Capítulo 3 (rascunho)
Daniel estava exasperado. Nada daquilo poderia ter acontecido, muito menos um estranho ter entrado na nave sem que o computador soubesse. Nobuntu estava ao seu lado e nutria preocupações semelhantes, pelo que parecia no seu semblante. O comandante disse:
– Computador, analisar todas as imagens de todas as pessoas que entraram na nave e identificar se algum não tripulante entrou.
– "Avaliação em curso, aguarde resultado." – disse a máquina.
– Não entrou nenhum estranho – resmungou Daniel, basante convicto –, muito menos um fantasiado de espadachim da época do renascimento da Terra.
– Mas senhor, como ele pode ter entrado e o que raio nos aconteceu!? – mais resmungou do que perguntou. – Decerto que não atropelamos esse cara enquanto navegávamos mergulhados. É insano!
– Concordo, meu amigo; é insano, mas existe uma probabilidade de algo desse gênero acontecer, apesar de próxima do zero.
– Senhor – disse o operador de comunicações –, não há um único ruído em hiper-comunicações, nem mesmo nas frequências mais baixas. É como se a galáxia tivesse ficado muda.
– Daniel para astronomia – disse, forçando o comunicador automático a se dirigir ao setor desejado. – Alguma posição?
A imagem virtual de um cientista em tamanho natural e três dimensões surgiu no meio da ponte. Ele disse:
– Majestade, estamos na Via-Láctea, mas está tudo fora do lugar!
– Doutor. – Daniel olhou para o cientista, sério – considere a hipótese de termos feito um deslocamento no espaço-tempo. Procure algumas estrelas conhecidas e faça uma interpolação matemática das órbitas. Isso deve resolver o problema.
De olhos arregalados, o físico balbuciou um sim senhor e desligou.
– Senhor – murmurou Nobuntu, assustado. – Isso não pode ser possível!
– Parece bem impossível, meu caro Coronel – disse o superior e amigo. – Mas, em problemas como este, procure eliminar os fatores que não o envolvem e o que sobrar, por mais impossível que pareça, deve ser a resposta adequada.
Daniel levantou-se e colocou a mão no ombro do Nobuntu, dando um sorriso preocupado.
– Procure obter informações – continuou o superior – que eu vou ver no nosso passageiro inusitado. Desconfio que ele pode ser a chave.
― ☼ ―
Preocupado, foi caminhando para o hospital da nave. Ia tão atribulado e introspectivo que alcançou a entrada sem se dar conta. Quando a porta foi aberta, quase colidiu com um robô que saía. Saltou para o lado, ao mesmo tempo que a máquina fazia o mesmo no sentido oposto, e entrou. Encontrou a mulher ao lado de um leito. Aproximou-se e suspirou.
– Então, amor – disse Daniel –, alguma informação?
– Ele está apagado e vai continuar assim por um tempo razoável, Dan – respondeu a doutora. – Esse sujeito está todo rebentado por dentro e, por duas vezes, já precisei de usar os meus dons para o salvar da morte.
Daniel aproximou-se mais e observou o estranho. Notava-se que tinha um físico atlético e muito bem tratado. Tentou acessar a sua mente, e, espantado, virou-se para a mulher.
– Dani, esse cara tem uma barreira mental impenetrável! – exclamou, surpreso. – Nunca vi isso. Será que é portador de alto grau? Nem mesmo a tua barreira pode me impedir, se eu forçar, e ele nada!
– Deixa ver os exames genéticos, amor – disse a esposa, tocando na tela do aparelho ao lado da cama. – Não, não é portador. Mas tem algo estranho com ele. Tem uma mutação curiosa no código genético ou é parente afastado nosso sem ser diretamente descendente do homo-sapiens. Mais um pouco e nem passaria por humano!
Nesse momento, o sujeito começou a se mexer e a delirar, provavelmente cheio de dores. Falava uma língua desconhecia, mas o casal entendeu muito bem uma palavra que ele disse: Eduarda.
– Amor, era um idioma estranho, mas ele falou uma palavra em português!
– Sim – concordou Daniel, curioso. – Parecia que chamava uma tal de Eduarda.
