Capítulo 5 - parte 2 (não revisado)
Os dias passam em paz e tranquilidade e o implante dos olhos biônicos nos outros cegos é um sucesso, tendo ambos pedido para trabalhar no complexo.
De manhã, o casal vai para a escola e o quarteto Daniela, Daniel, Paulo e Cláudia está sempre unido, cuja amizade torna-se cada vez mais estreita. Geralmente os quatro lancham na lanchonete da piscina e a mais impressionada é Cláudia, pois não tinha contato com Daniel. Sentada ao lado do namorado, ela está meditativa, de olhos fixos nele e concluindo que formou um juízo muito errado a seu respeito. Agora ela entende bem a amizade do Paulo com ele, pois apesar de não conhecer a toda vida particular do amigo até há pouco tempo, frequentava a sua casa e sempre o avaliara corretamente. Secretamente sente-se feliz por nunca o ter hostilizado.
― ☼ ―
Certo dia, após as aulas e já a caminho da Cybercomp, o telefone toca e Daniel põe-no no viva voz.
– "Daniel" – diz Suzana – "tenho ótimas notícias. Demoras a chegar?"
– Não, Su, o que foi?
– Oi Suzi. – Diz Dani.
– "Oi, irmã mais nova. Daniel, temos avanços nas pesquisas. Há uma turminha graúda querendo uma reunião."
– Quem?
– "O doutor Chang, os veterinários e uma equipe da engenharia elétrica. Os doutores Hans e Focault também desejam uma reunião."
– Ok. Diz-lhes que me esperem para daqui a uma hora. Tenho muito trânsito hoje e ainda não almoçamos. Manda preparar a sala de reuniões na presidência.
– "Já fiz isso."
– Certo. Adeus.
– "O que será?" – Pergunta Dani.
– "Provavelmente estão resolvendo o problema energético do coração biônico. Tomara que seja isso."
Chegam ao centro de pesquisas e, após o almoço, Dani vai para os seus afazeres e ele para a reunião. Daniel entra silenciosamente na sua sala observa discretamente a turma que conversa de forma tão animada que ninguém se dá conta da sua chegada e aproveita para ver quem está presente. Para sua surpresa, encontra o homem que o tentara assaltar junto com o chefe do departamento de engenharia. Os doutores André e Hans apenas escutam, em silêncio.
Quando o rapaz entra, todos viram-se para ele e o homem que o assaltou fica pasmo, principalmente quando vê o seu superior cumprimentar Daniel com a deferência devida ao patrão.
– Vo... Vo... Você? – Diz, totalmente surpreso. – Você é o chefe?
– Feche a boca, Fernando, senão entra uma mosca – diz Daniel brincalhão – sim, eu sou o chefe. Como lhe disse, ver-nos-íamos muitas vezes. Muito bem senhores, sentem-se. Comecemos a nossa reunião. – "Dani, lembras-te do homem que nos assaltou?"
– "Claro. Tá tudo bem com ele?"
– "Acho que ele está envolvido com uma descoberta. Depois falo."
– "Tá, não vou acompanhar com a mente, senão não consigo ler para eles. Beijo, eu te amo."
– Chefe, Fernando fez uma descoberta importante. Logo que me comunicou, concluí que pode ajudar muito com o coração biônico, pois permite fazer carga das baterias usando campos eletro magnéticos de alta frequência.
– Explique-me, Fernando – pede Daniel, sempre gentil.
– Bem, senhor... ahn... chefe... ahn...
– Fernando, acalme-se, não precisa de se preocupar em como me chamar.
– Bem, chefe – diz, acalmando-se com a transmissão de tranquilidade que Daniel emana – após ser colocado a par do problema do coração, decidi procurar uma forma de solucioná-lo. Como todos sabem, o coração é alimentado por baterias a íons de lítio, uma tecnologia que tem mais de cem anos e não mudou muito desde então. Para carregá-las, temos dois problemas: o primeiro é a alta temperatura que atingem se usarmos uma carga rápida que, invariavelmente, matará o paciente ou deixá-lo-á muito injuriado; o segundo é a transmissão da energia elétrica.
