23 - O sabor amargo de um adeus

Kira

O Havaí era mesmo tudo aquilo que diziam. Um lugar ensolarado, cheio de turistas. Nós fomos para Honolulu, um verdadeiro paraíso localizado na ilha Oahu. A paisagem cosmopolita da ilha, com suas praias urbanizadas e arranha-céus à beira-mar, dificilmente caberia no imaginário de quem sonha com um Havaí tropical, calmamente isolado na imensidão do Pacífico.

O bairro que escolhemos morar foi Aina Hana. Um bairro seguro cheio de muito verde. Tudo que a gente precisava.

O imenso azul do oceano parecia não ter fim. Tio Hiei arrumou uma casa para nós de frente para a praia. O lugar era lindo e aconchegante. A sala espaçosa, com um sofá branquinho, muitas vidraças, uma TV. A cozinha era conjugada com a sala, balcão, pendentes. Armários planejados na pia. A casa tinha três quartos, dois banheiros e uma suíte. O lugar era maravilhoso. Tinha até piscina. Porém Ren ainda estava triste.

Eu não podia julgar. Eu havia tirado ele de um lugar que ele estava se acostumando. De novo. E para piorar, longe de pessoas que ele amava e do pai que ele havia acabado de conhecer. Ren ficou quase uma semana sem comer direito.

Eu me aproximei dele em seu quarto e sentei-me ao lado dele na cama. Ren, que estava deitado, apenas virou-se para o outro lado.

— Filho, conversa com a mamãe. — O silêncio dele era doloroso para mim. — Meu amor, você tem que comer. A mamãe fez soba, você gosta tanto.

— Eu quero ir para casa.

— Meu anjo, aqui é nossa casa agora. Vai levar um tempo para você se adaptar. Eu até contratei uma professora que dá aulas em casa que é japonesa. Vai aprender inglês com facilidade.

— Eu não quero nada. Quero meu avô, meu papai Gyu, meu pai de verdade. Quero meus colegas de classe, brincar com os meninos da casa do vovô Hiei. Por que mãe?

— Ren...

— Por que a gente vive fugindo? É por causa do meu avô Hanzo?

— Não, é por causa do seu pai. Ele é um homem forte e nós apenas seríamos um fardo.

— Meu pai nunca diria isso! — O olhar de Ren era de ódio e eu não podia fazer nada. — Eu nem pude me despedir! Por que mãe? Por que?

Ren chorava tanto que eu não pude não chorar junto e mais uma vez sentimentos de culpa, remorso e arrependimento. Eu o abracei forte, mas ele desviou do meu abraço e se afastou de mim sentando-se em frente a vidraça.

Tive que marcar com uma psicóloga, sem dar muitos detalhes do que eu realmente fazia. Ren nunca soube de fato o que era meu trabalho. Eu queria que ele tivesse sempre uma visão mais positiva de mim.

Lógico que a psicóloga chamou minha atenção e exigiu que eu também fizesse uma terapia. Algo que não foi uma tarefa fácil. Tocar em assuntos delicados e que eu preferia guardar a sete chaves. Mas, eu fiz isso pelo Ren. A mulher que escolhi também tinha ascendência japonesa para facilitar a comunicação com o Ren. A primeira coisa que ela pediu foi que eu arrumasse algo para fazer e me perguntou porque eu não tinha um emprego. O que fazia sentido. Eu e meu filho, sozinhos do outro lado do mundo com dinheiro sobrando sem trabalho nenhum. Explicar a ela que eu era uma ex-assassina que ficou milionária arrancando corações de inimigos seria algo muito complicado.

Resultado? Abri uma loja esotérica próximo da nossa casa. Eu comprava e vendia antiguidades de origens sobrenaturais. Amuletos, selos, espadas, velas, incensos entre outras coisas. Maldições também existiam aqui, mas havia poucos feiticeiros, a maioria mal treinada e pouco desenvolvida. O que acabou se tornando também um dos meus trabalhos.

