Capítulo 9 - parte 7 (não revisado)
Daniel corre olhando apaixonado para Jessy que faz alongamento no campo junto com Bianca. Nesse exato momento, uma sensação de perigo iminente apossa-se dele. Olha para cima e, aterrorizado, vê o dardo indo em direção à colega, ao mesmo tempo que treinador apita desesperado.
Numa reação instantânea, atira-se na direção dela com a maior velocidade que pode correr, alcançando-a em menos de três segundos. Infelizmente, o dardo também chega ao alvo e ele só pensa em uma saída. Dando um forte encontrão na Jéssica, que é atirada rolando a cerca de cinco metros, atravessa o caminho do objeto e nem tem tempo de retesar os músculos. O dardo entra no ombro, rasgando-lhe a carne numa dor insuportável, pois atinge parcialmente um nervo e atira-o ao solo, trespassado. Jéssica, que está de costas, pragueja em inglês:
– Oh shit, what do you thin... (Merda, o que você pen...) – Vira-se e vê Daniel caído com o dardo atravessado no ombro e o rosto crispado de dor. Desesperada, corre para ele e grita, ajoelhando-se ao seu lado. – HELP, HELP, oh my God. Oh please, don't die. (soccorro, socorro, oh Deus. Por favor, não morras.) – Começa a chorar enquanto Bianca também se ajoelha junto ao Daniel, tremendo muito e com os olhos marejados.
– Português, Jessy, português. – Sente muitas dores, fazendo uma careta e rogando uma praga em mandarim, embora ninguém preste atenção tamanho é o nervosismo geral.
– Sim, é que quando eu fico nervosa esqueço de falar português. Oh God (Oh Deus).
O treinador aproxima-se e abaixa-se para examinar Daniel que não consegue mexer o braço esquerdo, paralisado devido ao ferimento no nervo. Com a mão direita, segura a vara perto do ombro e, com o polegar, força a haste para quebrá-la. Em poucos segundos ela rebenta com um estalo, mas ninguém nota que isso é praticamente impossível para uma pessoa normal, mesmo que não esteja ferida.
– Ajudem-me a levantar, pois estou paralisado no braço esquerdo, mas não me toquem lá que as dores são muito agudas. – Jéssica, antes de qualquer um, ajuda-o e como é muito forte não tem dificuldade em levantá-lo; mas, dos seus olhos, não param de sair lágrimas dificultando-lhe a visão. – Não podemos tirar isto, senão terei uma hemorragia séria. Preciso ir ao hospital. Quem pode dirigir para mim?
– Vamos – afirma Jéssica, já mais controlada – eu levo. Tenho habilitação.
O treinador vira-se para Geovâni que se aproximou para ver e diz:
– Vá para casa. Amanhã às oito horas quero que esteja na sala do diretor junto com o seu pai ou responsável.
Jéssica ajuda Daniel a entrar no carro e ainda está muito nervosa. Ao sentar-se no banco do motorista, o computador de bordo reclama:
– Atenção. Você não tem autorização para usar este veículo. Identifique-se.
– Computador – diz Daniel. As dores estão cada vez piores e, estranhamente, sente-se muito tonto e fraco – libere os controles para ela. O nome é Jéssica e deverá ser habilitada em todos os acessos, sem restrições. Não há período de revogação. Obrigado.
– Jéssica. Acesso irrestrito garantido. Pode conduzir.
– Pronto, Jessy, vamos. – Ela sai, com o carro e ele indica a direção enquanto pega o telefone com dificuldade, deixando-o cair duas ou três vezes, até que logra ligar para Lee. – Mestre, desculpe incomodar no seu feriado, mas é uma emergência. Estou muito ferido e preciso de ajuda. Vá para a minha casa, por favor, é muito urgente.
– Mas não vamos para o hospital?
– Não. Mestre Lee é um monge Shaolin. Ele é médico.
Quando chegam à casa dele o portão abre-se e Dan indica o caminho da garagem. Ela fica impressionada com a beleza do terreno e descobre que é um dos lugares com que sonhava. Cinco belíssimos cães, latem alegres ao verem o carro chegar.
