Capítulo 3 - parte 2 (não revisado)

Ao terminar a aula de inglês, os alunos são dispensados e Daniel segue para o bar da piscina, atendendo ao recado no e-mail. Senta-se na mesa e aguarda-a, bastante ansioso. Pouco tempo depois, aparece. Sorrindo e tremendo um pouco, ele diz:

– Sempre impulsiva e mais bela que nunca.

– O quê? – Pergunta a garota, enrugando a testa – que disseste?

– Daniela, a primeira vez que te vi, jamais consegui te esquecer. E tu? Até há pouco tempo só me travavas mal! Por que é que mudaste tão de repente? Não pode ser só o que aconteceu hoje. – Tenta ver se a garota lembra de algo, mas não quer insistir.

Daniela senta-se ao seu lado, bem próxima, procurando tocá-lo com o corpo. A lanchonete está vazia àquela hora, pois todos os alunos que foram dispensados rumaram para as suas casas, doidos para saírem da escola. Na mesa, ambos conversam sozinhos.

– Não sei, juro. – Docemente, põe as mãos sobre as dele. Os olhos têm um brilho novo, intenso. Em cantonês, continua. – É como se viéssemos de outra vida e apenas agora descobrisse.

– Disso, podes ter a certeza – afirma ele num suspiro, falando a mesma língua – mas tenho medo de sofrer novamente!

– Novamente? Às vezes bem esquisitinho. – Ela ri. – Quando foi a primeira vez?

– Talvez na outra vida. – Responde sem sorrir.

Mais séria, ela continua:

– Não sei o que deu em mim, hoje. Mas uma coisa eu sei: descobri algo muito especial que estava sempre à minha volta e eu não via. Eu te amo, Daniel, sempre te amei desde a primeira vez que te vi naquela sala de aula, mas só agora dei conta disso. Precisei deste choque para despertar.

Enquanto diz isso, vai-se aconchegando. Daniel está um pouco desorientado com tudo, mas de uma coisa está certo: não quer que ela se afaste. Ela, a Daniela da sua infância, que não tinha mudado muito.

Só que sabe algo mais, algo que o deixa apreensivo. Contudo, todos os seus temores desaparecem quando ela o beija novamente. Desta vez, não é apenas o amor infantil e ele sente todo o corpo tremer.

– Estás tremendo, Daniel!

– Sim, eu te amo, Daniela, e não imaginei que isto fosse acontecer assim. – Puxa-a para si e beija-a sem parar. Embora não demonstre, ela também treme. – Há tanto tempo que te quero dizer isto, meu amor...

Ficam ali, juntinhos, aos beijos e abraços durante muito mais tempo do que parece, completamente alheios e apaixonados.

– Vamos – Daniel olha as horas – vamos embora que os teus pais devem estar preocupados, pois já passou um bom bocado do horário.

– Eu não tenho horário hoje. – Responde, enquanto procura os seu lábios novamente. – Os meus pais estão fora.

– Então, almoça comigo.

– Claro. – Responde.

Inconscientemente, falam em cantonês, fazendo com que os presentes que nesse meio tempo apareceram, embora poucos, olhem espantados para ambos que nem sequer se dão conta do que fazem. Saem para a rua e Daniel diz, enquanto faz sinal para um táxi.

– Vamos de táxi que deixei o meu carro em casa.

– Teu carro? – Daniela espanta-se. – Tens carro?

– Sim, tenho vários.

– Tu falas como se fosses um desses milionários.

– Por que não? – Daniel encolhe os ombros e sorri. – E sou milionário mesmo. Eu mando na minha vida.

– Perante a lei?

– Sim, perante a lei. Sou emancipado desde antes da morte dos meus pais. Trabalho, tenho a minha própria empresa, carteira de habilitação internacional e brevê para todos os tipos de avião. Pode-se dizer que sou muito bem sucedido.

– Como foi essa história dos teus pais? – Pergunta-lhe docemente.

– Olha, eu não quero falar sobre isso, ok? – Emenda ele. – Não hoje que está acontecendo algo tão bom.