A minha loja se chamava The Phantom Dragon. Uma alusão a minha antiga alcunha que por muito tempo foi temido nos bairros de Seul. Aos poucos a loja foi fazendo a clientela. Era incrível a quantidade de pessoas que buscavam ajuda para lidar com as maldições que rondavam elas. The Phantom Dragon acabou ficando famosa.

Mas ainda tinha Ren e a psicóloga. As sessões com ela eram torturantes. Todas as quintas às sete da manhã. O consultório dela ficava ali mesmo em Aina Haina. Suzui, uma mulher já mais velha, usava óculos redondos, tinha os cabelos castanhos presos num coque alto e estava sempre com aparência de mau humor. Ela batia a caneta sobre o bloco em cima da mesa. Me olhando por cima dos óculos.

— E então, Akira? Quer me falar mais sobre seus sentimentos? Essa já é a nossa quinta sessão e você pouco fala sobre você.

— Eu já te falei sobre a minha família.

— Um clã problemático, sua mãe fugiu e seu pai a odiava. Mas, eu quero mais informações.

— O que exatamente você quer saber? — Perguntei já um pouco alterada.

— Não precisa se irritar Akira. Estamos aqui para entender melhor seus sentimentos e tentar te ajudar.

— A minha mãe nunca quis ser a minha mãe e o meu pai também não, tá? Cresci num lugar difícil. Cheio de problemas, meu pai mal me olhava e... não tem como te contar tudo.

— Prometo que o que disser não sairá daqui.

Eu não podia exatamente confiar nela. Se ela soubesse sobre minha profissão ela certamente chamaria a polícia e eu perderia de vez o Ren. Então fui contando omitindo esses detalhes. Contei sobre como meu pai me humilhava e me batia. Que ele nunca aceitou uma filha mulher, falei também sobre Kaede e sobre Haru. Contei que minha mãe realmente fugiu e que meu pai estava morto.

— Então... é uma vida muito triste. Mas, parece arrependida quando menciona sobre seus pais.

— Eu só queria entender por que não? Eu era tão ruim assim a ponto deles não me aceitarem e não me amarem?

— Não pode carregar uma culpa que não é sua. As escolhas erradas dos adultos afetam a vida inteira de uma criança. É por isso que está aqui. Seus pais erraram com você, os pais deles provavelmente erraram com eles e você agora erra com seu filho. Ren mencionou que não se despediu dos pais. Ele tem dois? Eu confesso que não entendi. Eles são um casal?

— Não, um viveu conosco por dez anos, ele é... um amigo muito querido. O outro é o pai biológico.

— Você não os menciona em momento algum. — É porque doía e não queria aprofundar nisso. Não naquele momento. — Ele parece gostar deles e disse que só conheceu o pai recentemente.

— O pai dele é uma pessoa muito importante. A distância dele foi a minha melhor opção. Para proteger nossas vidas e não ser um fardo para ele. E antes, foi pelo meu pai. Não queria que Ren tivesse contato com ele.

— Sempre tomando decisões sozinha, não é?

— O que quer dizer?

— Você decidiu tudo isso sozinha. Ou vai me dizer que perguntou ao pai dele o que ele achava?

Bem na boca do estômago.

— Não. Eu não perguntei.

— Vocês eram um casal ou estavam separados?

— Eu... — Pareciam perguntas simples, mas eu não sabia como responder.

— Quero saber se vocês tinham um relacionamento?

— Eu não sei! — Acabei alterando o tom de voz. Ela anotou mais alguma coisa e ficou me olhando por um tempo.

—- Então, vocês não tinham nada um com outro?

— A gente se amava.

— Se amavam, mas por que você o deixou.

— Eu já disse, pela responsabilidade dele.

— Sim, mas, e o amor de vocês? Tiveram um filho juntos e você foi embora para muito longe sem se despedir, porque o Ren disse que não se despediram dele. E que ficaram dez anos sem vê-lo. Aliás, ele mencionou para mim que o pai nem sabia da existência dele.

— Ele sabe disso? Como ele sabe disso?

— Isso não vem ao caso e pelo visto é verdade.

