Capítulo 4 - parte 2 (não revisado)


Quando saem do motel, Daniel vê um mendigo cego parado numa esquina, pedindo esmola. Imediatamente encosta o carro para dar algum dinheiro ao pobre homem, que agradece:

– Obrigado, senhor, que Deus o ajude.

– Bom homem, gostaria de voltar a ver? – Pergunta-lhe. – Poder olhar o mundo à sua volta novamente?

Não brinque com um pobre velho. Perdi os olhos há muito tempo e não teria dinheiro para o tratamento se fosse uma cegueira comum; mas, sem os olhos, como poderia voltar a ver? – Pergunta o mendigo, tirando os óculos escuros, velhos e arranhados, mostrando as órbitas vazias. – Além do mais, o que ganho de esmola, mal dá para viver e estou sempre com fome!

– E se eu disser que é possível sim, voltar a ver e não lhe custará nada? E que poderá comer à vontade e, se quiser, poderá viver e trabalhar em um lugar de muita paz até quando desejar.

– Seria eternamente grato, senhor – responde – mas como isso é possível?

– Dou-lhe olhos mecânicos, que se parecem exatamente iguais aos normais. Apenas o senhor não verá tão bem, pois a tecnologia ainda é nova mas conseguirá ler um livro por, exemplo. Se quiser, levo-o lá agora mesmo e não terá de pagar nada, eu garanto.

– Claro que quero, senhor. – Sem saber porquê, o mendigo confia integralmente no interlocutor, algo como um sexto sentido que os cegos desenvolvem. – Mas onde vamos?

– Para um hospital, é claro. Você será muito bem tratado, amigo, pode ter a certeza disso. Mas devemos avisar sua família, pois vai ficar lá por, pelo menos, dois meses.

– Eu sou um podre solitário. – Diz o homem, levantando-se com dificuldade, logo amparado pelo Daniel. – A minha mulher morreu ao dar à luz e o meu único filho abandonou-me, o ingrato. Agora vivo aqui, na rua, dependendo da ajuda alheia.

Lágrimas começam a cair dos olhos da Daniela. Para um chinês é inadmissível um filho abandonar um pai, especialmente um pai deficiente. E ela, apesar de brasileira, é chinesa. Cheios de pena do homem, levam-no para o carro e colocam-no no banco de trás. Em cantonês, ele diz para a namorada.

– Ainda bem que estamos com um carro comum. Se fosse a Lamborghini não ia ter espaço. Vamos ter de aguentar o cheiro dele, mas não tem culpa, o coitado.

– Claro – ela sorri para o namorado – como sou feliz de te conhecer. Nunca imaginei encontrar alguém tão bondoso.

– Senhor – pergunta o velho no banco de trás – que língua é essa, tão melodiosa?

– Minha esposa é chinesa – responde – assim, às vezes costumamos falar cantonês. Desculpe pela falta de educação.

– Ora, fiquem à vontade. É muito agradável o som da sua língua e da sua voz, senhora.

– Esposa? – Pergunta, com os olhos brilhando e um sorriso malicioso. – Quem sabe!

– Falemos português, amor. Vamos levar cerca de quarenta e cinco minutos a chegar lá, pois o centro de pesquisas e o hospital estão fora da cidade. A esta hora, a estrada tem movimento e teremos de ir relativamente devagar.

O passeio é muito bonito apesar da velocidade que o Daniel desenvolve, pois o devagar dele não é tão devagar, embora dirija com segurança e perícia. Daniela aprecia a paisagem fora dos limites urbanos. A autoestrada, muito boa, é ladeada de árvores enormes, fazendo parecer que correm por um túnel verde. Após algum tempo, chegam a um complexo gigantesco. No muro, uma placa diz: Cybercomp - Complexo II.

Ao entrarem, o segurança reconhece imediatamente Daniel, que lhe pede que telefone para o hospital de modo a se prepararem para receberem um homem que precisa de atenção, pois deixou o telefone móvel em casa.

