Capítulo 4 - parte 4 (não revisado)

Pousam sem incidentes em um campo particular onde já há um carro com motorista esperando.

A casa é uma mansão enorme, revestida de mármore e com colunas ao estilo grego, ficando no alto de uma escarpa. À frente, uma piscina e um jardim muito bonito seguem até à beira do penhasco com cerca de setenta metros de altura. Ao lado, uma escada entalhada na pedra leva para uma praia particular completamente inacessível a não ser por ali, por mar ou pela floresta. Para dar um ar mais impressionante, há uma série de grutas, por onde a água das ondas bate, levantando espuma à sua volta. A vista dos quartos da casa é deslumbrante pois a mesma está no alto do penhasco.

– Caramba, Daniel – diz Paulo – isto é um lugar de sonho e eu cometi a maior cagada da minha vida: esqueci minha máquina fotográfica!

– Eu sei. Quando quero ficar sozinho, voo para cá e passo uns dias sem fazer nada. Quanto à máquina, podes vir outras vezes, carinha. – Rindo, continua. – Podes usar o telefone de quebra galho.

– Mas e a tua empresa – pergunta Cláudia – não precisa de ti?

– Sim e não – responde o amigo – tenho uma assistente que é a vice-presidente e pensa como eu. Se eu morresse, ela daria sequência ao meu trabalho. Por outro lado, tenho acesso pleno a todos os sistemas de qualquer lugar do planeta.

Os quatro divertem-se muito naquele resto de sábado, inclusive tomando um rápido banho de mar. Quando a noite cai, Daniel diz que escolham os quartos. Todos são suítes, mas o dele, de frente para o mar, é enorme. Paulo e Cláudia escolhem um quarto perto, também de frente para o mar. Eles estão profundamente apaixonados e decidem dormir juntos. Quando se deitam, Paulo aproxima-se dela, ansioso.

– Paulo, desculpa, mas dá-me tempo. Eu ainda não estou preparada, apesar de estar aqui dormindo contigo, ok?

– Claro, amor. Podemos esperar o tempo que quiseres. – Beijam-se ternamente e vão se aproximando mais um do outro.

Na manhã de domingo acordam cedo e vão para a praia, muito alegres. Lá pelas três horas da tarde, após um delicioso almoço de frutos do mar, o telefone do Daniel toca. Ele olha no display e decide atender:

– Fala, Su! O que pode ser tão importante que... claro. Compreendi. Calma, querida, não chores pois eu não te entendo... manda imediatamente um helicóptero para o aeroporto Salgado Filho pois estou no Pará. Eu vou para aí em velocidade supersônica. Ativarei todos os canais de emergência e levarei um especialista... não te desesperes... estamos a caminho. Adeus. – Desliga o telefone e vira-se para os amigos. – Gente, temos de sair daqui batido. Dani, o pai da Suzi teve um colapso cardíaco grave e está morrendo. Ele estava na fila de um transplante de coração, mas teve um ataque fatal. Colocaram-no nos instrumentos e temos pouco tempo. Preciso do teu pai, será que ele nos ajuda?

– Óbvio que sim, liga para ele. – Daniel não perde tempo e disca para o sogro.

– Boa tarde, senhor Chang. Desculpe incomodar em pleno domingo, mas temos uma emergência médica... sim, gravíssimo... está nos aparelhos. Coração... colapsou. Aguarde na sua casa. Em meia hora, descerei no seu pátio com um helicóptero. Obrigado pela ajuda.

Sem se dar conta, falou em mandarim, sendo que nem a Dani entendeu. Rapidamente, conta tudo enquanto entram no carro que os levará ao campo de pouso.

– Gente – avisa Daniel – a viagem não será tão confortável. Preparem-se para acelerações muito fortes.

Em menos de vinte minutos estão pousando em Porto Alegre. Como combinado, um helicóptero espera por eles. Descem na casa da Daniela, onde todos ficam excepto o pai dela e Daniel.

– Doutor Chang – diz Daniel às pressas – piloto, acelera esse aparelho que não me importam as multas. Doutor, o pai da minha assistente estava na fila do transplante. Infelizmente, o coração dele não aguentou a espera. Precisamos de implantar um protótipo!

– Mas, meu rapaz, você não disse que ainda havia um problema a resolver?

– Sim, há, mas ele ficará vivo para o ver resolvido. Apenas terá de carregar as baterias do coração mecânico a cada oito horas e terá de viver no centro até temos a solução definitiva. Eu não posso negar isso para a mais fiel colaboradora e amiga que tenho, sem falar que se trata de uma vida humana. Doutor, o senhor terá um pequeno incômodo. Os dois únicos que conhecem o protótipo e podem atuar como assistentes, são veterinários. O anestesista está lá e é especializado, mas os ajudantes, sinto muito. Quer que eu mande buscar algum colega?

– Meu jovem, já estive em condições piores. Fique tranquilo. Os veterinários podem ajudar-me como assistentes. Afinal, não deixam de ser médicos.

Quando pousam no Complexo II, em frente ao hospital, encontraram Suzana completamente arrasada, aos prantos.

Daniel ampara-a e acalma-a, enquanto diz:

– Su, este é o doutor Nelson Chang, pai da Dani. Ele verá o teu pai e teremos um veredito.

– Chang? Nelson Chang? – Pergunta em cantonês. – O cardiologista? Oh, meu Deus, que bom, pensei que estivesse na China. Doutor, sabe se o pode salvar?

– Calma, filha – responde o médico, no mesmo idioma. A voz dele é tranquila, irradiando segurança; mas, mesmo assim, Suzi continua aflitíssima. – Segundo o Daniel, ele está em coma induzido, conectado aos aparelhos de sustentação de vida; logo, não deve correr perigo imediato. Daniel, têm a autorização?

– Su, assinaste os papeis?

– S... Sim – diz ela, num soluço.

Ao olhar as radiografias, a ecografia doppler e o scanner, o doutor Chang exclui qualquer hipótese de salvação sem transplante.

