01 - Kira
Primeiramente gostaria de dizer que tudo que vou contar aqui mudou minha vida por completo, me transformou como pessoa. Alguém bom ou nem tanto. Fiz escolhas ruins, escolhas boas e paguei o preço de todas elas. Aqui falo para você sobre o amor em todas as suas formas.
É isso. É uma história de amor.
De amor ao próximo
De amor próprio
De amor fraternal
De amor incondicional
De amor para todo o sempre.
A minha história começa em que momento mesmo? Ah sim. Eu vou contar da parte mais impactante para frente. De quando eu tinha uns seis ou sete anos anos e minha mãe fugiu com outro homem. Lembro dos olhos dela imerso em lágrimas, da cara de pena. De pedir para ela voltar, mas ela nunca voltou. Nunca mais.
Daquele dia em diante, a minha vida virou um inferno.
Yosano
Uma família rica e tradicional. Um clã respeitado no mundo do jujutsu, que caiu na desgraça depois que os líderes descobriram que dava para ganhar muito mais dinheiro do que trabalhar de maneira honesta. Meu pai era um homem rígido e de índole questionável. E ficou ainda pior quando minha mãe foi embora.
Ele parecia querer suprir toda a frustração me punindo. Ainda tinha mais um detalhe, eu não era um filho homem. Ele fazia questão de me dizer isso todas as vezes.
E ainda tinha a Kaede. Minha madrasta. A mulher mais desprezível que já conheci. Ela veio há algum tempo depois para nossa casa. Meu pai não perdeu tempo. Ela tentou de todas as formas, mas nem ela conseguiu o sonho do meu pai: ter um filho homem.
Teria que se contentar com a gente. Eu e minha irmã, a Haru. Um anjo que nem parecia ser filha daqueles dois bostas. Como se eu pudesse dizer algo. Eu também era filha de dois bostas.
O clã Yosano tinha gostos peculiares. Tráfico de drogas, de armas e ferramentas amaldiçoadas, de mulheres. Isso era o que mais me dava nojo. Todo dia alguma garota chegava na nossa propriedade. A maioria não aparentava ter nem 15 anos. Não muito mais novas que eu naquela época.
E muitas vezes, elas eram abusadas ali mesmo dentro daquelas paredes. O meu pai era um homem sádico. As vezes eu achava que aquilo lhe satisfazia.
Meu pai por não ter um filho homem resolveu me criar como se fosse um, eu devia ter uns 8 anos quando ele me puxou pelo braço até um dos inúmeros quartos daquela casa e me mostrou algo que não era próprio para uma criança ver e ainda disse: "Veja Kira é assim que um homem faz com uma mulher, foi isso que a Vagabunda da sua mãe esteve fazendo esse tempo todo que ela foi embora.".
Tá. E eu tinha culpa? Não, eu não tinha. Mas, ele não queria saber disso. Ele ainda odiava a minha mãe com todas as forças e queria que eu odiasse também. E eu odiei por muito tempo.
Ele também me treinou como um filho homem, bom ele exatamente não, foi meu tio Hiei, que foi a figura paterna que eu tive. Mas, meu pai exigia um treino puxado. Do tipo de levar a exaustão, de não dormir a noite por causa da dor no corpo. Artes marciais, luta com espadas e outras ferramentas e uso de energia amaldiçoada. Às vezes treinava com ele, às vezes com os outros membros do clã. Todos os dias incansavelmente. "Se vou ter que amargar não ter um filho, pelo menos quero que você seja forte, não leve desaforo para casa, não seja mole, lute. Um dia você poderá servir para alguma coisa, assim eu espero. A não ser que você fuja como a vadia da sua mãe.".
Ele sempre mencionava a minha mãe com algum apelido depreciativo: "a Vagabunda da sua mãe", "a vadia da sua mãe", "a piranha da sua mãe" e outros que eu não vejo necessidade de ficar elucidando aqui.
Ainda tinha a "vagabunda" da mulher dele. Ela me batia, me colocava castigo, não gostava do jeito que eu andava, que eu comia, que eu respirava. Ela sempre me olhava com nojo e desdém. Talvez pelo fato de eu me parecer com a mulher que meu pai mais amou na vida, pelo menos era o que ele dizia, e ela poderia fazer o que fosse que nunca ocuparia o lugar que era da minha mãe. Vivia andando pelos corredores com um quimono florido, e fumando um kiseru. As unhas vermelhas e longas, a maquiagem carregada que ela usava em qualquer ocasião. Era um pouco acima do peso que ela tentava esconder com o quimono, seu rosto não era bonito. Olhos castanhos contornados por olheiras tão fundas que parecia que ela não dormia há anos, lábios finos, nariz redondo. Não era velha, mas também não era nova. Mas, eu não estava nem aí, queria mais que ela se fodesse.