– Não saias, Jessy. Os cães são muito perigosos. Espera. – Com um esforço hercúleo, sai do carro. Cada vez mais tonto e fraco, caminha em volta, apoiando-se no veículo até chegar ao lado dela. Ofegante e incapaz de se manter ereto, diz aos cães, apontando para Jéssica e já com a voz muito fraca. – Amiga. Jéssica, podes sair. Ajuda-me que estou muito mal.
Termina de falar e a vista começa a ficar turva, com a cabeça girando e caindo no chão. Desesperada, a americana ajuda-o a se levantar, agarrando-o pelo lado bom. Com muita dificuldade, Daniel ergue-se e ela apoia-o para andar, notando que o amigo encontra-se no limite final, pois está prestes a cair novamente. Apesar da força, tem dificuldade em ajudá-lo, uma vez que o dardo saiu pelas costas. Ao fim de uns vinte metros, Daniel para de andar e começa a desfalecer no momento em que um senhor chinês, muito alto e com olhar bondoso entra pelo portão. Corre e pega o jovem ao colo como se o mesmo fosse uma pluma.
– Venha, querida. O ferimento deve ser muito grave para ele estar neste estado, vamos, rápido.
Mestre Lee entra em casa e leva-o para a cozinha, pondo-o deitado de lado na mesa. Corre para o andar de cima e volta com bandagens e uns frascos que contêm um monte de pozinhos. Em uma cumbuca, faz uma mistura de alguns destes e junta água filtrada. Em outra, faz nova mistura.
– Jessy – Daniel chama-a com a voz muito fraca – é melhor ligares para os teus pais. Eles podem preocupar-se.
– Claro, tens razão. – Pega o telefone e liga para a mãe. – Mom. There was an accident... No, I'm ok. It's Daniel... He saved my life but he's seriously injured... Yes, I tell you later, but I'll stay with him for now. Bye mom, I love you. (Mãe. Houve um acidente...não, eu estou bem. É Daniel. Ele salvou-me a vida, mas está muito ferido. Sim, eu contarei tudo mais tarde, mas por hora, ficarei com ele. Adeus, mãe, amo você.)
– O que houve, meu filho – pergunta Lee, preocupado e falando em mandarim – como isto foi feito?
– Fale português, senão, ninguém entende.
– O que houve, filho – ele compreende o recado – isto não deveria ter acontecido!
A garota ainda fala ao telefone, mas Daniel não sabe que ela tem uma audição tão perfeita quanto a sua.
– Eu atirei-me à frente do dardo – Daniel está quase sem consciência e fala baixo, sem força – calculei a trajetória dele e vi que ia acertá-la no coração. A morte dela ia ser instantânea e fiquei em choque ao me dar conta que eu estava deixando escapar uma nova chance de ser feliz. Eu não ia suportar perdê-la, não outra vez. Preferia morrer no lugar dela. Quando isso ocorreu, perdi um segundo. Esse tempo perdido é o preço que estou pagando agora.
― ☼ ―
Jéssica ouve isso abismada, uma revelação bem explícita e fica sem reação.
– Senhor Lee, ele vai ficar bem? – Pergunta, quando desliga o telefone. Os olhos dela estão alagados e ela segura a sua mão.
– Vai, querida. Daniel tem um metabolismo especial. Se fosse um ferimento comum amanhã já estaria curado, mas este é muitíssimo grave. Atingiu um nervo que faz o coração trabalhar e outro do sistema nervoso do braço. Vai levar uns dois dias para ficar bom.
– Oh my God, please Daniel, stay with me. – Ela começa a soluçar. – You're the only one that I care. Please don't go. I love you so much! (Oh Deus, por favor Daniel, fica comigo. Tu és o único com quem me importo. Não te vás. Eu te amo tanto!)
– Português, Jessy. – Ela não para de chorar. – Calma, vai passar.
Mestre Lee manda-o beber uma poção. Por dentro, diverte-se ao vê-la falar coisas sem saber que ambos falam fluentemente inglês e só não sorri porque está demasiado preocupado. Depois, prepara outra coisa com parte das ervas que trouxe, colocando em uma compressa. Daniel começa a ficar zonzo e a rir.
– Jéssica – pede – segura-o com força que nele a anestesia não vai durar mais de um minuto.
