15 - Um homem de coração partido

Gyu

Eu amava a Kira. A desejava com todas as minhas forças. Sempre quis saber a sensação de tocar a pele dela de uma maneira livre, de sentir o cheiro dela, de estar dentro dela. Era o sentimento que eu tinha por ela e eu nunca pude mudar ou controlar. Era intenso, vivido que me sufocava cada dia mais.

Eu confesso que tinha esperanças, eu tinha de verdade. De que longe daquele homem ela me enxergaria, de que se eu me esforçasse ao máximo ela me deixaria amá-la por inteiro. Mas, o maldito homem parecia um fantasma, uma maldição rondando nossas vidas. Nos primeiros anos ela chorava a noite de saudades dele, ela podia negar o quanto fosse, mas eu sabia que era. Depois ela ficou vazia e distante e o sexo para ela se tornou banal. Esteve com tanta gente que eu acho que ela parou de contar. Parecia procurar aquele desgraçado em todos os outros. Ela podia ter feito comigo, se era isso que ela queria. Embora eu a entenda, também a procurei em muitas mulheres.

Eu tive que fingir que não via ela entrar no depósito de arquivos com o Shion e sair de lá meia hora depois toda ofegante ajeitando o cabelo enquanto o homem ajeitava as calças. Eu devia ter nojo dela depois disso, mas parece que o desejo, a paixão e o amor por ela só aumentava. Eu ainda queria ela com toda a intensidade, mesmo depois de tudo.

Acho que tudo isso me aconteceu foi o preço por ter magoado a Mayu. Eu fiz pior do que a Kira fez comigo. A Kira nunca me deu esperanças, eu mesmo as criei, já eu... Dei esperanças a Mayu, usei ela como válvula de escape e agora estou pagando o preço.

Quando a Kira decidiu ir atrás do pai biológico do Ren eu sabia que ia dar errado. Mas, não dele a matar. Isso eu sabia que jamais aconteceria. Era outra coisa que me preocupava. E eu não estava errado. Quando ela desceu do carro em frente a casa e veio me abraçar eu tive certeza. O rosto dela era de uma alegria que eu só havia visto naquela época, além do cheiro de perfume masculino. Perfume importado. Um perfume característico que ficou na minha memória. Ela chegava todas as vezes que passava a noite com ele com traços desse perfume.

E eles nem se davam ao trabalho de esconder. Aquele dia, que eles se afastaram eu fiquei inquieto, tinha alguma coisa errada. Você sabe o que é, mas se recusa a acreditar.

— Eles estão demorando. — Eu disse a Hiei olhando para a porta a todo momento.

— Gyu... como é que eu vou te dizer... você sabe que eles provavelmente devem ter ficado juntos ontem né? Conheço a Kira o suficiente para saber disso. E para um homem que havia nos jurado de morte e ainda estamos vivos é por um motivo óbvio.

— Tio, eu me recuso a acreditar que ela tenha cedido tão fácil!

— Gyu, ela ama o Gojo. Sempre amou. Se passaram dez anos e ela não seguiu em frente!

— Tio, eu estava aqui por ela, porque ela não me dá uma chance?

— A vida tem muitos mistérios, meu filho. Um deles é o amor. Ele é nossa glória e nossa perdição.

Mas, eu não aceitava. Parecia que a negativa me fazia sentir melhor. De que ela enxergaria que aquele homem não valia nada. Os procurei pelos arredores da casa, aí avistei uma casinha no fundo, feita de madeira, eu fiquei pensando em inúmeras coisas, mas parecia martelar na minha mente que eles estavam lá. Eu fui me aproximando e comecei a ouvir a respiração pesada e ofegante, o gemido leve e abafado dela. Eu era um homem adulto, eu sabia o que era aquilo. Mas, eu tinha que ver com meus próprios olhos, para arrancar ela de vez do meu coração, como se isso fosse mesmo possível. Eu me aproximei da cabana e pela fresta da madeira eu vi. Eu senti tanta coisa que eu nem pude explicar.

Raiva.

Inveja.

Repulsa.

Ele tocando na pele dela, segurando-a firmemente contra seu corpo, a expressão dela de um prazer absoluto que certamente ela só sentia com ele, a forma como ela olhava nos olhos dele, uma paixão intensa que mesmo depois de tanto tempo não se apagava, ele mordendo o pescoço dela e sugando seus seios. Tudo aquilo ficou gravado na minha memória. E mesmo depois disso tudo, eu ainda a amava e desejava ela. Talvez o problema era eu.

