Capítulo 8 - parte 1 (não revisado)
"Triunfam aqueles que sabem quando lutar e quando esperar."
Sun Tzu.
O voo para Porto Alegre é tranquilo, sendo um domingo muito bonito de céu aberto. Enquanto conduz para casa, o jovem decide parar perto de uma praça e passear um pouco. Ao passar em frente a uma loja de carros esportivos, vê uma Ferrari e entra.
Observa dois vendedores sentados, cada qual na sua mesa, e o contraste é engraçado. O mais velho, com ar arrogante, gravata de lado e colarinho aberto, suando de calor, ou gordura, com um palito na boca e as pernas esticadas em cima da mesa, parece estar em um absoluto tédio. Já o mais jovem, cerca de vinte e oito anos, está na sua mesa todo composto, ereto e com alguns livros, estudando com afinco. Tem ar inteligente e nobre. Daniel nota que é estudante de medicina. Quando se aproxima da Ferrari para olhá-la, vê um Mustang conversível, preto, e lembra-se do aniversário do Paulo e como de tem paixão pelos Mustangs.
– Era só o que faltava – resmunga o vendedor mais velho para o outro – um fedelho de pijama que pensa que pode comprar um carro destes.
Nem desconfia que Daniel tem uma audição apuradíssima, tendo ouvido tudo e passando a observar o par. O colega ergue os olhos.
– Não devemos menosprezar ninguém – diz, levantando – são as regras do patrão. Além do mais, com este tédio de domingo pelo menos teremos algo que fazer. E aquilo não é um pijama e sim um quimono, uma roupa oriental por sinal muito confortável.
– Boa tarde – Cumprimenta Daniel – gostaria de saber informações acerca da Ferrari e do Mustang.
– É muito mais do que você pode pagar, garoto – diz o mais velho de mau humor e com ar de desdém – faz um favor e some.
– Como você sabe o que eu posso pagar ou não? – Pergunta Daniel muito sério, com um olhar tão frio que congelaria um vulcão. Mira com desprezo o vendedor de alto a baixo. – Agora virou pai de santo, é?
– Venha – diz o vendedor mais novo, alegre pela resposta ácida que o outro, seu gerente, recebeu. – Mostro-lhe os carros. São excelentes. Ambos são elétricos, de última geração...
Enquanto apresenta os veículos, vai falando o que têm de propriedades, autonomia e outros detalhes. Fala por mais de meia hora. Daniel simpatiza com o rapaz e toma uma decisão:
– Vou levar os dois – afirma – vocês aceitam pagamento com cartão de débito?
Ao ouvir isso os olhos do vendedor até arregalam:
– Mas... Mas...
– Mas?
– Mas você nem quer saber o preço?
– E daí, gostei deles e quero comprá-los. O preço não modifica a minha vontade, já que eu posso. Vamos ao negócio? Só uma pergunta – diz Daniel, olhando de lado para o outro – você recebe comissão, não é?
– Sim, recebo, graças a Deus. – Ele sorri, jovial. – É assim que pago a minha faculdade. Acompanhe-me por favor.
Sentam-se na mesa do rapaz e Daniel pergunta, apontando os livros:
– Medicina?
– Sim, adoro medicina. Estou no quinto ano.
– Isso vem mesmo a calhar. Que literatura aconselha para quem quer aprender Engenharia Genética?
– Há vários livros básicos. Existem dois muito bons que eu adoro, um introdutório e outro intermediário. Até já decorei os dois de tanto ler. O autor chama-se Daniel G. Moreira e é a maior autoridade do mundo no assunto. – Por essa Dan não esperava, ficando boquiaberto. – São livros fenomenais. Engenharia Genética é a especialização que eu desejo fazer.
Daniel dá o cartão do banco ao rapaz. O outro vendedor fica completamente estupefacto ao ver que o garoto vai levar não um, mas sim dois carros, logo os mais caros da loja. Levanta-se, ajeita o colarinho e aproxima-se.
– Vejo que tem bom gosto, meu rapaz. Venha que eu faço a papelada para você.
– Acho melhor o senhor manter-se no seu lugar. Não é consigo que estou negociando. Afinal, como pode ver, não é mais do que eu posso pagar; mas, com certeza, é bem mais do que você poderia. Então faça-me o favor de voltar para a sua mesa e sumir da minha vista. Nunca se deve subestimar um cliente em potencial. Aprenda esta lição e jamais se arrependerá de novo.
Vexado, o vendedor volta. O mais jovem, delicadamente finge que não escuta isso, olhando para o cartão do banco. Ao ver o nome do Daniel fica perplexo.
– Mas, você é... o seu nome... Daniel Mo...
– Sim, ele era meu pai. Eu só não tenho o G, que significa Gregório. Graças a si, descobri uma coisa que não sabia. Sei que era um cientista especializado em Engenharia Genética, mas não sabia dos livros dele. Agradeço-lhe muitíssimo.
– Como assim, era?
– O meu pai e a minha mãe faleceram no ano passado, em um acidente de carro.
– Sinto muito. Considerava o seu pai a maior sumidade da área.
– Conhece algum outro especialista bom?
– Depois dele só há outro cientista tão bom, mas vive em Boston. O nome dele é Isaac Silverstone.