– Entendo, Fernando; porém, para eliminar a sonda, pensamos em usar indução só que o núcleo do transformador seria muito pesado para se usar no peito do paciente. Esse foi um dos motivos de procurar a alternativa atômica. – Interrompe Daniel mostrando que domina o assunto.
– Eu sei, senhor, mas foi aí que surgiu a minha ideia. Eu baseei-me nos antigos moduladores PWM, usados nas fontes chaveadas de há cem anos, mas pensei em frequências absurdamente mais altas.
– Entendo – continua Daniel acompanhando o raciocínio do cientista – quanto maior a frequência, menor o indutor captador e o capacitor de filtro. Não será necessário um núcleo de ferro para o mesmo e, por conseguinte, torna-se muito leve. Mas quanto mais alta a frequência maior a temperatura. Daí, cozinhamos o paciente com micro-ondas.
– Correto, chefe, só que me lembrei de umas coisas: eu conheço uma forma de modular o sinal sem afetar o ser humano. Isso, por si só, já resolve o problema, mas sei que há um cientista na Itália que estava trabalhando em um novo tipo de íon que poderia criar baterias com maior potência e imunes ao problema de aquecimento. O nome dele é Frederico Bristolli.
– Computador – diz Daniel – tenta localizar o cientista Frederico Bristolli e passa as informações para o departamento de pesquisa para que o tentem contratar.
– Registrado.
– Obrigado. Suzana – pede para a amiga ao seu lado – podes assumir isso?
– Com o maior prazer, afinal o meu pai é um dos principais interessados.
– Muito bem, Fernando, como podemos, com os conhecimentos atuais, resolver o problema?
– Chefe – diz o gerente, enquanto Fernando põe um aparelho minusculo em cima da mesa – o protótipo do carregador está pronto. Fizemo-lo hoje de manhã pois tínhamos o material necessário aqui mesmo. Por isso, solicitamos que os doutores Henri e João viessem a esta reunião.
– Este, senhores – continua Fernando já totalmente seguro de si e apontando o aparelhinho – é o módulo que deverá ser instalado no coração e esta pequena bobina, receberá os impulsos eletromagnéticos que carregarão as células de energia. A carga ocorrerá em poucas horas.
– O gerador do campo eletro magnético poderá ficar na cama do paciente. O aparelho que controla a carga, envia sinais para o gerador, fornecendo o feedback. As baterias atuais, têm capacidade de apenas oito horas mas, segundo o artigo que li, o cálculo do doutor Bristolli para as células energéticas que ele pesquisa, tem autonomia seis vezes maior, mantendo o mesmo volume e peso.
– Muito bem – diz Daniel, virando-se para os veterinários e o doutor Chang – e os senhores. O que acham. É viável?
Estes falam entre si por uns momentos e um deles diz:
– Sim, chefe. Operamos nosso bom Róger assim que o conjunto estiver comprovado.
– Podemos preparar os protótipos para daqui a aproximadamente duas semanas, talvez um pouco mais. – Diz o chefe do Fernando. – Teremos tempo de fazer todos os testes.
– Por mim está excelente – afirma Daniel – qual é a possibilidade para tornar esta invenção uma coisa prática e quanto tempo para podermos começar a salvar vidas?
– Senhor, será em breve, mas ainda não queremos arriscar uma estimativa.
– Está certo. Bem, se alguém mais tem algo a dizer, esta é a hora.
– Chefe – diz André, inconsciente de ter chamado Daniel desse jeito – nós também fizemos avanços na nossa área. Acreditamos que faremos um reator portátil de fusão a frio muito em breve. Infelizmente, ainda não será a resposta.
– E esse portátil é quanto senhores? – Pergunta Daniel.
– Senhor – diz Hans, tão empolgado que se esquece de falar em alemão – achamos que poderemos fazer um reator do tamanho de um tijolo.
– Ora, mas isso é realmente sensacional, meus amigos. Significa que, em breve, poderemos melhorar mais. Se não servir para o coração, servirá para os membros.
– Qual o prazo proposto para o primeiro protótipo? – Pergunta Suzana, pensando no lado prático da empresa. – E quais as dificuldades envolvidas na produção industrial?
– Doutor Hans – pede André – tenha a bondade.
– Menos de um mês. – Responde este. – Prrodução industrrial nem pensarr, ainda.
