Capítulo 4 - parte 1 (não revisado)
"O mundo é um lugar perigoso de se viver, não por causa daqueles que fazem o mal, mas sim por causa daqueles que observam e deixam o mal acontecer."
Albert Einstein.
É novamente aula de física e, nesse dia, haverá a segunda reunião dos mestres para as notas do trimestre, o conselho de classe. Daniel entra sala, deixa na mesa do professor um maço não muito pequeno de papeis impressos e segue direto para o seu lugar no fundo da aula. Sente-se leve e feliz como há muito não se lembrava. Ao ver Daniela, pisca discretamente para ela que lhe sorri docemente, linda e com os olhos amendoados muito brilhantes.
– Posso saber do que se trata isto, senhor Moreira? – Pergunta André.
– O senhor não me exigiu um trabalho sobre fusão? – Questiona o jovem, sorrindo polidamente. – Aí o tem. Se gostar, podemos trocar algumas ideias, pois gostaria de saber o que acha da minha teoria.
– Vais me dizer que fizeste isto em uma tarde, rapaz?
– Definitivamente não, senhor professor. – Responde Daniel, inocentemente. – Ontem fiz outras coisas de cunho particular! Esse trabalho já é antigo, do ano passado. Mas, como o assunto é exatamente o que o senhor deseja, aí o tem.
– Estás me dizendo que fizeste um trabalho de física nuclear aos quinze anos e espontaneamente! Vou fingir que acredito e aceitar isto...
A aula é de dois períodos e está enfadonha, até que no seu e-mail chega uma mensagem em chinês.
– "Que saudades de ti" – escreve a Dani – "te amo demais."
Como resposta, ela recebe um avatar com um sorriso e, logo depois, um lábio mandando um beijo. Este, para sua infelicidade, provoca uma risada geral pois o computador da moça está com o volume alto, fazendo algum barulho.
– Mas o que vem a ser isso? – Questiona o professor que tem um excelente ouvido, identificando exatamente a direção. – Parece que veio da senhorita Chang. Algum problema?
– Não, foi alguém que me mandou uma mensagem. – Responde corada, mas sorrindo muito.
– Então, faz o favor de desligar o áudio e centra o computador na minha apresentação, do contrário, perdes a aula.
André, naquele dia em particular, não está nos piores humores, mas a situação muda quando ele começa a ouvir barulhos de beijos de todos os computadores da sala, ao mesmo tempo que os alunos, olhando para o telão, irrompem numa estrondosa gargalhada. Lentamente, prenunciando muita incomodação, olha para a tela e recua um passo, de boca escancarada.
Bem na frente dos seus olhos, que não acreditam no que veem, a tela está totalmente por um lábio sem rosto beijando ruidosamente uma nádega. Há medida que vai absorvendo a informação, começa a ficar muito vermelho e zangado.
– Muito bem, quem foi o engraçadinho – berra este, para ser ouvido em toda a sala de aula – quero saber quem foi ou dou zero para todos.
O susto é tamanho que se forma um silêncio total quase instantâneo. No mesmo ato, Daniel levanta-se e afirma:
– Fui eu, professor. Peço perdão pela falta de educação!
André já ia despejar uma torrente de palavras quando a Daniela levanta-se e diz:
– Não, professor, fui eu.
Um por um, os alunos vão-se levantando e dizendo: "Não, professor, fui eu."
– Está bem, chega. – André dá um berro para que parem. – Por hoje passa, mas não repitam isso senão...
Senta-se, suspirando. Cansado, passa a mão nos cabelos e olha as horas, vendo que faltam apenas quinze minutos para terminar o período. Seus olhos pousam sobre o trabalho do Daniel. Passa uma folha, a segunda... Irritado, diz:
– Senhores, estão dispensados. Daniel Moreira, fica aí que desejo falar contigo.
– Sim, professor.
Quando todos saem, André vira-se para o aluno:
– Tu pensas que eu sou besta? – Berra, chacoalhando o maço de papéis do trabalho do rapaz quase que na sua cara.
– De jeito algum, professor. – O fato do aluno ter um rosto e atitude completamente impassíveis irrita-o ainda mais e André continua, aos berros:
– É o que parece, pois este trabalho foi publicado na internet, no ano passado.