– Você gostaria de trabalhar na área? – Pergunta Daniel, que gosta do vendedor e é conhecido por ser um excelente avaliador de caráter. – A minha empresa está criando um departamento de Engenharia Genética e você poderia estagiar lá. O salário que se paga é bom.
– Deve ser melhor que aqui, até porque as vendas estão muito fracas.
– Tome o meu cartão. Procure Suzana Silveiro e diga que fui eu que indiquei. Pode ir quando quiser, mas somente depois de Maio do ano que vem. O departamento de Engenharia Genética só entrará em funcionamento nessa época.
– Puxa, obrigado – agradece, pegando o cartão – caramba, Cybercomp! Isso é peso pesado. Ponha a sua senha por favor, o valor total é de um milhão e trezentos mil Créditos. Será que o banco autoriza algo tão alto?
– Fique tranquilo, meu amigo. – Responde Daniel. – Esta comissão você já ganhou. Preciso de um favor. O Mustang deve ser enviado a este endereço. – Entrega a morada do Paulo. – É um presente para um grande amigo meu que acabou de fazer dezoito anos. Faça o documento no seu nome. Aqui estão os dados. Já a Ferrari deverá ser entregue na minha residência. Eu levaria agora, mas estou com o meu carro aqui perto e ainda não aprendi a conduzir dois veículos ao mesmo tempo.
O vendedor dá uma risada.
– Realmente é complicado. Desculpe a minha indiscrição, mas você tem no máximo dezessete anos. Tem habilitação?
– Claro, amigo, desde os quatorze. Eu fui emancipado aos treze.
– Engraçado, pensava que só se podia emancipar aos dezesseis.
– Tem razão. O meu pai achou uma brecha na lei e conseguiu-o.
– Mais uma pergunta pessoal. Você acha que posso conseguir esse trabalho em Maio? Eu realmente daria tudo para isso, mas como sabe que será só em Maio?
– Eu trabalho lá e conheço muito bem o dono da empresa. Garanto que você arrumará o seu emprego, ganhando muito mais que aqui. Quer vir aqui comprar uma Ferrari dele daqui a uns anos? Faça o que eu disse.
– Bem, aqui está a sua nota fiscal, o seu comprovante de pagamento e o documento que precisa de assinar. – Diz, com uma risada. Falando baixo continua. – Eu não compraria dele não. Ou talvez comprasse só para humilhá-lo e fazê-lo pagar pelo quanto que me destrata.
– A vingança endurece o coração, amigo. Não faça isso. – Afirma Daniel enquanto assina todos os papeis e dá o endereço onde entregar a Ferrari. Levanta-se e estende a mão. – Foi um prazer conhecê-lo...
– João Martins. O prazer foi meu.
– Se quer dar-se bem vá lá, que não se arrependerá.
– Obrigado. Já não estou arrependido. Acabei de garantir pelo menos um ano da faculdade com esta venda – diz, sorrindo – o último, por sinal. Devo-lhe os meus agradecimentos.
– Vemo-nos lá, então. Procure por mim quando for. Basta perguntar para Suzana. Não se esqueça.
Sai da loja e continua caminhando pela rua, perguntando-se a si mesmo:
– "Por que será que eu disse depois de Maio? Tenho uma certa pressa! Ele mencionou o mesmo cientista que o meu pai falou. Será que já estou com dons iguais aos da Dani, de prever quando será? Que tolice." – Não devia ter pensado nisso, pois é imediatamente tomado por uma grande tristeza.
O dia está acabando e retorna, decidido a ir para casa. No meio do caminho, muda de ideia e ruma para a empresa. Na sua sala, guarda as pastas no cofre e, depois, senta-se na cadeira pensando um pouco. Algumas ideias estão germinando, mas ainda precisam de ser muito bem pensadas, pois o que deseja fazer pode ser perigoso. Olha em volta da sala e vê a mesma com outros olhos.
– "Como podem as coisas tornarem-se tão diferentes da noite para o dia?" – Pergunta-se a si mesmo. Sente-se um pouco estranho, mas sabe que é a solidão que tem na alma. Também sente que é temporário, especialmente depois do que passou quando foi para o seu pequeno retiro. Todavia, neste momento o que mais deseja e precisa é calor humano; mas, infelizmente, está só.
― ☼ ―
Sem qualquer explicação, Jéssica acorda chorando muito. Sua mãe, que tinha levantado para beber água, ouve os soluços da filha e corre para o quarto.
– Que foi, Jessy?
– Ele sofre muito. Está muito triste e solitário.
– Quem, filha?
– O rapaz com quem eu sonho. Sonho com ele todos os dias, mas não o conheço.
– Ora filha, é só um sonho.
– Não, mãe, eu sei que ele existe. Por incrível que pareça, consegui sentir a sua presença, só que quando tentei me comunicar ele "desligou". É maluquice, mas estou apaixonada por uma pessoa que não conheço.
– Bem, minha filha, se for para acontecer algo, vocês irão encontrar-se, mas eu ainda acho que é a sua imaginação. Agora, tente dormir um pouco.
Jessy, mais calma, deita-se mas não consegue dormir. Ela não precisa de dormir muito e seu organismo é algo de peculiar. Mesmo assim dorme regularmente, embora saiba que, se quiser, não precisa de o fazer por vários dias seguidos. Após quase uma hora acordada, volta a adormecer, mas desta vez não sonha com ele.
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