Ela, ainda chorando, agarra-o firmemente. Mestre Lee segura o toco do dardo e antes que alguém respire, puxa-o com energia. Este sai, junto com um jato de sangue e a dor que Daniel sente é extrema, contorcendo-se violentamente. Por um segundo, o bloqueio mental cede e perde parcialmente a consciência. A coitada da Jéssica recebe de soco a carga de dor com tanta intensidade que recua com um grito, agarrada ao próprio ombro e caindo inanimada no chão.
– Ela é telepata, mestre. – Diz, muito fraco. – Sentiu tudo pois eu não segurei o meu bloqueio mental.
Mestre Lee põe a pomada no ombro dele e usa as ataduras para ligar o braço. Depois, pega na Jéssica ao colo e coloca-a no sofá da sala.
– Precisas de dormir, meu filho. O teu corpo regenera-se com o sono. O teu pai sempre dizia isso.
– Acorde-a e leva-a para casa. Só então irei dormir.
Ele sacode a garota até ela acordar, que se levanta de um salto.
– Calma, querida. Ele vai ficar bom. Agora, precisa de dormir.
– Claro. Eu fico com ele.
– Jéssica – Daniel está de pé, muito fraco – não podes fazer nada agora e preciso dormir para me curar. Mestre Lee vai-te levar para casa e amanhã nos vemos.
– Mas...
– Não. Eu vou precisar de ti amanhã. Vai descansar.
– Ok – ela aproxima-se e beija-o nos lábios – tank you for saving my life. You're my hero and I loved you, since I saw you for the first time.
– Português, meu amor, português.
– Eu te amo. – Beija-o de novo e acompanha o chinês.
Mestre Lee leva-a para casa e ela permanece em silêncio, relembrando as palavras que ele usara ao falar com Lee, assim como chamara-a de meu amor. Sente na boca o sabor dos seus lábios e só fala para indicar a direção. Repentinamente, pergunta:
– Tem a certeza que ele ficará bem?
– Sim, querida, Daniel é muito especial, já lhe disse. Vai-se curar rápido. Certamente um rapaz comum teria morrido com uma parada cardíaca e ele teve muita sorte. Só estranho que, com as suas habilidades, não se tivesse safado.
– Foi muito rápido e acho que viu em cima da hora. Só posso dar graças a Deus que estivesse perto, pois eu estava bem no alvo. Espero que aquele imbecil seja expulso. Ele vive querendo brigar com Daniel e mexendo com as garotas.
– Ah... ele quer brigar com Daniel! – Mestre Lee dá uma gargalhada homérica, assustando Jéssica. – Por acaso o sujeito está cansado da vida?
– Mas ele é muito maior e mais pesado que o Daniel!
– Minha querida, as aparências enganam. Não existe homem vivo no mundo inteiro que possa derrotar Daniel, nem mesmo eu que o ensinei. Felizmente ele não é amigo de confusão. – Com outra gargalhada, Lee continua, mais para si do que para ela. – Bater em um Grande Dragão Branco, que hilário! O cara só pode estar cansado de viver.
– O que é um Dragão Branco?
– Isso não posso falar. Se Daniel quiser, poderá explicar. Desculpa mas acho que falei demais.
Estas palavras trazem a lembrança do que a Cláudia dissera sobre ser pacífico porém saber defender-se, sem falar no que o próprio Daniel ter dito quanto a estar preparado.
Quando chega a casa, a mãe está à espera, aflita, e fica preocupada ao ver a roupa toda manchada de sangue. Jéssica, porém está serena e feliz, mas ainda preocupada.
– O que houve, filha? – Pergunta, assustada. – Que sangue é esse na sua roupa?
– Ah, mãe, ele também me ama. Eu beijei-o e ele chamou-me de amor e...
– Filha – a mãe interrompe preocupada – quer fazer o favor de me dizer o que aconteceu?
– Desculpa, mãe. – Responde Jéssica, contando tudo.
– Podre rapaz!
– O pior não é isso, quando estou nervosa não consigo falar português. Ai, mãe, sabes o que ele disse para o senhor que tratou dele, esse que me trouxe para casa? Disse que viu que o dardo me ia matar e que não suportaria perder-me.
– Então, você arranjou um herói. – A mãe sorri. – Mas, filha, eu não gostei disso. Podia ter sido morta!
