Capítulo 1 (rascunho)
Daniel olhava com muito orgulho para a sua nova nave, a Atlântida. Ele desenhou-a para ser a resposta definitiva aos povos que por ventura tentassem chegar aos limites do Império atirando primeiro e perguntado depois. Era o primeiro Supercouraçado da série e estavam em vias de fazer o último voo de teste antes de se iniciar a produção em série nos estaleiros da Lua. Outra coisa que ele pensava era transferi-los para Marte ou Vênus. A base selenita tornara-se demasiado pequena para as forças armadas do império. Marte já possuía uma base da frota, a principal, e talvez fosse melhor usar Vênus para a construção das naves. Era um mundo tão inóspito que seria um perfeito esconderijo para os estaleiros militares. Na volta, começaria a pensar no assunto. Olhou para aquela montanha de metal de dois mil e seiscentos metros de diâmetro e sorriu, aproximando-se da eclusa polar. Lá, o seu melhor homem controlava o abastecimento de certos itens necessários e que ainda não tinham sido carregados.
– Oi, Nobuntu – disse, sorrindo para o gigante de ébano, comandante da sua nave. – Como vão as coisas?
– Tudo em ordem, Almirante – respondeu o amigo. – A nave está pronta e abastecida com tudo o que precisa para operação normal. Em outras palavras, podemos passar anos no espaço.
– Perfeito, meu amigo – disse Daniel, pondo a mão no ombro do coronel Nobuntu. – Este teste será o definitivo. Faremos um passeio bem longo. Acho que vamos às galáxias vizinhas e, na volta, uma pausa no planeta Esperança.
– Esse mundo devia ser chamado de Paraíso, senhor – comentou o comandante, sorrindo. – É um dos mais belos que já vi.
– Concordo. Bem, vou até à minha cabine e depois para a sala de comando. A partida é – olhou o relógio –, em duas horas. O João já está de prontidão na Dani. Vemo-nos depois.
Nobuntu acenou com a cabeça e o imperador deu um pequeno impulso para cima. O sensor notou e ativou um campo gravitacional que o puxou pelos vinte metros de altura até à gigantesca comporta. Cumprimentou os seus homens e pegou um corredor que levava ao elevador gravitacional principal. Antes de ir para a cabine, passou no hospital e, quando a porta se abriu, deu de cara com a esposa, Daniela Chang, saindo.
– Oi, amor – disse ela, sorrindo e beijando-o. A seguir, passou para a telepatia e continuou. – "Aqui está tudo em ordem. Estava indo ver o bebê. Tá na hora de mamar."
– "Vou contigo" – disse o marido, feliz. – "Ia mesmo para lá porque quero trocar de roupa."
Sempre de mãos dadas, o casal foi para a cabine, perto da sala de comando. Por ser o almirante supremo, era quase um pequeno apartamento, composto de um quarto, banheiro e sala, tal como todos os líderes em comando.
― ☼ ―
A gigantesca esfera negra decolou devagar, erguendo-se majestosa do espaçoporto particular da Cibercomp. Na sala de comando, Daniel observava tudo, sentado na sua poltrona posicionada em destaque ao lado do comandante. Só pelo seu sorriso notava-se que estava tudo na mais perfeita ordem. Um minuto depois, a Dani decolou. Ela seguiria junto como nave de apoio para o caso de uma pane grave. A Atlântida tinha muitas inovações, em especial os novos reatores aperfeiçoados dos modelos lafitas, menores e muito mais potentes. Outra novidade era o dispositivo de segurança que protegia tanto os tanques de antimatéria quanto os dutos e as câmaras de conversão onde as potentes reações aconteciam e que convertiam a antimatéria em energia e outras coisas, como oxigênio.
– Estamos no espaço – disse o piloto. – Acionando jatopropulsores. C em seis, cinco, quatro, três, dois, um, c...
– Rumo correto – informou o navegador. – Estamos dentro da janela e saindo do plano da elíptica. A Dani já está ao nosso lado. Estou passando a rota para eles.
– Muito bem – disse Nobuntu. – Qual o ponto de mergulho?
– Mergulho em trinta minutos, senhor – respondeu o navegador.
– Nobuntu para engenharia – disse o comandante, elevando a voz e fazendo o computador transmitir a mensagem para o setor adequado. – Qual o status?
– Estamos no verde, senhor – disse o engenheiro chefe, todos os reatores ok em potência mínima. Até hoje, ainda não tivemos problemas de qualquer tipo, mesmo quando o Almirante decidiu volatizar aquele planetoide há dois dias.