– Muito bem – diz o médico – precisamos de transplantar. Ele está estável nos equipamentos e não corre risco de morte imediata, se continuar assim. Preciso aprender sobre esse coração artificial antes de operar.

– Su – ordena Daniel – manda buscar os doutores Henri e João. Eu vou adiantar o que sei.

– S... sim, chefe.

– Su – ele abraça-a, e beija-a na testa – para de chorar, querida, e ajuda-nos. Ele não vai morrer! Eu prometo isso.

– Cla... claro chefe, desculpe.

– Vai, querida, vai. – Vira-se para o doutor Chang e começa.

– Doutor, basicamente o coração artificial é uma bomba que opera exatamente do mesmo modo que o nosso coração, fazendo sístoles e diástoles como se fosse o próprio. Dentro, além da mesma propriamente dita, há um nano computador que calcula as necessidades de fluxo sanguíneo e pressão. Outra função do nanocomp é verificar se a pressão não vai estourar um vaso. Ele tem parte do seu material feito de tecido orgânico, justamente para integrar as artérias e veias no seu conjunto. Doutor faça o que for necessário, mas ajude este homem. A filha dele é demasiado importante para mim; mas, mesmo que não o fosse, ele precisa de auxilio e é o quanto me basta.

– Já me convenceu, rapaz, fique tranquilo.

– Bem, eu sou inútil aqui. Vou voltar para o aeroporto, pegar o meu carro e ver o pessoal que ficou na sua casa. Voltarei em breve.

–Sim, jovem, faça isso. – Doutor Chang está visivelmente impressionado com aquele rapaz, que emana uma segurança que nem ele arriscaria ter. Toda a sua forma de pensar e agir são as maneiras de um homem completamente adulto, mais ainda, um grande líder. Com muito respeito, fica acompanhando o genro com o olhar, que entra no helicóptero e pede para o piloto deixá-lo no aeroporto. Lá, pega o carro e vai para a casa da Dani. Apesar do trânsito, chega relativamente rápido.

– Senhora Chang – diz Daniel ao entrar na casa dela, fazendo uma reverência – perdoe-me por ter estragado a sua harmonia num dia de descanso, mas é por uma necessidade maior.

– Meu filho – responde a sogra, gentil – estou feliz que meu marido possa salvar uma vida. Nossa harmonia só seria estragada se ignorássemos este pedido de socorro.

– Obrigado pelas suas palavras. Fico reconfortado em saber que uma vida será salva pelas mãos de alguém muito especial.

– Deseja um chá?

– Sim, agradeço muito, mas antes gostaria de saber onde estão os outros.

Servindo-o, ela responde:

– Daniela foi tomar um banho, os outros pediram desculpas e foram para casa.

Enquanto tomam chá, esperando a Dani, ambos conversam polidamente, até que ela aparece. Daniel levanta-se e despede-se:

– Senhora – diz o rapaz, formalmente – peço que me perdoe a falta de educação, mas precisamos de ir.

– Fiquem à vontade. Vão em paz.

– Não se preocupe com o doutor Chang. Eu, pessoalmente, virei trazê-lo. Paz.

A sogra fica observando o casal sair. Ele, gentilmente, abre a porta do carro para ela, que entra. Após, dirige-se para o assento do motorista e aperta um botão que puxa a capota, pois está ficando frio com o anoitecer.

– Vamos ver o que este carrinho pode dar – diz, sorrindo – com a estrada vazia, devemos chegar lá rapidinho.

Estacionam no hospital e sobem ao quinto andar, para a sala de espera, onde encontram Suzana nervosíssima e muito abatida, cheia de marcas de choro, embora nem assim perca a beleza. Nesse momento, Dani mostra de que material é feita.

– Não te preocupes com teu pai – diz, amparando-a e abraçando-a – pois o meu pai jamais perdeu um paciente. Eu sei disso porque todo o fim de ano brinca, dizendo que bateu o próprio recorde de cirurgias sem óbitos. Ele não se vai permitir a perder o recorde. Teu pai ficará bem, acredita no que te digo.

Suzana abraça-a, desesperada. É um pequeno consolo para a pobre mulher, mas ajuda a acalmá-la. A espera é longa e, apesar de todo o apoio do casal, Suzi está nos limites da resistência devido à tensão acumulada. Provavelmente o pai dela já estava em crise há dois dias e ela vinha nesse desespero desde então. Por isso Daniel estranhara a voz dela no dia anterior. Após uma dura espera de quatro horas, doutor Chang aparece, com ar muito cansado. Ela salta da poltrona e corre para o médico, desesperada.

– Como ele está?

– Minha querida, seu pai vai viver – diz Nelson, sorrindo – não poderá ser um atleta olímpico, mas ficará bom.

– Graças a Deu... – cai inanimada. Daniel, que está atento aos sinais de esgotamento que ela apresenta, reage rapidamente agarrando-a antes que caia no chão. Com a garota no colo, pede para a Dani chamar um enfermeiro com uma maca.

– Zacarias, cuide para que ela tenha descanso. Deixe-a junto ao pai que foi para o pós operatório. – Ordena. – Mantenha uma pessoa com ambos a noite toda, se for preciso. Não deverá ficar só em hipótese alguma.

– Eu fico aqui – diz Daniela – cuido dela.

– Mas, Dani, e a escola amanhã?

– Eu tenho ótimas notas. Não sofrerei nada com esta falta. Quero que se sinta entre amigos quando acordar. Passou por duros momentos hoje e ninguém merece isso.

– Está bem, meu amor – responde Daniel – vou levar o teu pai e volto para cá.

– Estou muito orgulhoso de ti, minha filha – diz o pai ao ouvido dela – em outra época, terias tido um terrível ataque de ciúmes. Até amanhã.

– Eu tive, pai, eu tive, mas foi em outra vida. – Beija o pai.

No carro, eles conversam:

– O que o senhor achou, doutor, muito difícil?

– Muito trabalhoso, tão ou mais complicado que um transplante comum. Mas o fato do coração ter sido projetado igual ao humano, facilitou-me demais. Pena que aquela sonda para carregar as baterias tenha de ficar ali. Meu jovem, embora o mundo não saiba, acabamos de fazer história.