– Olha, mãe, o professor mandou o cara embora e amanhã tem que vir com o pai falar com o diretor. Ele é daquele tipo rebelde e violento. Com certeza será expulso do atletismo senão da escola, e os demais colegas são ótimas pessoas. Não me tires de lá mãe, não agora que encontrei a pessoa que venho procurando há tanto tempo. Sei que é ele, e será com ele.
– Bem, filha, falando sobre sexo nós já tivemos muitas conversas e eu confio no seu discernimento. Você sempre teve a liberdade de fazer o que quer; mas, mesmo assim, tome muito cuidado. Uma mulher apaixonada pode esquecer-se de muitas precauções.
Mãe e filha conversam mais um bom tempo, enquanto jantam. Elas têm um relacionamento muito franco e aberto, parecendo mais duas amigas. Jessy, empolgada, não para de falar do Daniel, da prova que ele fez tão rápido quanto ela, da equação tão cabeluda que ela nem saberia por onde começar e dos passeios. Já é tarde quando a mãe interrompe:
– Jessy, sei que não precisa de dormir muito, mas eu estou cansada. O seu pai vai passar o resto da semana no centro de pesquisas e eu vou dormir.
– Tá certo, mãe. A propósito, sábado de manhã um casal convidou-me para ir a um churrasco e virão me buscar. São os amigos do Daniel e acho que estão querendo armar para nós, pois ouvi o Dan conversar com Paulo confirmando qualquer coisa.
– Você vai gostar, amor. Um churrasco gaúcho é muito diferente dos americanos e muito melhor. Boa noite, filhinha, durma bem.
– Boa noite, mãe. – Jéssica está muito excitada com o que aconteceu e não tem sono, aproveitando para lavar a louça. Depois, vai-se deitar e dorme por umas poucas horas. Acorda ainda de madrugada e tenta acessar a mente do Daniel, mas ele está inconsciente. Levanta-se e veste-se para a escola, tomando café às pressas e saindo para a casa do seu amor. Quando chega à frente do portão, não quer tocar a campainha com medo de o acordar e chega à conclusão que agiu num impulso tonto, mas as coisas resolvem-se, pois mestre Lee, sai nesse momento. Ao ver a moça, diz-lhe:
– Daniel está acordado, podes entrar. Espera na sala.
– E os cães?
– Não te preocupes com os cães, querida. Ele já lhes disse que és amiga e só serão hostis se mudares de atitude. Age naturalmente que nada acontecerá. E lembra-te que Daniel precisa de dormir muito, então não o deixes sair pois está com o coração muito fraco. Tenho de ir, mas volto em breve. Adeus.
– Adeus e obrigada por tudo. Ontem, esqueci-me de agradecer pela ajuda.
– Não precisas agradecer. – Inclina-se para a moça e sai.
Jéssica acha a casa simplesmente um sonho e entra na sala, sentando-se e aguardando. Poucos minutos depois, Daniel fala-lhe nas costas, dando-lhe um senhor susto:
– De onde surgiste tu?
– Como é que eu não te ouvi se tenho ouvidos tão aguçados?
– Nem um felino é capaz de me ouvir, Jessy. – Daniel aproxima-se e Jéssica levanta-se, olhando para ele que sorri com os olhos brilhantes. Uma faixa prende-lhe o braço ao pescoço, mas não lhe tira nada da beleza, tanto interior quanto exterior. Nota que ele está diferente, mais parecido com o Daniel dos seus primeiros sonhos. Aproxima-se devagar e pega-lhe a mão.
– É verdade o que disseste para o senhor Lee ontem, sobre não me quereres perder?
– Eu também te amo. – Puxa-a para si e beija-a. – Não tive oportunidade de dizer isso antes pois estava muito confuso e tinha medo, mas não estou mais.
Jessy abraça-o com força e ele não reprime um gemido de dor.
– Desculpa. – Beijam-se novamente e, após alguns minutos, ele afasta-a.
– Temos de ir para a escola pois quero falar com o diretor para ver se salvo aquele idiota de ser expulso.
– Ele não merece outra coisa. Além disso, o senhor Lee disse que precisas de dormir muito.
