20 - Ensina-me a amar e depois a morrer

Gyu

Estar com Kira era um sonho. Desejei tanto aquele momento. Estar com ela, sermos um casal. Mal pude acreditar que ela estava mesmo me dando uma chance. Quando ela me ligou eu pensei em inúmeras coisas, menos que ficaríamos juntos. O beijo dela era a coisa mais doce que eu tinha provado, a pele dele era quente e nem consigo descrever o quanto fazer amor com ela era bom. Kira era tudo que eu queria.

Mas, por algum motivo, ela sempre parecia como se estivesse incompleta. Eram sentimentos estranhos. Eu tentava disfarçar dando a ela todo o amor que eu podia e que eu sentia, mas mesmo assim não era suficiente.

Ela estava sempre triste, cabisbaixa, mas não falava nada a respeito. Mantinha-se fechada num mundo só dela. E que ela nunca me deixou entrar.

Ren era nosso elo, mesmo que não fosse filho meu e dela. Ele era um garoto incrível e nós éramos grandes amigos. Aí, fui morar com ela e nós éramos um casal. Ou pelo menos era o que eu achava. Depois de três meses tudo esfriou de uma só vez.

Naquele dia eu e Ren ficamos em casa, ela saiu dizendo que ia dar uma volta, sozinha. Ela só voltou para casa no dia seguinte, cheirando a um perfume masculino muito característico. Perfume importado. Estava eufórica, rosto corado, olhos brilhando. Eu já tinha visto aquilo uma vez

Eu me recusava a acreditar que era aquele idiota de novo. Ela estava comigo, ela não faria isso comigo, faria? Mesmo assim preferi deixar como estava, fazer cobranças logo no começo era ruim.

Eu comecei a achar que eu estava sendo inseguro, saí na rua aquela tarde e caminhei na Takeshita Street, um hábito que nós três fazíamos. Eu, Kira e Mayu. Aliás, Mayu simplesmente desapareceu, pelo menos até aquele dia quando a vi numa loja de quadrinhos. Velhos hábitos nunca morrem.

Eu respirei fundo e caminhei até ela. Provavelmente ria brigar comigo ou coisa assim. Só que ao invés disso, ela abriu um largo sorriso ao me ver.

— Oi Gyu!

— Oi, Mayu. Há quanto tempo.

— Pois é.

O clima era estranho e ela não tinha mais aquele brilho no olhar. Ela parecia não me olhar mais da mesma forma. Mas, ela estava tão feliz. Estava alegre, cheia de vida. Diferente da garota retraída de sempre.

— Aceita tomar um café? — Perguntei meio sem graça. — Se puder, claro.

— Vamos. Mas, eu não tenho muito tempo.

Notei na mão dela um anel de brilhantes. Ela estava noiva. O que eu esperava também, que ela ficasse o resto da vida me aguardando? Era egoísmo demais da minha parte. Mayu estava mais bonita do que me lembrava. O amor quando é saudável realmente transforma. Sentamos à mesa numa cafeteira perto de onde estávamos.

— Então... e esse anel? — Perguntei sem rodeios.

— Eu estou noiva. Você acredita? Nem eu mesmo acredito.

— Ele é bom para você?

— Maravilhoso. Muito mais do que pedi.

— Eu... fui um merda né? Talvez a gente tivesse dado certo. — Isso realmente era algo martelava sem parar na minha mente.

— Acho que não. Temos a pessoa certa para nós. E por mais que te amava perdidamente, um dia tive que entender que amar também é deixar ir. Eu nunca ocuparia o espaço que a Kira ocupa. Não. Eu não tive mais forças para isso.

— Me desculpe por tudo que fiz. Nunca quis te magoar.

— Eu sei. A culpa foi minha por criar expectativas. — ela segurou minha mão com delicadeza. — Mas, olha. Eu ainda tenho muito amor por você, só que um amor diferente. Nostálgico.

Eu ri pelo nariz. Era grato pela consideração dela. Mayu sempre foi um anjo na terra.

— E você? O que tem feito? Eu vi a Kira outro dia. Ela parecia tão abatida. — Ela disse soltando minha mão rapidamente.

— A gente tá junto. Finalmente.

— Olha só. — Ela não parecia muito feliz. Compreensível. — Eu achei que te veria mais feliz. Afinal você a amou a vida inteira. É um sonho realizado.

— É... — Abaixei a cabeça e dei um sorriso fraco.

— Gyu, eu posso ser sincera com você?

— Sempre Mayu.

— Desiste enquanto é tempo.