Fiquei em choque, parecia não conseguir sair do lugar. Depois de um tempo, dei alguns passos para trás, parece que não havia chão embaixo dos meus pés. Eles tinham feito aquilo muitas vezes, só de olhar a forma como se olhavam, a forma como se tocavam, eles pareciam saber cada centímetro do corpo um do outro. Era isso que mais me doía. Eu só voltei em mim quando ela abriu a porta e me olhou com aquele olhar de quem foi literalmente pego no flagra. Que ódio. Que repulsa! Por que Kira? Por que? Ele é tão bom assim? Por que tinha que ser ele? Um sujeito arrogante e cheio de pose e marra. Um cara que não liga para nada. Por que ele e não eu?

Acho que ela tentou justificar, dizer mais alguma coisa daqueles lábios mentirosos. Mas, eu não ouvi. Sai dali tão desconfortável, com tanta raiva, que eu queria matar os dois. Matar ele e ela. Como ela podia ser desse jeito? O amor para ela era só isso? E o que eu sentia por ela?

Parei num bar qualquer, bebi uma, duas, três ou sei lá quantas doses de saquê. Parece que a cena que eu vi não saía da minha cabeça e os detalhes pareciam ficar cada vez mais nítidos. Aquilo estava acabando comigo. Eu sei que saí dali desnorteado, fui até Shinjuku, no Kabuchiko. Lá era o lugar de pessoas desesperadas, pessoas em busca de prazeres, de pervertidos e pessoas como eu. Amar uma mulher e jamais ser correspondido e de quebra ainda ver ela transando com outro.

Eu entrei num inferninho de luz vermelha e fiquei de olho em uma mulher de cabelos pretos e longos como os da Kira. Seu corpo lembrava o dela, embora o da mulher fosse mais voluptuoso. Era estranho pensar nisso? No corpo dela? Eu pensava em cada detalhe. E não importa o que me dissessem, eu a queria.

A mulher que eu olhei foi até mim sorrindo, ela se insinuou, eu lhe paguei uma bebida e depois fomos para o quarto. A pobre mulher não sabia, até porque provavelmente ela estava acostumada a isso, mas eu só pensava numa mulher naquele momento. Pensava tanto que cheguei a ver o rosto dela. Eu estava sobre a mulher, mas a minha mente foi invadida pela cena que vi. No rosto satisfeito dela, da forma como ela olhava para ele. Por que Kira? Por que? Por que? Por que ele e não eu? Eu te amaria para todo sempre, de corpo e alma.

— Kira... — Eu deixei escapar o nome dela. A mulher olhou para mim sem entender nada. Eu parei constrangido, e estava prestes a deixá-la na mão.

— Pode me chamar de Kira. Tá tudo bem. Quer que eu diga algo para você? — A mulher tocou meu rosto delicadamente.

—...

— Eu faço o que você quiser, só estou aqui para te satisfazer. Me chame de Kira, ela é a sua mulher?

— Eu... a amo. Mas, ela gosta de outro cara.

— Quer conversar?

Acenei com a cabeça, conversar era o que nos restava, já que o garotão lá embaixo resolveu que não queria mais nada naquele momento. A mulher gentilmente sentou-se ao meu lado e me puxou para deitar em seu colo.

— Conte para mim, tudo que você quiser. Eu sou a Ruby, mas aqui pode me chamar do que quiser. Nada sairá de dentro dessas paredes.

— Ela se chama Kira, eu a amo perdidamente. Eu fiz tudo por ela. Mas, ela ama um idiota que não dá valor no que ela sente. Ela engravidou, fugiu e eu fui com ela. Eu pensei que com ele longe de cena, ela me daria uma chance. — Nesta hora minha dignidade já tinha ido embora. Eu chorava como um garotinho. — Mas... ela não quis. E mesmo depois de dez anos longe dele, ela ainda o ama. Eu... vi os dois juntos hoje. Transando numa cabana velha. Ele nem se deu ao trabalho de escolher um lugar decente. Estávamos lá dentro da casa e os dois estavam lá... isso está me matando!

— Eu te entendo querido.

— Eu a faria feliz!

— Querido, talvez a felicidade que você oferece não seja a que ela deseja.

Eu me levantei e olhei nos olhos avermelhados de Ruby. Talvez ela tivesse razão. Mesmo que eu me recusasse a aceitar. Eu beijei a Ruby num impulso. Dizem que não se beija prostitutas, mas eu não estava nem aí. Beijei ela e a deitei na cama novamente.

— Eu vou te chamar de Kira... pode ser? — Eu disse olhando fixamente em seus olhos.

— Pode. Quer que faça mais alguma coisa?

É um momento meio vergonhoso da minha vida. Mas, eu estava de coração partido, tinha que dar um jeito de remendar.

— Diz para mim que aquele idiota não é nada do que você queria. Que você percebeu que eu sou o amor da sua vida. — Eu disse isso já dentro de Ruby me movimentando cada vez mais rápido.

