21 - Amar também é deixar ir

Kira

Vergonha.

Era o que eu sentia. Vergonha de mim mesma. Do lixo que me tornei. Eu nunca quis magoar ninguém. Essa foi a frase que repeti para mim mesma inúmeras vezes. Mas, no fim, todo mundo se magoou de algum jeito. Tudo porque eu quis viver o amor intensamente.

Ver o quanto o Ren chorou quando soube que Gyu não voltaria mais para nossa casa partiu meu coração. Não só não voltaria, ele me odiaria para todo sempre. Não é para menos, né? Não posso julgar. Ele me ofereceu um amor puro, intenso e vívido. Calmo como um dia de primavera. Eu pisei em seus sentimentos porque eu queria a tempestade e dias movimentados e quentes.

A culpa no fim era só minha.

E pior que ele tinha razão em absolutamente tudo. Inclusive quando disse que Satoru não ia mudar. E não ia mesmo. Eu só mudei o rótulo, no fim ainda era a mesma coisa. Eu e ele vivendo um romance tórrido que cada vez ficava mais intenso, mas sem nunca ter um compromisso. Aí, era fácil demais para ele, né? Quem não queria?

E não era sobre dinheiro. Era sobre ele me chamar de esposa. Morar junto comigo e Ren. Eu queria isso, eu sempre quis. Ele não. Mas, mesmo assim eu insistia no erro. Acho que entendo Gyu. Eu só não pude respeitá-lo.

— Anjo? — Hiei me tirou dos meus pensamentos. — É a sua vez.

— Ah, sim tio. Desculpa. — Ele gostava de jogar mahjong. Jogávamos desde que eu era criança. Pelo menos uma vez por semana a gente se reunia. Enquanto isso, Ren brincava com os amigos que tinha feito na propriedade Yosano. Era estranho estar ali, eu ainda não tinha me acostumado. Principalmente depois que meu pai... é.. tem isso também.

— Está aérea, anjo.

— Ah, Tio. Tem sido dias, meses, anos difíceis.

— Quer conversar? O Ren me contou que Gyu foi embora, mas não soube me explicar o porquê.

— É... — Soltei um suspiro pesado, eu não queria que meu tio soubesse a vadia que eu havia sido. Mas, eu tinha que dizer a alguém, já que estava sozinha. — Eu traí ele.

— Com o Gojo?

— É óbvio assim?

— É sim.

— Gyu pegou a gente no flagra... de novo. Ele ficou com tanta raiva que partiu para cima de mim e tentou me enforcar. Daí, o Satoru quebrou o braço dele.

— Sorte dele estar vivo.

— Sim. E eu não consegui mais falar com ele, ou me explicar. Ou saber como ele está! Depois de muitos dias é que eu soube que a Shoko o encontrou na rua e curou seu braço. Mas, ele não quer me ver nem pintada de ouro.

— Com razão, anjo. Devia ter deixado ele apenas na ilusão.

— Eu sei que sou culpada. — Respondi meu tio, desanimada.

— Não exatamente. Gyu sempre soube que você era do Gojo. De corpo e alma. Você sofreu por ele nos últimos dez anos. Quase onze né?

— É.

— Quando você deu a ele a chance, ele sabia dos riscos. Não se tira alguém do coração da noite para o dia.

— Eu me sinto um lixo. Esse meu amor pelo Satoru só machucou pessoas.

— Não Kira. As pessoas se machucam porque querem. Sempre tem outro jeito. E você e o Gojo?

— A gente se gosta. Muito. Eu não consigo me controlar perto dele. Ele me domina, tudo com ele é intenso demais. Mas, ele nunca vai se atar a um casamento. Ou um relacionamento.

— E como ele reagiu depois de ser pego?

— Me abraçou e disse que se o Gyu se aproximasse de mim de novo ele seria um homem morto. Se vestiu e continuou a viver como se não tivesse acontecido nada. A gente continua se encontrando, ele dorme na minha casa quase todos os dias, meio que escondido do Ren para não bagunçar a cabecinha dele, mas ainda somos somente isso.

— E o que você quer anjo? Sempre ouço você dizer o que os outros querem, sobre os sentimentos dos outros, mas... e os seus sentimentos?

— Eu quero paz! Quero criar meu filho num lugar calmo à beira da praia. — As lágrimas escorriam quentes pelo meu rosto e meu peito doía só de pensar. — Eu quero poder ficar de boa, sei lá. Abrir um quiosque qualquer, de produtos esotéricos e não me preocupar mais com clãs, com feiticeiros, com responsabilidades. E... eu queria o Satoru comigo. Porque não há ninguém no mundo que eu queira mais do que ele.