— Que isso Mayu? Eu e a Kira estamos juntos finalmente. Não pode falar para eu simplesmente desistir.

— Você conhece a Kira, eu conheço a Kira. Você sabe que ela jamais vai amar alguém como ela ama o Gojo. Ela pode fingir o quanto quiser, mas eu garanto para você, que é só se encontrarem num dia de carência e fraqueza e vão incendiar tudo de novo.

— Eles terminaram de vez!

— Ela disse porquê?

— Ele não quer nada a sério e queria apenas se aproveitar dela.

— Gyu! Abre o olho! Isso não é motivo suficiente para terminar. Não para a Kira.

— Ela não vai voltar atrás. Depois de tanto tempo ela me deu uma chance! — Eu estava irritado. A Mayu não podia falar aquilo. Eu e a Kira estávamos bem. Não estávamos?

— Escuta. É um conselho. Vai com calma então. Se quer continuar, vá em frente. Eu mesma fiquei anos presa a um sentimento. Mas, se atente a detalhes. A Kira parecia um zumbi o dia que a vi. Não sei se já estavam juntos ou não.

— A gente tá junto há três meses.

— Deve ter mais ou menos isso que eu a vi. Então, ela já não estava com o Gojo. E ela estava arrasada. Ninguém que fica daquele jeito por um amor esquece da noite para o dia. Se ele estalar os dedos ela volta correndo para ele. É só ele dizer: "Ok Kira, vamos ter um relacionamento".

—... — Eu não tive resposta. Mayu tinha razão afinal. Eu não podia acreditar 100% que aquela paixão absurda que eles tinham acabou da noite para o dia. Mas, eu me recusava a acreditar que ela seria tão sacana. Que ela me usou para cobrir o vazio que aquele ridículo deixou no coração dela.

— Gyu, pensa com carinho. Se quiser conversar estarei aqui. Merece alguém que te ame por completo e ela nunca vai amar e você sabe. Nem dez anos apagou o fogo daqueles dois, não vão ser poucos meses que farão isso.

A verdade dói. E dói muito. Eu passei a pensar em todos os momentos que tivemos juntos, e me lembrei do dia que peguei os dois na cabana. Na expressão dela, na entrega dela a ele. Nos olhos dela, na forma tão apaixonada que ela olhava para ele. Ela nunca olhou daquele jeito para mim. Nunca se entregou daquela forma. De me abraçar tão intensamente, como ela o abraçava. Ela deu tudo a ele, e eu fiquei apenas com as migalhas. E isso doía muito.

Tanto que eu não pude conter o choro. Eu caminhei pelas ruas pensando. O cheiro que ela chegou era dele. Disso eu tinha certeza absoluta. Depois daquele dia passei a observá-la. Carregava consigo sempre o celular. Às vezes recebia uma mensagem e tentava disfarçar, mas a forma como ela mordia o lábio inferior já dava para saber.

Ela tinha missões fora do horário habitual. E podiam ser em qualquer hora do dia. Como na maioria das vezes, Ren estava na escola, ou comigo, ou com Hiei, era coincidência demais. Ainda mais se tratando da minha desconfiança. Perguntei ao porteiro se ele via alguém entrar no apartamento e ele disse que não. Mas, isso continuou martelando na minha cabeça.

Ela também parou de fazer amor comigo. Sempre tinha uma desculpa. Dor de cabeça, cansaço excessivo, ou estava com a cabeça cheia e nisso se passaram dois meses. Eu sei, esperei tempo demais. Mas, eu queria mesmo acreditar que era só um engano. Havia vezes que ela nem me deixava vê-la nua. O que me levou a crer que ela teria marcas pelo corpo. Eu ficava com tantas dúvidas que eu mal conseguia dormir.

Eu então fiz a única coisa que provavelmente qualquer pessoa faria no meu lugar. Eu a segui. Despistar uma mulher como ela não era fácil, mas era vantagem de se conhecer alguém tão bem. Ela parou num prédio chique num bairro nobre. Pegou o celular e ligou para alguém e depois entrou.

Eu não ia conseguir entrar ali tão fácil. Levaria mais um tempo. Então fiquei de olho por vários dias. Horários variados, dias variados. Mas, não foi lá que a coisa complicou. Foi bem pior. Um dia ela foi para uma missão e depois voltou para casa. Eu já sentia no meu coração que algo estava acontecendo ali. Subi até nosso apartamento devagar e rezei para que ela não ouvisse eu abrir a porta. Eu ouvi ruídos vindos do nosso quarto. Caminhei tão devagar, que prendia até a respiração. Abri a porta do nosso quarto implorando para ser mentira e então eu vi.