Não vou mentir, imaginei ela morrendo de todas as formas possíveis. Sorte dela que ela era mãe da Haru. Se não fosse por isso, eu teria dado um jeito nela. Afinal, foi por isso que meu pai me treinou.
E eu trabalhei para ele em missões que confesso me envergonham de falar. Mas, eu era como um cãozinho fiel. Ele falava e eu obedecia. Talvez, era uma forma de conseguir o aval dele. Demonstrar que eu era boa em alguma coisa. Mesmo que ele sempre dissesse ao contrário
Naquele dia, em algum momento de 2007 durante a primavera, acordei com Kaede esmurrando a porta do meu quarto. Ela tinha todo esse jeitinho de me acordar. Eu tinha dormido mal a noite. Um hábito ali naquela casa. Às vezes, era meu pai que ficava até tarde jogando hanafuda com os amigos nojentos dele. Eu passava bem longe de onde estavam, era algo que por incrível que pareça, a Kaede me ensinou desde muito cedo. Homens são os seres mais pavorosos do universo, até mais que maldições. E ela tinha razão. Eram jogos, bebedeira, prostituição. Tudo acontecia ali dentro daquela casa de uma maneira social e disfarçada. Como se fosse a coisa mais normal do mundo.
Eu levantei da cama sentindo a cabeça rodar. Parecia que meu pai que bebia, eu que ficava bêbada. Ela continuava esmurrando a porta até eu perder a paciência.
— Eu já tô indo!
— Ao menos responde! Engoliu a língua por acaso?
— Eu já te ouvi das últimas 45 vezes que você esmurrou a porta!
Eu levantei na força do ódio. Começar o dia já com raiva era a coisa mais horrível que tinha. Eu passei o resto do dia mal humorada. Saí do quarto abrindo a porta de correr com violência. Odiava quando ela fazia isso.
— Seu pai tá te esperando para tomar café.
— O que deu nele? Nunca se importa com isso.
— Só obedece garota! Ainda não aprendeu a ter respeito?
Eu estava no Ensino Médio. Apesar da vida que eu tinha, eu tinha aquele brilho no olhar de que tudo pode acontecer no Ensino Médio. Eu ia conhecer um garoto, me apaixonar, viver experiências únicas, fazer amizades. Eu me perguntava se isso era possível para mim. Eu só não dizia em voz alta. Meu pai me diria coisas como: "Quer ser como a puta da sua mãe?". Então, eu ficava calada. Eu tinha esforçado no ano conseguir uma vaga numa escola conceituada.
Segui a cobra peçonhenta da Kaede até a sala de refeições. Meu pai estava sentado lendo jornal, algo que hoje em dia certamente seria bem estranho. O velho Hanzo Yosano. Diziam que havia herdado dele os cabelos pretos, que ele deixava longo como se exibisse um troféu, além de sua insolência e sua arrogância. Da minha mãe, herdei os olhos verdes e o rosto. Talvez por isso ele mal olhava para mim. Eu me ajoelhei no chão, e me curvei diante dele.
— Bom dia papai.
— Tem que parar com esse mau hábito de dormir até tarde. Não foi isso que te ensinei.
— Me perdoe papai. Eu estava indisposta.
— Hum. Sente— se aqui. Temos que conversar.
Quando a frase "temos que conversar" era dita, eu sentia até o meu último fio de cabelo se arrepiar. Eu sabia que não era coisa boa. Me aproximei da mesa, sentei- me diante dele e fiquei esperando ele me falar. Meu pai não era tão velho, mas acho que a vida não tinha sido generosa para ele. Aparentava ser um homem de mais de cinquenta anos, e ele não devia ter mais de quarenta.
— Kira, as suas aulas começam na semana que vem.
— Na verdade é na outra ainda. Eles já me passaram a grade.
— Mudei você de colégio.
Sem me falar nada. Simples assim. Mudei você de escola e pronto.
— Mas, papai. Eu estudei muito para conseguir uma vaga naquele colégio. Passei noites em claro.
— Está decidido. Vai para o Colégio Técnico Superior de Jujutsu.
Eu fiquei um bom tempo em silêncio esperando ele dizer que era mentira. Que eu tinha ficado dias sem dormir para passar na escola que ele exigiu e ele simplesmente mudou de ideia.
— Mas... o senhor disse que não queria que eu fosse feiticeira.