– Tem razão. Foi sim e por mim. Pode ver a assinatura.
– Tu queres que eu acredite que esta obra genial, que já conhecia muito bem e repleta de equações diferenciais que até eu tenho dificuldade em acompanhar foi escrita por ti, um garoto de dezesseis anos? – Riposta o professor, irado. – Já te deste conta do ridículo da questão?
– Agradeço muito pelo genial e, em relação a dezesseis anos, o senhor está enganado: eu tinha quinze. Quanto ao ridículo ou não, expus uma teoria e ninguém aceitou, embora eu ainda acredite nela. Por isso disse que gostaria de trocar uma ideia.
– Eu aceitei – berra o professor, rubro – eu aceitei e tu insistes nessa mentira?
– O senhor ofende-me, professor. Eu jamais menti em toda a minha vida.
– Desaparece da minha frente, Daniel. – Ordena o mestre, exasperado. – Tão cedo, não passas de ano comigo.
– Nesse caso, serei obrigado a processá-lo. – André nota que Daniel está irritado. – Agora, se me dá licença, tenho uma coisa muitíssimo mais importante para fazer do que discutir uma merda de teoria. E fique sabendo, seu obtuso, que eu já era capaz de resolver equações diferenciais desse tipo aos quatro anos.
Estupefacto, o professor fica apenas olhando o aluno sair da sala de aula.
― ☼ ―
Ao sair, o jovem encontra a Dani, que o aguarda no corredor.
– O que ele queria, Dan?
– Sujeitinho teimoso – comenta Daniel, que lhe conta tudo.
– Amor, independente do teu trabalho ser certo ou errado, já te ocorreu que ele não consegue acreditar que uma pessoa tão jovem possa entender tanto de física?
– Tens razão – olha para ela e beija-a – vamos. Como lhe disse, tenho coisas muito mais importantes a fazer do que discutir uma merda de teoria.
– Xi! Ele ficou zoado na certa. – Saem, rindo, muito abraçados.
― ☼ ―
No conselho de classe, discutem a turma do Daniel.
– Senhores colegas – afirma o professor André, que toma a palavra. – Tenho um problema grande, no mínimo muito delicado.
– Diga, André – pede um colega – o que foi que houve para estar tão sério e preocupado?
– É o Daniel Moreira, um garoto quieto no fundo da aula. Ele atua de forma estranha. Ao fazer as provas não desenvolve as equações e apresenta o resultado na hora. – Toma um gole de café e continua, após um suspiro. – Quando reclamei, tá certo que fui um pouco brusco, tentou ridicularizar-me perante a turma com um sucesso parcial. Ao exigir um trabalho sobre fusão a frio, trouxe-me um material da internet que eu já conhecia, cujo autor considero superior a todos os outros que já li e ele, simplesmente, intitulou-se o dono da obra! Não sei o que faço! Ainda por cima, ameaçou-me de um processo.
– Eu também tive problemas com ele – comenta Marcos, muito sério – quando reclamei da velocidade com que respondeu a prova de inglês, negou ter o gabarito e afirmou que sabe falar diversos idiomas.
– E o que o impede de saber vários idiomas? – Questiona Denise, professora de geografia e que adora o rapaz. – Eu, pessoalmente, assisti o garoto gabaritar a minha prova em cinco minutos. Isso só demonstra que ele é muito bom.
– A minha também fez em muito menos de cinco minutos, bem em frente aos meus olhos. – Comenta a professora de matemática, enfática. – E não estava colando. Céus, ele é muito bom. Quem me dera que todos os meus alunos fossem assim!
– Mas ele sequer participa das aulas, está lá no fundo, quieto...