– Tem como acordar esse sujeito?
– Daniel, ele está em péssimo estado – explicou a esposa, bem contrariada. – Era para estar morto! Me deixa tratar dele ao meu modo, mesmo que demore um pouco mais. Eu não desejo esgotar as minhas energias porque pode ser que eu seja necessária em algum lugar, tendo em vista o que aconteceu.
– Tá bom, princesa, mas cuidado com ele – pediu o marido, ainda muito preocupado com tudo. – Ele pode vir a ser bem perigoso.
― ☼ ―
Já estavam parados no espaço há cinco dias. Segundo os astrônomos, as tentativas de obter um cálculo temporal fracassaram todas por falta de uma referência. Todos os dias o almirante ia ver o passageiro acidentado, que parecia melhorar bastante. Depois, voltava para a ponte e analisava todo o espaço em volta. Dez naves auxiliares saíram para fazer análise dos sistemas mais próximos e deveria retornar em poucas horas. Nesse momento, a voz da esposa surgiu no comunicador:
– Doutora Chang para Almirante.
– Oi, Dani – respondeu ele, sorrindo para a imagem à sua frente.
– Ele acordou e entende português.
– Ok. – O final da palavra foi dito já no hospital porque o imperador teleportara sem perder tempo, aparecendo no gabinete da mulher. – Então, disse alguma coisa?
– Está sem memória – respondeu a Daniela. – Primeiro falou aquela língua estranha, mas depois, como se não falasse português há muito tempo, respondeu.
– Vamos vê-lo, então – disse Daniel, decidido. – Estamos muito encrencados e, querendo ou não, ele está envolvido nisso.
Segundos depois, estavam ambos de frente ao estranho. Ele permanecia quieto, na cama, mas quase sentado. Vendo-o limpo e desperto, parecia bem diferente. Tinha olhos cinzentos, prescrutadores, e aparência limpa, além de aparentar ser dono de uma grande força física. Por causa dos cabelos e barba loiros, parecia um nórdico, embora do sul do Brasil tivesse muitas pessoas assim. O sujeito observava o imperador com igual atenção.
– Oi, consegue me entender? – perguntou, sério. Ao ver a anuência com a cabeça, continuou. – Sou o almirante Daniel e gostaria que me explicasse o que faz na minha nave e como entrou aqui enquanto estávamos no espaço intermediário.
– Desculpe, mas não entendo nada do que disse – respondeu o clandestino. – Não sei como vim parar aqui; nem mesmo sei quem eu sou! Peço que me desculpe se o contrario com isso, mas estou certo que não é intencional.
– O senhor é telepata?
– Eu? – perguntou, franzindo a testa. – Deveria ser?
– É possível, meu caro – respondeu Daniel, cada vez mais ressabiado e energético. – Onde aprendeu um bloqueio tão impenetrável?
– Olhe, meu camarada, eu não entendo nada do que diz...
– O senhor entrou clandestino em uma nave militar do Império do Sol e provocou, de alguma forma desconhecida, um acidente de proporções inimagináveis. Para piorar as coisas, não conseguimos contato com nada nem ninguém. Eu sinto muito, mas o senhor ficará sob custódia até resolvermos isso. – O almirante ergueu o pulso e falou para o relógio, dizendo, um pouco mais alto. – Daniel para marines. Quero dois vermelhos na enfermaria o quanto antes.
O sujeito sentou-se na cama e encarou o imperador. Abanou a cabeça e disse:
– Confesso que não sei o que aconteceu, mas tenho a certeza de que não faria algo de mal. – Encolheu os ombros e continuou. – Se deseja me prender, faça bom proveito, mas eu gostaria de me vestir.
Daniela deu-lhe um uniforme da frota e disse:
– As suas roupas estavam muito estragadas e foram destruidas. Use este conjunto e pode se trocar naquele recinto.
Ele entrou e, pouco depois, retornou vestido. Pôs a sua mão na cintura e apalpou.
– Engraçado – disse, pensativo. – Tenho a sensação de que me falta algo.