— Eu tive minhas razões.

— Podia ter dito a ele que estava grávida. Naquela época vocês não estavam juntos?

— Estávamos, mas... ele... não queria um compromisso.

— Kira, um filho não é sobre querer ou não um compromisso. A partir do momento que ele está na barriga e você decide tê-lo não tem essa opção. Embora, muitos abandonem crianças por aí. Mas, quando se tem responsabilidade, essa opção não existe. Você tirou do Ren o direito de ter um pai e o pai de ter um filho. Vocês não conversaram a respeito, você não deu uma opção ao pai da criança.

— Ele não queria um casamento!

— Casamento e paternidade são duas coisas diferentes.

— E o que eu seria?

— Akira, por que isso é tão importante? Ter um título. Namorada, esposa.

— Não é o que eu disse.

Ela tirou os óculos e deu um suspiro pesado. Depois fez mais algumas anotações e ficamos em silêncio por alguns minutos até ela dizer.

— Quero que liste para mim o porquê é tão importante ter um título.

— Não farei essa merda. Meu filho está deprimido.

— E você não acha que é a responsável disso?

Eu fiquei tão irritada que me levantei no meio da sessão e fui embora. Acho que ela ainda me chamou, mas nem olhei para trás. Voltei para casa com muita raiva e depois fiquei umas duas semanas sem voltar lá. Eu na verdade estava disposta a não continuar com aquilo.

Eu foquei totalmente no meu trabalho na minha loja. Não havia nada melhor do que trabalho. Não precisava de psicóloga. Concentrei minhas energias na minha vida. Eu ligava para o tio Hiei de vez em quando, perguntava como todos estavam, mas Ren continuava sem querer falar comigo nem com ninguém. E eu também não quis passar nada adiante. Era algo que tinha que resolver sozinha.

Ren limpava algumas das prateleiras da loja, muito cabisbaixo. Eu odiava vê-lo daquele jeito. A loja era espaçosa e arejada, bem próxima a praia, havia várias vitrines. Os móveis em estilo rústico. Havia selos, mensageiros do vento, filtro dos sonhos e diversos amuletos. Quando Ren não tinha aula, ele ia para a loja me ajudar. Eu me aproximei dele e fiquei um tempo ao seu lado.

— Quer alguma coisa? — Ren me respondeu secamente.

— Filho, a gente não pode ficar assim. Somos só eu e você agora.

— Poderia não ser. Poderia ser eu, você, meu pai, o vovô Hiei, o papai Gyu. Meus amigos! — Ren disse com os olhos cheios de lágrimas.

— Ren... Não fica assim. Olha, o pessoal tá enfeitando as ruas para o Halloween, a gente podia arrumar fantasias que você acha?

— Não quero fazer nada com você! Eu queria fazer isso com meu pai. Ele disse que a gente ia fazer isso esse ano. E você não deixou. Eu te odeio mãe!

Ouvir ele dizer aquilo me entristecia, embora eu entendesse sua raiva. Eu deixei ele sozinho no canto dele e fui verificar as correspondências. A maioria eram mala-direta ou cartões de crédito. Mas, um envelope me chamou atenção, um envelope de papel pólen. O remetente era do tio Hiei, mas a letra era... do Satoru? Eu reconheceria aquela letra em qualquer lugar do mundo. Eu senti meu coração bater tão rápido que achei que ia passar mal. Puxei uma cadeira, me sentei e olhei para a porta se não vinha nenhum cliente e abri o envelope com as mãos trêmulas. Eu não sabia o que ele queria me dizer. Ele poderia estar bravo porque fugi de novo. Abri a carta também de papel pólen e comecei a ler.

"Oi Honey...

Então, você fugiu de novo. Eu devia estar acostumado a essa sua mania. E confesso que isso me chateia. Mas, eu tenho que entender seus sentimentos e te respeitar. Se viver da maneira que estávamos não te deixava feliz, eu não poderia deixar você presa a essa vida. Além do mais, como você mesma disse, eu tenho um fardo e uma responsabilidade.