— Anjo, ele tem uma responsabilidade muito grande.

— Eu sei tio.

— Ele é o feiticeiro mais forte da atualidade, deve ser por isso a resistência dele. Além do fato dele ser um tremendo mulherengo. Mas, se coloca no lugar dele. O país inteiro depende dele. O mais forte. O predestinado. Os seis olhos. Sabia que ele está ligado diretamente ao mestre Tengen que controla as barreiras da escola? Por isso que sempre existirá um seis olhos de cada vez. Eu me lembro como se fosse hoje quando soube de seu nascimento. Os clãs ficaram ensandecidos. As maldições que antes eram mais tranquilas brotaram do chão como formigas. Tudo ficou mais difícil. Ele literalmente bagunçou o equilíbrio que havia por muito tempo. O mundo muda, as maldições mudam e os feiticeiros mudam. E vivemos por muito tempo em paz. Até ele nascer. A cabeça dele foi colocada a prêmio. Por 2 milhões.

— De ienes?

— De dólares.

— Porra.

— Entende o que quero dizer, Anjo? Hoje em dia ele é temido. Se ele se ausentar o mundo jujutsu pode virar um caos. Talvez seja por isso que ele recusa tanto um relacionamento. Se alguém souber que ele tem uma mulher e um filho a vida de vocês dois estariam em perigo.

— É egoísmo da minha parte. Não posso ser um fardo para ele.

— Não é um fardo, querida. É... proteger quem amamos. — Hiei parou falar por um instante e ficou pensativo. Seu olhar parecia nostálgico. — Permita-me contar-lhe uma história?

— Claro.

— Eu conheci uma pessoa. Há muito tempo. E nossa paixão era tão avassaladora quanto a de vocês dois. A gente mal podia se ver. Era quente, intenso e eu seria capaz de largar tudo por ele.

— Ele? — Perguntei surpresa. Tio Hiei nunca falou sobre sua vida amorosa. Era quieto, discreto. Sempre pensei que ele estivesse escondendo alguma coisa.

— Yusuke. O garoto mais lindo que já conheci. A gente se conheceu na escola e vivemos um romance tão intenso que não conseguimos ficar longe um do outro. — Ele fez uma pausa, suspirou por um instante e depois continuou. Dizer aquilo parecia tocar em feridas que ele tentava manter intactas. — Quem iria assumir a liderança do clã, era eu. Porém, dias antes o seu pai descobriu e me ameaçou. Ele iria contar ao nosso pai, seu avô. E eu temi pela vida do Yusuke, mais que pela minha. Eu saí no meio da noite e fugimos. Para bem longe daqui. Larguei tudo para trás e não me arrependi nem por um instante. Vivi com ele os melhores momentos da minha vida e fiquei com ele até o final.

— Tio, eu não sabia.

— Ninguém sabia além de Hanzo. Escondi esse segredo dessa família debaixo de sete chaves. Longe dos olhares julgadores dos anciãos e velhos conservadores. Yusuke morreu numa segunda-feira, vítima de um câncer. E eu senti como se meu mundo estivesse acabado. Eu quis morrer. Ir junto com ele. Mas, eu não consegui. Aí voltei para casa, iria trabalhar com Hanzo a troco de nada a fim de em algum momento morrer lutando pelo menos. Mas... aí conheci você e parece que minha vida ganhou cor novamente e você me deu o Ren. E ainda tem o Gyu. Nem em meus sonhos imaginei ter uma família dessas. Foi Yusuke guiando a minha vida por mim.

Eu vi meu tio chorando pela primeira vez. Me levantei rápido e o abracei forte. Ali naquele momento eu vi a mais pura história de amor. Que transcende o tempo e até mesmo a própria morte.

— Eu preciso dar um jeito na minha vida. — Disse chorando junto com meu tio.

— Se acha que não pode viver desse jeito, nesse mundo, busque um lugar para você e seu filho. Eu já sou um homem velho, meu anjo. Mas, você tem toda a vida pela frente. Busque um amor que lhe dê felicidade, alegria. Vá para longe dele. Vai ser melhor para vocês dois.

— Não há lugar longe o bastante. E tenho que pagar pelos meus erros. São cinco anos trabalhando.

— Você já pagou. Além do mais, ninguém vai ser burro o bastante se ir atrás de vocês. Ou terão que se ver com o clã Yosano inteiro.

— Ah, tio. Não. É pai. Meu pai. Não poderia ter pedido um pai melhor que você.