Nobuntu e alguns tripulantes da sala de comando riram, enquanto Daniel deu um sorriso leve.
– Isso é muito bom, senhor Kama – comentou o almirante, divertido. – Afinal é preferível volatizar uma rocha gigante do que uma frota de naves, mesmo se forem inimigos.
– Tem razão, senhor. – Kama riu. – Pretende volatizar algo?
– Espero que não, senhor Kama – respondeu Daniel, sendo bem sincero. – As armas da nave já foram todas testadas. Agora vamos para voos muito longos. De qualquer forma, iremos para o Escultor e lá há inimigos. Não custa estar preparado.
– Atenção para mergulho em dez segundos – disse o navegador, olhando a tela. – Nove, oito...
Quanto chegou ao quatro, o coronel Nobuntu destravou o motor e a nave entrou na sexta dimensão, devorando muitos anos-luz por segundo.
– Tempo até emersão? – perguntou Nobuntu.
– Duas horas, senhor – disse o navegador, consultando o terminal na sua mesa. – Emergiremos na periferia da Galáxia para reorientação e avaliação.
– Ótimo – disse Daniel, levantando-se e espreguiçando. – Eu vou comer algo e descansar uma hora que não durmo nada faz uns dois meses. Nobuntu, qualquer coisa chama.
– Claro, senhor, fique descansado.
― ☼ ―
A porta do refeitório que atendia os níveis da ponte de comando, artilharia e astronomia abriu-se e Daniel deu de cara com a esposa sentada em uma mesa bem de frente para ele e com refeição para dois. No rosto ela tinha um ar alegre e convidativo. Daniel aproximou-se e fez uma vênia.
– Esta bela dama, a mais bela da Galáxia, está aguardando alguém ou posso me sentar com ela? – perguntou, brincalhão. – Eu adoraria desfrutar bons momentos a dois.
– Seu bobo – disse a Daniela, rindo e puxando o marido para o beijar. – Eu sabia que tu virias aqui e escolhi a nossa refeição.
– Essa é a minha doutora – brincou Daniel, sentando-se. – Está tudo às mil maravilhas, meu amor. Esta nave promete e muito.
– Isso é ótimo – comentou a Daniela. – Nunca te vi demorando tanto com um projeto quanto esta nave, mais de um ano!
– Foram muitos aperfeiçoamentos, Dani. – O imperador bebeu um pouco de suco de frutas. – Eu também confesso que não tinha pressa, mas acho que ela pode vir a ser a resposta definitiva a qualquer futuro agressor. Os couraçados são muito bons e eles já impõem respeito, mas este supercouraçado pode vencer guerras sem lutar, meu anjo.
– Precisas de descansar, amor – disse a médica chefe, após terminarem de comer. – Que tal deitares por umas horas?
– Eu avisei Nobuntu que ia descansar uma hora – concordou o marido, levantando-se. – Também vais?
– Claro – disse a Daniela, pegando a sua mão e fazendo ambos desaparecerem no ar para surgirem na cabine.
― ☼ ―
– Que barco maravilhoso – comentou Nobuntu, muito feliz em comandar a nave. – E eu que pensava que nada superaria a Dani. Ainda bem que o Almirante está do nosso lado.
– Com certeza, senhor – disse a operadora de comunicações, virando o rosto para o comandante. – Se fosse aquele paspalho do Saturnino, já teríamos sido destruídos. A única coisa boa que ele fez foi nomear o Almirante como Imperador.
– Concordo – disse Nobuntu. – Desde que ele assumiu o Império, nunca estivemos tão consolidados e fortes. Agora temos até uma colônia em outra galáxia!
– Senhor, chamado da Dani.
– Na tela.
A imagem do coronel João apareceu em três dimensões de realidade ampliada, parecendo que ele estava ali presente.
– Oi, Nobuntu, o meu primo saiu?
– Foi comer e descansar um pouco, Coronel – respondeu o comandante para o confrade. – Quer que o mande chamar?
– Não, Nobuntu, sei que ele não dorme há um tempão. Era apenas para saber como estão indo. O vosso voo parece muito homogêneo.
– Melhor impossível, senhor – disse o africano. – Tenho a certeza de que não há motivo para preocupações.
– Estou de acordo, meu camarada, mas estamos de olho e, com os equipamentos, registrando tudo.