Eu queria falar um pouco sobre mim. Mas, desta vez, queria ser o mais sincero possível. Em algum momento da minha vida eu achei que o mundo era para mim. Que eu poderia salvar todo mundo, porque eu era forte. Eu podia fazer tudo o que quisesse. Foi assim que fui criado, como se eu fosse um ser intocável. E isso só mudou quando conheci o Suguru. Ele era tão forte quanto eu e parecia que entendia tudo que eu dizia. Era como se fôssemos Yin e Yang complementando um ao outro. Mas, nem ele pode ficar ao meu lado, me apoiando, sendo meu melhor amigo, um irmão. Ele também se foi e eu não pude fazer nada.

Suguru foi o maior baque da minha vida. A coisa mais difícil que eu tive que fazer. Era apenas uma missão de escolta que terminou numa tragédia sem precedentes. Uma menina de 14 anos que queria viver teve a vida ceifada bem na frente dele. E ele ficou mal com isso, mas eu, seu melhor amigo, não percebi que aquilo lhe fazia mal e depois de quase dez anos eu tive que dar fim a vida dele. Com as minhas próprias mãos. Era isso, ou ele iria matar todos os não feiticeiros. Foi uma escolha muito difícil que tive que fazer. Mas, ele machucou meus alunos, e confrontou um deles que acabou o derrotando. Eu não tinha escolhas. E isso me corroía por dentro toda vez que pensava nisso. Ainda dói na verdade. Eu só fiz da dor a minha força. Foi assim que passei a viver.

O mundo do jujutsu é podre. Você já deve ter percebido isso. Eu nasci num clã poderoso rodeado de pessoas que só se importavam com o meu poder. Eu sofri diversas tentativas de assassinato por um preço alto e eu era só uma criança que gostava de digimon. Sabe o quanto isso é difícil? Ninguém nunca me perguntou o que eu gostava, o que eu queria. Eu já nasci com um papel a desempenhar. O herdeiro, líder, o seis olhos, o mais forte. E não era nada mais que isso.

Mas, eu lembro de uma garotinha que conheci certa vez. Uma menina de quimono de flores de cerejeira e olhos intensos e verdes como brotos de bambu. Uma referência boba, eu sei. Mas, não sou tão bom com romantismo. Isso eu deixo para aquele idiota do Gyu. O que eu vi em seus olhos era algo que eu nunca vi em mais ninguém. Uma admiração pura e genuína que depois se transformou em um amor intenso e vivido. Quando te vi na escola eu fiquei com uma sensação boa, de ver aqueles olhos outra vez. Mas, eles estavam tristes.

Eu confesso que gostava de te implicar, deixar você brava. Por algum motivo que eu não sei, seu rosto ganhava brilho de novo quando isso acontecia, mesmo que fosse de raiva. O que veio depois aconteceu naturalmente. Pelo menos para mim foi. Eu via no seu olhar, você sentia algo intenso por mim, assim como eu sentia por você.

Eu queria que você tivesse me dito sobre a gravidez, sobre o Ren. Eu posso não ser perfeito, mas eu realmente faria tudo por vocês. Mas, eu acho que a culpa foi minha, eu não expressei a você tudo que sentia. Talvez porque eu sempre tive essa coisa de que eu tinha um papel no mundo. De ser o mais forte, de proteger as pessoas mais fracas. E não havia espaço para mais nada.

Mas, olhando friamente tudo agora, eu percebo que nada disso faz muito sentido no fim das contas. Eu não protegi quem eu quis, não pude salvar um amigo e além de tudo perdi a chance de viver ao lado da mulher que mais amei na vida. Nada valeu a pena. Eu continuo contemplando o vazio da solidão do alto onde estou. É onde ficarei até o fim dos tempos.

Quero que saiba, Kira, que nada do que vivi com você foi mentira. Foi um amor real, palpável, intenso. Eu nunca vivi com ninguém o que vivi com você. E ninguém nunca me amou como você me amou e certamente não amei ninguém como amei você. Você me olha com amor, com admiração, se entregou a cada instante desse nosso amor louco e intenso. E eu amei cada momento de nós dois juntos e não me arrependo de nada. Teria feito tudo outra vez.

