Capítulo 8 - parte 2 (não revisado)

Suzana está feliz e preocupada ao mesmo tempo. Acaba de tomar um banho relaxante e decide que vai sair para jantar fora e descansar a cabeça, mas a sua preocupação com Daniel persiste e sente a falta dele. Pensa no que aconteceu naquele dia em que o tirou do transe quase suicida. Por um lado, sente-se bem em ter aberto o coração e a recompensa disso foi algo que ela jamais imaginara ser possível, nunca tendo sentido tanta felicidade e alegria de uma só vez. Só a lembrança já a deixa elétrica; porém, sabe que tem de deixar as coisas quietas. Ela também sente-se só, mas é apenas uma solidão diferente, pois basta vê-lo para acabar esse sentimento, mesmo não o tendo para si. Isso poderia ser definido como um grande amor platônico. Põe um vestido preto, justo e relativamente curto que realça o seu corpo. Sabe muito bem o efeito que faz nos homens e gosta desse poder, mas jamais abusa dele. Enquanto pensa nisso penteando-se, vai para a varanda e nota uma coisa que a deixa apreensiva. Há luz no prédio da administração, no andar da presidência. A primeira reação é de susto , contudo lembra-se que a sala é inexpugnável e somente o Dan, ela e umas poucas pessoas, têm acesso. Logo, considerando o dia e horário, há apenas uma conclusão.

Corre para o elevador e voa para a administração, subindo para a sala dele e encontrando-o sentado a pensar. Daniel levanta-se e vai em sua direção, que se abraça a ele com força, beijando-o carinhosamente nos lábios. Feliz, com lágrimas nos olhos, diz:

– Que bom que voltaste, Daniel, juro que estava preocupada que fizesses uma besteira qualquer.

Depois da sensação forte de solidão por que passa, ele sente aquele contato com prazer e retribui o abraço. Ela é algo de especial que nunca soube explicar nem a si mesmo. Sempre amou muito a Suzana, embora não fosse intenso e profundo como era com Daniela. Provavelmente, o sentimento dele era ofuscado pela existência desta e, agora que está só, deixa essa sensação fluir, pois o contato físico muito agradável. Possivelmente uma lembrança perdida de quando Daniela revelou que eram casados na vida anterior, embora não se lembre.

– Quase fiz, minha querida, por pouco não desliguei as turbinas no mar, mas a razão prevaleceu. Foi bom para mim ter-me afastado estes dias e agora estou melhor. Tu estás muito linda para quem apenas estava em casa. Algum compromisso?

– Não – ela sorri, já que está para nascer uma mulher que resista a um elogio assim – ia sair para jantar, pois quero relaxar. Vem comigo. Sinto-me só e, pelo jeito, tu também. Estás mais magro e não te vens alimentando bem. Vamos?

– Vamos sim, mas deixa-me trocar de roupa pois não estou à tua altura. Não seria justo para comigo.

Abraçados, saem da sala. No seu apartamento Daniel troca rapidamente de roupa. Veste-se com um conjunto esportivo de muito bom gosto e seguem para o carro.

– Onde queres ir?

– Eu ia a um restaurante em Ipanema que tem música ao vivo, à beira do Guaíba. Dizem que é muito agradável. Queres?

– Claro. – Daniel pega a estrada e acelera o carro a uma velocidade que a deixa estonteada, começando a ficar assustada.

– Daniel, não achas que estás indo rápido demais?

– Não. Estou a duzentos e trinta.

– Daniel, não quero dizer nada, mas o limite aqui é cem. É perigoso!

– Su, meu anjo, eu tenho um dom que tu não conheces. Sou capaz de prever emergências segundos antes de acontecerem. Podes ficar tranquila, que não corremos o menor perigo.

Ela confia tão cegamente nele que nem pensa mais nisso. Quando chegam à cidade, este reduz a velocidade e anda dentro da lei. Têm alguma dificuldade para estacionar e acabam parando uns poucos quarteirões afastados do restaurante. Trata-se de uma zona muitíssimo movimentada devido à grande quantidade de casas noturnas. Descem do carro e, inconscientemente, ela toma a sua mão. Caminham devagar e Suzana sente-se embevecida com a proximidade dele, completamente alheia a tudo o que se passa à volta. Sabe que trilha um caminho perigoso; mas, nesse momento, nem liga para isso. Quando entram no restaurante, Daniel agrada-se do lugar, onde há um músico tocando. Arrumam uma mesa e pedem os pratos.

– O que queres beber? – Pergunta para a Suzi.

– Acho que a ocasião pede uma boa champanhe. – Ela responde, marota.

– Tem Dom Perrignon? – Pergunta para o maitre.

