelos brancos, camisa azul clara, bermuda branca e olhos azuis. Ela coçou os olhos e continuou olhando para a pessoa diante dela. O homem começou a se aproximar.

— Vai embora! Você não é real! É só coisa da minha cabeça!

— Honey, é assim que você me recebe?

— Não! — Kira levou as mãos aos ouvidos e fechou os olhos. — Não vai ferrar minha cabeça, eu tô indo encontrar você, tá?

— Você ia suicidar Kira? Meu amor! E nosso filho?

— Me deixe em paz! Você não é real!

— Honey! — Kira começou a correr antes mesmo que o homem dissesse mais alguma coisa. Mas, ele a alcançou em questão de segundos e a segurou pelo braço e depois a virou para si a segurando pelos ombros. — Sou eu. Satoru.

— Não... você está morto. É só uma imaginação minha.

— Honey, me toque. — Ele tocou as mãos dela e a direcionou até seu rosto e depois beijou as mãos dela delicadamente.

— Não pode ser... por favor.... Seja mesmo real. Eu não aguento mais.

Satoru puxou Kira para si num abraço apertado. Ela começou a soltar o corpo tenso nos braços numa sensação de alívio. As lágrimas molhando seu rosto, as pernas dela começaram a bambear. Ela encostou o ouvido no peito dele e o ouvir das batidas de seu coração a fizeram sentir a vida voltar de volta a seu corpo. Ela foi deslizando devagar sentindo o corpo amolecer, eu a segurou firme e a ergueu do chão a carregando em um dos braços, com ela apoiada em su ombro.

— Papai??? — Ren gritou correndo na direção deles.

— Ren, meu filho! Vem aqui!

Ren correu rápido e se aproximou de Satoru segurando o choro e depois escondeu o rosto no braço para que ninguém o visse chorar. Satoru afagou os cabelos do menino com uma das mãos enquanto carregava Kira agora desmaiada no outro.

— Pensei que nunca mais te veria... — Ren disse soluçando.

— E deixar meu filho esperando? Vem, vamos levar sua mãe para dentro.

— Sim, antes que a tia Mayu tenha o filho lá na loja mesmo.

(...)

Kira

Acho que tive um sonho. Satoru estava comigo, eu senti seu cheiro, seu abraço. Abri os olhos devagar e olhei ao redor de onde estava. Eu havia sido levada para o quarto. Ergui o corpo apoiando os cotovelos na cama.

— Não levanta rápido. Eu te ajudo. — A voz dele. A voz de Satoru. Não era um sonho? Senti meu coração acelerar e comecei a respirar com dificuldade.

— Satoru... É você mesmo? — Olhei para ele com os olhos lacrimejando. Ele estava lá, sentado de pernas cruzadas na poltrona ao lado da minha cama. Ainda era o mesmo, mas parecia mais sereno. Havia algumas cicatrizes quase imperceptíveis nos braços. E seus olhos pareciam menos brilhantes do que antes. Como se não estivesse usando sua técnica. Quando eu vi que ele estava lá era como se minha vida fosse voltando ao meu corpo.

— Está melhor agora... — eu não esperei ele terminar a frase, levantei rapidamente da cama e me joguei sobre ele o abraçando fortemente. Beijei seu rosto, seus lábios. — Honey, também estava com saudades.

— Eu pensei que estivesse morto. Eu chorei por você! Como você sobreviveu? Mayu disse que viu você morrer.

— É uma longa história que te contarei em detalhes depois, mas por hora só quero saber se está bem.

— Por que demorou tanto?

— Eu estava me recuperando, vamos dizer assim. Por longos meses. Mas, agora tô bem meu amor. Mas, e você? Hein? Está magra demais, Hiei me disse que você não comia direito, nem dormia. Estava vegetando em vida. E nosso Ren, meu amor?

— Eu não consegui. Não sem você. Eu não conseguia nem olhar para ele sem me lembrar de você. Foram os dias mais sofridos da minha vida. — Ele me ajeitou sobre suas pernas e passou as mãos nas minhas costas e depois segurou firme em minha cintura e deu um beijo demorado em meus lábios.

— Eu tô aqui agora. Você me ama tanto assim? Desse jeito eu vou ficar envergonhado.

— Eu amo sim.

— Vamos fazer o seguinte: tome um banho e vista o vestido mais bonito que você tiver. Talvez aquele rosa claro de seda que fica lindo em você.