– Senhores – o diretor decide interferir na reunião, pois geralmente apenas escuta – deixem-me contar uma história. No inicio do ano, o tio do Daniel Moreira veio até nós do Rio de Janeiro, onde vive, a pedido do garoto. Notem bem: a pedido do rapaz, pois ele desejava matricular-se neste colégio. Tem dezesseis anos e o seu QI é tão elevado que não pode ser medido. Podia estar em uma universidade agora. Harvard, ou qualquer outra, lecionando. Mas está aqui, em Porto Alegre, porque quer aprender a conviver com pessoas da sua idade. Os conhecimentos que vocês têm e ensinam, já possui há muito tempo e sabe de tudo, mas argumenta que precisa de viver como todos os outros garotos para poder compreender e ser compreendido. Nasceu aqui e com menos de um ano foi para a China, onde viveu até quase aos treze anos. Fala com fluência diversos idiomas, entre alemão, inglês, francês, polonês e alguns outros. – A boca do professor Marcos parece que nunca mais fechará. A cada palavra ouvida, desce um pouco. – No ano passado, os pais morreram em um acidente de trânsito. Ele é emancipado, tranquilo e nunca mente. Também é o responsável legal por si mesmo. Então, André, pode ter certeza de que foi ele que escreveu esse tratado sim. Mas o que o tio mais implorou foi o anonimato. Há uma forte suspeita de que os pais tenham sido assassinados e o tio acha que ele pode correr perigo, principalmente porque é muitíssimo rico. Eu vejo como sábia a decisão do rapaz em querer conviver com garotos da sua idade, pois basta ver que Daniel é alvo de chacota de muitos colegas; porém, é calmo e pacífico.
– Professores – continua o diretor – ele é realmente o que vocês viram. Tem memória fotográfica e é um bom garoto, lembrem-se disso.
– Caramba – diz Marcos, pensativo. – O que será que a Chang disse para ele em chinês? E o que terá ele respondido ao ouvido dela? Agora entendo, ele falou no ouvido da garota porque foi em chinês e não queria chamar a atenção. Mas ela ficou zangada, muitíssimo zangada. Tentou esbofeteá-lo e depois saiu correndo a chorar!
– Olha, Marcos – afirma a professora Fabiana, de História – o que quer que tenha acontecido, foi bom para os dois, pois estão profundamente apaixonados. Vi-os agora há pouco, passeando abraçados um ao outro e parecia uma cena de filme romântico. Formam um belíssimo casal. Foi lindo de ver a alegria e a harmonia de ambos.
– Quem diria – Marcos sorri – e isso começou na minha aula. Bem, vou trocar a nota dele, já que não faz sentido este zero.
– Eu também, mas quero discutir isto com ele – acrescenta André, chocalhando o Tratado de Micro Fusão a Frio e com os olhos brilhando. – Aqui, ele teoriza que é possível desenvolver geradores minúsculos, portáteis...
Nesse momento, uma das coordenadoras interrompe a reunião.
– Senhor José, temos uma briga no pátio e são seis contra um. Acho melhor correrem, pois eles vão massacrar o garoto.
– Onde? – Pergunta o diretor assustado e levantando-se rapidamente.
– Aqui perto. No meio do pátio central.
Enquanto o diretor corre, acompanhado de dois professores, os demais, impressionados, comentam sobre o aluno prodígio.
― ☼ ―
O feliz casal, de mãos dadas, afasta-se do pátio e vai em direção à piscina pois a lanchonete dela é mais calma e tem muito menos movimento. Caminham em silêncio, encostados um contra o outro em total cumplicidade com os olhos brilhantes e cheios de alegria. O que ambos mais querem sentir é o toque dos seus corpos. Quando chegam ao bar, este conta só com um ocupante, Paulo, que ao ver o par tão juntinho engasga-se todo, cuspindo o refrigerante em um ataque de tosse.
– Caramba, tchê – sorri, com os olhos esbugalhados, cheios de lágrimas da falta de ar – ontem, ela tenta esbofetear-te e hoje estão namorando! Será que isso ia funcionar comigo?
Rindo, o casal senta-se com ele.
– Por que não? – Questiona Daniel, professoral, entre o sério e o brincalhão. – Primeiro, tens de achar a tua alma gêmea. Depois, falas uma besteira bem grande, de preferência em cantonês é claro, ah sim, no ouvido dela. Se ela não te matar... vocês namoram.
– A alma gêmea eu já encontrei – ri o amigo – só falta ela saber disso.
– Então fala para ela, Paulo – diz Daniela, com um sorriso matreiro – quem sabe Cláudia apenas ainda não sabe disso.
Quando termina de falar, ela nota que Paulo vai ficando cada vez mais vermelho e nervoso. Irritado com Daniel levanta-se.