Daniela apontou para uma cadeira ao lado da cama e ele viu uma espada. O estranho pegou-a e colocou na cintura, sem ser impedido pelo casal.
– O senhor usava isso quando chegou aqui – disse a doutora Chang. – Pelo jeito a sua amnésia deve ser reversível.
Dois homens entraram e colocaram-se ao lado do seu líder. Daniel disse:
– Levem-no para um quarto de contenção. Tratem-no bem, mas não deve sair até eu resolver os problemas em que nos metemos.
― ☼ ―
Daniel retornou para a ponte em um salto de teleportação. Ainda muito preocupado, teve uma ideia e disse:
– Computador, grava a seguinte frase – pediu. Usando a sua memória eidética, repetiu a sequência de palavras desconhecidas que o estranho passageiro dissera, quando inconsciente. – Pausa. A ordem é: tentar identificar origem e traduzir o que foi dito.
– "Pesquisando nos bancos de linguística, senhor" – disse a máquina. – "Idioma identificado: é celta. A frase em questão não faz sentido. Segue tradução: aspas; socorro meu amor, dói tudo. Eduarda não sei se voltarei a te ver, amada. Talvez eu não seja mais eu. Dói, dói muito, acho que vou morrer, Eduarda, e nem sei o que se passa. Eu te amo. Não acho que seja obra dos Atlantes, não pode. Cuida das nossas filhas, minha Eduarda, caso eu não volte. Fecha aspas. Depois tem algumas outras palavras sem sentido, provavelmente por inconsciência do autor."
– Computador, arquivar tradução e mandar para doutora Chang. Obrigado.
Daniel olhou para o comandante da sua nave e ergueu o sobrolho, em um ar interrogador. Ambos conheciam-se tão bem que não precisavam muitas palavras. Nobuntu virou-se e disse, para os seus homens.
– A tripulação deve se preparar para um deslocamento em breve.
– Sim – concordou Daniel, pensativo. – Vamos subir na elíptica da Galáxia para fora dela e procurar identificação visual da nossa posição. Por enquanto em sub-luz.
Algum tempo depois, a gigantesca esfera de dois mil e seiscentos metros de diâmetro começou a acelerar. Apesar de atingir a velocidade da luz em míseros seis segundos, ainda ia demasiado devagar para os padrões que era capaz de tolerar.
― ☼ ―
Na prisão, o estranho passageiro permanecia sentado na cama, pensativo. Ainda sentia-se um pouco fraco, mas viu algumas frutas e água em uma mesa de frente à cama em uma mesa simples. Serviu-se e logo começou a sentir a melhora. Pouco depois, notou que havia uma janela e foi até ela, descobrindo que aquilo era o espaço, coisa que o espantou. Nesse momento, ele sentiu-se muito espantado, mas, pouco depois, a imagem do espaço mudou, ficando cinza leitosa com nuances púrpuras em volta. Nesse momento sentiu uma dor lancinante na cabeça e caiu ao solo, berrando desesperado de tantas dores.
A porta da prisão abriu-se e ambos os dragões vermelhos entraram, procurando ajudá-lo. Um deles berrou para o ar:
– Computador, chamar doutora Chang para este recinto com urgência. Emergência médica.
Ambos correram para o ajudar a levantar quando o sujeito parou de se debater bem no momento que o ergueram. Ele abriu os olhos e viu ambos os captores, sem se dar conta que o desejavam ajudar. Nem nessa hora ele lembrou-se de muitas coisas, mas a primeira providência foi lançar os dois marines contra a parede. Atordoados ergueram-se, mas ele levantou a mão e ambos sentiram-se atirados de volta, ficado imobilizados a meio da parede.
Bem nesse momento, a doutora Daniela Chang chegou ao camarote em um salto de teleportação, vendo o prisoneiro atacando os guardas. Estava tão preocupada que não notou que ele usava as mãos nuas, mas que em uma delas, um raio branco atingia os marines. Reagindo de imediato, gritou:
– Daniela para Almirante, urgente. O clandestino está armado e fora de controle. Atacou os guardas e...
Nessa hora, ele virou-se e o raio branco atingiu-a. A doutora Chang desmaiou sem saber o que aconteceu.