Fascinada com o tamanho do local que é de uma beleza incrível, a garota observa em volta. Jardins e florestas enormes cercam as ruas e prédios. Vê o namorado virar em uma rua com uma placa que sinaliza: Hospital de Pesquisas. Chegando lá, encontram uma enfermeira com uma cadeira de rodas, aguardando o cego. Além dele, há um homem de meia idade e aspecto simpático. O prédio de oito andares é grande e bonito, coberto de vidro espelhado. No pátio, ao lado de onde pararam o carro, ela vê um pequeno heliporto, mas deduz que há outro no terraço, uma vez que ouve um aparelho decolando de lá. Volta à realidade quando ouve:

– Tratem-no bem – pede Daniel – pois ele já teve sofrimento que chegue. Onde já se viu um filho abandonar o pai inválido. Que horror!

– Oi – comenta a enfermeira, sorrindo para o velho, ajudando-o a levantar-se e ir para a cadeira – vamos para o seu quarto. Lá, um enfermeiro dar-lhe-á banho e trará roupas limpas. Depois, o doutor e o psicologo irão examiná-lo. Temos de nos apressar, já que o jantar será servido daqui a três horas.

– Quarto, banho, roupas limpas, lençóis!? – Pergunta o mendigo, incrédulo. – Obrigado, senhor, obrigado por esta alegria. Não imagina há quanto tempo não sei o que é um banho decente.

– Fique em paz, bom homem. Aqui, será muito bem tratado e em poucos meses, terá olhos novos, eu prometo. O seu sofrimento acabou.

Daniel cumprimenta o diretor e apresenta a namorada.

– Tudo bem por aqui? – Pergunta.

– Sim, está tudo na mais perfeita ordem, chefe. Ontem demos alta para o cobrador de ônibus, que já está completamente adaptado ao novo braço. O ex-policial está melhorando e desintoxicando. Em um ou dois meses, poderemos ver o implante. Estamos um tanto ociosos, pois há apenas trinta internos.

– Que bom, doutor – responde Daniel – desculpe, mas a visita será curta. Eu quero acompanhar pessoalmente o tratamento deste homem, por isso, mande-me relatórios periódicos, ok? Quanto a estar ocioso, trata-se de uma necessidade momentânea. Se vocês ficarem muito no tédio, avise que manda transferir alguns doentes do Complexo I.

– Sim, senhor – responde o diretor, rindo – pode ficar descansado que mandarei relatórios periódicos junto com os dos demais cegos.

Despedindo-se, o casal entra no carro e Daniel segue para a administração.

– Meu Deus! A Cybercomp é a tua empresa! – Exclama a namorada. – Foste tu que fizeste isto, um dos maiores complexos de pesquisas do mundo?

Com essa simples frase, Daniela desperta as lembranças do namorado.

Daniel faria treze anos em breve e andava sempre calado. Muitas vezes pensava, lembrando de Hong Kong com saudades. Por outro lado, estava com cada vez mais vontade de pôr o seu projeto mais ambicioso em ação. Nessa noite, aproximou-se do pai e disse:

Pai, certa vez disseste-me que tenho uma fortuna enorme, herdada do meu bisavô. Eu tenho intenção de fazer um grande projeto e quero muito começar a trabalhar nele.

Do que se trata isso? – Questionou o pai.

Pretendo ajudar as pessoas carentes. Para isso, vou construir um hospital especial e uma empresa gigantesca que vai desenvolver alta tecnologia de modo a atingir os meus objetivos. Quero eliminar da face da Terra a invalidez e sei que posso fazer isso.

Interessante – Daniel notou a reflexão do pai – eu sei que não te falta capacidade para as tuas metas, mas e a maturidade?

Bem, pai, eu sei que ainda tenho muito que aprender em termos de vivência, mas acredito que posso sim, fazer o que desejo. Afinal sempre poderei recorrer aos teus conselhos. Outra coisa que desejo é morar sozinho, na minha própria casa.

Se te agrada isso, tudo bem. Bem sei que és plenamente capaz disso e a casa do teu bisavô é tua de herança mesmo, então podes viver lá.