— Mudei de ideia. E pare de me questionar. Eu já me decidi. Ainda bem que é aqui perto. Vai e volta todos os dias.
Ele não queria que eu fosse feiticeira. Ele dizia que ia apenas o envergonhar. Depois de tantos anos chegar e apresentar uma filha que ele julgava ser incompetente só por eu não ser um homem. E do nada ele mudou de ideia. Era óbvio que tinha algo errado. Nada era à toa quando se tratava dele. A conversa estava encerrada se eu dissesse mais uma coisa, a briga iria começar e provavelmente eu seria severamente punida.
Eu terminei o café da manhã no mais profundo silêncio e depois saí de casa chateada. Eu confesso que nem tudo era ruim naquela casa. Quando eu tinha uns 8 anos conheci o meu melhor amigo, Gyu. Nós éramos do mesmo clã. Ele era de uma ramificação e eu da família principal. O que nem nos fazia parentes para falar a verdade. Ele foi morar com meu pai quando os pais dele morreram num trágico acidente. Meu pai tratava ele como um filho e eu como um irmão.
No caminho vi uma das babás cuidando da Haru, minha irmãzinha linda. Ela tinha uns 6 anos, cabelos castanhos como os da mãe dela e olhos cor de café como o do meu pai. Ela era tudo para mim.
Corri até o quarto de Gyu que ficava num anexo da casa principal. Meu pai sempre o tratou muito bem, até melhor que eu para falar a verdade, sempre fez questão que ele tivesse conforto, se sentisse acolhido. O garoto estava lá, deitado na cama lendo um mangá com fones de ouvidos que provavelmente ele estava ouvindo no último volume de alguma música do Metallica. Eu me aproximei e bati de leve no vidro na esperança que ele me ouvisse. Abri a porta de correr, tirei os sapatos e fui entrando.
— Que susto Kira! — Ele deu um salto da cama tirando os fones de ouvido.
— Tava ai em outro mundo Gyu?
— É. Até você me trazer de volta. Que faz aqui tão cedo? — Gyu tirou os fones, ajeitou a cabeleira loira e sentou- se na cama.
— Meu pai... decidiu me mudar de escola. Simplesmente do nada.
— Poxa, mas a gente estudou tanto! Eu e você íamos continuar estudando juntos!
— Pois é e você sabe que não dá para discutir. Simples assim.
— Que coisa... — Gyu ficou triste. Óbvio. Ele também se esforçou para poder me acompanhar. — E para que escola você vai?
— Meu pai quer que eu vire feiticeira. Vou para o Colégio Técnico Superior de Jujutsu, daqui de Tóquio. Já na semana que vem.
— E não posso ir com você?
— Você não tem energia amaldiçoada Gyu. Infelizmente.
— Que raiva. — Ele ficou tenso, dava para ver no rosto dele. Eu confesso que naquela época eu desconfiava dos sentimentos que ele tinha por mim. Mas, agora, parando para pensar, os indícios sempre estiveram lá.
— E se a gente saísse para nos divertir na minha última semana de férias? Eu, você e a Mayumi?
— Eu não quero comemorar, queria que estudássemos juntos.
— Eu também Gyu, mas eu não vou desobedecer meu pai. Eu não posso.
— Tá, eu quero comer hambúrguer, batata frita e Milk shake!
— Tá! Vou lá chamar a Mayumi!
Eu saí alegre do quarto dele e fui até a casa da Mayumi que era dentro do complexo do clã Yosano. Mas, ela não pertencia ao clã. A família dela, os Masaro's, serviam a minha família há séculos. Eram leais e muito discretos. Mayumi era uma garota de cabelos castanhos avermelhados, que sempre parecia retraída e tímida. Nós três crescemos juntos, nos divertindo apesar dos pesares. Ela normalmente não saía de casa, mas era só falar que o Gyu estaria junto que ela mudava de ideia na hora. Era bem claro que ela gostava dele, isso eu percebi. O que eu não vi, era que ela escondia sentimentos tão profundos que faziam dela praticamente outra pessoa.
Naquela semana a gente fez tudo que podia. Maratonamos filmes, lemos mangás, a gente comeu hambúrgueres do Burger King, foi ao cinema, ao Karaokê. Andamos de bicicleta. Essas lembranças são as mais marcantes daquela época. São aqueles momentos que você sabe que nunca mais voltariam. E realmente não voltaram.