– Excelente – constata Daniel – mas, professor, o senhor não teria vindo aqui se não houvesse algo mais. O que é?
André, embaraçado com a perspicácia do rapaz que ele tanto subestimara no passado, responde:
– Tem razão. As minhas pesquisas levaram-me à hipótese de criar um semicondutor que gera energia elétrica em contato com a radiação. Infelizmente, minha matemática precisa de um reforço.
– Certo – diz Daniel – sei que tem dois períodos livres amanha de manhã na escola. Vamos ver uma nova abordagem das equações diferenciais. E não pense que é invenção minha não. É coisa dos russos do século passado.
– Senhores – questiona Daniel – mais algum tópico a discutir? Não? Bem, fica definido o seguinte: Suzana irá localizar e contratar o italiano; vocês vão pôr em prática o transplante no meu cão; doutor Chang, peço que acompanhe este processo pois a próxima etapa é com o senhor no pai da Suzana. O senhor, professor, deverá aprofundar essa sua pesquisa o quanto antes. Ajudá-lo-ei nisso. Quanto a vocês – dirige-se aos dois cientistas da engenharia elétrica – estou muito agradecido pelo vosso trabalho e dedicação. O mundo irá ser melhor depois disto. Por favor, podem retirar-se com os meus agradecimentos.
– Meu filho – comenta doutor Chang – faço questão de acompanhar todo o processo, mas sou contra operar o pai da Suzana. Acho que só devermos operá-lo depois que tivermos a confirmação da nova fonte de energia. A razão disso é não o expôr a mais de uma cirurgia em um tempo tão reduzido. Afinal, ele já não é tão jovem assim.
– O senhor é o médico, meu pai. Se essa é a sua decisão, nós vamos acatá-la.
Todos levantam-se para sair, quando Daniel pede:
– Fernando, fique. Desejo conversar com o senhor.
– Si... Si... sim senhor.
– Calma, homem. Não se afobe. – Tranquiliza-o Daniel, depois que todos saem. – Pelo jeito, fiz muito bem em ajudá-lo naquele dia.
– Chefe, este emprego é tudo o que eu pedi a Deus. O senhor foi a pessoa mais honesta e bondosa que eu jamais conheci. Eu ganho muito bem, os meus filhos estão na creche do complexo, muito bem tratados, e a minha esposa também está tranquila. Sim, o senhor fez bem em me ajudar. Eu faço pesquisas que visam o bem da humanidade. Isso, para mim, é a coisa mais sagrada que existe.
– Bem, meu amigo, você fez uma grande coisa. Milhares de pessoas serão beneficiadas dela. Fez muito mais que ser o funcionário do ano. Notei que a sua área é o eletro magnetismo.
– Sim, senhor, eu era especialista nisso.
– Para mim, continua sendo. Vejamos, este projeto é o mais importante da minha vida até ao momento. Quero ver as filas de transplante acabarem. Já gastei mais de cem milhões de Créditos na pesquisa. Resolva o meu problema de energia e, além da minha gratidão, poderá me pedir o que quiser. Se estiver ao meu alcance eu atenderei e olhe que o meu poder é grande.
– Senhor, não preciso de outra paga. Não me esqueço do que fez por mim. Aquilo foi o pagamento mais do que suficiente para uma vida. Mas, se quer agradar-me de alguma forma, diga-me uma coisa.
– Pois fale.
– Como um garoto de, no máximo dezessete anos, pode ser tão forte física e espiritualmente bem como dirigir o maior complexo tecnológico que o mundo já viu?
– Isso eu não sei responder, tchê. Menos a última parte. Eu sou milionário e decidi aplicar esse dinheiro em prol da humanidade.
– O senhor está feliz?
– Muito, meu amigo, muito. Bem, eu vou dividir o departamento de engenharia elétrica em dois setores. Você passará a dirigir o eletro magnetismo. Já me provou que é merecedor dele e o doutor Henrique não se dá bem na área. Claro que o seu salário será melhorado.
– Obrigado, senhor.
– Agora vá. Estou muito satisfeito que tenha vindo trabalhar aqui.
Sozinho, Daniel rejubila em silêncio.
– "Mais uma etapa vencida." – Pensa, alegre.
– "Que etapa meu amor? A tua reunião durou muito tempo!"