Ela estava lá em cima dele. Os dois do jeito que vieram ao mundo. Na cama que nós dois dormíamos. Ela ofegante sentada sobre ele, os corpos suados, o jeito que ela se entregava para ele. Estava tão imersa me viu. Nenhum dos dois.

Então entendi. Era óbvio que o porteiro não o via. Ele podia simplesmente se teletransportar até ali, ou entrar pela janela flutuando. E se eu tivesse energia amaldiçoada ele teria me notado no momento que pisasse dentro daquele prédio. Tudo conspirando naquele dia para que eu tivesse a maior decepção da minha vida.

Ele a deitou na cama, os dois ainda imersos naquele ato, naquela traição, quando os olhos dela finalmente encontraram os meus a expressão dela se transformou.

— Gyu? — O rosto de quem foi pega no flagra. O rosto de uma traidora mentirosa.

— Nossa! Eu juro que implorei para que eu estivesse errado. Sua vagabunda! — Eu não tive forças nem para sair do lugar.

— Eu... posso explicar... — Ela saiu debaixo dele se enrolando nos lençóis. E eu tive raiva. Tanta raiva. Um ódio fulminante. Ela estava me traindo na mesma cama que dormia comigo, que fazia amor comigo, onde ela me fez juras de amor. Como alguém podia ser tão cínica e tão cruel? E ele... o olhar dele não mudava. Aquele ar de superioridade e arrogância, nem pestanejou ao ser pego no flagra com a minha mulher. Cretinos.

A raiva foi tanta que nem vi a hora que parti para cima dela e apertei seu pescoço. Eu apertava com tanta força que os olhos dela começaram a virar e o rosto dela começou a ficar vermelho. Eu queria esganar ela, matar aquela miserável traidora.

De repente eu só ouvi o som do osso do meu braço estralando. E a voz daquele homem a quem tanto odiava me despertou da minha ira.

— Se não tirar essa mão dela vou virar você do avesso. — Ele estava de pé, pela posição da mão dele era um movimento em falso ele me matava ali mesmo. A adrenalina estava tão alta que eu só percebi o estrago que ele havia feito no meu braço depois. Totalmente torcido, os ossos moídos. Eu dei um passo para trás e senti a dor lacerante.

Kira levou as mãos ao pescoço marcado, tossindo. Mesmo assim ela olhou para mim com o olhar de culpa. Eu enrolei meu braço numa toalha que estava jogada sobre uma das cadeiras e olhei para Kira com todo o ódio e desprezo que eu tinha.

— Vocês dois se merecem! Dois filhos da puta! Você me deu uma chance só para brincar comigo Kira?

— Não!

— Há quanto tempo isso tá acontecendo?

— Eu...

— Quanto tempo Kira?!

— Para de gritar com ela babaca! — O idiota traidor do Gojo me encarava com fúria. Mas, eu não estava com medo dele.

— Eu estou sendo enganado há quanto tempo?!

— Dois meses seu corno.

Kira não conseguia reagir. Gojo a protegia, ela agarrou no braço dele e mal conseguia me olhar.

— Por que Akira? Eu te amava tanto! Eu daria minha vida por você! Devia ter me deixado apenas iludido! Não ter me usado dessa maneira. Acha que não tenho sentimentos? Que sou como vocês?

— Gyu... Eu nunca quis te magoar.

— Ao menos olha para mim!

— Maneira seu tom...

— Fica na sua, Gojo! Eu não tenho medo de você.

— Pois devia. — O olhar dele era frio, imponente, ele estava disposto a me matar de fosse preciso.

— Gyu, eu juro que tentei. Eu queria mesmo fazer dar certo, mas...

— Mas, você gosta de homem que não presta. Eu amar você, te tratar feito gente, querer um relacionamento sério com você, te fazer de minha esposa não serviu para você! Ser fiel não serve para você! Gosta é desse otário que só quer saber de te comer sem compromisso.

— Eu amo ele, Gyu. Estar sem ele é como arrancar um pedaço da minha alma. — Ela disse essa frase com os olhos cheios de lágrimas. Era algo que eu não conseguia lutar contra. Mayu estava certa. Eu é que estava cego. Ela jamais deixaria de amar aquele homem.

— Kira, eu amo você. E estou decepcionado, eu queria que nós dois tivéssemos dado certo. Eu te amei tanto que achei que só meu amor fosse suficiente, mas não foi. E isso dói pra caralho. Agora foi você que arrancou um pedaço da minha alma. Seu amor por esse homem faz todo mundo ao seu redor sofrer.