― ☼ ―
– Nobuntou – disse Daniel, decidido. – Está autorizado o mergulho, mas mantenham um rumo que nos permita voltar aqui sem erro.
– Estamos com todo o caminho muito bem registrado, senhor. Não há hipótese de falha.
– Perfeito, executar.
Poucos minutos depois, o comunicador deu o alarme:
– "Daniela para Almirante, urgente. O clandestino está armado e fora de controle. Atacou os guardas e..."
– Alguma coisa aconteceu com a Dani – disse Daniel, correndo para o armário de armas e pegando uma mochila energética de terceira geração. – Alarme geral, Nobuntu.
Daniel não chegou a ouvir resposta alguma, até porque sentiu na mente a confirmação do comandante, mas saltou direto para a contenção. Encontrou a esposa e os guardas inanimados. Assustado, aproximou-se dela e verificou os sinais vitais, mas notou que estava bem. Pegou-a ao colo e levou para o setor médico, pedindo ajuda. Assim que a esposa foi deitada no scanner, fez o mesmo com os dois guardas.
– Computador – disse, zangado. – Ativar todas as câmeras de segurança e localizar o passageiro clandestino e transferir imagens para o meu dispositivo móvel.
Nesse momento, o relógio do Almirante passou a transmitir um holograma tridimensional com diversas imagens que se alternavam em alta velocidade. Confiando na máquina que ele mesmo desenhou junto com o primo, virou-se para a esposa. O médico acabou o diagnóstico e disse:
– Os três estão bem, majestade – deu um pequeno sorriso. – O que quer que ele tenha feito, não teve intenção de matar. Deverão acordar em breve.
– Obrigado, doutor – disse Daniel, aliviado. – Por favor, diga-lhes que descansem bastante, incluindo a doutora Chang.
– Falar é fácil, Alteza, mas a doutora tem uma personalidade forte demais e não creio que me dê ouvidos.
– É, meu amigo, eu sei muito bem. Afinal somos casados – sorriu para o médico. – Apenas diga que eu pedi. Agora vou caçar esse sujeito. Obrigado.
– Claro, Majestade – disse o médico fazendo uma mesura e virado-se para os três pacientes.
Daniel saiu andando porque a nave era tão grande que ele não deveria ter ido longe sem a conhecer.
– "Senhor" – disse o computador. – "O suspeito está no hangar doze."
Daniel olhou para a imagem na tela holográfica e preocupou-se ainda mais. Aqueles hangares abrigavam os novos destroyers, naves de guerra de cem metros de diâmetro, mas com um poder destrutivo tão grande quanto a Atlântida e que poderiam ser controlados por um único homem.
Às pressas, saltou para lá, olhando para o sujeito que estava de frente para a nave de guerra, observando-a com atenção.
– Pare imediatamente – bradou Daniel, imperativo. – Renda-se e não reaja para o seu bem.
Ele virou-se e ficou cercado por um campo de força verde, espantando o almirante.
– Quem são vocês, de onde vieram? – perguntou ele. – Como vocês falam português se estão em naves espaciais gigantescas?
– O senhor não está em condições de questionar nada – disse Daniel, muito zangado. – Que direito acha que tem atacando uma médica que nunca lhe fez mal, antes pelo contrário, salvou a sua vida?
O almirante supremo avançou e o sujeito ergueu uma mão. Um raio saiu do nada e atingiu o campo de força gerado pela mochila que entrou em sobrecarga, para grande susto do Daniel. Ele saltou para o lado e atacou com a força interior do dragão branco, mas com força moderada. O inimigo foi projetado para longe e desequilibrou-se. Antes que Daniel pudesse avançar, o sujeito levantou-se e desapareceu no ar.
– Computador, continuar procura – ordenou o Almirante. A seguir, ergueu a voz e continuou. – Daniel para tripulação: o nosso passageiro clandestino evadiu-se e é perigoso. Se alguém que não seja dos marines o vir, deve afastar-se o mais rápido possível e alertar o comando. Aos marines, usem mochilas energéticas e capturem-no vivo.
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