– Daria tudo para tê-los de volta – acrescenta com um suspiro.

– Tá, desculpa – diz Daniela, dando-lhe um beijo no rosto.

― ☼ ―

Parados na beira da calçada aguardando um táxi passar, a garota não entende o que está acontecendo consigo. Absorta nos seus pensamentos olha o seu rosto e pensa que todas as besteiras que ela e outros haviam dito e feito sobre o rapaz ruíram como um castelo de cartas ao sabor do vento. Ele mostra-se uma pessoa bondosa, decidida, inteligente. Talvez não seja nenhum herói, como disse Cláudia, mas o que importa? E, céus, como é belo! Está cada vez mais envolvida por ele sem entender absolutamente nada, pois nunca foi de se ligar a alguém, especialmente de primeira. É um sentimento que transcende a razão e que a confunde, embora não deseje outra coisa.

Está tão concentrada que Daniel precisa de repetir a pergunta duas vezes:

– Dani, acorda. O táxi está esperando. – Lentamente, ela retorna à realidade e vê seu rosto sorrindo. – Pensando em quê, meu amor? Que tipo de comida desejas?

– Escolhe tu. – Ela beija-o e Daniel informa a direção.

– O que tu vais fazer sobre o trabalho de física que o professor pediu? – Pergunta-lhe, já no restaurante, enquanto comem. – Acho que não foi boa ideia afrontá-lo.

– Será? – Questiona, rindo muito. – Eu acho que foi a melhor ideia do mundo e por causa disso estamos aqui, juntos. Que bela ajuda!

– É, vendo por esse ângulo! – Dá uma risada alegre.

– Bem – continua o jovem – quanto ao trabalho, já o tenho há muito tempo. Sou apaixonado por física desde criança. Conheço aquele assunto muito bem.

– Sério?!

– Sério sim. – Confirma. – Eu tenho o conhecimento equivalente a dois doutorados em Matemática e Física, mas agora não é hora pra falar disso.

Continuam o almoço entre conversas e beijos. Após, apesar dos chamegos da namorada, Daniel diz-lhe:

– Daniela, desculpa-me, mas preciso fazer umas coisas. Então dá-me o teu endereço te levar.

A primeira reação da garota é agressiva. Achando-se posta de lado, ela barafusta:

– Puxa vida, que atitude machista. Só para se livrar de mim!

– Como sempre, impetuosa. – Comenta ele, com um sorriso meigo.

– O que queres dizer com isso? – Pergunta, irritada.

– Quero dizer que não mudaste muito desde a tua vida anterior, meu amor. – Responde Daniel, acariciando-lhe o rosto. Ela olha para ele, sem entender absolutamente nada e Daniel continua:

– Esquece, meu amor. Em tempo saberás. Olha, eu vou trabalhar, só isso, ok? De noite, quanto retornar, ligo para ti.

― ☼ ―

Ao largar a garota, Daniel dispensa o táxi, pois decide caminhar. Está a menos de três quilômetros de casa, caminhada que lhe faz bem. Decide que vai trabalhar mais tarde, pois precisa de pôr as ideias em ordem, já que se sente bastante atordoado. Enquanto anda, a sua mente divaga pelas lembranças do passado, sendo arremessado de volta à sua infância.

O que se passou na cabeça do pequeno Daniel, tão bondoso e pacífico, era algo que quem não o conhecesse profundamente, ficaria sem entender. Quando a sua querida Daniela o largara foi como se o mundo desmoronasse. Para si, apesar de toda a sua inteligência, a culpa era dos garotos que estavam ali à frente e uma criança com o coração partido pode esquecer-se de tudo. Quando eles tentaram o novo assalto, este fez o que achava correto. Apenas era desproporcional pois os outros garotos, apesar de mais velhos, não eram páreo para ele em força física nem agilidade. Num caso desses, o resultado invariavelmente seria desastroso e deu no que deu: cinco crianças no hospital, com várias fraturas.

Daniel jamais esqueceria a cara de espanto do seu mentor quando recebeu um policial que veio investigar o ocorrido, embora o caso acabasse abafado, pois os garotos tiveram o que mereceram, já que eram assaltantes.