— Lembra desse vestido?

— De cada detalhe seu. Aí você vai para a sala de jantar que a Mayu pediu algo para gente comer. Tá bom?

Eu acenei positivamente com a cabeça. A expressão dele era de preocupação, e isso me deixava envergonhada. Eu negligenciei tudo ao meu redor até mesmo meu filho.

Tomei um bom banho, acho que o primeiro realmente bem feito neste tempo todo. Parece que lavava a alma. Usei o vestido que ele pediu, um vestido de alcinhas de seda rosa claro.

Meu filho, Mayu e Satoru estavam me aguardando na sala de jantar. Ren veio correndo e me deu um abraço forte. Eu senti o peso da culpa.

— Você está linda mamãe.

— Me desculpa meu filho.

— Tá tudo bem mãe, vem jantar, compramos coisas que você gosta.

A melhor refeição da minha vida. Parece que eu estava presa em algum lugar e finalmente tinha ganhado a liberdade. O que não era de todo mentira. Eu estava presa na versão mais sombria de mim mesma. E Mayu e Ren tiveram toda a paciência do mundo. Enquanto eu me afundava no mais profundo desespero. Mas, eu ainda não estava pronta para falar sobre isso. Eles também não. Quando terminamos o jantar, lavei as louças enquanto Ren secava e guardava.

— Honey, quando terminar estou esperando vocês lá fora. — Satoru disse gentilmente.

Eu e Ren finalizamos as louças e saímos lá fora. Satoru com as mãos nos bolsos, Mayu sentada na espreguiçadeira alisando a barriga com um sorrisinho bobo. Quando me aproximei de Satoru, ele se ajoelhou diante de mim.

— Que isso? — Eu olhei para Mayu que tinha os olhos brilhando. Satoru tirou uma caixinha do bolso e abriu diante de mim.

— Akira Yosano, estamos um pouco atrasados, mas me daria a honra de ser minha esposa?

Eu fiquei sem reação. Por mais clichê que pareça eu jamais imaginei que ele faria aquilo ali. Depois de literalmente me livrar da morte. E de voltar dos mortos se é que poderia dizer assim. Ele segurou minha mão e a beijou e olhando nos meus olhos disse com um sorriso doce.

— É só assim para você não fugir mais de mim né?

— Seu idiota! Eu ainda tô muito sensível!

— Aceita ou não? Olha que a fila é grande...

— Claro que aceito! Você é uma pessoa horrível.

Ele colocou o anel no meu dedo que tinha a maior pedra que eu tinha visto. Um solitário de ouro branco e diamantes. Ele me ergueu no ar e depois me deu um abraço apertado.

— Prepare o casamento para outubro. Mas saiba que eu já vou morar com você. — Ele disse me dando outro beijo.

(...)

Os dias depois disso foram os mais felizes da minha vida. Ele me ajudou a tocar a lojinha. Eu confesso que a beleza e simpatia dele dobraram as vendas. Mas, era melhor ele não saber disso. Ele demorou um bom tempo para me contar tudo o que aconteceu em Shibuya e Shinjuku. Anos na verdade. Mas respeitei o espaço dele.

— Thank you, come back more often.

— Olha só... seu inglês é muito bom. — Eu disse em tom debochado.

— Eu disse, eu sou bom em tudo que faço.

— Convencido. Já está na hora de fechar.

— E o Ren? — Satoru disse encostando a porta.

— A Mayu foi para a casa nova e pediu para o Ren dormir lá com ela. A gestação dela já está quase no final.

— Nanami ainda não chegou?

— Acho que chega amanhã.

— Então... vamos dar uma volta na praia.

— Vamos...

A gente parecia meio estranho. Desde que ele tinha chegado ali, a gente não conversava direito, nem dormia junto. Ele era atencioso, mas parecia distante. O que me preocupou depois de um pedido de casamento. A tarde começava lentamente, o pôr do sol de Aina Hana era um dos mais bonitos do mundo. O mar estava calmo, a temperatura era amena. Andávamos com os pés descalços na areia devagar.

— Então... a gente ainda não conversou direito. — Eu disse quebrando o gelo.

— Eu achei melhor esperar você estar cem por cento. Agora tá mais corada. Tá até voltando o corpão.