– Mas saberá senhor, pois está tudo gravado.

– Eu estou muito impressionado com o vosso trabalho. É simplesmente espantoso.

– O senhor deve ter recebido no seu e-mail um convite para visitar o centro. Espero que aceite e gostaria muito que fosse da nossa equipe. Dinheiro, como sabe, não é problema. Na nossa clinica, seguimos os princípios de que a vida humana está em primeiro lugar. Só depois os lucros.

– Estou disposto sim, mas tenho que acertar a minha saída com o hospital onde trabalho.

– Como o senhor quiser. Instruirei o computador a lhe franquear todas a portas.

– Meu filho – afirma o sogro – posso chamá-lo assim?

– Fico muito honrado, senhor.

– Meu filho, eu fiquei muito preocupado quando soube quem a Daniela estava namorando, mas sempre gostei muito de si. Eu e o seu pai brincávamos a vosso respeito que vocês eram prometidos um do outro. Hoje, depois do que vi, pode ter a certeza que não tenho mais dúvidas. Vocês têm a minha benção, pois nunca a vi tão bonita e feliz, nem tão madura e completa. Ela tem muita sorte de o conhecer.

– Não, senhor, eu é que tenho sorte de vos conhecer. Esta foi a semana mais agradável que eu experimentei nos últimos oito anos.

– Saiba que não me oponho a que ela fique na sua casa, mas peço uma coisa, deixe-nos participar das vossas vidas. Não nos leve nossa única filha.

– Senhor. Eu já o considero como um segundo pai, pois a sua filha é a mulher que eu amo e com quem desejo compartilhar a minha vida. Assim, para mim seria uma grande honra que o senhor e a dona May Ling, é claro, não só frequentem a nossa vida, como também possam nos aconselhar sempre que acharem necessário. Eu desejo casar-me com ela. Como o senhor pode ver, não bebo, não uso drogas, sou bem-sucedido. Sei que somos jovens e não peço autorização para casar agora. Apenas um compromisso.

– Claro – responde o médico – mas isso deverá ser feito de maneira adequada.

– Certamente, senhor. Apenas, gostaria de saber a sua opinião antes.

– Terão a nossa benção, como eu já disse. Até porque não ia adiantar o contrário, não é?

– Talvez não, senhor, mas eu jamais iria contra a vontade do meu novo pai.

Continuam a viagem, que já está no fim, em silêncio.

– Obrigado, filho. – Diz o doutor ao chegar. – Amanhã, irei ver o paciente.

– Quem tem de agradecer sou eu. O senhor terá um carro da empresa, com motorista, à sua espera vinte e quatro horas por dia. Mês que vem, se não se importar, estaria muito honrado para que fizéssemos um jantar na minha casa e oficializássemos o noivado. Mestre Lee, a quem considero como um pai, poderá fazer o pedido oficial, como a tradição.

– Claro, claro. – Diz o sogro, condescendente.

Despedem-se e ele entra em casa. Cai em baixo do chuveiro, morto de cansaço. A esposa levanta-se e leva-lhe um jantar. São mais de duas horas da madrugada, porém, ela está habituada a ver o marido saindo a correr nessas emergências.

Após o jantar, senta-se no sofá e diz para a esposa:

– Eles querem-se casar e eu aprovei. Mês que vem, faremos a festa de noivado na casa dele. – Adormece instantaneamente ali mesmo, tal é o tamanho do seu cansaço.

― ☼ ―

Daniel dirige de volta para o Complexo II, pensando no ocorrido. Àquela hora não há ninguém na estrada e ele mete mesmo o pé no fundo. Em pouco tempo, estaciona no hospital e procura pela sua Daniela. Ao entrar no quarto, avista o pai da Suzana, monitorado por equipamentos diversos e, do outro lado, a maca com a garota. Em um sofá grande Dani está sentada. Beijam-se e ele fica ao lado dela, ambos em silêncio, de mãos dadas. Ficam calados por um tempo, em comunhão, apenas sentindo a presença um do outro.

– "Tadinha da Suzi. Ela passou por um bom aperto." – Pensa Daniel. Para seu grande espanto, ouve a resposta:

– "Sim, bastante grande. Eu não sei o que faria se fosse eu e o meu pai."

– "Por falar no teu pai, ele está super impressionado com tudo o que viu aqui e nós conversamos bastante no caminho. Virá trabalhar connosco."

– "Que bom. Assim, vou estar mais perto dele."

– "Ele deu-nos a benção e tu podes ir dormir na minha casa sempre que quiseres. Daí eu não resisti e perguntei para ele se poderia casar contigo."

Um pensamento forte, de êxtase, inunda aquela comunhão.

– "Isso quer dizer que tu aceitas?"

– "Alguma vez tiveste dúvidas? A propósito, sabias que eu tive ciúmes daquela vez porque tenho a certeza que ela está apaixonada por ti? Afinal, ela é uma mulher linda e ainda por cima trabalha sempre contigo."

– "É possível, meu amor, e ela é realmente deslumbrante, mas só tenho olhos para ti. Foi a ti que pedi em casamento. Além do mais, ela tem onze anos a mais que eu."

– "Amor, eu já sou capaz de compreender isso. Afinal, estou aqui cuidando dela. Só não vem com esse papo de onze anos mais velha. Sei que não mentes, mas o problema é que, no caso desta mulher, nem trinta anos fariam diferença. Ela é o suprassumo da perfeição."

– "Estou muito feliz com isso, minha linda. Já te deste conta que estamos conversando em pensamento?"

– "Sim, mas aqui, em silêncio, é muito fácil. Com esse bip bip da máquina, que dá um sono enorme, quase entro em transe."

– "Não foi a primeira vez! Aconteceu no motel, no colégio e na minha... nossa casa. Eu sou telepata natural, embora fraco, mas o que está acontecendo aqui, é muito mais potente do que eu posso fazer."

– "Que bom, precisamos de praticar isso."