Mestre Lee, chamou o pupilo para um passeio e perguntou-lhe o que acontecera. Ele, Daniel, nunca mente e disse-lhe a verdade, mas uma verdade com a visão da criança, visão esta que atribuía aos rapazes a culpa da garota tê-lo abandonado.

Pequeno Daniel – disse o mestre – entendo que não goste de violência, mas você errou desde o início. Quando cedeu, deu aos garotos a força para eles ficarem assediando, quando se revoltou, perdeu o controle. Não se pode esquecer de que você é pelo menos cem vezes mais forte que um garoto da sua idade.

Sim, mestre. – Respondeu a criança. – Sei disso, mas eu sentia uma dor muito grande.

Pois então, pequeno Dragão, explique-me por que a menina Daniela fez aquilo? Entender é perdoar. Qualquer um pode ver que vocês já vêm de outras vidas juntos. Agora, explique-me.

Mestre, podem ser muitas verdades!

Não, meu filho, a Verdade é uma só. O resto não é verdade, somente sofismas. Estou esperando...

Após pensar por alguns minutos, o pequeno respondeu:

Ela podia estar procurando um pretexto para suportar a separação?

Exatamente, meu jovem – confirmou o mestre, impressionado com a precisão do raciocínio daquela criança de apenas oito anos – e ela usou os garotos para isso, encontrar um pretexto para não sofrer. Ou, pelo menos, tentar.

Mas ela provocou muito sofrimento com isso. Meu, dos garotos e dela, provavelmente!

Veja bem – divagou o mestre, mostrando como raciocinar – na sua mente, você não teve coragem de os enfrentar. Logo, jamais os pegaria. Por isso, para ela, eles não sofreram e sobrou somente os dois. Descarregando a raiva em si, tinha esperança de reduzir o seu amor, diminuindo o sofrimento dela. Um mecanismo de defesa.

Mas, pela lógica, só trará mais sofrimento para ambos os lados. Principalmente para ela, que terá um terrível complexo de culpa.

Claro, meu pequeno, mas ela é impulsiva e tenho a certeza que é uma das qualidades que você gosta nela.

Será que a verei de novo? – O pequeno suspirou.

Vamos visitar a adivinha da aldeia onde nasci. Ela nunca errou...

É relembrando o passado que ele chega a casa. O seu mestre desde que era bebê e que veio da China com a família, está lá, pois vive na mesma casa.

– Pequeno Dragão – diz este – vejo que está feliz como há muito tempo não o via, filho.

– Mestre Lee – responde o garoto em hakka, pois sempre falam algum dialeto chinês a menos que estejam junto com outras pessoas. – Lembra-se da Daniela Chang?

– Mas claro que me lembro – recorda, sorrindo – você quase matou cinco garotos por causa dela.

Mestre Lee é um homem alto, muito alto para um chinês pois ultrapassa os dois metros, cabeça raspada e olhos que expressam tranquilidade. Tem um grande grau de instrução e, para si, o garoto é como um filho muito especial. Quando a família saiu da China há quase quatro anos, pedira para vir com eles. Olha o seu pupilo e sorri, bondoso.

– Bem, os fatos são discutíveis mas é ela mesmo – acrescenta o garoto. – Eu não falei antes por achar que nunca iria acontecer mas ela estuda na escola comigo e quis o destino que nos encontrássemos e uníssemos novamente.

– Ela está mais bela que nunca, mestre. – Continua.

– Meu filho – diz o chinês, apreensivo – lembra-se do que foi dito pela adivinha?

– Lembro sim, lembro-me que ela profetizou que haveria um reencontro.

– E depois, filho, e depois?

– Pensarei a respeito mais tarde. Hoje, estou leve demais para preocupações e vou trabalhar. O senhor vai comigo?

– Não. – Responde tranquilamente. – Estou aqui porque preciso ir ao centro ver umas coisas.

Daniel entra na garagem e escolhe o seu carro preferido, uma Lamborghini preta. Enquanto sai para a sua empresa, vai pensando e, invariavelmente, as recordações voltam à memória, sentindo-se novamente projetado ao passado.