– Tu... tu... tu – gagueja, furioso e de dedo em riste para o amigo – tu... tu...
Por mais que tente, o coitado fica travado, deixando a Daniela divertidíssima, Ao fim de algum tempo, interrompe-o, falando com a voz doce e meiga:
– Paulo, só há uma pessoa nesta escola que não sabe disso e essa pessoa é justamente a Cláudia. Devias falar com ela e poderias ficar surpreso com a sua reação, muito mesmo.
Paulo é um cara bonitão, mas diferente do Daniel, pois é do tipo fortão, mais baixo que o amigo, com uma musculatura que impressiona qualquer um e, ainda por cima, é um exímio lutador de boxe. Já Daniel é mais alto, do tipo atlético, com músculos bem definidos sem parecer hipertrofiado. Só que Paulo é muito, muito tímido, quando se trata de garotas. Após o lanche, o amigo sai e o casal fica a sós.
– O que vais fazer hoje de tarde? – Pergunta Daniela.
– Decidi tirar a semana de folga e podemos passear – responde o rapaz – mas, de preferência, sem assaltos.
Riem e levantam-se para retornar à escola. Chegando ao pátio principal, o casal que caminha de mãos dadas na mais pura paz de espírito e sem olhar nada em volta, cruza o caminho de um grupo de colegas, os "valentões da escola". Daniela só se dá conta quando ouve as provocações.
– Xi, olha aí, o boiolinha arrumou uma namorada. – Diz Osmar, o maior deles, um gigante até para Daniel que já é alto. Este coloca-se no caminho do casal. – Tá virando homem é? Oh, gatinha, sai dessa. Aqui que tem omi. – Acrescenta, batendo no peito.
– Por favor – diz Daniel, gentilmente – não desejo confusão. Deixe-nos em paz.
– Cala a boca, babacão. – Vocifera um dos rapazes.
― ☼ ―
A escola é bastante grande e Paulo está relativamente afastado do pátio central. Caminha tranquilo pensando na novidade do seu amigo namorar a grota que praticamente liderava as chacotas contra ele. Por outro lado, não só notou a transformação da colega, como sentiu a felicidade de ambos. Nesse momento começou a querer entender o que a Dani havia dito. Ela falara como se a Cláudia também fosse apaixonada por ele.
Com um surto de esperança alegra-se e já começa a imaginar uma forma de se aproximar dela, sorrindo. Nesse preciso momento ergue os lhos e vê, ao longe, a encrenca formando-se contra seu amigo. Com uma sonora praga, inicia uma corrida enquanto pensa:
– "Esses diabos vão massacrar Daniel, que droga." – Sabe perfeitamente que dificilmente chegará a tempo de o salvar pois está a mais de duzentos metros, mas não desiste.
― ☼ ―
A coordenadora vai caminhando pelo pátio, tendo o cuidado de monitorar todos os alunos para evitar qualquer tipo de desavenças.
Por isso, depara-se com a briga eminente e sabe que para aquilo ela não tem a autoridade necessária, visto que se trata dos valentões da escola.
Sem pensar duas vezes apressa-se em direção à sala dos professores para chamar o diretor e alguns professores que sejam de estatura grande.
― ☼ ―
Daniela nota que começa a juntar bastante gente para assistir, alguns de celular na mão, pois todos adoram assistir uma boa briga, inclusive quando esta é injusta e cruel. O namorado tenta desviar-se dos provocadores, segurando-a pelo braço e puxando por ela. Presta atenção em Osmar, o mais afoito e prevalecido deles, que avança para tentar agarrá-la.
Vendo que não há mais como evitar, Daniela solta-se do namorado, pois sabe lutar e muito bem. Recua e dá um forte pontapé no rosto do grandalhão, derrubando-o e deixando-o tonto com um filete de sangue no nariz.
Daniel volta a pegar a namorada, puxando-a para trás de si, enquanto os amigos valentões caem na gargalhada, o que afeta a autoridade do Osmar.
– Olha aí! Não é que a gatinha sabe dar porrada? – Diz um dos da gangue. – Agora, já sabemos qual dos dois usa calça comprida, né seu boiola?