Quando penso nesse momento meu coração se enche de um misto de alegria, tristeza e nostalgia. Hiei era meu pai. Isso ninguém nunca poderia dizer ao contrário. Tudo que me tornei foi graças a ele. E ele jamais sairia do meu coração.

(...)

Era uma decisão importante que eu teria que tomar. Dizer adeus a pessoa que mais amei na vida não seria fácil. Eu não conseguiria olhar nos lindos olhos dele e dizer: "Hey, meu amor. Nosso lance precisa terminar, pelo seu bem e pelo meu. Mas, nunca deixarei de te amar." Mas, era necessário. O lugar que escolhi para morar com o Ren foi o Havaí. Longe o bastante era o que eu esperava.

Mas, antes de ir eu tinha coisas a fazer. A primeira delas, era me desculpar com o Gyu. Eu mandei uma mensagem de outro celular, já que ele tinha me bloqueado de absolutamente tudo. Praticamente implorei para ele me encontrar. Por sorte, ele aceitou. Escolheu um lugar público, numa praça, segundo ele, era melhor, para ele não me machucar de novo, ou ser machucado. Ele escolheu um parquinho infantil, já no fim da tarde. Satoru iria ficar fora por três dias. Eu não teria outra chance.

Gyu tinha recuperado o braço totalmente. O que me deixou feliz. Seu rosto ainda esboçava uma mágoa profunda. E eu nem podia julgá-lo. Eu era uma grande filha da puta. Me aproximei dele meio receosa e uma vergonha sem medida.

— Gyu...

— Fala rápido, não quero que me vejam com você. — Ele disse secamente.

— Caramba. Até outro dia a gente compartilhava a mesma casa.

— Que você jogou tudo abaixo. Você e seu amante. O que você quer? Já não me humilhou o suficiente?

— Se quer falar o que quiser fique a vontade. Não há nada que não seja mentira.

— Sim! É tudo verdade. Sua traição, suas mentiras, seu egoísmo! Eu te amei pra caralho e você jogou tudo fora. Por que? Eu era tão ruim assim?

Eu dei mais alguns passos e fiquei bem próxima a ele. Olhei bem fundo em seus olhos e disse calmamente.

— Você é um homem maravilhoso. E se eu fosse uma pessoa melhor certamente eu escolheria você e seria sempre você. Mas, eu infelizmente me apaixonei pela pessoa mais complicada que eu poderia me apaixonar. E eu tentei. Tentei me livrar desse sentimento. Mas, não se manda no coração.

— Nada do que voce disser vai aliviar a dor que me causou.

— Eu sei meu amor. — Toquei o rosto dele com as mãos. O mesmo que eu sentia pelo Satoru ele sentia por mim. Dava para ver nos olhos dele ou na forma que ele reagia ao meu toque.

— Eu conheci outra pessoa e... eu tô tentando fazer dar certo. Não venha me dar falsas esperanças. Não faça isso comigo.

— Vai dar certo com ela Gyu. Por isso estou indo para o mais longe possível. Sempre estará no meu coração. Eu sempre amei você. Só que não da maneira que você merece.

— Ah, Kira. Eu queria tanto odiar você de verdade. — As lágrimas do Gyu partiam meu coração. Era difícil amar alguém e não ser correspondido. Eu o abracei tão forte e ele me correspondeu aquele abraço. Gyu também era parte de mim, e eu o amava muito. Mas, o amor e a conexão que eu tinha com Satoru eu jamais sentiria com ninguém. E eu sei que não devia, mas beijei o Gyu com todo amor que podia oferecer. Eu não conhecia outra linguagem de amor.

— Você brinca comigo... — Ele disse ofegante.

— Não, eu só quero fazer bem feito dessa vez. E depois eu prometo que te deixo em paz.

— Merda... Você sabe que eu não vou recusar.

— Sei...

Seguimos para um motel ali perto mesmo. E não foi por maldade ou por dó. Eu queria de verdade. Eu precisava disso, e ele também. Depois daquele momento tudo acabaria entre nós. Seríamos apenas amigos de infância. E eu entreguei tudo que podia ao Gyu e senti o máximo de amor que ele tinha por mim. E eu jamais esqueceria aquele momento. Gyu me amava e sempre me amaria, não importa quanto tempo passasse. Eu acho que só queria que ele tivesse uma lembrança diferente dos três meses que passamos juntos. Quando terminamos ele me abraçou forte e senti as lágrimas quentes dele no meu ombro. Choro, soluço. Era assim que acabaria.

— Me leva com você. Eu vou com você até o fim do mundo. — Ele praticamente me implorava. Isso partiu meu coração.

— Eu não posso. Você vai dar certo com a Shoko.

— Você sabe? — Ele me olhou surpreso.