– Temos sim, senhor, mas terá de me mostrar a sua identidade.

– Calma, meu amigo – apresenta a habilitação – aqui está. Eu sou emancipado. Pode ficar tranquilo.

– Com certeza, senhor. Perdoe-nos, mas são regras.

– Não precisa de se desculpar, é sinal de que a sua casa merece credibilidade.

O restaurante não está lotado, embora tenha bastante gente. É de muita classe e com o preço proporcional, mas os pratos são servidos sem muita demora. Várias pessoas olham de soslaio para o casal, uns impressionados com a beleza dela, outras com a dele, sem falar que há comentários maliciosos sobre as idades. Embora o Daniel pareça mais velho do que é, aproximadamente uns dezoito anos, é patente a diferença entre ambos. Quando quer conversar em particular com a Suzana, usa o mandarim ou cantonês. Ela, que fala tão bem quanto ele, acompanha a troca sem sequer dar-se conta disso. Enquanto comem, começa a conversar:

– Su – inicia ele – quero-te fazer uma pergunta pessoal. O que te fez acreditar em mim quando nos conhecemos? Afinal, eu não passava de uma criança!

– Puxa vida – ela dá uma risada cristalina e toma um gole de champanhe – essa pergunta pegou pesado! Meu amor, sei que nunca mentes, então vou dizer-te a verdade, mas se alguém perguntar, eu nego, tá legal? Agora, querendo ou não, tu aparentavas tudo menos treze anos. Até já tinhas essa voz de homem e eras mais alto que eu. Parecias ter uns dezesseis, muito bem feitos!

Ele dá um pequeno sorriso para Suzi, que continua:

– Sabes, eu desde pequenininha vinha tendo sonhos.

– Sonhos?

– Sim, sonhos. Uma mulher muito bonita aparecia para mim e dizia que eu tinha que responder um anúncio no jornal. Ela dizia para eu acreditar nele, insistia nisso. Depois, comecei a sonhar com um rapaz lindíssimo, que tinha entre quatorze e dezesseis anos. Eu ficava apaixonada por ele, que nunca saía da minha cabeça, mas ele era muito mais velho que eu. Só que, no meu sonho, eu envelhecia e o rapaz não. Entretanto, isso nunca reduziu o meu amor imaginário. Quando atendi ao anúncio, tu, o amor dos meus sonhos desde menininha, estavas à minha frente. Tive de fazer muita força para não correr para cima de ti e te beijar, mesmo com a diferença de idade. Se bem que tu sempre foste muito precoce. Hoje, nem se nota...

– Nota-se sim, meu anjo, senão não me pediam a identidade, não achas? – Daniel olha-a nos olhos. – Suzi, lembras-te do rosto dela?

– Não, só que era muito bonita e brilhava como ouro.

– E como aprendeste mandarim e cantonês?

– Pois é. Ela falava chinês comigo e fiquei tão cismada que pedi para meu pai me pôr numa escola de idiomas. Lá, descobri que chinês não existe com tal. O que há, são inúmeros dialetos derivados entre si. Por sinal, descobri que tenho um verdadeiro dom para falar idiomas.

– Suzi, tu tens uma religião?

– Até há muito pouco tempo, eu era ateia. Mas agora, com o que eu vivenciei, estou revendo meus conceitos. Nunca passou pela minha cabeça ser visitada por uma pessoa que faleceu. Para mim, até há uma semana, era coisa de mentiroso ou maluco, mas desta vez aconteceu comigo. Hoje, ainda não sei o que pensar.

Ambos estão sentados lado a lado, em vez do tradicional frente a frente. Qualquer um pode ver a eletricidade que paira em volta do casal, exceto eles.

Daniel vê subitamente um casal de chineses completamente abobado por ver dois ocidentais falando mandarim fluentemente e sem sotaque. Ao notar que estão ouvindo a conversa, cutuca Suzi. Manda um sorriso gentil para o casal que, educadamente, corresponde.

– Acho melhor falarmos francês – diz ela, rindo.

– Falemos em italiano. – Decide ele. – Daí posso treinar. Já notaste como as músicas do século passado estão tão fortes hoje? Bossa nova. Como eu gosto!

Ela levanta-se e puxa-o.

– Vamos dançar. – Está tocando uma música muito lenta e suave do Tom Jobim chamada "Chega de Saudade". Ambos começam a dançar devagar, abraçados. Ela encosta-se o mais que pode e, com uma das mãos, faz-lhe carinho na nuca e na orelha. Daniel sente-se muito arrepiado, mas não foge ao contato. Antes pelo contrário, aproxima-se do rosto dela e incentiva-a. Ela vira-se para ele, tão perto que os lábios tocam-se. Ficam parados assim por uns poucos segundos já com a respiração um pouco ofegante e sentindo a eletricidade que drena pelo toque dos seus lábios, até que o inevitável beijo acontece. Os olhos dela brilham muito e o seu coração parece um rufar de tambores. Suavemente, ele para e olha para ela.