O pequeno Daniel e o seu mestre saíram cedo, no dia seguinte à conversa.

Mestre Lee – questionou o rapazinho – não é tolice ver uma adivinha em pleno final de século XXI?

Claro, pequeno – sorriu o homem – mas há hábitos e tradições que têm dez mil anos e não morrem tão facilmente. O povo chinês é muito supersticioso.

Que tradição é essa? – Apesar das excelentes estradas, a viajem iria durar três horas. Assim, foram conversando.

Antigamente aqui na China, quando um rapaz atingia a idade considerada adulta era levado para a adivinha, que profetizava as coisas mais importantes da sua vida.

Ainda hoje – continuou o mestre – nas pequenas cidades do interior da nossa província, temos isso.

O que ela profetizou para o senhor?

O que a adivinha fala é somente para os seus ouvidos, meu filho, mas ela profetizou coisas muito boas. A mais importante, era que eu encontraria uma família muito especial e que trabalharia com ela até ao final da minha vida. E aqui está, conheci o seu pai e trabalho para ele...

Mas ainda falta muito tempo até ao final da sua vida, mestre. – Um sorriso alegre passou pelo rosto do professor.

É sim, meu querido, ainda falta muito.

Continuaram em silêncio por algum tempo, até que o garoto perguntou.

Mestre, se a adivinha fala para os meninos que se tornaram homens, das duas uma: ou eu não serei atendido; ou já sou um homem, o que é muito pouco provável.

Com uma grande risada, o mestre respondeu:

Ela falará para você, meu filho. Pode não ser um homem, mas já é mais que uma criança. E muito especial.

Sabe? Eu sinto falta dela. – A velocidade com que o garoto mudou de assunto, teria pegado de surpresa qualquer um menos o seu mentor, que o conhecia bem demais.

É natural pois esse tipo de ferida só se cura com o tempo e você ainda não viveu o suficiente. – Apontou uma aldeia pequenina a trezentos metros da estrada. – Chegamos.

Mestre Lee estacionou o carro em frente a uma casa pequena, mas muito asseada, pintada de branco e bem cuidada. Pediu para o garoto esperar junto ao veículo e aproximou-se da casa, quando uma senhora apareceu junto à soleira. Cumprimentaram-se e ele solicitou para falar com a vidente, indicando o seu nome. Ela fez sinal que a acompanhasse. Este descalçou-se e entrou. Cerca de um minuto depois, estava frente a frente com a adivinha. Inclinando-se humildemente, disse:

Honorável Mãe, como está a sua saúde?

Mestre Lee, que prazer em vê-lo! – A adivinha inclinou a cabeça. – Pensei que se tinha trancado em algum templo Shaolin para meditar. A minha saúde está ótima, obrigada. E, pelo que vejo, a sua também.

A Honorável Mãe sabe que eu não poderia seguir o meu destino estando no templo.

Não, não poderia, e você veio aqui como parte dele, quebrando a tradição para que eu veja um menino que julga muito especial.

Sim, Honorável Mãe – confirmou Lee – rogo-lhe que o receba.

Vejo na sua mente que ele tem apenas oito anos. Não profetizo nada para menores de quinze ou dezesseis anos. Você teria de me dar um bom motivo.

Honorável Mãe, o melhor motivo é que, na sua profecia para comigo, eu terei trazido um menino muito especial para a senhora ver.

Ele é branco – retruca – não sabe a nossa língua.

Honorável Mãe, ele fala com perfeição cantonês, mandarim, hakka e xangaiês. Tem oito anos mas possui a força de dez homens adultos, move-se mais rápido que o mais rápido lutador que eu já vi, é inteligente e nunca se esquece de nada. E é muito bondoso, Honorável Mãe, ele merece.

Agora lembre-se de que eu profetizei que você mo traria, mas nunca disse que o ouviria.

Sim, Honorável Mãe – responde Lee, escondendo a decepção – mas a senhora terá perdido a chance de ver uma das faces de Buda.