— Foi um chute. Você é gentil demais. É o tipo perfeito para ela. Olha, você precisa de alguém bom e gentil como você.

— E para onde você vai?

— Não vou te dizer.

— Eu vou ficar longe do Ren.

— A gente vem aqui nem que seja uma vez no ano para você ver ele tá? Prometo.

Ele me beijou mais uma vez. O último beijo. Ele me olhou com tanta ternura e carinho que quase desisti de tudo. Sempre fui sentimental demais e nunca aprendi a dizer não. Algum dia talvez eu mudasse esse meu jeito. Por isso pessoas estavam sempre se magoando pelas minhas escolhas erradas.

— Eu amo você Akira Yosano e vou amar para sempre. E se algum dia me achar merecedor do seu amor eu ainda estarei bem aqui para você.

— Sou eu que não mereço, darling.

Eu confesso que a despedida de Gyu foi a mais difícil de todas. Mesmo depois de tudo que eu fiz ele ainda me amava incondicionalmente. Não se consegue um amor assim todos os dias. E tive que abrir mão porque o amor que eu tinha por Satoru também era incondicional, mas eu tinha amores maiores. O amor pelo meu filho e pela sua segurança e felicidade e meu amor próprio que eu teria que descobrir em algum momento. E se me perguntar qual a coisa que mais me arrependo, eu diria que foi não ter amado Gyu da forma que ele merecia.

(...)

A jornada de despedida estava apenas começando. Ainda procurei Mayu, lhe dei um presente de casamento. A abracei forte e pedi que algum dia ela me perdoasse. Gentil como sempre, ela me deu seu número e chorando pediu que eu nunca a esquecesse e ligasse sempre. Uma amiga muito melhor que eu poderia ter. Do que eu merecia.

Depois de três dias, Satoru voltou. Eu fiz um pedido inusitado a ele. Eu queria que a gente voltasse à mansão onde ficamos juntos pela primeira vez. O local ainda estava do mesmo jeito. Ele fazia questão de manter tudo igual. Para ele eu não poderia dizer que iria embora. Mas, eu queria ficar com ele uma última vez.

Como expliquei algumas vezes, eu não conhecia outra linguagem de amor. E ficamos juntos na mesma cama onde tudo começou a cerca de onze anos atrás. Eu aproveitei cada instante, memorizei cada detalhe de seu rosto, de seu corpo e do seu cheiro. Eu o amava muito. Eu ainda não sabia o quanto naquela época. Mas, era como se ele fosse a minha razão de viver. De respirar.

— Fiquei curioso em saber porquê você queria vir para cá. — Ele disse acariciando meus cabelos. — É um tipo de fetiche?

— Foi aqui que tudo começou, lembra?

— Como se fosse ontem.

— Me diz uma coisa, o que você viu em mim?

— Além do fato de você ser gostosa?

— Sério, vai! Não pode ser por isso. Quer dizer, eu espero.

— Seu sorriso, seus olhos, a forma como você é leal aos seus amigos e a dedicação ao nosso filho. E você nunca me viu como um ser de outro planeta. E... — Ele olhou intensamente em meus olhos e achei que ali eu desistiria de tudo, eu tinha que ser forte. — Você preencheu um vazio que ninguém preenchia. O da solidão. Não me sinto sozinho quando estou com você, porque ninguém me ama como você.

E foi difícil. Eu chorava tanto que custava a respirar. Ouvir ele dizer algo que jamais imaginei ouvir no momento mais difícil. Mas, era necessário dizer adeus. Ele tinha uma responsabilidade que não poderia delegar a mais e era egoísmo demais pedir para ele deixar tudo. Eu o abracei tão forte. Queria que ele pudesse ser livre. Eu chorava mais por causa disso. Ele livre de verdade. Longe de todo aquele mundo podre. Queria que ele fosse uma pessoa normal. Um trabalhador qualquer assalariado, voltando para casa às oito da noite e perguntando como foi meu dia. Que tivéssemos ainda mais filhos, netos, bisnetos e terminar nossos dias velhinhos olhando nosso álbum de fotos e lembrando da nossa juventude.

— Amor, que foi? Tá me assustando, nunca te vi chorar desse jeito. — Ele me disse preocupado ao me ver desabando diante dele.

— Só me abraça forte. E responde para mim uma coisa: Você me amou de verdade?

— De todo meu coração, honey. E acho que não amarei ninguém igual. Disso você pode ter certeza.

— Não deixe de me amar.

— Nunca.

