Capítulo 8 parte 11 (não revisado)
– Posso sentar-me contigo? – André pergunta a Janine, no restaurante.
– Claro, é um lugar público. – Responde, um tanto seca.
– Para quê tanta hostilidade, Janine? – Questiona, bastante magoado. – Nem tentaste cogitar a hipótese de eu ser inocente.
– Sofri demais, André. Como queres o meu perdão, tão simplesmente?
– Eu já disse que fiz isso para te preservar. Eles queriam me destruir e te levar junto. Deixei que destruíssem a minha carreira para que nada te acontecesse e só soube do resto há muito pouco tempo, quando apareceste aqui.
– Ora, ele destruiu a minha carreira porque eu não quis ir para a cama com ele. Acho que se quis vingar. Eu não podia aceitá-lo porque... deixa pra lá.
– Por quê?
– Nada, deixa assim. Eu já estou entendendo muitas coisas e um dia estarei bem. Até lá, terás de esperar.
– Ok – responde com um suspiro – se é isso que desejas. Eu esperarei até ao fim do mundo se for preciso, Janine. Talvez um dia entendas isso.
Pela primeira vez, ela sorri para ele.
– Desculpa pelo tapa, foi uma reação instintiva de frustração reprimida.
– Tudo bem. O que estás achando do centro? Não temos nada parecido na França. Nem mesmo o CERN é assim tão grandioso.
– É impressionante. Mais impressionante ainda ter sido feito por uma quase criança. Gostaria de ter conhecido o começo disto tudo.
– Na biblioteca está tudo bem documentado, mas terás de ver se o teu grau de segurança te permite acessar esses arquivos.
– Por que Daniel é tão triste?
– Ele foi meu aluno por um ano na escola. Só há muito pouco tempo descobri que não me deve nada em conhecimentos. Em alguns, ultrapassa-me disparado e matemática nem se fala. Sempre foi triste. Depois, soube que há cerca de um ano e meio os pais dele morreram. Quando se recuperou disso, conheceu uma menina lá da escola, a Daniela Chang. Eles eram muito apaixonados e até ficaram noivos e depois soube que se conheciam desde a infância, mas ela passou um trauma qualquer e perdeu a memória dele. Quando recuperou-se, passaram a ficar sempre juntos. Não se separavam por nada deste mundo e foram viver na casa dele. O pai dela trabalha aqui. É um grande cardiologista.
– Ah sei, fui apresentada a ele quando me mostrou o Projeto Cárdio, muito simpático.
– Pois é, eles descobriram, por conta de um acidente que ela sofreu, que tinha um tumor no cérebro. Daniel localizou quem era a maior sumidade no assunto e meteu-a num avião para vê-lo. A meio caminho da China, o avião caiu misteriosamente e não houve sobreviventes.
– Aquele acidente? Que catástrofe horrorosa. Pobre rapaz!
– Ele nunca mais foi o mesmo. Já está melhor, mas é muito raro vê-lo sorrir. Talvez um dia encontre outra pessoa tão especial quanto ela foi e há gente aqui do centro que jura que ela é um anjo. Tem até uma praça com o nome dela, em frente ao hospital, onde levava os doentes para ler para eles.
– Que história mais triste – diz, enxugando uma lágrima – mas ele é especial e forte. Qualquer rapaz da idade dele, com uma fortuna tão grande, já teria destruído a própria vida.
– É, mas ele prefere gastar em obras sociais. Agora, está urbanizando uma favela que descobriu à beira da estrada onde salvou um menino da morte. Ele é assim: todos os mutilados que encontra, traz para cá e faz próteses biônicas. Gasta milhões com isso, milhões, mas não se importa nada. Só o coração mecânico custou mais de cem milhões de Créditos no projeto do protótipo.
– Quanto dá isso em Euros?
– Cerca de noventa milhões.
– Nossa, mas como ele não fica sem dinheiro?
– Em primeiro lugar, ele não é só rico, mas sim absurdamente rico. O capital da empresa é de quatro trilhões de Créditos. Cerca de três ponto seis trilhões de Euros. Em segundo lugar, ele desenvolve tecnologia para obter lucro e, assim, subsidiar a sua filantropia. Tem como auxiliar um gênio financeiro, a Suzana, que administra todos os bens dele, tendo feito dela vice-presidente e sócia. Eles têm centenas de empresas espalhadas pelo mundo, de todos os tipos. A nossa nova descoberta, irá colocar a Cybercomp no topo do mundo.