– "É verdade. Só que o teu pai acha que já fazíamos isso quando crianças, pois disse que nós quase não falávamos. Entretanto, lembro-me que conversávamos muito. Acho que fazíamos isto naturalmente, de forma totalmente inconsciente. Talvez tenha sido por isso que a separação nos doeu tanto."

Permanecem em silêncio por algum tempo e Daniel sente que a Dani está cansada, quase dormindo. Deita-a no sofá mas ela reclama.

– Eu prometi ficar aqui até ela acordar.

– Fica, meu amor, mas deitada, descansando. Eu aviso quando for acordar. Estarei meditando ao teu lado. Não preciso de dormir, ok?

Ela dorme por umas poucas horas, mas um sono estranho, pois está sincronizada com o namorado. Como ele está em um nível de meditação muito alto, não acompanha os seus pensamentos, mas sente a sua presença, o que a reconforta. Quando são quase nove da manhã, acorda-a.

– Danizinha, ela está prestes a acordar, sinto na sua mente. Vou assumir as suas funções até porque tenho umas reuniões hoje. Diz-lhe que mandei ficar de folga até que o pai fique bom.

– Ok – responde, beijando-o – te amo para sempre.

– Eu também, mais que qualquer outra coisa no mundo.

Daniel sai para a administração mas, antes, manda que entreguem para Daniela um comunicador universal com instruções de como usá-lo. O comunicador é um pequeno relógio de pulso ligado ao computador central. O display tem todas as funcionalidades de um computador moderno e permite a comunicação com qualquer um que tenha outro aparelho similar, ou com um computador que esteja conectado à web. Basta chamar o nome da pessoa desejada. Na sua sala, chama a secretária da Suzana, que também o atende.

– Dona Patricia, a Suzana está no hospital com o pai, que teve um colapso cardíaco e dei-lhe folga até que este melhore. Por isso, você deverá repassar-me todos os compromissos que ela tem hoje ok? Faça o favor de me transmitir a agenda para a tela da minha mesa. Eu vou ao meu apartamento tomar um banho e volto logo.

– Chefe, tem um senhor André Focault, aguardando. Ele tinha entrevista com a dona Suzana às oito e meia.

– Puxa vida! Mande-o para a minha sala e peça para aguardar. Explique-lhe o que aconteceu. Obrigado.

Entra no carro e vai para a cobertura no prédio de apartamentos que ele tem justamente para essas necessidades. Lembra-se que não disse para a namorada que podia fazer isso e pede ao computador para avisá-la. Arruma-se às pressas e segue de volta para o setor administrativo.

― ☼ ―

O professor André relembra a recente conversa com a Patrícia, ignorando completamente o que está para acontecer...

– ...assim, pedimos desculpa pela demora, mas o chefe em pessoa irá entrevistá-lo. Como ele passou a noite no hospital, foi proceder a uma higiene pessoal no seu apartamento aqui do complexo e volta em meia hora. Se o senhor não se importar de aguardar um pouco, em breve será atendido.

– Mas a senhorita Suzana não é a chefe?

– Sim é, mas é a vice-presidente. O presidente assumiu a tarefa. Aqui, todos o chamam de chefe, por carinho.

A meia hora acaba de passar e ele aguarda em um local extremamente confortável, que parece ser a sala do presidente. Está imaginando como será o homem com tamanho poder para dirigir um complexo industrial e científico daquele porte, assim como se pergunta de que modo esta empresa soube dele. Escuta a porta do elevador abrir-se e uma voz que o faz ficar petrificado afirma:

– Bom dia, doutor Focault, ou devo dizer, professor André – diz Daniel, sorridente e já renovado, enquanto este se vira completamente abobado, pois espera tudo menos um garoto, muito menos aquele garoto.

– T... t... tu? – Pergunta este. – Isso não é alguma brincadeira de mau gosto?

– Calma, professor – tranquiliza-o o rapaz – o senhor está ficando vermelho novamente.

– Ma... ma... mas tu...

– Eu sou o dono deste complexo e de mais outros três, que formam a Cybercomp, a maior empresa do mundo no ramo da alta tecnologia. Sente-se. – Pede Dan. – Deixe-me explicar.

Espantado, o professor não oferece resistência e obedece, sentando-se.

– Como deve imaginar, eu não sou um garoto normal... etc., etc. que o senhor já ouviu do diretor. Há três anos, fundei esta empresa com um objetivo bem definido, que é criar uma tecnologia capaz de ajudar as pessoas vítimas de alguma mutilação. Assim, nós criamos o primeiro homem biônico do mundo. Ele não tinha uma mão. Nós demos-lhe uma mão mecânica, tão perfeita que ninguém nota a diferença. Para criar este biônico precisei de reunir vários cientistas e fazer um centro gigantesco que é este complexo II. O primeiro é um hospital, onde atendemos pessoas carentes e que funciona até hoje, sendo considerado como um dos maiores centros de excelência do planeta. Tem até gente rica que vai lá tratar-se, mas esses pagam por eles e pelos pobres. Hoje, somos capazes de criar membros artificiais completos. Temos um protótipo de olho biônico que será, em breve, implantado em um ser humano pela primeira vez. Finalmente, fizemos ontem o primeiro implante de coração biônico no mundo. O meu problema reside justamente aí. Tenho várias equipes de pesquisadores, alguns dos quais acompanho bem de perto. O projeto do coração artificial, nasceu da minha cabeça e é uma solução maravilhosa para quem precisa, pois não oferece problemas de rejeição, por exemplo.

– E o teu problema é a fonte de energia – diz o professor, lacônico.

– Como deduziu!? – É a vez do Daniel ficar surpreso.

– Simples, o menor reator de fusão que se consegue fazer é bem maior do que um ônibus. Tu teorizaste a possibilidade de criar um gerador do tamanho de uma caixa de fósforos. Porém, os teus métodos não são o que se chamaria de ortodoxos, mas eu concordo com a tua teoria; porém, tenho uma abordagem diferente. De fato, achas que uma teoria híbrida, será a solução do teu problema. Tens uma equipe pesquisando isso, mas precisas de sangue novo, novas ideias, e é onde eu entro, estou correto?