Eu ainda fiquei lá, conversamos coisas bobas e aleatórias. E rimos juntos, jogamos video game. Assistimos TV. E depois adormecemos e pela segunda vez eu iria deixá-lo no meio da madrugada sem nem ao menos dizer adeus. Mas, eu aquela altura eu tinha entendido. Eu jamais conseguiria dizer adeus ao amor da minha vida.

(...)

Saí andando pela madrugada apressada. A ideia era chegar em casa e arrumar tudo para ir embora pela manhã. Avisei Ren que iríamos sair de férias e chegando lá eu avisaria que nos mudamos. Ele ia entender, ainda era jovem.

Quando me aproximei do meu apartamento eu vi que havia esquecido uma ponta solta. A mais difícil de todas. Das sombras uma silhueta conhecida surgiu. Os olhos emanavam uma fúria. Os punhos cerrados, pronta para o ataque.

— Kira...

— Haru. Eu estava me perguntando quando você apareceria.

— Se sabia devia ter fugido. Porque vou matar você. — Haru me olhava com tanto ódio que eu tinha certeza que ela faria.

— Está no seu direito. — Respondi calmamente.

— Matou meu pai e minha mãe. E eu irei matar seu filho. Olho por olho, dente por dente.

Haru era jovem, 16 ou 17 anos. Estava vestindo um moletom preto surrado. Estava suja e magra. Provavelmente estava nas ruas desde aquela noite. E eu também me sentia culpada por isso.

— Deixe meu filho em paz Haru. Faça comigo o que você quiser, mas deixe ele em paz.

— Por que eu deveria ter consideração por você?

— Não precisa. Só te dei outra opção. Mate a mim. Deixe meu filho em paz.

— Eu vou matar você! — Ela veio para o ataque com uma wakisashi na mão e me acertou em cheio no ombro. Eu não movi um músculo, deu para ver que ela hesitou, se não eu estaria morta. O sangue tingiu de vermelho a blusa branca que eu vestia, mas não esbocei reação. Isso parecia deixá-la ainda mais furiosa. Ela me deu um soco na barriga, um chute na perna e me derrubou. E ela continuou me batendo o tanto que ela queria. — Se mexe desgraçada! Como posso dizer que foi uma luta justa se você não se mexe?

— Não vou machucar você Haru. Nunca. Já machuquei demais.

Ela chorava furiosa me segurando pela blusa e montada sobre mim e me distribui bofetadas até sua mão ficar vermelha.

— Você tirou tudo de mim. Ao menos tenha a decência de lutar comigo, para que eu mate você com honra.

— Haru... sempre há um lado melhor da vida. — Cuspi o sangue que esparramava pela minha boca. Dava para sentir o gosto metálico na lingua. Firmei o olhar para Haru, furiosa, assustada. Eu também já estive ali. Respirei fundo e continuei. — Erga seu olhar para cima e veja a luz no começo do poço profundo em que você está. Você não é o papai e nem é sua mãe. Você tem vida própria e identidade própria. E se me matar vai te trazer algum conforto, vá em frente. Só peço que deixe meu filho. Ele é tão inocente quanto você.

— Eu não sou inocente.

— É sim. Só que decidiram coisas por você.

Ela parecia tão perdida que dava pena dela. Era difícil sair da bolha em que ela estava, ela foi ainda pior que eu. Ela não teve um Satoru para trazer luz à sua vida, ou um Hiei para apoiá-la, ensiná-la, ou um Gyu para ser seu melhor amigo. Não ainda. Haru saiu de cima de mim e ficou olhando para as próprias mãos e chorou desesperadamente. Um desespero que eu conhecia bem. Eu me levantei, limpei o sangue do meu rosto, me aproximei dela e lhe dei um abraço.

— Que tá fazendo?

— Haru, vá até a residência Yosano e diga ao tio Hiei que você quer começar uma nova vida. Que quer ser uma pessoa normal. Ele será um pai para você como foi para mim.

— Não acredito numa palavra sua. — Ela me empurrou ainda mais raivosa.

— Não precisa acreditar. Peça ao Tio Hiei que te conte como foi a minha vida e depois se quiser me matar, pegue o meu novo endereço com tio Hiei, eu estarei te esperando para uma luta justa. Mas saiba Haru que eu sei o quanto falhei com você. Mas, te amo e sempre amarei. Porque você é minha irmã.

Eu não esperei uma resposta sua. Subi para meu apartamento e a deixei lá fora. Depois, quando eu saí com Ren, ela já não estava mais lá. Seja qual fosse a sua decisão, eu estaria lá para ela.

E eu segui. Fui embora de Tóquio sem olhar para trás. Deixei de vez a velha Akira. Para descobrir o que era o verdadeiro amor próprio.

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