— Bobo. Vem, vamos sentar ali. — Eu disse apontando para a areia.

A gente sentou de frente para o mar, a brisa fresca tocava nossos rostos. Eu observava o cabelo esvoaçante dele deixando as sobrancelhas branquinhas em destaque. Ele tinha uma beleza tão única que parecia quase um deus.

— Se ficar me olhando assim eu vou ficar vermelho. — Os olhos azuis intensos como o mar à nossa frente, e aquele jeito sedutor de olhar que só ele tinha, dando um sorriso meio de lado deixando os dentes caninos à mostra, e de vez em quando ele passava a língua nos lábios delicadamente. Ele tirava qualquer argumento meu quando fazia isso. Eu perdia a compostura.

— Eu acho você lindo. — Ele me envolveu em um abraço e me deu um beijo intenso e depois me apoiou em seu corpo, encostando o queixo na minha cabeça.

— E eu te acho linda e gostosa.

— Amor, nós estamos bem?

— Por que não estaríamos?

— A gente não... tá nem dormindo juntos.

— Eu preciso que esteja bem, honey. Quero você bem completamente. Por que isso te incomoda?

— Tem certeza que quer entrar num casamento?

— Eu que pedi.

— Eu... queria te pedir uma coisa. — Eu me afastei do abraço dele e olhei fixamente em seus olhos.

— Claro... qualquer coisa.

— Não quero te dividir com ninguém. Eu não quero ficar preocupada se você vai ter uma amante ou não.

— Eu sou um homem de palavra. Eu serei seu marido e você minha esposa. Não vou dizer que serei perfeito, mas esforçarei dia e noite para isso.

— Eu também me esforçarei.

Ele ficou sério por um instante e depois desviou o olhar. Parecia estar pensativo. Eu não queria ficar criando teorias na minha mente.

— Honey?

— Hum?

— Você esteve com alguém aqui? — Satoru olhou para mim com o olhar enciumado e fez um beicinho.

— É isso que tá te preocupando?

— Eu... disse para você seguir em frente, eu sei, mas... queria saber se em algum momento você ficou com outro homem.

— Não. E como você bem sabe, passei os últimos meses mal me levantando da cama. Não existe nenhum outro homem que eu queira mais do que você. É por isso que não me quer? Não me procurou nesses últimos dias? Pensei que sentisse minha falta.

— Eu sinto Kira!

— Não me deseja mais?

— Eu desejo muito. — Ele segurou meu queixo e disse com nossos lábios bem próximos. — Mas, eu preciso que você se cuide.

Eu me afastei um pouco e fiquei cabisbaixa. — Eu... sei que dei trabalho.

— Nosso filho ficou apavorado. A mãe dele estava sucumbindo e definhando, e o pai acreditava estar morto. Praticamente sozinho do outro lado do seu lar, com uma mulher que até então ele mal conhecia. E se a Mayu não estivesse aqui?

— Eu sei! E eu tô muito mal com isso!

— A culpa não é sua. Eu só quero que você continue seu tratamento, depressão vai e volta e eu fico preocupado. A única coisa que quero é o seu bem.

— Eu vou me esforçar.

— Eu sei que vai.

Nós ainda conversamos por mais um tempo. Foi a única exigência que ele me fez. Que eu cuidasse de mim acima de tudo e fosse feliz.

— Agora que eu lembrei que ia te perguntar. Tudo bem para você não cobrir os olhos? — Perguntei curiosa.

— Agora não há mais necessidade. Teoricamente não existe mais um Seis Olhos.

— E... voltando ao assunto anterior. Nada de nós dois juntos? — Eu perguntei insinuante.

— Só depois do casamento.

— Mas, isso é daqui seis meses!

— Vai ter que aguentar.

— Por que?

— Porque devemos ser mais que só sexo. Agora vamos para casa, vou preparar o jantar.

A ideia do celibato não era algo que me agradava e eu achava que talvez ele não estivesse tão afim assim. Voltamos para casa ainda conversando. Ele ficou na cozinha preparando o jantar enquanto eu tomava banho. Eu não ia desistir tão fácil. Escolhi uma lingerie vermelha e joguei somente um roupão de seda por cima. Jantamos, ficamos de bobeira, ele tomou um banho e depois ele foi para o quarto dele fazer a contabilidade da loja que virou responsabilidade dele.