Quando chegou o dia de ir para a escola, eu olhei para o uniforme preto em cima da cama e soltei um suspiro pesado. A saia reta, eu confesso que preferia uma calça, mas eu deixei para resolver depois, o blazer preto com botões em formato de espiral, a camisa branca. Vesti aquele uniforme e saí parecendo que meu corpo estava pesado. Vi o Gyu de longe de braços cruzados, acompanhado de Mayumi. Acenei para os dois e segui. Já na porta, meu pai veio até mim com aquela mesma expressão de sempre e me soltou essa:
— Você será meus olhos e ouvidos lá dentro, tudo que acontecer lá você reporta a mim.
Aí então tudo fez sentido. Eu compreendi o que de fato ele queria. Uma porra de uma espiã. O que ele tramava eu ainda não sabia, mas se tratando dele, era óbvio que não era boa coisa.
Acenei com a cabeça e segui. Minha casa não ficava tão longe da escola. Mas, não dava para ir a pé. Tinha que pegar o metrô e depois terminar o trajeto a pé. Uma escola nas montanhas. Parecia que não chegava nunca. Tá certo que a paisagem era bonita, mas não mudava o fato de ser cansativo. Olhei o mapinha que meu pai me deu e continuei andando de cabeça baixa. Minha mente divagava enquanto eu pensava nas inúmeras possibilidades que poderiam acontecer naquela nova escola. Parei em frente a uma escadaria gigante. Soltei os ombros pesadamente, bufando e suada. Eu estava odiando cada momento daquela escola que eu ainda nem conhecia.
Comecei a subir morrendo de preguiça, degrau por degrau, parava, olhava para cima, mãos na cintura e continuava. Até que percebi que algo passou por mim pulando de dois em dois degraus. Pernas longas, mãos nos bolsos. Ele se virou para mim e deu um sorriso debochado.
— Nessa toada só vai chegar lá em cima amanhã.
Eu olhei para ele, ergui uma sobrancelha e não respondi. Não havia necessidade de responder. Continuei subindo.
— Você é nova aqui né?
Silêncio. Eu continuei em silêncio. Eu sei, eu poderia conversar, mas eu não tava afim. Ele desceu dois degraus e ficou diante de mim, ele era alto. Muito alto para a falar a verdade. Ergui o olhar para ele desconfiada e franzi a sobrancelha.
— Você é muda? Não abre a boca para nada.
Eu o ignorei e continuei subindo. Passei por ele naquela escada pensando somente em chegar no topo. Não tinha tempo para bobagens.
— Não vai falar comigo não?
— Não...
— Há! Você fala! Eu sabia!
— Eu falo, só não estou afim. — Curta e grossa.
— Hoje é segunda- feira e já tá brava? — Ele tinha um timbre de voz entre o debochado e o arrogante.
— Eu não tô brava.
— Então, porque não fala comigo?
— Já disse que não to afim de conversar.
— Eu não lembro de você. Mudou para cá recentemente ou é um dos veteranos? As aulas começaram há duas semanas.
— ...
— Olha, eu to tentando ser legal com você! Você cresceu onde? Num estábulo? — Ele perdeu a paciência. E eu nem posso culpá- lo. Eu era muito irritante quando queria.
— Cara, eu não estou a fim de conversar, tá? Eu andei pra caralho e ainda tenho que subir essa escada gigante!
— Ainda por cima é boca suja! Tem que lavar essa sua boca com sabão! — O jeito dele falar me deixava muito brava.
— Eu boca suja? Você que me irrita! Nunca ouviu falar em espaço pessoal? Quando alguém diz que não quer conversar, ela NÃO quer conversar!
— Eu te ofendi só por querer conversar?
— Não, me ofende porque não respeita o espaço dos outros!
— Fica com seu espaço então astronauta!
— Fico sim!
— Ótimo!
— Ótimo!
A discussão terminou e deixei ele subir a escada na minha frente e sumir de vista. Ele se achava o maioral. Aquele ridículo. Eu parei de pensar naquele idiota e continuei. Um dos funcionários me mostrou onde era minha sala. O professor já me aguardava.
— Seja bem vinda, Yosano, eu vou te encaminhar até sua sala.
— Obrigada.
— As aulas de manhã são normais. As da tarde são focadas somente no Jujutsu. Espero que esteja preparada.
— Sim senhor.
— Aguarde aqui, vou anunciar você aos alunos, são poucos, mas você se acostuma.
— Ok.
Ele entrou, ouvi ele dizer aos alunos que teriam uma colega nova e depois pediu para eu entrar. Eu abri a porta devagar e adentrei a sala de cabeça baixa.
— Olha só, é a boca suja.
— Satoru! Mais respeito com a sua colega!
E foi ali que eu conheci o cara mais irritante, convencido e arrogante do planeta.
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