– Não, meu amor. Não quero ser responsável pela destruição da vida dele. Olhemos o lado positivo: isso fez com que nos juntássemos e estamos vivos. Merece uma chance e, se depender de mim, vou ajudá-lo.
– És sempre assim, tão bondoso?
– Por que não? – Pergunta este. – Não é muito melhor ser assim do que guardar ressentimentos e amarguras?
– É sim. – Beija-o de novo. – Por que motivo a tua casa é decorada ao estilo oriental? Eu acho tão bonita!
– Vivi na China até aos treze anos e gosto assim. Acho que sou mais oriental que ocidental. Agora tem uma coisa que devemos combinar: vamos deixar isto em segredo por um tempinho.
– Por quê?
– Porque quero dar uma boa sacaneada com aqueles dois safados. – Responde Daniel com uma risada cristalina. – Onde já se viu usarem as minhas artimanhas contra mim.
– Acho que vais ter que me explicar.
– Cláudia não te convidou para um churrasco no sábado?
– Como sabes? Claro, eu já desconfiava, mas no intimo era o que desejava. Mas por que motivo tuas artimanhas?
Daniel conta sobre o que fizeram para unir o casal e termina:
– Foi muito engraçado e agora quero ver a cara deles quando descobrirem que o tiro saiu pela culatra.
O par vai para a garagem pegar o carro e só então Jessy vê a maravilhosa coleção de carros.
– Caramba, Daniel, quantos carros! Cada um mais bonito que o outro.
– É, mas para a escola eu sou discreto. – Abre a porta do BMW.
– Consegues dirigir?
– Sim, ontem eu estava muito ferido e o dardo saía pelas minhas costas. Não tinha como me encostar no banco. Agora, apesar de ainda estar com o braço paralisado, consigo dirigir. Só não posso fazer esforço por causa do coração. O mestre Lee vai ficar zangado comigo, se souber que saí pois estou muito fraco, mas amanhã estarei quase bem. Só que não quero que saibam da minha capacidade de recuperação e fingirei por uma semana.
Chegando à escola, estaciona, beijam-se longamente e, depois, separarem-se de modo a não darem na vista. Daniel vai direto para a sala do diretor. Bate na porte e pede licença.
– Senhor, posso falar uns minutos? – Estranhamente, sente-se fraco e cansado, coisa que jamais aconteceu. Tonto, quase cai na cadeira em frente ao diretor.
– Meu rapaz, não sei como agradecer pela catástrofe que evitaste. És um verdadeiro herói. Toninho contou como arriscaste a vida para salvar a menina. – Enquanto fala, o professor Antônio entra na sala.
– Senhor – principia Daniel – eu sei que Geovâni é um encrenqueiro, mas vim aqui para interceder por ele. Acho que já deve estar arrependido e não gostaria que a sua vida fosse destruída por minha causa.
– Bem, Daniel – Toninho toma a frente – só há uma pessoa responsável por essa destruição, que é ele mesmo. Todos sabem, desde a primeira aula, que não se faz arremessos com gente no campo. Eu vi a trajetória do dardo e sei que ia matar a americana na certa. Pouco faltou para te matar! – Abana a cabeça. – Eu não sei a decisão que José vai tomar, mas não o quero mais nas aulas de atletismo. Se tivesse sido um mero acidente, eu aceitaria, mas ele só arranja confusão e assedia todas as garotas. Definitivamente não o quero mais lá.
– Então, senhores. – Argumenta Dan. – Não seria isso um castigo suficiente? Deem-lhe uma chance de se redimir e, caso não mude, a decisão será vossa. Desta vez peço-lhes que sejam condescendentes.
– Está bem, Daniel, vou considerar isto como uma retribuição pelo teu sacrifício. Ele não será expulso do colégio, mas não poderá mais praticar atletismo. Só que, na próxima encrenca que arrumar, está fora.
– Obrigado, senhor. Fico feliz com a sua decisão. – Daniel inclina a cabeça. – Toninho, eu talvez precise faltar à sua aula sexta e segunda. Não tenho movimento na mão esquerda e o nervo do coração está ferido. Não posso fazer esforço até ele se regenerar sob pena de uma parada cardíaca. Agora mesmo, ao chegar, tive uma pequena tontura. Até nas aulas terei problemas, pois sou canhoto e não posso escrever, mas já domino toda a matéria do ano. O problema serão as provas.