Certo, Lee, mande chamá-lo pois estava apenas testando a sua vontade e há muito que espero essa criança, aquele que poderá mudar o mundo, eu espero. Parece você que não mudou nada.

Daniel permanecia do lado de fora do carro, conversando com algumas crianças da idade dele, pois não estavam acostumados a ver estrangeiros, muito menos que falassem a sua língua. Este recebia uma enxurrada de perguntas do tipo, como é a sua província? É bonito lá? Calmamente respondia a todas as perguntas, mas pensava que mestre Lee esta demorando em excesso, pois já estava lá há meia hora. Uma coisa que chamou a atenção do pequeno Daniel é que não havia muros nas casas nem grades nas janelas e a maioria delas estava com as portas abertas.

Nesse momento, os garotos puseram-se imediatamente de joelhos e curvaram-se numa reverência profunda, encostando a cabeça no chão. Curioso Daniel virou-se para trás e viu seu mentor que, com uma vênia curta, cumprimentou-os. Virou-se para o garoto e afirmou:

Daniel, ela o espera, vá lá e não se esqueça de tirar os sapatos.

Sim, senhor. – Falaram em cantonês, por isso, as crianças compreenderam tudo.

Ele vai ver a Honorável Mãe nessa idade! – disseram, impressionados. – Deve ser muito especial, já que é aprendiz do Grande Dragão Vermelho. Acima de um Vermelho, só um Dourado.

O garoto, aproximou-se da porta e entrou. Apesar de estar um pouco nervoso, nada demonstrava. Depôs os sapatos na entrada e atravessou o vestíbulo. Na sala seguinte, viu uma senhora comodamente sentada em várias almofadas, uma pessoa com aspecto sereno, frágil e idade indefinida. Virando-se para ela, fez uma vênia de igual para igual.

De joelhos, garoto. – Disse de rompante. – Quem pensa que é?

Honorável Mãe, eu realmente sou apenas um garoto, mas não ficaria de joelhos, nem mesmo se a senhora fosse a mãe do Imperador. – A China voltara a ser um império trinta anos antes.

Orgulhoso, o pequeno Daniel – disse a mulher – como sabia o meu título?

Ouvi os garotos na rua comentarem, pois tenho ouvidos apurados. Quando estou em território desconhecido, procuro prestar atenção a tudo para poder aprender e não ser apanhado de surpresa. Porém, Honorável Mãe, como a senhora sabe o meu nome, já que sei que mestre Lee não iria falar nada?

Orgulhoso, inteligente, curioso e corajoso. – Disse a anciã em resposta, sorrindo para o garoto. – Como sei o seu nome é fácil, eu presto atenção em tudo, como você. Só que, enquanto você escuta com os ouvidos, eu escuto com a mente. Muito bem, passou no teste e tem todos os atributos de um homem, embora tenha apenas a metade da idade. Vamos, sente-se aqui – disse, apontando uma almofada.

Sabe? – Comentou ela, sorrindo. – Na sua próxima vida, multidões ficarão de joelhos para si, mas você não gostará nada disso, meu filho.

Agitou um sino e uma moça apareceu com chá. Este esperou que a anciã se servisse para só então pegar o seu.

Bem, meu pequeno grande homem – disse a vidente, sorrindo – vejo que tem um enorme potencial e um grande futuro. Dedicará grande parte da sua vida a ajudar doentes, especialmente os que não poderão pagar. Você dará pernas e braços aos mutilados, olhos aos cegos e muito mais. Mas isso vai custar-lhe um preço muito alto e uma boa parte da sua felicidade será destruída nessa época. Não poderei dizer o motivo, mas não será por sua culpa. Apenas será da época e do rolar dos acontecimentos. Depois, o seu Yin e Yang reajustar-se-ão e haverá muita paz, harmonia e felicidade. Contudo, para isso acontecer, você precisa derrotar e destruir os monstros, os fantasmas, tanto internos quanto externos, ou eles destruí-lo-ão. Nessa época, quando conseguir superar tudo, você mudará o mundo para algo que se aproximará de um paraíso.