– "Ai lindinha, desculpa mas foi muito importante. Escuta, minha namoradinha do complexo, queres lanchar comigo ou estás ocupada com alguém?"
– "Como sabias do apelido que me deram?"
– "Ora, amor, isto é o meu reino e sei tudo o que se passa aqui desde que não viole a privacidade de alguém. Além do mais, esse apelido é perfeito em ti. És a mais bela e perfeita namorada deste complexo."
– "Ah não, sejamos realistas, a mais bela é a Suzi. Sei que sou bonita, mas com ela nem dou prá saída."
– "É mesmo? Então porque és tu a namorada do complexo e não ela?"
– "Sim, mas os motivos são outros. Espera, então, para veres a Jessy."
– "Quem?"
– "Deixa pra lá. Foi apenas uma visão. Ainda vai levar uns meses para acontecer."
– "Amor, estou a fim de férias de uma semana. Há um feriadão aí e podíamos ver se o Paulo e a Cláudia querem vir para a praia conosco. E os teus pais também. Afinal a casa é gigantesca mesmo. Saímos na terça-feira e voltamos no domingo."
– "Boa ideia, o meu pai está aqui comigo, vou falar com ele."
– "Ok vou ligar para o Paulo."
– Pai, acabei de falar com o Dan e ele gostaria de tirar umas férias. Sairemos terça-feira e voltamos no domingo. Ele deseja saber se o senhor e a mãe querem ir junto. A casa dele, na praia, é um sonho, venham conosco.
– Filha, podemos ir sim, pois só serei necessário em duas semanas, mas como é que tu falaste com ele agora se estavas ao meu lado bem caladinha?
– Ora, pai, nós falamos por telepatia.
– Sempre desconfiei disso, filha. – Comenta o pai, sem surpresa alguma. – Um relacionamento assim, deve ser maravilhoso.
– É sim, pai. Não há lugar para mentiras e falsidades. Embora possamos bloquear a nossa mente, não o podemos fazer para sempre. É especial demais. Como desconfiou?
– Filha, a primeira vez que vocês se viram, aos oito anos, era como se já soubessem um do outro. O vosso comportamento não era compatível com o de duas crianças dessa idade. A primeira coisa que falaram um para o outro foi os vossos nomes. Tu chamaste-o de Daniel e ele, a ti, de Daniela. Deram-se as mãos e saíram, ignorando-nos totalmente. Era como se vocês tivessem esperado um pelo outro a vida toda. E hoje, eu vejo-vos diariamente. Vocês às vezes agem como se estivessem em "altos papos", mas não dizem nada. Só se traem porque, no meio da "conversa", sorriem ou se beijam. Ora, com a minha experiência foi muito fácil concluir. Mesmo em crianças, vocês estavam sempre silenciosos, mas de vez em quando riam muito, como se alguém tivesse contado uma piada, só que antes, era silêncio total. Acho que era inconsciente.
– Tá certo pai, mas não desejamos que isso seja público. É um segredo só nosso.
– Claro, filha, liga para a tua mãe e vê se ela quer ir.
– "Dan, vamos todos." – Daniela afirma, após telefonar para a mãe. – "E Paulo?"
– "Então, vamos todos."
No dia seguinte, no intervalo vago entre as aulas, aluno e professor juntam-se em uma sala de aula vazia.
– Professor, o seu problema é que o senhor usa a abordagem ocidental para resolver equações deferenciais parciais de segunda ordem ou superior, o que demanda muito tempo. O senhor deverá adotar o coeficiente diferencial parcial. Olhe. – Começa a escrever uma equação extremante complexa. – Agora, pelo meu método eis a solução. Note que levei um quinto do tempo para resolver o problema.
– Caramba, chefe – diz André – isso é fenomenal!
– Professor, nunca se esqueça de uma coisa. Aqui, sou tudo menos chefe.
– Claro, desculpa, mas ouvindo isso a toda hora, acaba entrando no sangue. Agora vê o meu problema. – Escreve uma equação tão complicada que até Daniel fica pasmo. – Este é o meu problema.
– Mas, professor, esta equação não é linear! A solução pode ser muito complexa e inexata. Por outro lado, vejo onde quer chegar e desenvolvi uma matemática para isso, mas não há tempo para explicar agora. E se fizéssemos assim?