Eu queria largar tudo meu amor e ir embora atrás de vocês para onde vocês estão ou qualquer lugar do mundo. Mas, eu ainda tenho um dever a cumprir e que envolve muitas pessoas. Mas, se algum dia não precisarem mais de mim eu irei onde você estiver e nós dois viveremos juntos até o fim de nossas vidas.

Se puder, me espere até lá. É uma promessa.

Do sempre seu,

Satoru"

Eu soltei a carta tremendo e as lágrimas que escorriam pelo meu rosto era incontroláveis eu chorava alto de soluçar no meio da loja de forma tão intensa que Ren veio correndo de onde estava e me abraçou.

— Mãe? Por que está chorando? Eu não falei por mal. — Ren era assim, gentil e amoroso. Assim como o pai dele. Por mais que ele sempre tentasse parecer o contrário.

— Não foi nada com você... — Eu disse tentando controlar o choro.

Foi naquele momento que eu percebi e entendi a pergunta da minha psicóloga. Eu não queria um relacionamento sério. Não com qualquer pessoa. Eu queria o Satoru. Somente ele e mais ninguém.

Liguei para o consultório dela quando consegui me recompor e marquei uma nova consulta. Eu precisa entender a mim mesma para seguir em frente e aguardar ele quando ele pudesse estar comigo. Podia parecer uma esperança tola, mas era o que me manteria bem para criar meu filho. A esperança de que um dia viveríamos todos juntos.

A consulta foi marcada para o dia seguinte. Eu entrei no consultório da Suzui um pouco sem graça e em seguida ela começou.

— Pensei que não viria mais.

— Peço desculpas pelo outro dia.

— E então?

— Eu fiz a tarefa. — Ergui o papel dobrado que havia passado a noite escrevendo.

— Pode começar.

— Bem, eu acho que esteja certo então vamos lá. "Dez coisas do porquê preciso de um rótulo.

"Um: Eu sempre fui rejeitada. Minha mãe não me quis, e nem meu pai.

Dois: Eu sentia a necessidade de ser aceita.

Três: Eu criei um tipo de família ideal na minha mente baseando no que eu via das outras pessoas.

Quatro: se não existisse um título eu não sentia que fazia parte de algo.

Cinco: quando eu conheci o Satoru eu senti que precisava dele. Como se ele tivesse me salvado do mundo turbulento que vivia. Só que se ele não me rotulasse, eu sentia como se ele também estivesse me rejeitando.

Seis: Aprendi do pior jeito que rótulos não significam nada quando não há amor.

Sete: a expectativa que eu tinha nisso me fez infeliz e tirou de mim a chance de realmente ser feliz

Oito: o amor não precisa de títulos. Eu amava o Satoru e ele me amava, era só que isso que importava.

Nove: eu me arrependo muito. Eu sufoquei ele com cobranças e responsabilidades que não eram necessárias. Tudo poderia ter fluido naturalmente

Dez: Eu busquei preencher um amor com outros amores, eu fiz um monte de coisas erradas, eu fui uma grande egoísta, magoei pessoas com justificativas tolas e falhas e perdi uma das pessoas mais importantes da minha vida. E... com isso tudo eu conclui que não quero rótulos, nem títulos, a única coisa que eu queria era o Satoru comigo. E estou disposta a esperar por ele o resto da minha vida." — Eu segurei papel em frente ao meu rosto tentando esconder um pouco o sofrimento que aquilo me causava.

Suzui ficou um tempo me olhando e fazendo anotações e depois ela colocou os óculos de lado e me olhou com um olhar sereno.

— Isso é muito bonito. Todo esse sentimento que você soltou. Acho que foi a primeira vez desde que nos conhecemos que você realmente foi sincera. Mas, eu pergunto a você: Acha que se aceitasse todas as condições dele, você seria mais feliz?