Gosto muito dela – comentou o jovem – então, vou-me mudar para lá na semana que vem. E quanto ao resto?

Bem, filho, enquanto não atingires a maturidade legal, eu sou tutor da tua fortuna e terei de ser eu a assinar tudo por ti, mas podes ter a certeza que essa grana é mais que suficiente para os teus intentos.

Obrigado, pai. Para começar, eu vi um hospital em dificuldades financeiras, lá no centro, e pretendo dar um jeito de o adquirir e remodelar de acordo com minhas intenções...

– Bem, Dani – afirma, voltando à realidade – eu comecei tudo há pouco mais de três anos e não foi nada fácil. Eu sou multibilionário, amor. Tenho tanto dinheiro, mas tanto dinheiro que, se eu não fizer nada e ficar só gastando de forma totalmente extravagante e absurda, levaria mais de mil anos para acabar tudo. Então, comecei a construir isto, pois sempre tive um sonho que era poder ajudar pessoas mutiladas. Aqui, criamos próteses biônicas. Viste a enfermeira, lá no hospital?

– Sim. Ela é muito bonita e jovem – afirma Daniela, com uma pontada de ciúmes que não passa despercebida – e olha para ti de um jeito que não me agrada nem um pouco.

– Ela chegou aqui uns meses depois de ter sido salva por mim de um atropelamento. – Sorri e beija-a. – Um bêbado atropelou-a praticamente na minha frente e fugiu. Ela perdeu as pernas e o bebê, pois estava grávida de seis meses. O marido, outro cafajeste, não quis mais saber dela.

– Que horror, amor. Mas nem se nota!

– Muitos aqui são pessoas que vieram tratar-se e ficaram trabalhando. O motivo é que eu não cobro nada dos necessitados e a maioria não consegue emprego. Há vários que, por desespero, acabam na sarjeta, bêbados ou drogados. Neste complexo, temos um setor psicológico grande e uma clínica de desintoxicação. Aqui, além de recuperarem o corpo, recuperam a dignidade a acabam pedindo para ficar e trabalhar. Todos trabalham dentro das suas capacidades e o salário deles não depende do cargo. Além disso, temos uma escola noturna interna para quem quiser se aperfeiçoar. Ninguém ganha mal e um por cento do capital da empresa é dos funcionários, que se tornam sócios. Temos escolas e creches para os filhos, academias de esportes e todos são muito felizes, como uma família gigantesca.

– Mas um por cento é muito pouco!

– Dani. Estamos falando de muitas centenas bilhões de Créditos.

– Caramba! – Ela está muito impressionada.

Chegando ao prédio da administração, encontram-se com uma moça jovem, de beleza fenomenal e que vinha entrando. Ela é alta e esguia, com vinte e sete anos muito bem feitos, cabelos dourados, olhos muito cinzentos e curvas maravilhosas, sendo o tipo de mulher que põe a cabeça de qualquer homem a girar.

– Boa tarde, chefe – diz, com um sorriso no rosto – que belo dia, não é? Entrem logo que está frio. – Olha a Dani. – Olá, eu sou Suzana Silveiro, vice-presidente e assistente pessoal do chefe. Você é... – Estende a mão.

– Daniela Chang, namorada dele. – Diz Dani, bastante enciumada e enfatizando a palavra namorada.

– Muito prazer, senhorita Chang, tenha a bondade. – Diz, apontando a direção para que a acompanhe. Caminhando ao lado do Daniel e cheia de ciúmes, começa a falar baixo, em cantonês, caricaturizando a Suzana. – Boa tarde chefe, oi ... eu sou a vice-presidente...

– Chiu. – Diz o namorado, quase rindo. – Ela fala sete idiomas, incluindo cantonês e mandarim.

Engolindo em seco, Daniela silencia e acompanha-os, observando tudo.

– Su, querida, eu não vou demorar. Dá-me apenas o resumo da semana que estive ausente – pede Daniel, entrando no elevador particular que leva para o último andar onde é a sala da presidência. Enquanto sobem, Suzana vai fazendo seu relatório e Daniela é forçada a admitir a si mesma que a assistente é eficiente e objetiva, falando com precisão.