Daniel ouvia isso com os olhos esbugalhados quando a vidente ralhou com ele, elevando a voz:

Escute aqui, seu impertinente, eu não sou nenhuma maluca. Espere a sua hora para saber a verdade. Quanto à Daniela Chang – continuou ela, deixando a criança boquiaberta – ela é a sua companheira de muitas vidas. Porém, preste atenção: não é para esta vida, não insista. Vocês vão-se encontrar novamente em outro lugar muito longe daqui, outro mundo, e acertarão as coisas, mas a separação será inevitável. Terá um curto período de bastante felicidade, só que ela partirá muito cedo e você sofrerá demais por isso. Ela irá abrir o caminho da sua próxima vida que será só daqui a cerca de setecentos anos. Para esta, algo muito, mas muito especial, estará esperando por si e só haverá paz no seu coração quando você encontrar e assumir o seu verdadeiro destino. Do contrário, acabará destruindo-se.

Agora, meu garoto – continuou ela, sorrindo docemente para ele – aproveite muito bem esta infância, pois a sua próxima etapa será bastante conturbada e o tempo não volta para trás... pelo menos por enquanto...

Pegou uma fita, muito parecida com aquelas do senhor do Bom Fim da Bahia, só que com uma série de símbolos escritos em nanquim e pôs na mão do garoto.

Vá em paz e cumpra o seu fado, assim como mestre Lee cumpre o dele. Você enche meu coração de felicidade ao me mostrar um futuro tão belo. Não fique triste que ela será sua outra vez, mas tenha muito cuidado porque irá sofrer bastante.

Dizendo isto, a boa senhora dispensou o garoto que saiu, despedindo-se com uma vênia. Ao chegar à rua, havia uma certa assistência, para espanto do Daniel que viu uma pequena multidão à sua frente. Repentinamente, todos atiraram-se ao chão numa profunda reverência. Estranhando isso e achando que era por causa da fita, o garoto olhou para a mesma e leu o que estava escrito: "Este é o Grande Dragão Dourado, mestre da sabedoria que todos deverão honrar e venerar."

Embaraçado, o Daniel caminhou para o carro. Ao entrar notou que mestre Lee viu a fita. Com uma grande risada de alegria, ligou o carro e iniciou o retorno. Daniel permanecia em silêncio e Lee respeitou a meditação do rapaz.

Ela é telepata. – Disse o pequeno, após uns dez minutos. – E das boas.

"Garoto" – a voz da Honorável Mãe ecoou na sua mente – "você também é um telepata. Mais fraco do que eu, mas telepata. Aprenda a escutar o interior em vez do exterior. Agora, estou indo embora. Muitas felicidades, Daniel Moreira. Voltarei a falar consigo quando precisar da minha ajuda, mas não antes. E lembre-se de uma coisa: enquanto lutar contra o seu destino sem aceitá-lo, terá problemas e sofrimento. Ver-nos-emos na sua próxima vida, onde seremos muito próximos."

O mestre Lee permaneceu calado.

Eu vou vê-la novamente, mas será por pouco tempo. Haverá muita felicidade e haverá tristeza. Pelo que entendi, ela morrerá cedo. – Encolheu os ombros. Vê-la-ei, é o que me importa. Mas a Honorável Mãe disse que devo fazer coisas que não desejo e, se não fizer, sofrerei. É difícil entender tudo.

Às vezes, Pequeno Dragão, precisamos de estar prontos para entender o que ela diz. Eu mesmo emorei bastante até compreender uma parte e ainda não cheguei à compreensão total. Metáforas confundem-nos por não sabermos de tudo. Ela disse-me, entre outras coisas, que devo velar pelo pai do Império do Sol. Por outro lado o Império do Sol Nascente, na verdade, é o Japão. Em suma, temos que ter paciência e aguardar.

Mestre, por que todos na aldeia ficaram de joelhos para mim?

A Honorável Mão deu-lhe a fita dourada, filho. Ela profetizou que será um Dragão Dourado, seres muito raros. Agora ponha-se no lugar dos aldeões: um menino, estrangeiro e com uma fita dourada, sendo que nunca houve um dourado com menos de trinta anos. No momento que você entrou na casa, os pequenos saíram a correr espalhando para todos e o nosso povo é muito curioso. De qualquer forma, temos que ir a um templo Shaolin confirmar isso, embora eu tenha a certeza que é um Dourado.