— Ele não é nada do que eu quero, você é o amor da minha vida! — os enormes seios balançavam cada vez mais.

— Sim, Kira. Eu sou o amor da sua vida! Agora diz: eu te amo muito Gyu.

— Sim! Sim! Eu te amo muito Gyu.

— Kira! Eu vou... eu vou...

E pronto. O momento mais vergonhoso da minha vida. Paguei a moça, me vesti e saí. Depois eu fiquei andando pela cidade até minha mente voltar a funcionar direito. Aí pensei na única coisa que eu podia fazer naquele momento, procurar pistas sobre o Ren. Não adiantava ficar chorando pela Kira naquele momento. Eu me lembrei de algo quando ainda estávamos na Coreia, a Mayu estava lá. Se ela estava, então, ela sabia sobre o Ren.

Fui até a mansão principal e fiquei aguardando escondido um dos funcionários aparecerem. Com gentileza, (e alguns ienes) eu pedi informações sobre a Mayu. Ela agora morava fora da propriedade principal num apartamento. Ele me forneceu o endereço e fui até lá. O porteiro me informou, com mais alguns ienes, que ela tinha ido viajar, mas que ia a seu apartamento duas vezes na semana, e para minha sorte era dia dela vir. A quantia foi tão boa, que o porteiro me deu a cópia da chave. Subi até o apartamento de Mayu, entrei e fiquei aguardando ela chegar.

Sentei no sofá branco dela e fiquei olhando a casa muito bem organizada. Organização era uma das muitas qualidades de Mayu. Ouvi a porta destrancar e a dona do apartamento entrar. Quando ela me e viu deu um salto para trás levando a mão ao peito.

— QUE TÁ FAZENDO AQUI? COMO ENTROU? — Ela saiu olhando pela casa se não tinha mais ninguém.

— Calma, eu tô sozinho. — Eu disse erguendo as mãos.

— Eu vou chamar a polícia! O que quer aqui?

— Só quero conversar.

— Como entrou aqui?

— Isso não importa. Eu só quero conversar com você Mayu.

— Não temos nada para conversar. — Ela disse brava. Tinha razão, eu fui um grande babaca.

— É sobre o Ren...

— O que você disse que era seu filho? — Ela perguntou sarcástica.

— Eu não podia dizer nada a você!

— Ah! Eu, a melhor amiga de vocês e até então sua "namorada" , se é que posso dizer isso, não podia saber que a Kira estava grávida?

— Eu fui um grande babaca.

— Foi mesmo! Um imbecil! Se não queria nada comigo, porque fez aquilo? — Eu deixei ela desabafar, Mayu sempre estava calada e guardava tudo para ela. Eu imagino todo a mágoa que ela havia guardado dentro de si. — Eu te amava Gyu! Eu entreguei tudo a você e o que você fez? Fugiu com a Kira!

— Eu sinto muito por isso...

— Sente nada! Sente agora que está aqui diante de mim e precisa que eu faça algo para você. Passou mais de dez anos e nunca me ligou, mandou mensagem, sinal de fumaça, ou se desculpou! Para que né? Vocês estavam juntos! Tendo um caso!

— Mayu... a gente não...

— Chega! Vai embora da minha casa! Não quero ouvir mais desculpas esfarrapadas. Vai embora agora.

— A gente nunca esteve junto! — Eu gritei no impulso. Ela olhou para mim surpresa. — A gente nunca esteve junto, ela passou dez anos chorando por aquele babaca. Nunca tive uma chance.

Mayu engoliu seco, seus olhos brilharam em fúria e a única coisa que ela me disse foi:

— Bem feito. Tomara que tenha sofrido bastante. — Ela abriu a porta ainda me expulsando.

— Eu entendo que me odeie. Mas, olha, eu vou estar naquele bar que tem aqui perto caso mude de ideia. Não é por mim, por você, pelo Gojo, pela Kira. É por uma criança de dez anos que pode ter a infância afetada por um bando de velho oportunista. Pense nisso. Vou te esperar lá até meia noite.

Ela não esboçou nenhuma reação. Eu entendi o recado e saí de cabeça baixa. Mayu ter raiva fazia sentido, o que não fazia sentido era eu correr atrás da Kira como um cachorrinho. Parei no bar e pedi uma caneca de Chopp, já havia se passado quanto tempo? Eu já nem sabia mais. Kira havia me ligado tanto que desliguei o celular. Não queria falar com ela, eu ainda estava com raiva. Bebi Chopp com gosto, nada melhor do que álcool no organismo para esquecer o dia de cão.