Eu fiquei pensativa olhando para Suzui. Terapia era algo muito tenso para mim. Expor a quantidade de sentimentos que eu lutava para esconder. E toda vez que eu ia lá era como se jogasse sal em cima das feridas.

— Eu sinceramente não sei.

— Akira, rótulos são sim importantes. Não quer dizer que não ter também não seja, mas para você é. Então, ele não querer isso acabou afastando vocês e não, você não tem que aceitar tudo por amor. Amor é uma troca mútua. Ambos têm que estar felizes nesse relacionamento e claramente você não estava. Não queria ele com outra pessoa, senão aceitaria a condição de amor livre. E mesmo o amor livre tem que ter regras. A sociedade vive de regras. Ele não queria se comprometer, mas também não queria que você se relacionasse com os outros. Onde está o amor livre aqui? Era só ele se beneficiando. Mantendo você presa a ele por seus sentimentos intensos enquanto ele vivia por aí ficando com quem ele bem entendesse. Sabe se ele foi fiel a você de fato?

— Não... — Eu respondi com a voz lá do fundo da garganta. Acho que nunca tinha ouvido uma verdade tão dolorida.

— Entenda que não é errado você amá-lo e sinceramente analisando agora entendo porque queira distância, mas seu filho estava no meio disso tudo. Deveria ter pensado nele primeiramente. Tentado dizer não. Dizer ao pai do seu filho que você tem sim vontades e desejos e não ficar sendo submissa a tudo o tempo todo. Diga a ele que se ele quiser ficar com você as coisas vão ser diferentes. Que deve haver respeito mútuo. Ou, se ele não puder acompanhar a sua nova realidade, você terá que entender que antes de amar alguém é necessário amar a si mesma. Você ama a si mesma Akira?

Eu não soube responder aquela pergunta e acho que demorou um bom tempo para responder depois. Obviamente não resolvi meus problemas com uma só consulta, ainda voltei lá muitas vezes. Parecia uma jornada longa de autoconhecimento que se tivesse feito antes poderia ter evitado muitos conflitos e problemas desnecessários.

Mas, acho que a vida gosta de me dizer que eu vim aquele mundo para sofrer. Dia 31 de outubro daquele ano, lembro como se fosse ontem. Eu e Ren estávamos em casa assistindo TV, eu insistindo em falar com Hiei e só dava fora de área. Não respondia e-mails, nem mensagens. A diferença de horário entre Tóquio e Aina Hana era de 19 horas, ou seja, a noite de 31 de outubro havia sido na noite anterior no Japão.

— Estranho, conseguiu falar com seu avô? — Perguntei a Ren tentando mais uma vez ligar.

— Não...

O programa que assistíamos parou no meio para uma notícia urgente. Eu fiquei tensa, parecia que meu coração sentia que havia algo errado.

...Atenção para notícias urgentes vindo do Japão, na noite de ontem um fenômeno sobrenatural atingiu Shibuya. Milhares de civis morreram queimados pelo que as testemunhas alegam ser uma bola de fogo vindo dos céus. O fogo circular sucumbiu Shibuya. Ainda não há informações de quantos e nem quais pessoas ficaram feridas ou mortas. Os Aeroportos estão fechados e as autoridades dos países da ONU e demais países vizinhos estão tentando entrar em contato para auxiliar no que chamaram por enquanto de Atentado Terrorista.

Era sim um terrorista. O mais tenebroso de todos os tempos. Eu fiquei sem chão e meu coração dizia que a partir dali tudo ia por água abaixo e não havia nada que eu pudesse fazer. Senti o ar faltar dos meus pulmões. Os dias depois de 31 de outubro foram de puro pavor e medo. E mal sabia eu o que estava por vir.

E por quase três meses ficamos sem notícias. As informações eram vagas e aparentemente o mundo jujutsu havia sido exposto. Nada de Hiei, nada de Gyu, Mayu e muito menos Satoru. Acho que foi na véspera de Natal que finalmente uma luz apareceu, ou era o que eu acreditava.

