Capítulo 6 - parte 2 (não revisado)
– Pois é – continua Daniel de volta ao presente – ela tem um QI altíssimo e fala sete idiomas, mas o mais importante é que acreditou em mim. Não tinha experiência, mas tinha muita vontade. Ela representava-me onde eu não teria credibilidade. Tem sido a minha melhor amiga nestes três anos. Em troca, dei-lhe cinco por cento das ações da empresa e o cargo de vice-presidente. Contudo é prioritariamente a minha assistente pois é a única pessoa capaz de acompanhar a minha velocidade de tomada de decisões, em alguns casos, me antecipando. Só que, até hoje, não entendo como ela abraçou cegamente a minha causa.
– Porque ela te ama, seu tonto – diz Daniela, rindo – será que não caiu a ficha?
– Dani, pode ser que hoje ela me ame, mas antes eu tinha treze anos e ela vinte e quatro. Nessa época, os motivos devem ter sido outros.
– Vai ver teve um sonho com uma bela oriental, dizendo para atender ao anúncio – comenta Paulo com uma gargalhada.
– Bem, até que é uma explicação plausível – responde Daniel, também rindo – resumindo, ela tem tanto cérebro quanto corpo e sabe utilizá-los.
– Como assim sabe usá-los? – Pegunta Dani, desconfiada.
– Calma, amor – responde, rindo – referia-me à linguagem corporal. Ela sabe persuadir com a personalidade tanto quanto com o intelecto.
– E ela nunca te persuadiu? – Pergunta Paulo, rindo maliciosamente. – Aiii... de novo amor? Não fiz nada!
– Cara eu sempre fui muito precoce e, quando a vi, fiquei pasmo tal como todos ficam, inclusive tu. Não nego que houve tentações, pois sempre tive uma forte atração por ela que nem sei explicar, mas a verdade é que eu nunca tinha esquecido a Dani. Era como se houvesse uma certeza que voltaríamos, mesmo após tanto tempo. Se a situação fosse outra, talvez, mas daí tenho a certeza que teria perdido o respeito dela. Agora confesso uma coisa: que ela é boa como um raio, ah lá isso é... Ei amor, cuidado que estou dirigindo. Era só uma brincadeira – termina, rindo – isso dói.
– Se achas que ela é tudo isso – emenda Dani, misteriosa – então espera até veres a Jéssica.
– De novo? – Pergunta o noivo. – Isso é alguma charada?
– Quem sabe, espera uns meses. – Reponde misteriosamente.
Descontraídos, os quatro amigos seguem pela estrada, conversando animadamente, deixando de lado a sombra negra que se aproxima lentamente. Ao chegar a Ipanema, Daniel deixa o casal de amigos em casa e segue com a noiva para a sua, levando-a diretamente para a cama, para que repouse. Depois, pega no telefone e liga para Suzana. Como está em viva voz, Dani ouve tudo.
– Suzi?
– "Oi, Daniel."
– Olha só, nós não temos uma empresa de reciclagem de lixo nuclear nos EUA?
– "Temos duas, na verdade, e mais uma na Inglaterra, mas pensava em livrar-me delas. Dão muito trabalho e pouco lucro. Às vezes, até prejuízo."
– Nada disso, Su, eu quero bastante lixo atômico. O doutor Focault e eu estamos na eminência de uma grande descoberta. Quando isso acontecer, o lixo nuclear vai ser um grande negócio, mas muito grande mesmo.
– "Posso saber do que se trata?" – Pergunta.
– Claro, ele esbarrou na possibilidade de criar uma pilha atômica, um semicondutor que absorve toda a radiação à sua volta e transforma em energia elétrica. Agora, imagina o valor que o plutônio e o urânio terão quando anunciarmos isso para o mundo.
– "Nossa senhora" – afirma Suzana – "isso é Nobel na certa. De lambuja, livramos o mundo da mais perigosa das poluições. Isso vale bilhões, talvez trilhões! Quando vocês acham que terminam?"
– Ainda não sei, mas sei que os cálculos estão certos e certamente vai funcionar. Pode demorar um mês, seis meses ou um ano, mas virá. Bem, tu és a administradora e a bola tá contigo. Amanhã falamos. Beijo.
– Outro, até amanhã.
Enquanto Daniela descansa, pois acaba por adormecer, o que lhe fará muito bem para a recuperação, ele desce para praticar um pouco de Tai-Chi-Chuan. Põe uma música chinesa, própria para isso, e inicia o exercício. Nesse estado, não se dá conta do tempo passando até que o computador anuncia o doutor Chang. Daniel acompanha-o a ver a filha, que ainda dorme e ele sugere que a deixem dormir, pois isso ajudará a restaurar as energias.