Agora, oito anos depois, toda a história daquela visita está viva na mente do jovem, jamais esquecida, porém arquivada. Sim, ele dá pernas e braços aos mutilados e, em breve, olhos aos cegos. E também sofreu muito com a morte do pai e da mãe. Pelo que a vidente dissera, há muito mais coisas pela frente, especialmente provações desconhecidas. Continua sem entender algumas delas, mas acha prudente aguardar os eventos. Enquanto pensa na Daniela, tem uma reação instantânea e faz o carro dar meia volta, retornando para Ipanema. Se iria ser curto, então deveria ser intenso e ele, estando por perto, poderia protegê-la sempre. No mundo inteiro não há um homem vivo capaz de o enfrentar, nem mesmo um batalhão completo, mas ele faz segredo absoluto disso.

– "Exato, pequeno Dragão Dourado, mas o futuro prevalecerá, pelo bem maior" – soa uma voz fraca na mente do rapaz que, atônito, pergunta-se se seria ela ou não – "porque, na verdade, não é isso que precisa fazer para mudar o destino. Atitude é um começo, mas falta muito."

– "Olá, Honorável Mãe." – Projeta um pensamento, sem receber uma resposta. Ao chegar à frente da casa da namorada, liga.

– Oi, Daniela, decidi não ir trabalhar hoje. Vamos sair? ... Ok estou aguardando à frente da tua casa.

Pouco tempo depois, ela aparece no portão, linda demais aos seus olhos, vestindo um jeans justo que lhe delineia o corpo bem feito e uma blusa de lã branca, que contrasta de forma intensa com os cabelos muito negros e brilhantes. Os olhos amendoados, sorriem-lhe. Ao ver o carro onde este está encostado, exclama:

– Caramba, uma Lamborghini Black! De onde roubaste esse brinquedo? – Atira-se ao seu pescoço e cobre-o de beijos, encostando-se ao seu corpo com prazer e sentindo o aperto suave que ele dá para puxá-la contra si. – Estava morta de tédio e de saudades. Agora, falando sério, de onde saiu este brinquedo? Sempre quis andar numa dessas!

– É minha. Gosto muito de carros e posso tê-los... – encolhe os ombros – onde queres ir?

– Ah, vamos passear de carro. – Responde, feliz, enquanto Daniel abre-lhe a porta. Ambos vão rodando ao acaso, apreciando a beleza daquela região da cidade, repleta de parques e árvores, embora estas últimas estejam sem as suas folhas, dando uma aparência diferente. Felizes e contentes, riem à toa. Um toque de mão, uma leve carícia ou um olhar é o que basta para o casal recém-formado. Após algum tempo, descem do carro e vão caminhar em um parque que fica à beira do Guaíba, sempre abraçados. Num desses momentos, ela pergunta:

– Dan, por que deixas as pessoas te ridicularizarem na escola?

– Não vale a pena brigar por isso, Dani – responde suavemente, sabendo que ela não vai gostar – só os tolos fazem aquilo e, se eu der bola para isso, estarei sendo tão tolo quanto eles. Um dia, acabam dando-se conta e param.

– Chamaste-me de tola. – Fica aborrecida, mas apenas finge que está zangada.

– Era tolice o que fazias, Daniela. – Sorri terno para a namorada. – Podíamos estar juntos há mais tempo, mas o que importa é que agora estamos.

– Mas e a tua imagem? – Insiste ela.

– A minha imagem não pode ser afetada por mentiras, Dani. Nas aulas de atletismo, sou respeitado pelos meus colegas, alguns deles da nossa aula e que não me ofendem. Temos respeito mútuo. Além disso, eu não gosto nada de chamar a atenção e muito menos de violência. Isso não tem nada a ver com covardia.

– Mas se tentarem bater em ti?