Eu estava na loja, já quase na hora de fechar. O inverno em Aina Hana era mais ameno por estarmos no litoral, mas a sensação do frio parecia correr por todo o meu corpo. Passei o dia inteiro sentindo um vazio interior, uma sensação ruim. O táxi parou em frente a loja e Mayu desceu do carro com algumas malas exibindo uma barriguinha de grávida ainda de poucos meses. Seu semblante era abatido, ali eu já sentia que tinha algo errado. Corri até a porta e abri e ajudei ela com as malas. E depois lhe dei um abraço forte.

— Mayu? Como você chegou até aqui? Você está bem?

— Eu tô bem, Hiei me passou seu endereço. Disse que era o único lugar seguro no momento.

— E onde ele está? Como estão as coisas lá? Não tenho notícias há 3 meses!

— Um verdadeiro caos. Morreram muitas pessoas, foi um verdadeiro pesadelo.

— E... você está grávida?

— Tô sim, Kira. Por isso o Kento pediu para eu sair de lá o mais rápido possível. Só consegui agora, os aeroportos estão fechados, tive que sair pelo mar até a Coreia do Sul com a ajuda da Mei e do Ui Ui, que teletransporta ou algo assim. E de lá eu peguei um avião até aqui.

— E o que mais? Hiei? Gyu? Satoru? — eu estava desesperada.

— Estão bem, Gyu ficou com a Shoko, Hiei levou todo o clã para as montanhas. — A expressão dela era de piedade, culpa. Eu sabia que viria uma notícia ruim.

— Como tudo isso aconteceu? E o Satoru?

— Eu não sei detalhes, dia 31 de outubro o caos começou. O Gojo foi selado e por 19 dias o caos reinou absoluto.

— Selado? Como assim? Mayu? Ele era o mais forte! Ele... — Eu me recusava a acreditar e ela parecia tentar procurar um jeito de me contar alguma coisa.

— Eu não sei de detalhes. Sei que depois eles conseguiram libertá-lo. Ele deixou essa caixa com a Shoko para te entregar. Parece que ele mencionou que era para dar um jeito de chegar até você.

— E cadê ele, Mayu? — O nó na minha garganta estava se formando e meus olhos se encheram de lágrimas. — Por que ele não me trouxe ele mesmo? Ele ficou para trás para ajudar é isso?

— Kira... meu Deus, como eu vou te falar isso... eu juro que não queria ser eu a te falar isso.

— Mayu, fala logo, por favor...

— O Gojo enfrentou um dos seres, que eles chamam de o Rei das Maldições... e... Amiga, eu sinto muito. Ele perdeu a luta. Morreu em combate.

Eu ouvi essa frase e parecia não ter ouvido. Eu fiquei olhando para Mayu em estado de choque processando o que tinha escutado.

— O que... não... isso é impossível. Eu... não... ele era o mais forte. Ninguém podia contra ele. Isso é mentira, né? Uma pegadinha daquele idiota! Ele tá bem, não tá?

— Não Kira. Eu saí de lá já com a notícia, foi um dos motivos que Hiei mandou eu vir para cá. Satoru Gojo morreu ontem, pouco antes de eu sair de lá. Eu vi com meus próprios olhos. E... eu sinto muito, muito mesmo.

— Não! Não! Isso não! Eu aceito a distância Mayu, mas isso não! Por que? Ele não!

Eu senti o chão sumir debaixo dos meus pés e meu coração batia rápido, descompassado, acho que se não fosse o Ren, eu morreria ali mesmo. Não conseguia suportar aquela dor, a ideia de nunca mais ver o amor da minha vida, o homem por quem eu seria capaz de tudo. Se soubesse, teria morrido lá com ele. O ar parecia ter me abandonado, eu não conseguia respirar, a garganta queimava num choro doloroso, amargo, como se meu coração tivesse sido arrancado do meu peito, eu gritava tanto, chorava tanto, sofria tanto, que acho que todas essas emoções tomaram conta de mim e acho que minha visão foi escurecendo e depois ficou tudo preto. Eu apaguei ali mesmo.

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