Ora aluno, ora professor, discutem o assunto por mais de uma hora. O quadro está repleto de equações tão complexas que apenas umas poucas pessoas no mundo entenderiam. Quando chega a hora de irem para a aula, ambos interrompem o colóquio particular para darem-se conta que têm uma pequena porém pasma plateia olhando para eles através da janela da porta. Felizmente são apenas alunos que nada entendem, mas decidem ser mais discretos.
Na terça-feira, ainda muito cedo, vão para o aeroporto e Daniel, comenta sorrindo:
– Só espero que não tenhamos de sair às pressas como foi da última vez. – Pega um computador de mão e diz. – Vou informar o itinerário e tripulação. Já volto.
O tempo está maravilhoso e curtem bem o mar, o sol e a tranquilidade. A senhora Chang simplesmente adora o lugar, gostando de ficar na varanda enorme que há no quarto deles e desfrutando da uma linda vista para o mar. No jardim à beira da piscina, deitada em uma cadeira de praia e sendo acariciada pelos raios do sol, está a filha deles, preguiçosamente relaxada. Paulo e Cláudia tinham ido para o mar. Daniel aproxima-se da noiva e começa a passar protetor solar nela. A mãe fica observando fascinada a harmonia entre essas duas criaturas. Vê a filha dar uma risada e virar-se para ele fazendo uma negação, enquanto, com um dedo aponta para o quarto dos pais. Ele, com ar maroto, beija-a docemente e sobe uma das mãos que, segundos depois, ela retira ainda rindo. Ambos olham-se e fazem gestos com a cabeça, mas, das suas bocas, não sai uma palavra sequer. Mais uns segundos, ele sorri para ela, também sem dizer uma palavra e beija-a. Após uns dez minutos a vê-los, vira-se para o marido e comenta:
– Querido, aqueles dois não são deste mundo! Olha como eles se comunicam em silêncio. Nunca vi algo assim!
– É sim, May Ling. Ela confirmou para mim que se falam por telepatia. – Afirma o pai com a voz preocupada.
– O que é que te preocupa tanto, meu amor? Isso é tão fascinante!
– May Ling, tenho um segredo para te contar e acho que está na hora, pois a verdade aproxima-se. Eu tinha dezessete anos quando fui para Hong Kong a segunda vez. Lá, fui levado para uma adivinha e tudo o que ela previu sempre confirmou-se.
– E o que ela disse que te traz tanta angústia na voz?
– Disse que eu iria conhecer-te, que passaria toda a minha vida contigo e que nós geraríamos uma criança muito especial. Ela seria saudável, bela, inteligente e iria encontrar o seu destino muito, muito cedo. Seria a responsável pelo despertar de um novo homem que trará a salvação para muitos. Mas a vida dela, apesar de muito intensa, será muito curta.
– Oh, meu amor. Viveste tanto tempo com todo esse peso nos ombros? Que tolice em não compartilharmos isso! É verdade, ela vive intensamente. Conheceu o próprio destino com precisão e muito cedo. É uma boa filha e nos trouxe um genro maravilhoso, que cuida dela, que a ama muito acima de tudo. Olha como eles se dão tão bem. Puxa vida, não sofras antes da hora. Vive intensamente com ela e comigo, assim como com teu genro. Olha como são lindos aqueles dois. Ele só tem dezesseis anos, mas parece ser um rei e ela, como cresceu! Deixou de ser mimada, dedica-se aos doentes. É quase uma santa e tu dizes que todos a amam muito lá no hospital. O que o futuro dirá dela? Nós vivemos o presente, mas como será depois? E tu, que salvaste uma vida usando a tecnologia que ele criou para tirar da morte certa um homem desiludido? É sim, meu amor, ele é um salvador e precisa da ajuda de todos nós. Já pensaste como ficará se ela morre agora? Ele morrerá junto, essa é a verdade. Olha a dependência que nutrem um pelo outro. É tão profunda que foram morar juntos quando uma garota sensata, e a nossa Daniela é muito sensata, não iria! Finalmente, vê como ela está tão bonita. Não é mais uma menininha, é uma mulher completa. Fez a escolha dela, assim como nós fizemos a nossa. E ambos são felizes como nunca foram!