– Corretíssimo, professor. Apenas o senhor não sabe de todos os fatos. Apesar dos membros biônicos consumirem muita energia, as baterias deles podem ser carregadas facilmente, como colocar o dedo na tomada, etc. O coração não. É fechado... O transplante realizado ontem, foi uma medida desesperada de salvar a vida do pai da minha assistente que também é amiga pessoal, sócia e vice-presidente da empresa.

– Tenho três alternativas sendo pesquisadas para uma fonte de energia – continua – mas vou-me focar na atômica. A ideia é realmente o micro gerador de fusão a frio. Eu contratei um engenheiro nuclear muito bom e apresentei-lhe a minha teoria. Ele achava que conseguia resolver o problema, mas pediu-me que lhe encontrasse um físico nuclear especializado no setor pois achou o meu trabalho demasiado teórico para poder entender. O senhor impressionou-me muito com a sua exposição na escola e sim, eu cheguei à conclusão que o resultado sairá somente de uma fusão das nossas ideias. Assim, desejo que o senhor chefie o departamento de física nuclear da empresa. Poderá solicitar quantos assistentes desejar e trabalhará em paralelo com o doutor Hans, que dependerá dos seus resultados. Nós aqui não temos horários nem regras. Apenas uma coisa, devemos gerar resultados. Desse trabalho, depende a vida de um homem hoje e de milhares amanhã. Bem, eu quero saber se o senhor aceita esta oferta.

– Escuta meu rapaz, eu sei que já disse isto, mas onde aprendeste a falar assim. Tu não ages como um garoto de dezesseis anos, e sim, como um homem adulto!

– Bem professor, eu sou um homem adulto. Legalmente, quero dizer. – Brinca Daniel, sorrindo. – Falando sério, eu não sou normal e estou ciente disso, mas a perda dos meus pais e a educação que recebi, tornou-me no que sou. Aos treze anos já tinha a maturidade completa, tanto física quanto mental. Então, professor, vai aceitar?

– Daniel, deixa-me ser tão sincero quanto foste comigo – começa o professor, triste – eu tenho dificuldades em trabalhar em equipe, eu gosto de...

– Professor, sei de tudo isso – interrompe Daniel. – Conheço um pouco de psicologia. Eu disse que o senhor chefiará o departamento de física nuclear e não haverá ninguém mandando no senhor. Acima de si, só há duas pessoas: eu e Suzana, que não se mete na área técnica. O doutor Hans é chefe do departamento de engenharia nuclear. Trabalharão em conjunto, cooperando entre vós, mas "cada macaco no seu galho".

– Nesse caso, eu aceito, embora com uma condição: nem penses que te vou chamar de chefe.

– Ora, professor, chame-me do que quiser. As pessoas chamam-me de chefe apenas por brincadeira e carinho, basicamente porque eu sou muito mais jovem que eles e nunca dou bola para isso. Afinal, para mim, o senhor será sempre o meu professor. Então – pergunta o Daniel de novo – estamos combinados?

– Claro, meu rapaz, mas em termos de salário, horários e despesas?

– Professor, não terá despesas vultuosas pois, aqui no centro, é tudo de graça... Quanto a salário, vejamos... – Daniel pega em uma folhinha de papel e escreve um valor muito maior que o esperado pelo André. – Isso está bom para o senhor?

– C... c... claro!

– Quanto a horários, eles não existem. Apenas peço um favor.

– Fala, meu rapaz.

– Não deixe a escola. O senhor é um professor maravilhoso, embora alguns colegas não concordem comigo. – Daniel sorri.

– Meu jovem, apesar de todo o dinheiro que me ofereceu, eu não largaria os meus alunos. Preferiria perder esta oportunidade a ver a minha palavra desonrada.

– Isso, caro doutor – diz Daniel, estendendo a mão – é o quanto basta para mim. É esse o seu verdadeiro título não é? Tenho memória fotográfica e, quando soube o seu sobrenome, lembrei-me dos seus trabalhos. Bem vindo de volta à comunidade cientifica. Só que tudo aqui é segredo até ser considerado seguro.

– Respeitarei esse desejo.

Daniel disca o ramal da secretária, deixando no viva voz.

– Patricia, mande o doutor Hans vir à minha sala, com urgência. Depois efetive o doutor André Focault como novo chefe do departamento de Física Nuclear e providencie tudo o que ele precisa. Não se esqueça de arranjar um manual do uso do sistema de informações, do contrário ele vai apanhar muito do computador. E providencie um cicerone para lhe mostrar o centro. É só.

– Computador. – Continua, sem esperar resposta. – Registre o visitante. Passará a ser o novo chefe da Física Nuclear. Acesso franqueado e total. Obrigado.

– Registrado. – Responde a máquina.

– Meu Deus – comenta o professor – deve ser a rede neural inteligente mais avançada do mundo!

– Pode ter a certeza, já que até sabe dar beijo na bunda! – Diz Daniel, sorrindo. André faz uma careta.

– Eu disse isso na aula. Acostume-se com uma coisa, professor, jamais minto e tenho muito orgulho disso. – Diz o rapaz. – Patrícia, onde está o doutor Hans? Tenho pressa. Cancele todos os meus compromissos. As reuniões de hoje, quero que sejam acompanhadas com Suzi, então esperaremos. Há decisões que desejo que sejam tomadas em conjunto. Enquanto ela estiver de folga, cancele tudo. Também quero que marque uma reunião para de tarde com o departamento de Engenharia Civil. Quero um engenheiro e um arquiteto. Ah sim, também chame o chefe da segurança para a reunião. Marque para as quatorze horas, por favor.

– S... sim, senhor.

– Patricia, você perdeu-se?

– De... de... desculpe chefe. O senhor foi demasiado rápido.

– Ora, solicite ao computador uma transcrição. Quando estou em reunião, ele sempre está conectado.

– Sim, senhor. Desculpe.