– Ele disse que serás o próximo Nobel.
– Não, Janine, não mereço esse prêmio sozinho. Tá certo que fui eu quem esbarrou na ideia, mas a matemática é toda dele. Ele não sabe; porém, assinei todos os trabalhos com os nomes de ambos. Com essa descoberta, acredito que ele duplique o capital da empresa.
Janine fica calada por um tempo, pois não esperava ouvir aquilo do André. Após terminar, levanta-se para voltar para a sua pesquisa. Antes de sair, deita um sorriso e André fica feliz, pois sente que há uma esperança.
Ao sair, Janine costuma dar um passeio pelos maravilhosos jardins que separam os prédios. Está ali há duas semanas e adora o lugar.
Ainda não sabe o que fazer quanto ao André, mas já está mudando de opinião. Pensa na história que ouviu e fica muito sensibilizada. Se achava a sua vida uma tragédia, acaba de descobrir uma muito maior e isso de certa forma diminui a sua dor. Inconscientemente, anda em direção ao complexo hospitalar, deparando-se com uma pracinha muito bem cuidada. A um canto, há uma estátua de uma garota, que tem o rosto angelical, notando-se que é oriental. Na mão, há um livro e à sua volta, no chão, estão dezenas de buquês flores, ocupando quase metade do local. Não é necessário pensar para descobrir que está na praça Chang onde, a um canto, um senhor dos seus sessenta e cinco anos cuida dos jardins. Nota o carinho com que faz o seu trabalho. Ao vê-la, sorri-lhe e levanta-se.
– Os seus jardins são muito bonitos – comenta Janine – provavelmente nem entende o que digo, mas ainda não aprendi o suficiente da sua língua.
– Entendo sim, senhora – diz Otello, falando sua língua – a minha avó materna era francesa e aprendi ainda pequenino. Obrigado pelo elogio. Se desejar, posso ajudá-la com o português. Meu nome é Otello.
– Olá, senhor Otello, sou Janine. Obrigada pela sua oferta. Estou frequentando a escola noturna, mas toda a ajuda é muito bem-vinda. – Ela simpatiza com o homem. – Este lugar me traz tanta paz.
– Este é um lugar de paz, senhora – afirma, olhando com devoção a estátua – aqui, é a casa de um anjo.
– Suponho que fala da senhorita Chang. Ela vinha aqui mesmo, ou é apenas uma lenda?
– Não é lenda, senhora. Ela trazia-nos aqui e lia para nós, quando estávamos inválidos.
– Inválido? Mas o senhor não tem nada de inválido!
– Há cerca de meio ano, o chefe e Daniela encontraram-me pedindo esmola na rua. Eu era cego, completamente cego. Só tinha as órbitas vazias e mais ninguém para me ajudar. Eles deram-me esmola e perguntaram se eu queria voltar a ver. Algo na voz dele me disse que era diferente e aceitei a oferta. Quando ela falou pela primeira vez, eu não entendi nada pois falava na língua dela, mas o som da sua voz foi a coisa mais doce que eu ouvi em anos. Depois, ela vinha regularmente ao hospital para me ver a mim e aos outros pacientes. Passava muito tempo comigo, lendo para mim e os outros dois cegos. Não há uma pessoa aqui dentro que não a amasse do fundo do coração. Infelizmente, foi-se muito cedo e tudo o que ficou foi este cantinho. Hoje, com os meus novos olhos mecânicos, quis ficar aqui e trabalhar como jardineiro, pois sempre amei muito as plantas. Também venho ler para os cegos que, como eu, já não tinham mais esperança na vida.
– Olhos mecânicos! – Espanta-se muito. – Você quer dizer biônicos? Mas são tão perfeitos!
– Foi o maior presente que alguém jamais me deu.
– Eu imagino, senhor Otello. Gostaria de poder dar uma ajuda para esse seu trabalho, mas não disponho de muito tempo. Infelizmente, não posso ler em português.
– A senhora pode ajudar, sim. – Responde. – Na UTI há um menino francês que está conectado aos instrumentos e aguarda um transplante de coração. Veio do Complexo 4, pois tem muito pouco tempo de vida. Todos estão numa corrida contra o tempo para fazer um coração de tamanho compatível com ele.
– Oh Deus, pobre criança. Ainda tenho meia hora. Onde posso encontrá-lo?
– As UTIs são no quinto andar. Peça para a enfermeira pelo pequeno Jean-Michel. Diga que fui eu que mandei.