– Claro, May Ling. Os teus conselhos são sábios, mas sou um pai!
– Eu sei, meu amor, eu sei! – Volta-se e acompanha com alegria a conversa silenciosa do par.
No domingo, retornam para a realidade. Nessa semana que se passa o protótipo do novo carregador do coração biônico prova ser um sucesso. O cientista italiano é convidado a trabalhar para a Cybercomp e aceita com alegria, pois o salário é absurdamente alto. Como Daniel não fala italiano, quem conduz a entrevista é Suzana, mas Dan aproveita para pedir que ela lhe ensine a língua que, para seu grande espanto, aprende em três dias.
O tempo vai passando e Dani agora tem um companheiro permanente, Otello, que vai com ela ler para os pacientes, ajudando a transportar os que precisam de ajuda. Há oito cegos na fila do tratamento e vão sempre para a praça Chang, quando não está chovendo. Certo dia, no meio de uma leitura, Dani tem uma vertigem e para. Felizmente, Otello está lá e vê isso, apoiando-a, mas os pacientes ficam apreensivos. Tão rápido quanto vem, termina e ninguém mais pensa isso.
A primavera vai-se firmando e os dias estão cada vez mais quentes. Com essa melhora do tempo, o casal usa a piscina quando chega após o trabalho.
– Dani – diz Daniel, em cantonês – já notaste que o teu cantonês está totalmente perfeito, sem o menor sotaque?
– É mesmo? Caramba, nem dei por isso! – "Mas prefiro comunicação mental! Vamos fazer um churrasco fim de semana que vem? Nós os quatro?"
– "Claro. Liga prá Cláudia."
No fim da semana, os quatro reúnem-se para confraternizar, como fazem constantemente. Passam a manhã na piscina jogando polo, comem o churrasco do Paulo e depois deitam-se no gramado, à sombra. Nesse momento, Paulo comenta:
– Meu irmãozinho, aquela cena lá do colégio não me sai da cabeça. Nunca vi tanta graça, elegância e agilidade.
– Que raio de cena – pergunta o amigo – não tô entendendo.
– A do Osmar e sua gangue. – Responde Paulo.
– Xi, cara, isso foi há quase quatro meses!
– Eu não vi nada – diz Cláudia – mas toda a escola ficou sabendo. Só que acho que exageraram tudo, pois do jeito falaram tu derrubaste todos em menos de cinco segundos, isso depois de teres rebentado o grandalhão com uma porrada nos peitos dele que lhe quebrou várias costelas.
– Infelizmente, é verdade – confirma Daniel, falando preguiçosamente – não gosto de ferir ninguém mas, nesse caso, não tive escolha.
– Vocês sabiam que alguém gravou tudo com o celular e pôs no Youtube? – Pergunta Paulo.
– Aquilo não foi bonito. Eu poderia tê-lo morto.
– Tu achas que eu seria capaz de te enfrentar? – Questiona o amigo. – Afinal, fui campeão Gaúcho de Boxe e tenho uma velocidade excelente.
– Sem chance, meu amigo – retruca Daniel, brincalhão e com uma risada alegre – eu já treinava Kung-fu até antes de aprender a andar. Nem mesmo uma dúzia de Paulos me poderia derrotar. Terás de aprender a conviver com isso. Eu sou um Dragão Dourado.
– Mostra-me, então – pede o amigo, levantando-se e colocando-se em posição de luta.
– Ora, meu velho – responde Daniel – posso mostrar-te um pouco de defesa, mas não te quero ferir.
– Por que será que os homens sempre têm que inventar de medir forças? – Pergunta Cláudia, rindo para a amiga. – Daniel, Paulo vai acabar contigo em segundos. Olha a diferença de tamanho. Ele pode ser menor em altura, mas tem quase o dobro da tua massa muscular.
– Cláudia, isso é impossível – atalha Dani – tu não fazes ideia do que Dan é capaz. Um Dragão Dourado é virtualmente indestrutível, a máquina de combate mais eficiente do planeta.
Desafiador, Paulo ataca o amigo com uma sequência de jabs que sempre acabam no ar. Dan apenas defende-se, movimentando-se com uma agilidade impressionante. É tanta a velocidade dele que às vezes parece haver mais de um Daniel. Por mais que se esforce, Paulo não consegue tocar no companheiro. Após alguns minutos, para frustrado.