– Por favor – Daniel volta a pedir – deixem-nos em paz. Não gosto de brigas, mas não posso permitir que nos machuquem. Se nos atacarem, serei forçado a me defender e será péssimo para vocês, na verdade para todos nós.
Paulo vai ganhando terreno enquanto corre feito um louco, já ofegante. Passa voando pelos diretor e dois professores, André de física e Toninho de atletismo, os maiores da escola que também começam a correr em direção ao conflito iminente.
– "Vá, lá. Mas quinze segundos, tchê, é o que eu preciso para alcançar vocês." – Pensa, preocupado. – "Enrola esses babacas mais uns segundos, Dan, que estou chegando."
Nesse momento o jovem vê a Daniela acertar um chute forte no rosto do colega enquanto o amigo põe-na atrás de si e tenta acalmá-los. Já está a meros dez metros do casal quando ouve o grandalhão rugindo:
– Ninguém bate em mim – atira-se à carga – nem mesmo uma garota.
Paulo chega no exato momento em que algo que achava impossível acontece. Daniel, rápido como ele nunca viu, avança um passo e agacha-se para desviar do soco, enquanto ergue graciosamente um dos braços e, usando a palma da mão, desfere uma patada no peito do agressor com tal violência que o sujeito, que pesa mais de noventa quilos, tem o seu avanço bloqueado e voa uns cinco metros, caindo inanimado no chão.
Apesar de atônito ele não perde tempo e puxa a Daniela para trás, fora da região de risco. Volta-se para enfrentar os demais, pois eles atacam simultaneamente. Contudo, antes que possa fazer algo, vê Daniel movendo-se com uma velocidade estonteante. Com a agilidade e a graciosidade de um grão mestre de artes marciais, coloca-se no meio deles, desviando-se dos ataques e desferindo golpes tão rápidos e certeiros que em menos de quatro segundos estão todos caídos no chão, cheios de dores e completamente incapazes de se mexerem. Não estão, entretanto, feridos.
– Mas bah – comenta Paulo, olhando o líder da gangue – isso que eu vi parava até um pingo1 desenfreado, tchê!
― ☼ ―
Os docentes, apavorados, assistem a mais fulminante e curta briga da história daquele colégio, chegando junto ao grupo mesmo a tempo de ouvirem o jovem falando:
– Eu sinto muito – diz para os agressores – peço desculpas, mas não me deixaram alternativa. Bem que vos avisei.
Incrédulo, o diretor ouve o rapaz pedir desculpa aos agressores e, depois, aproximar-se do Osmar para examiná-lo, que está bastante ferido.
– Meu Deus, rapaz – diz o professor de atletismo – o que fizeste?
– Foi legitima defesa, senhor – afirma Paulo – eu assisti tudo e vim ajudar, mas nem deu tempo!
– Ele me assediou, tentou me agarrar. – Comenta Daniela, zangada. – Apanhou pouco, isso sim!
– Senhores, este sujeito precisa de assistência médica com urgência. – Interrompe Daniel, preocupado. – Recebeu uma pancada muito forte e tem, pelo menos, cinco costelas quebradas. Temo que possa ter perfurado o pulmão. Eu sinto muito, mas não tive escolha.
– Muito forte, rapaz? – Pergunta incrédulo o professor de atletismo, esporte que Daniel pratica no colégio. – Isso que eu vi fazeres era capaz de derrubar um touro enfurecido, e dos grandes!
– Sinto muito, Toninho, tentei moderar a força, porém, não tive muito tempo para avaliar a situação. Procurei bater mais fraco, mas enganei-me. Ela corria perigo e eu não podia permitir que a ferissem. Peço desculpas.
– Vocês – José, severo, olha para os rapazes ainda caídos e cheios de dores – para o meu gabinete. Tu – aponta um assistente da plateia – pede para a dona Inês chamar socorro para este idiota. Quanto a vocês, nós vimos tudo e são inocentes. Não se preocupem com os pais deles, pois as câmeras de segurança são prova suficiente de legítima defesa. Podem ir.
– Senhor, peço que não expulse os colegas. – Solicita Daniel, sempre bondoso. – Afinal, já pagaram caro pelos seus atos.
– Vou pensar no assunto, filho, fique tranquilo.
Os três retiram-se com aplausos dos que estão no pátio.