― ☼ ―
João terminou o diálogo, sentou-se na sua poltrona e relaxou um pouco. Olhava para as telas da Dani e via a mancha borrada do que seria a Atlântida. Para a poder ver de fato, precisaria de olhar nas telas dos super-radares porque estavam em voo de mergulho.
Ia falar algo quando um abalo atingiu a gigantesca nave disparando diversos alarmes. Os equipamentos de segurança entraram em atividade, concentrando energia adicional para os neutralizadores de inércia, de modo a proteger os tripulantes, mas João reagiu ainda mais rápido ao ver que a nave do primo desapareceu das telas. Com uma pancada no sensor de paragem de emergência, gritou:
– Tripulação, alerta vermelho. Preparar para combate. Rastreamento, o que aconteceu? – perguntou. – A Atlântida sumiu das telas. Alguma coisa nos atacou a nós ou a eles.
Com os propulsores em regime de sobrecarga e com todos os campos de força ativos, a gigante de mil e trezentos metros de diâmetro parou enquanto as equipes de rastreamento e combate analisavam tudo.
– Senhor, a nave sofreu algum tipo de abalo provocado por forças desconhecidas. Não sabemos se direta ou indiretamente. A nave do almirante desapareceu e não está nem mesmo nos supertransponders. É com se nós estivéssemos sozinhos desde o início.
– Navegação, verificar o rumo – ordenou o coronel, olhando para a esposa. – Alguma coisa, Dani?
– Estamos exatamente onde deveríamos estar – comentou a navegadora. – A Dani não saiu um microsegundo de arco do caminho.
– Comunicaç...
– Não respondem, senhor – disse o responsável. – Já chequei os equipamentos e estão bem.
– Nesse caso – disse ele, aflito –, só pode ter acontecido algo com a Atlântida.
– Senhor – disse o oficial do rastreamento. – Não há vestígios de combate nem de destruição da nave. Não temos qualquer tido de destroço. É como se a Atlântida nem tivesse vindo conosco.
– João para tripulação – disse, acionando os comunicadores internos de toda a nave, incluindo os individuais. – Alguma coisa aconteceu e pode ser muito séria. Quero os chefes do departamento de ciências, combate e astronomia na sala de reuniões da ponte imediatamente.
― ☼ ―
Daniel dormia tranquilo ao lado da esposa que aproveitou para uns minutos de sono quando um solavanco forte atingiu a nave, tirando-o para fora da cama em meio a pequenas alterações gravitacionais e o barulho infernal dos alarmes de catástrofe. Reagindo por instinto de anos de treino, estendeu uma mão para o lado a tempo de pegar o filho de poucos meses no ar. Enquanto, com a outra mão procurava apoio e tentava segurar a esposa com um dos pés. Assim que a mulher estava equilibrada, colocou o filho nas suas mãos e teleportou-se para a ponte de comando enquanto o computador gritava:
– "Alerta de catástrofe eminente. Alerta de catástrofe eminente. Falha crítica no reator quatro e desalinhamento no duto de antimatéria. Risco de destruição total em noventa segundos."
Ao ouvir isso, deu meia volta e correu para a saída, teleportando a seguir para a engenharia que era quase um quilômetro abaixo. Dentro daquela gigantesca sala circular com mais de cem metros de diâmetro e vinte de altura, o caos parecia completo. Havia alguns homens caídos no chão, mas ninguém ainda teve tempo para lhes dar atenção. Robôs e técnicos estavam debruçados, lutando para evitar a destruição da nave.
– Precisamos de realinhar por dentro – gritava o engenheiro chefe, assustadíssimo. – Onde está o robô de microalinhamento?
– Destruído, chefe – disse um homem. – Temos noventa segundos antes do colapso.
– Dê ordem de evacuação da nave – disse Adytia Kami, triste.
– Calma, minha gente – disse Daniel, aparecendo e trazendo alívio a todos. – Eu consigo realinhar, se me ajudarem. Computador, silenciar alarmes.
Um silêncio benfazejo aliviou a todos. Vários homens seguravam um duto com uma válvula magnética.
– Usarei meus dons telecinéticos para reposicionar, mas preciso que me orientem.
Todos ficaram em silêncio enquanto o engenheiro olhava uma tela e Daniel concentrava-se, fechando os olhos e estendendo os tentáculos mentais que percebiam tudo, como se fosse o tato das mãos. Sentiu logo os canhões geradores dos campos de contenção.
– Estou lá – disse, tranquilo. – Qual dos canhões?
– O terceiro, contando a partir do superior, senhor.