– Não precisa pedir desculpa. Apenas faça o raio do Hans aparecer aqui, que a minha paciência com ele está nos limites. Faz uma semana que não de dá sossego.

– Ele acabou de chegar, chefe.

– Mande-o subir.

Ao entrar, doutor Hans fala uma torrente de palavras em alemão.

– Bom dia, doutor Hans – diz Daniel – peço-lhe que fale português, por favor. Este é o doutor André Focault, especialista em fusão a frio e será o novo chefe do setor de Física Nuclear.

– E você tem alguma referência dele? – Pergunta o cientista, ainda em alemão.

– Doutor Hans – diz Daniel, irritado e falando um alemão sem sotaque algum para espanto do professor, embora saiba dessa capacidade do seu aluno – este homem é um cientista que não só abraçou a minha teoria como desenvolveu um raciocínio paralelo que pode justamente resolver a sua deficiência. Então, considerando que ele não entende nada de alemão, merece que se fale o português. É uma questão de bons modos.

– Doutor Hans – diz o professor em um excelente alemão, embora não tão perfeito quanto o do Daniel – pode ficar tranquilo que domino relativamente bem seu idioma. Assim que estiver instalado, gostaria de ter uma reunião com o senhor para nos situarmos, já que hoje não tenho compromissos. Dessa forma poderei estudar a melhor forma de o auxiliar.

– Muito bem – afirma Daniel – espero resultados o mais rápido possível. Temos vidas dependendo de vocês. Doutor Hans, ajude o doutor Focault agora, se não tiver compromissos.

Ao se despedir do professor, ouve a pergunta:

– Daniel, é verdade que tu falas diversos idiomas sem sotaque?

Oui, monsieur (sim senhor). Rendez-vous demain à l'école (Vejo o senhor amanhã na escola). – Diz, em francês, como se tivesse acabado de sair de Paris. – Esta é a sua língua materna não é? Parabéns, pois seu português é tão perfeito quanto meu francês. Tanto, que nunca notei.

― ☼ ―

O Daniel sai da administração, olhando o relógio e notando que a reunião demorou muito mais que o previsto. Em vez de parar no térreo, desce mais um nível e surge em um salão grande, profusamente iluminado. Dele, vários corredores com esteiras rolantes nos cantos, cada qual em um sentido, seguem para inúmeras direções. Vai para uma onde está escrito em um painel luminoso, "Complexo Hospitalar de Pesquisas". Uma vez no hospital, toma um elevador e vai direto para o quinto andar. Ao chegar ao quarto da Suzana, encontra-a acordada junto da cama do pai.

– Estás melhor, Suzi? – Pergunta, beijando a assistente na testa. Olha o pai dela e continua. – Como vai ele?

– Doutor Chang esteve aqui há pouco e diz que vai ficar bom.

– Que maravilha. Então relaxa e fica aqui o tempo que precisares.

– Obrigada, mas tinha vários compromissos hoje. Como resolverei?

– Simples: o mais importante atendi agora. Os demais, cancelei todos. Meu professor é o novo chefe do departamento de Física Nuclear. E tu, meu anjo, és muito mais importante para mim do que esses compromissos. Então trata de te recuperares e cuida bem do teu pai. Viste a Dani?

– Sim, ela foi muito gentil em ficar aqui comigo. É uma boa amiga.

– Para mim, é muito mais que isso, Su.

– Eu sei, Daniel – diz esta. Quando estão a sós, trata-o pelo nome próprio – ela disse que ia ver o pai abandonado. Entendes?

– Sim, entendo. Ela falava do cego que nós trouxemos. Até mais, querida. Cuida-te, e do teu pai também.

Saindo do quarto, Daniel usa o comunicador instantâneo. Computador localizar Daniela Chang.

– Senhor, está no jardim em frente ao hospital com um paciente. A distancia é cento e cinquenta metros para a sua frente e quinze metros para baixo.

– Obrigado. – O Daniel desce e vai para o jardim.

Em uma pequena praça, ao sol dessa manhã de inverno, vê a sua namorada sentada num banco ao lado de uma cadeira de rodas que imediatamente adivinha ser o cego que eles trouxeram. Ela segura um livro que lhe lê em voz alta. Extasiado, fica parado, observando-a.

– Dan, vem aqui. Estava te aguardando. – Diz, pressentindo sua presença.

Aproxima-se e beija a garota. Depois, olha para o velho. Nota que este, agora limpo, barbeado e bem tratado, é muito mais novo do que aparentava. Deve ter, no máximo, sessenta e cinco anos.

– Vejo que estão tratando o senhor muito bem. Tem muito melhor aspecto.

– Estou sim, senhor – diz o homem – fui alimentado e muito bem tratado, mas só hoje alguém alimentou a minha alma. Senhor, bendito seja você por me ajudar e a sua esposa por me salvar.

– Bom homem, um dia o senhor lerá para nós – Daniel vê que esse homem não é apenas um mendigo qualquer. Tem cultura e fala de forma educada – ou para aqueles que precisam, assim como Dani leu para o senhor hoje.

– Assim espero, senhor. Minha querida – continua o paciente, ligeiramente arrepiado – estou ficando com frio. Pode levar-me de volta? Meu jovem, você não tem uma esposa, tem um anjo em forma humana.

– Vamos, senhor Otello. – Daniel nota a alegria da namorada por ter sido elogiada de forma tão delicada e gentil. Levanta-se, e Daniel ajuda-a, empurrando a cadeira de rodas de volta. – "Vem, amor."

– "Então ainda conseguimos falar por telepatia... Que livro estavas lendo?"

– "Sim conseguimos. Lia o 'Ensaio Sobre A Cegueira', do José Saramago."

– "Excelente livro. E pensar que essa obra, apesar de ter mais de cem anos, retrataria uma realidade atual se houvesse uma epidemia de cegueira."