– Obrigado por me emprestar o seu carro, pai.
– Quê isso. Adorei andar naquele brinquedinho.
– É verdade, pode usá-lo sempre que desejar.
– Engraçado, tu tens muito mais hábitos orientais do que ocidentais – comenta o sogro, sorrindo – usas quimonos de seda, alimentação similar à nossa, budista. Sei que foste criado desde pequeno em Hong Kong, mas vivias com os teus pais que mantinham hábitos ocidentais!
– Na verdade, eu meio que sou um híbrido – corrige – tenho inúmeros hábitos ocidentais, mas a minha educação de formação foi muito com o mestre Lee e isso fez com que eu me envolvesse mais com o oriente, que me atrai e fascina demais. Gosto de praticar Tai-Chi-Chuan, Wushu, adoro a maciez dos quimonos, não uso sapatos dentro de casa, pratico meditação e várias outras coisas. Apesar de ser budista, não sou vegetariano e gosto muito de um bom churrasco, por exemplo. Assim que vim morar na minha própria casa, aos treze anos, decorei-a ao estilo oriental, embora já estivesse parcialmente assim. O apartamento do Complexo II, está ao estilo ocidental por motivos práticos e de negócios, exceto o meu quarto, é claro.
Ambos tomam chá e Daniel convida-o para jantar. Genro e sogro têm um fim de dia agradável, conversando bastante, evitando, porém, tocar no assunto do tumor. Nenhum deles tem coragem de enfrentar isso nesse momento. Foi um impacto muito forte e bastante recente. O primeiro a abordar o problema é o pai:
– Filho, por mais que tentemos evitar – principia – não podemos mais fugir da realidade. Temos de nos preparar para o pior, infelizmente. Dói muito falar assim, mas o médico que veio ao hospital vê-la é um excelente cirurgião. Ele pode não ser o melhor do mundo, mas conhece o seu ofício e, se ele diz que está pessimista, é porque deve ter razão. Então, temos que nos preparar para o fato de termos a nossa princesa somente por mais um ano ou pouco mais.
– Eu sei, pai, mas revolta-me demais a ideia de ficar parado sem tentar nada. É por isso que quero que ela vá para a China ver esse médico. Já cheguei à mesma conclusão que o senhor; mas, no íntimo, não consigo aceitar sem lutar até ao fim. Nisto, sou muito ocidental. Karma, eu acho.
– Claro que também vou tentar de tudo. Só não quero que fiques com ilusões. Eu, como médico experiente, sei quando a coisa está feia e esta está muito preta.
– O senhor tem razão. Vamos aguardar a volta dela da China para decidirmos o que fazer. Até lá não adiantam preocupações em excesso. Afinal – continua, com um sorriso trocista – quem morre de véspera é o peru.
O resto do tempo, conversam sobre assuntos triviais e a família do Daniel. O doutor Chang vai-se embora cedo, pois sente-se muito cansado. Vai até ao quarto e beija a filha adormecida, retirando-se em seguida.
Na manhã seguinte, Daniela está completamente recuperada e os dois vão para a escola. É o ultimo mês do ano letivo e os dias já estão bem quentes. Com exceção do professor André, do diretor José, do Paulo e da Cláudia, ninguém sabe de nada. Apenas um observador mais atento notaria um maior cuidado da parte do Daniel em relação à noiva, como se acabasse de descobrir que ela está grávida. Além disso, Dani é dispensada das aulas de educação física. Como sempre, de tarde, vão para o trabalho, ele com a presidência e o departamento de física e ela com os pacientes. Ficam lá até ao fim do dia. A semana segue o seu percurso e procuram levar uma vida normal. Nos fins de semana, juntam-se os dois casais, que estão sempre unidos, fazem um churrasco, vão passear ou simplesmente ficam na piscina. O pai da Daniela procura estar sempre com eles para poder aproveitar o mais possível a companhia da filha. Ela já está com tudo pronto para a viagem à China e sente-se apreensiva pelo motivo da viagem, estando feliz, porém, em rever a mãe que já está fora há quase dois meses. A ida está marcada para o dia dezenove de novembro, em uma semana. Apesar das insistências do Daniel, ela não quer que nem ele nem o pai vão e insiste em ir por uma empresa aérea comercial.