– Era isto que eu sempre quis evitar. – Afirma Daniel, contrariado e de ombros caídos.
– Mas que barbaridade, tchê – emenda Paulo, espantado – ainda bem que és meu amigo! Que raio era aquilo? Jiu-jitsu? Nunca vi um balé tão lindo e mortal! Eu sou muito rápido, mas nem no cinema vi algo como o que tu fizeste ali!
– Não, é Kung-fu – diz Dani, com os olhos brilhando – mas um Kung-fu muitíssimo avançado. Eu conheço-o bem só que jamais cheguei a tanto. Garra do Tigre sobre o grandalhão e mistura do Dragão com a Garça nos outros. Lindo demais, só um monge Shaolin saberia isso com tanta perfeição.
Chateado, Daniel pede:
– Vamos mudar de assunto? Estamos falando de seres humanos.
– Ei, Dan, esquece isso. Não foi possível evitar e vi tudo. Humanos ou não, eles imploraram por isso.
– Ok, Paulo, mas eu odeio ferir seja quem for.
― ☼ ―
Passa uma semana e o casal está cada vez mais próximo e feliz. Na escola não acontecem mais incidentes, pois quem não viu, ouviu, e Daniel passa a ser respeitado por todos, só que, por incrível que pareça, não é temido por ninguém, talvez porque ele nunca reivindicasse o título de valentão ou, mais precisamente, de imbecil, continuando a ser quem sempre foi. As provocações, entretanto, desaparecem como que por encanto. A única grande diferença nele é que, ao reencontrar o amor da sua vida, torna-se uma pessoa alegre, muito feliz, estando sempre sorridente e bem disposto.
– Amor – diz Daniela – o meu pai gostaria que fosses jantar lá em casa. Quando eu falei de ti, ele se lembrou do teu pai, só que não lhe contei o que aconteceu. Tu podes ir?
– Claro que posso, amorzinho. Afinal já é hora de enfrentar o sogro. – Diz este com uma risada alegre. – A que horas?
– Às oito. – Responde ela, beijando-o nos ombros. Ambos estão deitados na cama, no motel onde tudo começou. – Acho melhor irmos. Estamos aqui há mais de três horas.
– Três horas? – Virando-se de lado, Daniel puxa a sua amada e abraça-a, beijando-a e acariciando-a. – Pareceu só três minutos!
– Nada disso – escapa do seu puxão. – Temos coisas para fazer e disseste que eu ia conhecer o teu trabalho.
– Minha Danizinha do coração. – Diz, apaixonado.
– O quê? – Ela fica empertigada. – Onde ouviste isso?
– Eu não ouvi, amor, eu disse. – Responde, amaldiçoando-se por dentro. – Estava sendo carinhoso.
– Deixa para lá – retruca, abalada - é que me chamavam assim há muitos anos.
– Desculpa, se te desagradei.
– Não, eu gostei. É gostoso – responde, franzindo a testa – só que me traz uma lembrança de algo que acabou mal, talvez por minha culpa e que me deixa muito triste até hoje. Apenas não me lembro, como uma névoa na frente dos meus olhos, um véu. Mas, como costumas dizer, deve ter sido em outra vida.
– Claro, meu amor, lembranças de outras vidas ficam embotadas e enevoadas até estarmos prontos para elas.
– De vez em quando tu tens cada filosofia! – Ela sorri para ele.
– Sim, gafanhoto. – Responde com uma risada.
– Que diabo é isso?
– Nada, apenas um seriado americano muito bacana criado em 1972. Eu vi uma reprise há pouco tempo. Chama-se Kung-fu.
– Mas isso foi há mais de cento e vinte anos! Por que dizes Kung-fu e não Wushu?
– Eu sei, mas é muito bacana e tem uma filosofia lindíssima. Ninguém aqui sabe o que significa Wushu, então acostumei, mas o seriado em questão tinha exatamente esse nome, Kung-fu. Poderia até falar Gong-fu – Daniel ri – mas iam achar que eu estaria falando errado.
– Qual é o teu estilo principal, amor?
– Shaolin Quan, Dani, uma vez que aprendi com um monge Shaolin, mas conheço alguns outros. Na verdade, trinta estilos completos. Meu mestre é o maior da China.
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