Deixam o paciente no quarto e ela despede-se, prometendo voltar para continuar a ler. Daniel leva-a à cobertura para eles relaxarem um pouco. Almoçam ali mesmo, pois o rapaz tem o compromisso que marcou e Daniela está desejosa de ir ao hospital ver os doentes. De fato, ela acaba de se identificar com essa tarefa. Sente que é uma vocação sua e decide que passará a visitá-los regularmente, levando conforto. Os restaurantes do complexo têm um cardápio de primeira qualidade e o casal come muito bem.

Após o almoço, Daniel segue para a administração, feliz da vida, e a namorada decide levar avante seu projeto, indo para o hospital. Começa por se inteirar de quantos pacientes há. A tarefa é simples, pois o computador fornece todas as informações que precisa, já que tem acesso total. Em primeiro lugar, vai para o quarto do pai da Suzana. Ao entrar, vê a moça sorridente, agarrada na mão do pai que já está desperto e estável.

Examinando-o, encontra o seu pai.

– Olá, paizinho – diz em cantonês, esquecendo-se que Su fala esse idioma – como ele está, vai sobreviver?

– Sim, minha filha. – Responde este. – Em qualquer outro lugar do mundo eu não daria um centavo pela vida dele, mas neste centro maravilhoso, tenho certeza que se vai recuperar e muito rápido. Dê graças a Deus pelo Daniel, pois nem o pai dele, que era um homem excepcional, fez uma obra deste porte.

Virando-se para o doente, Daniela diz:

– Desculpe a minha falta de educação, sou Daniela Chang. Espero que o senhor se recupere rápido. – Virando-se para Suzana, acrescenta. – Se precisares de mim para qualquer coisa, chama-me no comunicador que eu vou visitar alguns pacientes. Descobri que temos três cegos aguardando transplante. Vou ler um pouco para eles.

Dizendo isto, faz uma reverência para todos e beija o pai que, orgulhoso, observa-a sair.

– Doutor Chang – comenta Suzana – sua filha é uma pessoa maravilhosa. Daniel tem muita sorte de a conhecer.

– Sim, minha querida – afirma o médico – eles estão destinados. Conheceram-se na China, aos oito anos de idade e apaixonaram-se profundamente, coisa que nunca vi acontecer em uma criança. Só se reencontraram há pouco tempo, mas foi como se nunca tivessem deixado de estar juntos. Tenho muito orgulho deles. Vão noivar em breve.

– Fico feliz por eles. – Comenta ela, suspirando, triste. Após continua, com toda a sinceridade. – Nunca vi Daniel tão alegre e isso, para mim, é o quanto basta.

Continua observando o pai que é meticulosamente avaliado pelo doutor que passa o scanner e analisando tudo.

– Santo Deus – comenta o médico, totalmente satisfeito com o resultado – nenhum dos transplantes que fiz correu tão bem, o que o impressiona muito, porque este trata-se de um coração mecânico!

― ☼ ―

Daniel chega para a reunião; mas, como ainda é cedo, não encontra ninguém no escritório. Tranquilamente senta-se e pensa no que deseja. O seu novo projeto é inspirado no trabalho do pai, trabalho este que ainda não conhece. O que ele sabe, é que é impossível fazer um figado biônico, por exemplo, mas o pai dele ia poder fazer um, natural e com a mesma imunidade à rejeição. Poucos minutos depois, a secretária anuncia a equipe. Quando eles entram, o rapaz convida-os a irem para a sala de reuniões. Entra nela e diz:

– Computador, lacre de segurança máxima.

– Sala lacrada, senhor.

– Obrigado. – Olha para o subchefe da segurança. – O mestre Lee não pôde vir?

– Não, chefe. Ele está na cidade e não houve tempo de o avisar.

– Ok, o senhor passará as informações para ele. Senhores, chamei vocês aqui porque quero iniciar um novo projeto. Para isso, preciso de um prédio. Vamos criar um centro de biotecnologia, com recursos para pesquisa em genética, nutrição, espaço para testes, laboratórios, cobaias especiais, etc. Eu não estou inteirado da área, então não sei o exatamente que será necessário. Para isso, vocês vão arrumar um consultor em biologia e outro em genética. Quero o centro mais moderno do planeta, por isso, vão até à UFRGS e peçam ajuda ao reitor, que é nosso colaborador científico. Desejo que o prédio tenha 5 níveis de subsolo, abaixo das esteiras rolantes. Desses cinco, os três últimos deverão ser de segurança máxima, sendo o último inexpugnável até a um ataque nuclear, bem como de acesso totalmente secreto. Esse nível deverá comportar um mainframe novo, pertencente à rede neural, porém independente para casos de emergência, além de laboratórios secretos. Deverá ter uma instalação de residência e alimentação com capacidade para trinta pessoas. O desenho externo do prédio deve ser moderno e muito bonito. O nome desse edifício será Daniel Gregório, em homenagem ao meu pai. Perguntas?

– Que estilo arquitetônico deseja?

– Eu quero novidade, algo que lembre o futuro. Façam-no assimétrico, para ficar diferente. Estamos falando do futuro. E nunca se esqueçam que preciso de segurança máxima. Mais perguntas?

– O tamanho da instalação?

– Vai depender das necessidades, mas façam-na com o dobro da capacidade prevista. Deverá ser imponente, sem ser gigante. Mais perguntas? Não? Então passamos para o próximo tópico. Quero um reforço total na segurança das instalações. Melhorem os sistemas de vigilância, protejam melhor os computadores. Preciso de que este lugar seja inexpugnável tanto física quanto virtualmente. Mas desejo que isso seja invisível, discreto. Não quero ninguém se sentindo vigiado. Vocês cuidam do físico junto com a vossa equipe da segurança. Eu e a turma do TI, no Complexo III, cuidamos da virtual. Depois, terei uma reunião particular com Fonseca.

Durante as duas horas seguintes, sucede-se uma série de perguntas e respostas onde se define o que será feito.