Quando saem do elevador e entram na sala da presidência, Daniela nota que é luxuosa, sóbria e grande, com móveis antigos. Em cima da enorme secretária de madeira maciça vê alguns monitores e um computador portátil. De frente para a mesma há três cadeiras do tipo executivo e, mais para trás, seis enormes poltronas de couro – duas delas para dois lugares – muito confortáveis e em semicírculo, com uma mesa de centro que forma uma mini sala de reuniões, do tipo informal. A um canto, uma bela lareira de pedra e ao fundo, vê-se outra sala, para reuniões, com uma mesa enorme e capacidade para mais de trinta pessoas. Do outro lado, aparece uma pequena sala de jantar e um lavabo. Atrás, o janelão que se abre para uma varanda de lado a lado, já que esta é a cobertura do prédio de dez andares. Dali, vê-se todo o complexo. Em cima, fica um heliporto.

Daniel começa a falar:

– Há uma semana mandei para cá um homem desempregado. Sabes algo dele?

– Imaginei que quisesse saber algo, chefe. – Responde Suzana, sentando-se à frente da mesa. – É um bom homem e trabalha com afinco, tendo aparência feliz. Colocamo-lo na divisão de engenharia, pois a avaliação psicológica achou o melhor lugar para ele, que é engenheiro elétrico, especializado em magnetismo. Tem um QI impressionantemente elevado, ultrapassando os cento e cinquenta.

– Sério? – Daniel mostra surpresa. – Computador: apresenta a ala de engenharia, setor quatro.

Do teto desce um monitor enorme, transformando o ambiente em uma sala de cinema. As imagens que aparecem são em tamanho natural e tridimensional.

– Su, certifica-te que o homem que eu trouxe hoje para o hospital, seja muito bem tratado. Ele é um mendigo cego e eu quero que tenha do bom e do melhor, junto com os outros dois, mas desejo que tenha prioridade no tratamento. Agora, por favor, deixa-nos a sós.

– Claro, chefe, mas não se esqueça que qualquer um aqui é tratado assim. – Suzana levanta-se, sorrindo. – Com licença. A propósito, o doutor Hans deseja conversar consigo.

– O que será que ele quer desta vez? – Pergunta Daniel, franzido o sobrolho. – Faz tempo que não me dá folga. Quando saíres, por favor, liga para ele e passa-me a ligação ou manda a Patricia fazer isso.

– Claro. – Vira-se para o elevador. – Foi um prazer conhecê-la, senhorita Chang.

Daniela nota que ali, no seu meio, o namorado parece outra pessoa, irreconhecível, habituado a dar ordens e a ser obedecido por todos, mantendo-se, entretanto, sempre educado e simpático. Quando a assistente sai, Daniela explode:

– Su, querida! Tá muito íntimo dela, né?

– Computador: lacra a sala e não registres nada do que se passar aqui. – Ordena com um sorriso trocista. – Elimina dos registros os últimos trinta segundos, obrigado. Pronto, amor, agora podes berrar à vontade que ninguém ouvirá.

– Puxa vida! – Daniela está de cenho franzido, o que não afeta a sua beleza. – Ela é muito bonita, toda dengosa pro teu lado. Ainda se fosse feia e desdentada, mas é uma das mulheres mais bonitas que já vi, muito mais bonita do que eu e está apaixonada por ti.

– Daniela, ninguém é mais bonita do que tu – abraça-a com ternura – pelo menos para mim. E ela não está aqui porque é bonita, embora seja muitíssimo bela. Está aqui porque é inteligente, fala muitas línguas e eu preciso dela, minha Dani espoletinha. Além disso...

– O quê? É muita coincidência! – Interrompe, empertigada.

– Que coincidência? – Pergunta – "que vacilada" – pensa. – O que foi, amorzinho?

– Primeiro minha Danizinha, agora Dani espoletinha?

– Ora, mas não é verdade? – Pergunta, sorrindo e puxando-a para si.