– Su. Sabes que te amo muito, tal como nós já conversamos. Eu estou carente e não nego que sempre tive uma grande atração física por ti, mais que isso até, como deves imaginar. Não sou de ferro e o que eu desejo agora é óbvio, mas será que isso não te vai acabar magoando muito?

Essa conversa acontece enquanto dançam, colados um no outro, lábios no ouvido, quando não são lábios nos lábios.

– Dan, acho que sou adulta o suficiente para saber onde ir. – Ela está visivelmente ofegante. – Façamos o seguinte: enquanto nenhum de nós se comprometer com alguém e quando sentirmos solidão ou carência, nós saímos juntos e curtimos um ao outro. Eu te amo, e daí? Prefiro viver estes pequenos momentos do que nunca os ter vivido. Agora, o que eu mais quero, é sair daqui e fazer amor contigo o resto da noite.

– Eu também, então, vamos embora. – Voltam para a mesa e pedem a conta, saindo abraçados. Daniel, nesse momento não está totalmente racional, pois o calor humano e o magnetismo que emana dela, deixa-o completamente inebriado. Quando chegam ao carro, têm uma pequena decepção, pois alguém decidiu parar na esquina, desrespeitando a lei e deixando o carro deles tão apertado que é impossível sair.

– Su – afirma o jovem – o que eu vou fazer agora é um segredo meu, tá bem? Não me faças perguntas que não desejo responder.

Antes que ela diga algo, Dan dirige-se para o veículo mal estacionado e, agarrando-o pelo para-choque, ergue-o no ar e puxa para trás meio metro. Pousa o carro no chão e abre a porta para a moça, que está boquiaberta com o que acaba de presenciar.

– Co... co... como fizeste isso?

– Su, sem perguntas ok? Vai ver sou o super-homem.

– Tá bom. Oportunamente contas-me.

– Prometo. – Ela entra no carro, Daniel dá a volta e senta-se a conduzir. Suzana puxa-o para si, beijando-o longamente. Já se esqueceu do que viu e tudo o que quer naquele momento é ficar com ele, que lhe pergunta. – Onde vamos?

– Para o meu apartamento. – Afirma.

– Mas o teu pai não está lá? – Questiona. – Querendo ou não, fica tri chato.

– Não, meu amor – diz, sorrindo – era para ser uma surpresa quando voltasses. Ele está no hospital, no pré-operatório para porem o novo coração. A equipe conseguiu e temos um coração que funciona com autonomia de quarenta e oito horas, com capacidade de carregar sem sonda. Amanhã, ele vai para a cirurgia.

– Que bom.

– Então vamos embora. – Pede, acariciando-o e beijando-o no ouvido.

Daniel nem pensa duas vezes. Quando entra na autoestrada, acelera ao máximo da capacidade do veículo.

– Caramba, Daniel, a quanto vamos? – Pergunta, lânguida. A champanhe deixara-a bem mais leve.

– Duzentos e oitenta, pois o carro não dá mais do que isso. O máximo que fiz foi trezentos e noventa na Lamborghini. Chegaremos em menos de dez minutos... – Numa reação instantânea, põe a mão no peito dela, de modo a segurá-la, e pisa no freio ao máximo. Suzi, que estava sem o cinto, sente-se prensada contra o banco e vê um animal atravessar a estrada. Sem pensar, Daniel solta-a e acelera novamente o carro.

– Nossa! – Fala tremendo. – Se me contassem, eu não acreditava.

– Esse é outro segredo meu, Suzana – Afirma Daniel, muito sério – aceita o que eu tenho como um dom e não o questiones, por favor, mas trata de pôr o cinto de segurança.

Apesar do champanhe e do desejo, ela entende que quem fala é o chefe e não o seu Daniel que está ali.

– Claro, amor, só me espantei com isso.

– Ok, gatinha, esqueçamos isso. Oportunamente, contar-te-ei.

Poucos minutos depois, estão entrando no elevador particular dela e já no maior amasso.

De manhã, quando Suzana acorda, descobre que ele já saiu, encontrando no espelho do banheiro uma mensagem escrita com batom:

– "Gatinha, saí mais cedo de modo a não chamarmos a atenção. Foi uma noite maravilhosa, inesquecível. Beijos, Dan. Ps: Passa na minha sala que tenho umas tarefas."

Ela está exultante de alegria e a felicidade que sente espalha-se pelo rosto.

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