– Certo. – Igor concentrou as energias nele. – Para que direção?
– Bem devagar... para o centro... foi demais, senhor... isso, mais um pouco... pronto. – O engenheiro riu. – Agora, gente, encaixem o tubo no duto de alimentação secundário.
– Chefe – pediu Daniel. – mantenha apenas o suporte de vida até eu ordenar o contrário. Precisamos entender o que aconteceu. Eu mesmo desenhei esse conjunto e sei que só teria desalinhado se fosse mexido por dentro. Aguenta impactos de quase um milhão de gs. E coloque na lista de necessidades para a produção em série que devemos ter mais de um robô alinhador. Na dúvida, uma dezena deles, já que são relativamente baratos. Repensem também, em uma forma de armazenamento deles que minimize o risco de destruição
– Sim, senhor. Acho que agora pode ficar tranquilo quanto à engenharia. Vou mandar a equipe de limpeza dar um jeito nisto aqui e informarei qualquer alteração.
– Obrigado. Vou para a ponte, mas fiquem atentos – pediu o Almirante. A seguir ergueu a voz. – Daniel para equipe médica, é possível que haja feridos na engenharia, favor mandar apoio imediato, obrigado.
― ☼ ―
De volta à ponte de comando, Daniel disse:
– Senhores, a ameaça foi resolvida, mas precisamos descobrir o que a provocou. Nobuntu, relatório.
– Almirante, foi algo muito estranho. Era como se algo tivesse colidido com a nave. Logo após o choque, fomos atirados longe das cadeiras e a nave voltou a espaço Einsteiniano. Depois disso, os alarmes de catástrofe dispararam e a energia desligou, voltando com o gerador auxiliar.
– Senhor – disse um dos cientistas do observatório, entrando na sala de comando, aflito. – Nós estamos completamente fora da rota e a Dani desapareceu!
– Daniel para engenharia. Ativar reatores em sequência lenta para avaliar possíveis problemas. Comandante, parar imediatamente a nave assim que estiver em condições de manobrar. Quero um checkup completo da nave e tentativa de contato com a Dani ou a Terra, se não conseguirem. Tentem localizar o ponto onde a catástrofe ocorreu com o máximo de precisão, por favor, uma vez que isso pode ser muito útil.
Parou de falar e sentou-se, pensativo. O que mais o preocupava era o fato de que nada daquilo poderia ter ocorrido. Deu um profundo suspiro de alívio quando a esposa mandou uma mensagem telepática dizendo que não houve feridos graves, apenas algumas torções e luxações. Nesse preciso momento, recebeu outro chamado:
– Engenharia para comando e hospital. Temos um homem ferido e não é tripulante da nave. Repito: é um clandestino.
Reagindo imediatamente, Daniel saltou para a engenharia, enquanto Nobuntu corria para lá por vias normais. Viu vários dos seus homens em volta do reator mais afastado e correu para lá. Atrás do gigantesco gerador de energia e todo torto, um sujeito estava inconsciente e, aparentemente, em muito mau estado. Sentiu a esposa atrás dele, carregando uma maca gravitacional. Afastou-se para o lado e ajudou-a a colocar o clandestino na maca. Para evitarem danos, usaram a telecinesia para o mover. A seguir, observaram-no, abismados. Era um homem de pouco mais de um metro e oitenta com corpo atlético e uma barba rala, loura. Vestia uma roupa toda branca, incluindo uma capa da mesma cor, além de portar uma espada lindíssima. As roupas, contudo, estavam destruídas. Ele mais parecia a encarnação de um espadachim do século XVII do que um sujeito normal. Tinha uma quantidade apreciável de escoriações e hematomas, além de, com toda a certeza, muitos ossos quebrados.
– Vamos – disse a esposa, puxando a maca consigo, sabendo que o marido desejava saber mais a respeito do intruso. Logo a seguir, desmaterializou, seguida do imperador.
Mas chegaram ao hospital, ela colocou o sujeito no scanner e assustou-se com o estado dele.
– Amor – disse. – Esse cara parece que foi atropelado por uma nave espacial de tão rebentado que está! Nem sei como tá vivo!
– Consegues tratá-lo?
– Claro, mas vai demorar um pouco a reagir.
– Tudo bem, mas tenta salvá-lo porque ele pode ser a chave do que aconteceu. Estamos fora do rumo e perdemos contato com a Dani. Eu vou para a ponte, mas me mantém a par.
Deu um beijo na imperatriz e saiu.
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