– Vou lá. Obrigada pela informação, senhor Otello.
– Ele gosta de histórias de cientistas. Quer ser um cientista quando crescer.
– Ótimo, afinal sou cientista e acho que posso ajudar. – Dizendo isto, despede-se do Otello e vai para o hospital.
― ☼ ―
Janeiro é um mês muito quente, particularmente acima da média. Paulo pratica com afinco e mestre Lee confidencia ao Daniel que poderia ter sido um Vermelho ou até Dourado, se tivesse começado mais cedo. Mas certamente será um Azul ou Verde, com dedicação. Daniel continua a sair com Suzana aos fins de semana, geralmente junto com Paulo e Cláudia. Certo dia, mestre Lee aparece com uma delegação de monges Shaolin, encontrando-se com Daniel em frente ao prédio da administração. Quando este vê quem é, sorri para eles e cumprimenta-os respeitosamente, que retribuem de igual para igual.
– Mestre. Vejo que goza de boa saúde e alegro-me muito por isso. O que vos traz ao outro lado do mundo? Estou satisfeito em vê-lo novamente.
– Vejo que o pequeno Dragão já não é pequeno e faz coisas que nem o imperador ousa sonhar. – O mestre fala admirado. – Lee mostrou-me o lugar e acho maravilhoso o que fazem aqui. Espero que um dia o mundo possa usufruir disto.
– O mundo já usufrui em muito baixa escala, pois ainda somos pequenos e precisamos ter mais força para enfrentar os poderosos.
– E você já adquiriu mais força, jovem mestre?
– Eu era um menino quando nos conhecemos – Daniel dá um sorriso – e agora sou um adolescente. É claro que tenho muito mais força, mestre.
– Este é Lian Tong – o ancião faz sinal para um monge, que se aproxima sorrindo – ele também é um Dourado.
– É uma grande honra conhecê-lo, mestre Lian – Daniel faz uma reverência, simpatizando com o monge que tem uns vinte e oito anos, olhar inteligente e uma aparência de grande força – espero que esteja gostando do nosso país.
– A honra é toda minha, mestre Daniel – ele retribui a saudação com cortesia – nunca imaginei que fosse conhecer o mais jovem Dragão Dourado do mundo.
– Ora, mestre Lian, bem se vê que também é precoce.
– Mas não com nove anos.
– Tive um grande professor – afirma Daniel, sorrindo – o maior de todos.
– Jovem mestre – o líder olha-o sério – Lee mandou-me uma mensagem. Nós tínhamos combinado que, quando tivesse vinte e cinco anos, iriamos rever o seu grau; porém, segundo Lee, parece que já ultrapassou os limites do Dourado há muitos anos.
– Assim parece, mestre.
– Por que não comunicou? – O tom é levemente reprovador.
– Mestre, é demasiado poder e nunca o quis utilizar, pois posso provocar a morte de alguém. Só usei uma vez para nos salvar de um doido armado.
– O poder de um Dragão Shaolin repousa sobre a responsabilidade do seu detentor. Não podemos fugir dele.
– Agora sei disso, mestre, mas quando o descobri tinha apenas dez anos. Tive medo.
– Muito bem. Precisamos fazer o teste. Quando estará disposto?
– Que tal hoje à noite, após as aulas do mestre Lee?
– Está combinado. Trouxe vinte e cinco Vermelhos e um Dourado para o teste.
– Mestre – brinca Daniel – serão necessários tantos assim?
– Para um Dragão Branco? – Encolhe os ombros. – Óbvio.
– Seja como o senhor desejar. Mestre Lee já arrumou acomodações para vocês? Que bom então. Se os senhores me perdoam, preciso ir para uma reunião.
– Vemo-nos à noite, jovem mestre.
Ambos os lados cumprimentam-se e Daniel sobe para a sua sala. Ao chegar, Suzana espera por ele.
– Oi amor, quem eram aqueles chineses com roupas tão estranhas?
– Monges Shaolin que vieram para me testar e ver se sou um Dragão Branco.
– Eu posso ver?
– Claro, Suzi, será depois da aula dos seguranças, mas não tragas mais ninguém pois isso não é uma festa, ok?
– Certo. Vamos para a reunião. Eles aguardam na minha sala.
– Vamos.
― ☼ ―
CERN - Conseil Européen pour la Recherche Nucléaire – Organizção europeia para pesquisas nucleares. Um dos maiores centros de pesquisa do mundo, onde se inventou a WEB. N.A.
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