Eu cheguei na porta, observei ele sentado na cama com o notebook no colo. De short e sem camisa. O calor naquela época do ano em Aina Hana era impossível dormir de roupa mesmo com o ar condicionado ligado. Abri o roupão de seda e entrei no quarto insinuante. Nós conversamos, colocamos tudo em pratos limpos. Era justo nós dois ficarmos juntos. Além do mais, eu já não estava mais aguentando, ele estava ainda mais forte do que me lembrava. As leves cicatrizes deixava ele ainda mais sexy.

— Quer alguma coisa? — ele me perguntou me olhando de soslaio.

— Nada. Eu só vim ver se está bem acomodado.

— Eu tô sim...

Caminhei insinuante com o roupão aberto e fui até a janela e fechei as cortinas. Depois olhei para por cima dos ombros e depois voltei andando devagar na frente dele que deu uma risadinha. Parei na porta e virei para ele.

— Eu comprei umas lingeries e queria experimentar para você ver se ficaram boas.

— Essa vermelhinha faz parte da coleção? — Ele disse passando a língua nos lábios de forma provocante.

— É sim.

— Tem... — Ele fechou o notebook e colocou sobre o criado. — Outras tão bonitas quanto essas?

— É... essa aqui tem um tecido ótimo...

— Huuumm... deixa ir aí ver. — Satoru se levantou da cama e veio até mim olhando para mim de forma luxuriosa. — Melhor tirar esse roupão. Para eu ver melhor esse tecido. Aliás, deixa eu ver a parte de trás.

Ele me virou de costas e senti seus dedos tocarem minhas costas levemente até chegar no fecho do sutiã e desabotoa-lo devagar. Depois ele desceu uma das alças e beijou meu ombro, meu pescoço e me mordeu de leve. Eu só vi a peça do sutiã cair no chão e senti as mãos dele sobre os meus seios, dava para sentir o corpo dele reagindo a cada toque em meu corpo. Ele me virou para ele e deu um beijo intenso, segurando firme em minha cintura enquanto a outra mão passeava dentro da minha calcinha.

— A gente não ia esperar até outubro? — Perguntei ofegante.

— Eu disse isso?

— Disse.

— Não me lembro.

— Acho que devo parar e cumprir a promessa.

— Não se atreva!

A nossa intensidade estava mais viva do que nunca. Tudo parecia como a primeira vez, olhando nos olhos dele intensamente vendo a expressão de puro prazer enquanto eu cavalgava sobre ele. Sentindo ele dentro de mim. Tudo com ele era perfeito, seja fazendo amor com ele ou dormindo abraçados completamente nus. Ou as juras de amor que fizemos um ao outro.

Éramos nós dois juntos outra vez. Só que mais maduros, entendendo o ponto de vista um do outro e com respeito mútuo. E durante os seis meses seguintes Aina Hana foi palco do nosso amor intenso e incondicional. Nas areias da praia a meia noite sob a luz da lua, ou tomando banho de mar do jeito que viemos ao mundo. Satoru era outro homem, e eu outra mulher vivendo o que havia de melhor na companhia um do outro.

E quando o dia do casamento chegou, nunca tivemos tanta certeza do que queríamos. O casamento foi na praia mesmo, com pouquíssimos convidados. Nem cogitamos voltar para o Japão. Estávamos no verdadeiro paraíso. Meus convidados eram os mais especiais: Gyu e Shoko mais felizes do que nunca. Hiei que levou minha irmã Haru que parecia tão feliz, Mayu com a filhinha no colo ao lado de Nanami, alguns ex alunos de Satoru e alguns amigos mais próximos.

Hiei me levou até o altar, acho que depois do nascimento do Ren aquele foi o momento mais feliz da minha vida. Me aproximei do altar, Satoru deu um beijo na minha testa e outro na minha barriga. Casei grávida de quatro meses do nosso segundo filho. Filha na verdade.

E a minha felicidade foi só aumentando. Ganhei muito mais do que pedi. Eu vivi imensamente feliz em Aina Hana, nunca mais voltamos ao Japão.

E o que era eu, Satoru e mais nada. Tornou-se eu, Satoru, Ren, Akari, Suguru, Yuno e Harumi. A nossa família.

Este ainda não é o capítulo final.

O capítulo 25 vem para falar sobre o desfecho dos outros personagens e uma surpresinha...

Beijo 💋 

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