― ☼ ―

No hospital, Daniela visita seus pacientes. Gentil e tranquila, deixa todos à vontade. Ela acaba de descobrir que tem um dom natural que simplesmente os encanta e acalma. A sua beleza, serenidade, voz suave e meiga, deixa a todos confortados, até apaixonados. O que de longe ela mais gosta, é Otello e, durante a tarde, com ajuda de dois enfermeiros leva os três cegos para tomarem sol na pequena praça do jardim em frente ao hospital. Lá, sentada no meio deles, lê um livro. Apesar de cansada pela noitada anterior, lê sem parar por mais de duas horas para essas pessoas famintas de uma história, coisa que não ouviam há muito tempo. Ao entardecer, os enfermeiros recolhem os pacientes e ela despede-se, prometendo voltar no dia seguinte. Explorando a recém descoberta capacidade telepática, lança um chamado mental.

– "Daniel, onde estás?"

A resposta é instantânea:

– "Oi, amor. Terminei uma reunião agora. Vou pegar o carro para irmos embora. Espera aí mesmo que te pego."

Daniel chega e ela diz:

– Estou muito cansada, Dan. Vamos para a nossa casa.

– Claro, em breve estaremos lá – diz Daniel, acelerando o veículo – descansa a cabecinha que, quando tu abrires os olhos, estarás em casa.

Chega relativamente rápido, mas Dani já dorme no banco do carro. Após estacionar, gentilmente pega-a ao colo e leva-a para o quarto, tirando-lhe os sapatos e parte da roupa, para deixá-la mais confortável, cobrindo-a com o lençol. Depois, desce as escadas e encontra Lee.

– Mestre Lee. Como passou? Tivemos uma emergência no centro.

– Bem sei, meu filho – Lee habituara-se a tratá-lo como um filho – vejo que trouxe a jovem Daniela para casa.

– Não se preocupe, pois ela já se lembra do passado. – Responde em mandarim. – Mestre tenho um pedido para lhe fazer. Como sabe, considero-o como um pai e agora que o meu foi-se, preciso que o senhor me represente.

– Você quer que eu faça o acerto para o seu noivado?

– Como sabe? – Daniel está totalmente boquiaberto. – Bem, é isso mesmo. O doutor Chang já aprovou, mas ele é tradicional e eu respeito muito isso.

– Não sei se posso aprovar.

– M... m... mas por quê?

– Porque ela deverá saber toda a verdade.

– Qual delas? – Pergunta o rapaz, desafiador.

– Já lhe disse que há apenas uma Verdade, menino teimoso.

– Mestre Lee, tenho memória fotográfica. Lembro-me de absolutamente tudo o que me aconteceu e ensinou. Essa verdade, como diz, não passa de uma profecia... – Acalma-se e continua. – Desculpe, mestre. Eu ia contar tudo hoje, mas ela estava tão cansada que dormiu. Se, após saber e ainda aceitar, será o meu pai, mestre?

– Meu pequeno Dragão – diz o mentor com olhos úmidos – essa será a maior honra que terei recebido em toda a minha vida.

– Ora, mestre, o único honrado aqui sou eu. Bem, vou ficar com ela pois este elo telepático que nós temos fez-me ficar cansado. É que eu acabo sentindo tudo o que Daniela sente. – O seu mentor não presta atenção para as últimas palavras do jovem e volta a meditar. Quando sobe para o quarto, o rapaz encontra Dani sentada na cama com o rosto muito sério.

– O que devo saber? – Pergunta-lhe à queima-roupa. – Não adianta fugir de mim. Vocês falaram em mandarim, mas o teu pensamento não tem idiomas. E, apesar de o estares bloqueando agora, sei que há algo que devo de saber.

– Muito bem, meu amor – responde-lhe, baixando as barreiras mentais – quando foste embora naquele dia, na nossa outra vida, eu fiquei muito, muito triste. Enquanto caminhava na rua, pensando em ti, aqueles garotos apareceram para me roubar de novo. Eu atribui-lhes as culpas do que aconteceu connosco. Literalmente, rebentei com os cinco.

Lágrimas saltam dos olhos dela.

– Desculpa, meu amor – sussurra acariciando-lhe o rosto. O fato de estar sintonizada com a mente dele, faz com que sinta, na íntegra, o que ele sofrera. É como se estivesse revivendo tudo.

– Dani, vou bloquear a mente se ficares assim. Já passou. Estamos aqui. – Ela beija-o ternamente.

– Tudo bem, mas não feches a tua mente. Quero viver isso.

O jovem continua contando tudo e falando sobre a profecia. A Daniela chora, pois é capaz de sentir o que se passou com ele.

– Quando nos encontramos na escola, eu gelei, pois parte da profecia concretizara-se. Depois pensei que, se ficasse na minha já que não te lembravas mesmo de mim, nada aconteceria. Mas quis o destino que não fosse assim. Naquele primeiro dia, eu estava confuso e por isso deixei-te em casa após o almoço. Ia trabalhar e foi quando me dei conta de duas coisas: se corresses risco de morte, ninguém melhor que eu para te proteger. Olha na minha mente e verás porquê; e, se fosse para ser curto mas intenso, então eu deveria aproveitar cada segundo da minha vida contigo.

Ela chora novamente.

– Dani, queres casar comigo, mesmo sabendo tudo isso? – Pergunta, sorrindo e com lágrimas nos olhos.

– Quero... quero... que seja muito intenso. Eu te amo demais. Quando tínhamos oito anos, dependíamos dos nossos pais. Hoje somos mais adultos, não inteiramente, mas o suficiente para sabermos o que queremos.

– Eu te amo, minha Danizinha!

– Eu também, para sempre!

Deitam-se, abraçados. Ela está tão cansada que adormece imediatamente. Daniel, com a ligação mental, ficou exaurido e aproveita para dormir. De manhã, mestre Lee ainda medita na sala dos ancestrais quando Daniel passa lá. Senta-se ao seu lado e aguarda. Após o tempo adequado, afirma.

– Mestre Lee. Agora a minha prometida sabe de tudo e aceitou. O senhor será o meu pai? Não sei quando isto vai acabar, mestre, mas sei que a minha vida não tem sentido sem ela.

– Jovem Dragão, nada me fará mais feliz...

― ☼ ―

TI – Tecnologia da Informação. N.A.

Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top