Na última semana, os dois, que já estão aprovados na escola, decidem tirá-la só para si. Ficam em casa e não se largam por nada no mundo, agindo como se nunca mais se fossem ver. Talvez porque, após o resultado dos exames, as coisas possam mudar radicalmente. É como se quisessem guardar para sempre as lembranças daquela semana dentro das suas cabeças. Na sexta-feira, véspera da viagem, os quatro amigos mais o pai, vão jantar fora para fazer uma pequena despedida. Quando retornam, Daniel convida o sogro a passar a noite no quarto de hospedes, de modo a poder ficar perto da filha no último dia. O voo está marcado para as dezoito horas e podem aproveitar mais esse período. Nesse dia, Paulo e Cláudia não aparecem para deixar a família à vontade, mas decidem ir até ao aeroporto.
Para tristeza geral, o tempo passa rápido e logo aproxima-se a hora de irem para o Salgado Filho. Como o dia está muito bonito, Daniel escolhe a BMW conversível, já que são três pessoas e a bagagem.
No aeroporto, encontram Paulo e Cláudia à espera para se despedirem, mas eles levaram Otello por saberem que Dani lhe dedica um grande carinho. Na hora de entrar, todos a abraçam e choram. Daniel aguarda pacientemente as despedidas, esperando sua vez. Cada vez mais, reluta em que ela vá só. Agora, ambos estão frente a frente, sem palavras, apenas olhares, sendo a comunicação totalmente inacessível para terceiros. Dani aproxima-se, encostando a cabeça no seu peito.
– "Vou sentir muito a tua falta. Mas sei que nos veremos em breve." – Diz, enquanto ele afaga-lhe os cabelos.
– "Sim, minha princesa. Parece que se passou mais uma vida. Deus te ajude a voltar para mim." – Ela beija-o longamente, exatamente igual ao primeiro beijo na escola, deixando-o novamente sem folego. – "Ai, minha linda. Por que isto soa como uma despedida?"
Daniela acalma-o, tranquila.
– "Meu amor, estaremos sempre em contato. Os nossos espíritos pertencem um ao outro. Para nós, jamais existirá uma despedida. Eu te amo para sempre."
O alto-falante chama os passageiros para embarcarem. Com mais um beijo apertado, ela despede-se de todos e entra na sala de embarque. É uma turma pequena e muito triste que vai para o terraço ver o avião partir. O que deveria estar mais tranquilo, já que mantém contato mental constante, é o mais preocupado. Quando o avião decola, retiram-se.
– Vamos, levo vocês para casa. – Diz Daniel.
Deixa os amigos nas respectivas casas e decide levar o senhor Otello primeiro. O doutor Chang, muito perspicaz, entende que Daniel deseja falar com ele a sós. Para não ser indelicado usando em mandarim ou cantonês, opta por levar Otello antes. Ao chegar à autoestrada, pisa fundo e os dois passageiros, que não estão habituados à velocidade com que ele dirige, ficam apavorados ao verem que o garoto anda a nada menos de duzentos e sessenta por hora. Em pouco tempo chegam ao condomínio dos funcionários do Complexo II. Otello desce.
– Meu jovem – afirma – vejo demasiada preocupação no seu espírito. Não fique assim pois ela é uma santa e Deus irá protegê-la.
– Que assim seja, senhor Otello, pois já não sei viver sem ela.
– Meu filho, da mesma forma que me deu olhos para ver quando eu já não acreditava em mais nada, ajudou muitas pessoas. Eu tenho, depois do meu trabalho, ajudado Daniela com o dela. Todos, assim como nós, amam-na muito, mas também sabem que você é o responsável por estarem aqui e bem. O mundo precisa de si, tanto quanto os doentes necessitam dela. Cedo ou tarde, ela voltará. A verdade é que eu também não sei viver sem ela. Eu e muitos outros ali dentro do hospital.
Dizendo isso, ele sai porta fora para esconder as lágrimas. Voltando mais devagar, mas ainda assim muito rápido para um ser normal, diz para o sogro:
– Pai – Daniel afla com a voz muito aflita – tenho um pressentimento muito ruim...
– Eu também, filho – interrompe o sogro – mantenha contato com ela.
Daniel chega a casa e o sogro pega o próprio carro, indo embora. Troca de roupa e senta-se a meditar, mantendo contato constante com a sua noiva. Sente que ela dorme, mas não perde a sua mente de foco nem por um segundo. Infelizmente, não sabe até que ponto alcança, embora acredite que não haja limites. Apesar da sua capacidade telepática não ser das mais fortes, sempre alcançou-a quando quis. Por esse motivo, a sua teoria é que nunca se deixarão de comunicar.
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