– Impossível te tocar – diz ele, sorrindo – gostaria de ver como é um ataque teu, mas provavelmente seria suicídio.
– Vou-te mostrar um Kati. Imagina que ali tem um guerreiro, ali outro, ali e ali...
– O que é um Kati? – Pergunta Cláudia para a amiga, enquanto Daniel posiciona cerca de uma vintena de inimigos imaginários.
– É uma sequência de movimentos de Kung-fu, para se treinar. É muito bonito de ver, então fica de olho aberto que vale a pena, ainda mais quando é um grande mestre que vai demonstrar.
Daniel começa a sua demonstração. Enquanto se prepara retesando a musculatura, os demais começaram a ver feixes de músculos maciços onde antes nada existia. É como se ele se tivesse transformado em outro homem. Com uma graciosidade e uma velocidade impressionantes, começa o exercício simulado de ataque. Paulo, um bom lutador, consegue visualizar os adversários imaginários e, acompanhando os movimentos do amigo, "observa" os mesmos sendo derrubados, um por um, a maior parte, se tudo fosse verdadeiro, estaria morta.
– Estou impressionado – diz Paulo – nem nos filmes vi tamanha perfeição.
– Eu falei sério quando disse que aprendi Kung-fu antes mesmo de andar, meu amigo. – afirma Daniel, relaxando a musculatura.
– É, meu irmãozinho, agora entendo quando tu dizes que não queres brigar para não machucar ninguém.
– Minha nossa, que corpo! – Cláudia comenta baixinho.
Daniela olha para o seu amor com os olhos brilhando. Ela sabe do que ele é capaz e isso que demonstrara é apenas uma brincadeirinha.
– E é todinho meu – diz Dani, apaixonada. Levantando-se, ela desafia o Daniel e ataca-o sem o menor aviso. Ele leva uma pancada forte que deixaria qualquer ser normal tonto. Sorri.
– É assim? Tenta de novo, amor.
Ela é uma excelente lutadora de Kung-fu e ataca ferozmente e sem dar trégua, deixando Paulo impressionado. Tenta desesperadamente acertá-lo sem sucesso algum, pois Dan é demasiado rápido. Elevando as tentativas até ao limite da sua capacidade física, quando para, rindo muito e quase sem fôlego.
– Nossa, Dani, acho que também não te venceria! – Diz Paulo.
– Gente – pergunta Daniela, já recuperando a respiração – acho que vi um sorvete no congelador. Quem se anima?
Todos topam e ela vai buscar o pote e os pratos.
– O que é um Dragão Dourado, Daniel? – Pergunta Cláudia.
– Na China, há milhares de anos, quando os primeiros monges Shaolin criaram o Wushu Shaolin Quan devido às perseguições que sofriam por parte dos exércitos de sanguinários, havia alguns que se destacavam muito dos demais lutadores. Esses eram chamados de Dragões. O dragão, na mitologia chinesa, é um animal de sabedoria enorme, quase divina. De acordo com as sua capacidades, foram divididos em graus, cada qual de uma cor. Há os azuis e verdes, que são especiais e relativamente comuns. Um Dragão Azul poderia vencer um campeão mundial de artes marciais sem dificuldades. Mas também surgiram os Dragões Vermelhos, cuja capacidade de luta extrapola tudo o que se pode imaginar. Um Dragão Vermelho, sozinho, pode vencer facilmente um exército. O Dragão Dourado é raro e tem um poder inigualável. Eles aparecem, em média, uma vez por século. É muito incomum aparecerem dois ou mais Dragões Dourados em uma mesma geração.
– Então, não há nada superior a um dragão Dourado? – Pergunta Paulo.
– Há sim: o Dragão Branco. Não aparece um há mais de mil anos. Pelo menos que seja conhecido. Esse é tão poderoso que pode vencer praticamente qualquer um sem se mexer. Usa a força interior projetando-a para fora. A energia de um golpe dele é fatal.
– E tu és um dragão Dourado!
– Sou – confirma Daniel, divagando – por enquanto.
Ficção. Atualmente não existe tal possibilidade. N.A.
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