— Dia difícil? — A voz era aveludada, ela tinha olhos e cabelos castanhos, as olheiras eram profundas de quem provavelmente dormia muito pouco. Tinha entre os dedos um cigarro que estava apagado, seu rosto era bonito e harmonioso, a pinta delicada abaixo dos olhos a deixava ainda mais charmosa.

— É... digamos que sim.

— Sei como é... — Ela levava o copo de cerveja até os lábios e bebericava devagar saboreando o gosto do malte.

— Está bebendo sozinha?

— Meus amigos de bebedeira me deram o cano.

— Sinto muito. Algum motivo especial para a bebedeira?

— E tem motivo especial para beber?

— Disso você tem razão.

— Você tá só a derrota amigo. Parece que não dorme a dias e ainda por cima tá com cheiro de bebida amanhecida e perfume adocicado que provavelmente veio do Kabuchiko. — Eu fiquei me perguntando como ela sabia disso. Eu estava tão acabado assim?

— Então... — Eu levei a mão à nuca sem graça. — Meio que isso.

— Se quiser conversar aqui eu posso até ouvir, mas sou péssima para dar conselhos.

— A sua sinceridade é realmente notória.

— Sim. Me dizem isso com certa frequência.

— Bom, digamos que eu tenha me apaixonado por uma pessoa que não me ama. E talvez nunca vá amar. E esperei por ela um tempão e agora ela meio que voltou com o ex.

— Hum. Isso aí realmente eu não consigo te dar um conselho.

— Tá bom, pelo menos você me ouviu por um momento.

— Nem tudo é ruim, tá vendo?

— Me fala um pouco de você agora. Sobre o seu dia.

— Eu sou médica. Meus dias são todos intensos. Salvando vidas, colando membros decepados. Enfim...

— Nossa... bem mais emocionante que o meu.

— Duvido. — Ela me encarou com aqueles olhos castanhos e deu um sorriso fino. — Você não é um criminoso?

— Que? O que disse? Não! — Eu ri sem graça, já buscando uma rota para fugir.

— Relaxa. Eu não vou fazer nada com você. É um dos Yosano's, não é?

— Quem é você?

— Nunca fomos apresentados, né? Eu era sempre deixada de lado por aqueles dois idiotas. Acho que o Gojo mencionou você alguma vez e seu rosto também ficou estampado na nossa página de procurados por muito tempo.

— Ainda não me disse que é você. — Eu sentia o suor frio brotar na minha testa.

— Shoko Ieri e você... tem um nome curto... É...

— Gyu.

— Combina com você.

— Obrigado? — Eu disse sem entender se era um elogio de fato.

— Garçom, traz mais uma. — Ela disse acenando para o homem do outro lado do balcão. — Ai, to tentando parar de fumar. Eu fico num stress e numa ansiedade. Na verdade, estou falando miseravelmente.

— Sei como é.

— Você também fuma?

— Tem um tempo que tô tentando parar. Então, você sabe sobre mim? — Perguntei temendo o que viria a seguir.

— Sei.

— E não vai chamar a polícia dos feiticeiros ou algo assim?

— Não. Não tenho nada com isso. Como eu disse, sou uma médica.

— Deve ser uma profissão exaustante.

— Se é!

A Shoko brilhava os olhos quando falava da profissão dela. Ela realmente amava o que fazia e isso era algo admirável. A gente conversou tanto naquele dia que até me esqueci da Mayu e da Kira. Eu estava imerso na voz dela, no perfume dela. Talvez, se fosse em outro momento eu teria investido mais na nossa conversa, mas como ela mesmo havia dito, eu estava só a derrota.

— Gyu? — A voz de Mayu me trouxe de volta a realidade.

— Ah, Mayu... você está aqui...

— Eu vou te ajudar, se... não estiver muito ocupado. — Ela respondeu séria.

— Não... Senhorita Ieri... — Eu virei para a mulher ao meu lado.

— Me chama só de Shoko.

— Ok, Shoko. Foi um prazer. — Eu ia me levantando. Ela me segurou pela manga da jaqueta para que eu esperasse. Pegou um guardanapo e pediu ao garçom uma caneta e anotou algo e me entregou.

— Esse é meu número senhor derrota. Se quiser beber até cair algum dia é só me ligar.

Eu sorriu de forma gentil e retribuí o gesto. Peguei o papel e guardei com cuidado na carteira. Que eu iria com certeza salvar. Nunca se sabe quando eu vou beber de novo. Vai que precisaria de companhia? Eu segui Mayu com um sorriso bobo. Ela ficou ainda mais séria e apenas disse.

— Tô fazendo isso pelo menino. Porque você e a Kira, quero mais é que vão para o inferno.

Eu entendi a fúria de Mayu. Mas, naquele momento era só o Ren que importava. Depois disso fomos até Kira. Uma operação de vida ou morte iria começar.

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