— Gyu...

— Ele vai fazer você sofrer de novo. Só que dessa vez eu não estarei aqui por você. Não desta vez.

— Gyu, vamos conversar.

— Não. Acabou mesmo. De vez. Tudo. Você fez sua escolha!

Eu saí sem olhar para trás. Meu braço latejava. Se eu fosse mais rápido chegaria em algum hospital antes de perder mais sangue. Minha adrenalina estava alta, eu suava frio, meu estômago revirava. A cena na minha mente várias e várias vezes. A expressão de satisfação dela. Por que Kira? Por que? A única coisa que fiz foi amar você e você enfiou uma faca nas minhas costas. Eu estava zonzo. Minhas pernas estavam fracas. O hospital ainda estava longe?

Por que? Por que só comigo? Eu fiz o possível para ser um homem bom. Fiz de tudo. E no fim eu só sofri. E continuei sofrendo. Encostei na parede de uma das lojas que nem me lembro qual mais. Eu estava cada vez mais fraco. Meu corpo estava escorregando e minha visão ficou turva. Talvez fosse melhor morrer mesmo. A mulher que eu mais amava só estava me usando enquanto estava me traindo com um cara que não quer nada com ela. Era melhor morrer.

— Nossa, toda vez que te vejo, você tá só a derrota.

A voz... de um anjo?

Abri os olhos com dificuldade e ergui o olhar. A mulher de cabelos castanhos. Shoko. Ela se abaixou e tocou meu braço moído.

— Se envolveu numa briga...? E pelo resquício de energia amaldiçoada que está aqui, deve agradecer por estar vivo. Peitou o Gojo?

— Peguei eles dois... no flagra, na cama. — Respondi com dificuldade.

Ela tirou a toalha de cima do braço e ergueu a mão sobre meu braço e aos poucos o osso moído parece ter voltado aos poucos como um quebra cabeças.

— Tá falando da Kira e do Gojo?

— S-Sim. — A dor incomodava um pouco.

— Tava namorando com a Kira? Você é doido mesmo.

— Por que?

— Gojo não é do tipo de homem que desiste das coisas. E o que é dele, é dele.

— Ela não é dele!

— Acabou de pegar os dois na cama. Ela é dele. E não fique assim. Conhecendo ele, vocês dois jamais teriam uma vida normal de casal. Ele iria insistir até ela ceder.

— Desgraçados. Traidores.

— Pronto. O braço tá novo em folha. Agora vem. — Ela disse me estendendo a mão.

— Consertou? Como?

— Eu sou médica, lembra? — Ela deu uma piscadinha. — Agora vem.

— Não, eu quero morrer.

— Fica firme homem! Não aguenta nem um chifre?

— Ela era o amor da minha vida.

— Amar também é deixar ir.

— Ouvi isso esses dias. Mas, não entendo.

— É Gyu né?

— Sim.

— Amar alguém é zelar pela felicidade dela não importa quando e nem com quem. Ela ama aquele idiota e ele do jeito dele também ama ela. Nessa conta de um mais um, você está sobrando.

— E o que eu faço agora?

— Vamos encher a cara.

Eu segurei a mão dela e fomos para o primeiro bar que encontramos. Eu bebi tanto que acho que tinha esquecido o rumo de casa. Eu lembrei de Mayu naquele instante, de que existiria alguém para mim. O que Kira fez me deu finalmente a chance de me desvincular dela de uma vez por todas. Amar também é deixar ir.

No meio da bebedeira, nós fomos para um Karaokê e depois para uma baladinha, pareciamos dois loucos rodando a cidade, bebendo e dançando. Foi numa dessas baladas, que nossos lábios se encontraram, um beijo com gosto de whisky. Em algum momento eu fui parar na casa dela, e ali naquele dia eu entendi o que era uma paixão avassaladora. Entramos no apartamento dela já tirando nossas roupas e nos beijando intensamente. Eu lembro com detalhes daquela noite, mesmo bêbado. Shoko sobre mim, sua silhueta em meio às luzes que entravam na janela, os seios rosados e redondos. Ela movimentando os quadris com uma destreza que me levava ao ápice. Eu ainda amava a Kira, e ainda estava magoado. Mas, por uma noite, Shoko me fez esquecer de tudo. E nós fizemos de novo e de novo. Até a gente se conectar de tal forma que aprendemos a nos amar com toda a intensidade. Um amor para toda a vida. 

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