– Fica tranquilo, rapaz – tranquiliza o diretor com um respeito tremendo pelo garoto – enquanto estiveres assim, poderás ausentar-te e fazes as provas depois.
– Vou tentar a de inglês hoje, que é de múltipla escolha mas, depois, devo ir para casa.
– Rapaz, eu estou impressionado contigo. Qualquer outro garoto desta escola ia querer ver o Geovâni expulso, até eu, quando tinha a tua idade. De onde tiraste tanta bondade?
– Não sei, senhor, mas como eu disse para Jéssica é melhor ser assim do que viver a vida com rancor. Eu sou Budista, talvez seja por isso. Obrigado, senhor, vou para a aula.
Ao sair, Daniel depara-se com Geovâni e o pai aguardando. Cumprimenta-os com um aceno de cabeça e sai.
– Façam o favor de entrar. – Diz José para os dois.
Após os devidos cumprimentos, principia:
– Não sei o que o seu filho lhe contou, por isso vou resumir os fatos. Ontem na aula de atletismo, desobedecendo uma regra fundamental, o senhor Geovâni arremessou um dardo com gente no campo. Este ia acertar uma menina pelas costas matando-a na certa. Graças a Deus, outro colega viu isso e correu para salvá-la, colocando-se na frente do mesmo, sendo ele trespassado e ferido de forma muito grave. Para começar, estou profundamente horrorizado com a barbárie que este rapaz cometeu, quase matando um colega e, depois, as constantes confusões e provocações, inclusive raciais, que promove na escola. – Vira-se para Geovâni. – Estes eram os papeis da sua expulsão, mas o mesmo rapaz que você quase matou veio aqui, apesar de ainda muito fraco, interceder por si pedindo-me que não o expulsasse. Eu jamais imaginei viver para ver um garoto de dezessete anos tentar ajudar o seu quase assassino, mas aqui está a prova que o mundo não é tão ruim. Em troca do fato dele ter-se sacrificado para salvar a vossa colega, decidi ser condescendente e você terá uma última chance. Só que a menor encrenca que arrumar será expulso e garanto que não arrumará outro colégio particular para estudar. Porém fica um senão: está fora das aulas de atletismo para sempre. Voltará a presenciar a educação física convencional.
– Senhor José – afirma o pai do rapaz – fico muito agradecido pela sua decisão e espero que meu filho saiba aproveitar esta chance porque, como já é maior de idade, também pode ser expulso de casa e estou farto das confusões que me arruma. Estava já a falar com ele que tratasse de ganhar a vida, pois eu não o sustento mais. Da mesma forma que o senhor, vou dar essa última chance. – Vira-se para o filho – mas ai de ti que aprontes mais uma.
– Muito bem – diz o diretor – então estamos combinados.
– Senhor José, esse rapaz que salvou a menina, gostaria de recompensá-lo.
– Não se preocupe com o garoto. Ele gosta de discrição e essa será a melhor recompensa. Detesta tornar-se o centro das atenções e recentemente sofreu uma perda irreparável, que foi a morte da noiva no acidente aéreo. Prefere ficar anônimo.
– Entendo. Mais uma vez muito obrigado pela sua decisão. Espero que meu filho aproveite.
Dizendo isto, cumprimenta o diretor e o professor, indo para o trabalho. Ele preocupa-se demasiado com o filho e sente que o está perdendo, achando que deve consultar um psicólogo.
Quando Daniel entra na aula, todos levantam-se para o aplaudir, pois a notícia tinha-se espalhado como um rastilho de pólvora. Ele sorri sem jeito e senta-se no seu lugar. O professor entrega-lhe a prova. Lê, e diz:
– Não consigo escrever.
– Muito bem, Daniel. Aponta os resultados que eu marco – afirma o professor.
Com a mão direita, mostra todas as respostas corretas em menos de dois minutos. O professor sacode a cabeça e sorri.
– Não sei por que te aplico provas.
– Simples, normas do MEC. Se me permite, vou sair pois ainda não me sinto bem.
– Claro, rapaz. Não precisavas de fazer a prova. Podias tê-la feito depois.
– Obrigado.
Ministério de Educação e Cultura. N.A.
Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top