– Tá bom, mas há algo estranho e ainda vou descobrir. – Diz ela, decidida. – Puxa vida, tchê, eu não sou de ferro! O que ias falar quando te interrompi?

– Apenas que duvido muito que ela seja apaixonada por mim, sem falar que é quase onze anos mais velha que...

– Para com esse papo de onze an...

O videofone toca, interrompendo o casal e, num dos monitores que estão em cima da mesa, aparece a imagem de um homem não muito novo e de péssimo humor. Quando abre a boca para falar, Dani não entende nada.

Heil herr doktor. – Diz Daniel, falando alemão. – O que deseja?

– Senhor Daniel. Preciso o quanto antes de um auxiliar, mas um que entenda de física atômica, mais precisamente fusão nuclear.

– "E pra beber não vai nada?" – Pensa Daniel. – O senhor tem ideia de onde eu poderia arrumar um desses por aí? – Pergunta o rapaz. – Afinal isso não é como ir ao supermercado. Ao menos indique-me o nome de um cientista e eu encarrego a minha equipe de achá-lo e contratá-lo. O meu material não é suficiente? Ninguém na divisão de física pode ajudá-lo?

– Esse é o meu problema, não sei onde achar um cientista decente e a sua divisão de física é um desastre. Nem mesmo falam alemão! Mas pode mandar a sua equipe procurar alguém. O seu material é muito bom só que você sabe física. É muito teórico, demasiado complexo para mim e preciso de um físico que me ajude a interpretar isto e que seja um pouco mais normal que o senhor. Eu sou engenheiro nuclear e não físico.

– Está certo, doutor. Vou ver o que consigo. – Afirma, despedindo-se e desligando.

– Como a língua alemã é feia – diz Daniela. – Esse aí até parece André falando do teu trabalho!

– É mesmo. – Daniel dá uma risada, aliviado por ela ter deixado de pensar no assunto anterior. – E agora, onde vou achar um físico nuclear que entenda de reatores de fusão e que tenha a paciência de aturar o mau humor deste cara... Queres conhecer o complexo?

Levantam e vão saindo, quando ela diz:

– Se te dá um troço agora, morremos os dois aqui, NÉ? Como eu ia destrancar a sala?

– Eu nunca fiquei doente na vida, amor. E não seria agora – responde, sorrindo – mas bastaria ordenares ao computador que abrisse a sala. Ele está programado para te obedecer incondicionalmente.

– É mesmo? – Questiona, incrédula. – Como, se nem conhece a minha voz?

– Computador, com quem estou a falar aqui na sala e qual o nível de autoridade dessa pessoa?

– Senhorita Daniela Chang – responde a máquina – nível de acesso máximo. Autoridade total.

– Mas como!?

– Amor, este complexo, a minha casa, os meus portáteis, o meu telefone e os meus carros, integram uma poderosíssima rede neural que desenvolvi junto com um amigo. Em casa, disse ao computador que te deveria obedecer integralmente, pois defini autoridade total. O aparelho já ouviu conversas nossas várias vezes e já te conhece. Hoje, viu o teu rosto nas câmeras de segurança. Aqui, até sabe ver. Se chegares ao portão da minha casa e solicitares acesso, ele abre a porta na hora. Por sinal, na minha casa o computador também tem capacidade de reconhecimento óptico. Como já te viu aqui, ir-te-á reconhecer na minha casa. Só que não te aconselho a fazeres isso, porque os cães não integram a rede neural e não te conhecem. É melhor que te anuncies antes, pois não quero ficar sem ti – termina Daniel com uma risada. De braços, dados eles saem a passear pelo gigantesco complexo.

– Dan, quantos empregados tens aqui?

– Ao todo, pouco mais de quarenta mil.

– E tu conheces todos? – Pergunta ela, admirada.

– Claro, jamais me esqueço de alguém.

O namorado mostra como os membros artificiais são feitos. Entrando em um complexo de três grandes prédios conjugados que formam um H entre eles e explica:

– Aqui, neste prédio, fica o departamento de engenharia biônica. O prédio transversal da esquerda é o departamento de robótica e o da direita é o de engenharia elétrica. Assim, estes setores trabalham totalmente integrados.

– Uma equipe dos nossos engenheiros – continua – está trabalhando em um coração artificial e, com ele, os problemas de rejeição dos transplantes, que ocorrem há mais de um século, terminarão. Eu mesmo criei o desenho do primeiro protótipo e já estão aprimorando. Vem, quero-te mostrar algo.

Daniel leva-a pelo corredor central e entram numa porta em que está escrito "Projeto Cárdio". Alguns cientistas trabalham ali e, ao verem o casal, cumprimentam-nos com um aceno de cabeça. Daniel corresponde e puxa a namorada pela mão para um canto da sala, ela vê um cão da raça boxer, muito bonito e bem velhinho.

– Este é o Róger. – Explica, acariciando o cão. – Teve um ataque cardíaco e foi mantido vivo por instrumentos até que implantamos o primeiro coração artificial nele. Eu adoro este cão, o meu primeiro. Vem, ele é muito dócil.

Ela aproxima-se e afaga o cão, que logo corresponde com umas lambidelas arrancando um sorriso da moça, que adora animais.

– Que graça!

– É sim, amor. Infelizmente, tem de viver aqui pois a capacidade energética do coração é baixa e precisa de carregar as baterias a cada oito horas. Mas ele é bem tratado e todos no complexo gostam do Róger, que é o futuro de muitos seres humanos. Esse é o nosso grande desafio da atualidade: melhorar a capacidade energética do coração para torná-lo viável nos humanos.

À frente e no meio do conjunto de laboratórios, fica um gigantesco parque, muito arborizado e com lindos jardins. Do outro lado é o complexo hospitalar que ela já conheceu.

– Lá ao longe – aponta para um par de prédios de cerca de dezesseis andares cada – são apartamentos para visitantes. Temos muitos quartos pois há várias pessoas de fora vindo aqui. A cobertura é a minha residência, quando preciso de ficar aqui. A do outro prédio é da Su, que vive lá. Não adianta fazer beiço, Daniela – diz ele, rindo e afagando-a carinhosamente – ela ajudou-me a fazer isto tudo. Também há quartos para cientistas ou funcionários que queiram descansar. Adotamos as mesmas filosofias da Google e da Microsoft que, no final do século passado, já dispunham de total flexibilidade para os empregados. Ali – aponta para um grupo de quatro construções à direita do complexo de engenharia – fica o centro de pesquisas nucleares. Este complexo tem um tamanho de duzentos e quarenta hectares. Grande, né? E tem muito mais. Ali, à esquerda dos prédios residenciais é a ala de recreação, que tem salões de festas, salas de jogos e de descanso. Temos quatro restaurantes que funcionam vinte e quatro horas por dia. Mais à esquerda, fica o setor desportivo, com ginásios, campo de futebol, atletismo e academias de ginástica. Ligando todos os prédios há uma rede subterrânea de esteiras rolantes. Lá, é um bosque artificial de eucaliptos. Ainda há muito espaço para crescermos. A meio caminho daqui para Ipanema, temos um condomínio horizontal com mil e duzentas casas para os nossos empregados de fora ou que não têm para onde ir.

Mudando de assunto com uma velocidade impressionante, continua:

– Sabes, podíamos fazer um belo churrasco na minha casa neste fim de semana. Convidamos o Paulo, a Cláudia e vemos o que vai dar.

– É melhor caprichar na cerveja para desinibir os dois, porque ela também é apaixonada por ele, mas não sabe como chegar. Isto é simplesmente lindo, amor, e parece saído de um conto de ficção. Acho que devemos voltar, está ficando tarde.

– É sim, e não viste metade ainda. Outra ocasião ensino-te a falar com o computador. E não te preocupes pois agora, sem o cego no carro, vou andar muito mais rápido.

– Senti uma pena tão grande por ele. – Afirma ela.

– Eu também, acho que daria umas bofetadas no filho dele, se tivesse oportunidade.

― ☼ ―

Alemão: salve, senhor doutor.

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