– Bem, meu amor, a violência é totalmente fútil. – Sorri e abraça-a, segurando a sua mão. – Mas não te preocupes que ninguém vai bater em mim, pois isso seria inadmissível.

– Como assim?

– Amor, o fato de eu não gostar de violência, não implica em permitir que a usem contra mim. – Ele nota que Daniela não entende nada dessa última parte mas não insiste no assunto, aconchegando-se a si e aproveitando o momento maravilhoso por que passam. Ficam muito tempo assim, somente sentindo o toque um do outro, observando as ondas minúsculas que a água do Guaíba forma nas suas margens. À medida que entardece, o frio fica mais intenso, fazendo a garota tremer e pedir para irem para o carro.

Daniela, feliz, caminha de volta ao do namorado, quando algo que não é muito comum naquela região, porém não impossível de acontecer, ocorre. Um homem, numa esquina em que eles viram, barra-lhes o caminho com uma arma na mão, dizendo:

– Vamos, a grana, agora.

Enquanto Daniela dá um pequeno grito assustado, o namorado mete-se na sua frente, protegendo-a com o próprio corpo. Não consegue entender grande coisa, pois o Daniel repentinamente move-se para a frete, arrancando a arma da mão do agressor tão rápido que não acompanha, mas vê que agarra o assaltante pelo pescoço com a mão livre.

Impressionada, mas com os joelhos tremendo, nota o rosto rubro de cólera do namorado enquanto ele ergue o homem pelo pescoço. Por mais que o agressor tente soltar-se não logra sucesso e vai ficando roxo, mesmo segurando o braço do jovem com ambas as mãos e chutando desesperadamente. Assustada ela grita:

– Para, pelo amor de Deus que vais matá-lo! – Vê que suas palavras fazem efeito, pois o namorado larga o homem semi-inconsciente, que cai no chão, arquejando e tossindo.

Daniel acalma-se e ajuda o homem a se levantar, enquanto ele, desesperado, estende os braços achando que vai ser atacado novamente. Em meio à tosse, implora:

– Por favor, não me mate. Eu fiz isto por desespero. Estou desempregado há quatro meses e tenho dois filhos bebês. Fiquei desesperado e sem alimentos em casa, pois estamos sem comer faz um dia. Foi só por isso que vim para a rua. Eu só me importo com minha família, mas jamais seria capaz de usar aquela arma. Por favor, poupe-me.

O jovem acalma-o com um gesto, enquanto olhe nos seus olhos. Daniela, ainda demasiado assustada, olha para ambos, quando ouve o namorado dizer:

– Venha comigo – ordena – há um supermercado ali. Vamos comprar comida para a sua família. Tome este cartão; se quer trabalhar, vá lá e diga que eu mandei. Nesse lugar, nunca lhe faltará nada mas terá de ser honesto e trabalhador.

– Sou honesto e trabalhador. Veja a arma, não tem balas! Eu não seria capaz de matar ninguém e foi apenas o desespero pelos meus filhos. Meu Deus, de onde tirou tanta força?

– Eu sei, vi nos seus olhos e na sua mente que você não é um bandido – Daniel ignora o resto do comentário – do contrário, agora não estaríamos conversando. Vamos, vamos ao mercado.

Enquanto andam pela rua, ela vê Dan esmagar a arma com as mãos nuas e jogá-la num bueiro, já transformada em um pedaço de ferro inútil, mas nem se atina para o impossível de tão nervosa que está. Ainda agarrada ao namorado, Daniela acompanha-o a comprar cestas básicas para o assaltante. De um caixa eletrônico à frente da loja, retira dez mil Créditos Sul-Americanos e entrega para o homem. Ao despedirem-se, o sujeito diz:

– Como poderei agradecer? – Pergunta. – Acho que nem mereço tanto!

– Quer agradecer-me? Vá a esse lugar do cartão. Sei que é longe, mas terá um emprego com um salário justo e lá ninguém é mal pago. Seja o funcionário do ano e, quando tiver esta quantia sobrando, devolva-me se quiser, mas eu prefiro que faça por alguém o que eu fiz por si, ok?

– Combinado. Pode acreditar que serei tudo o que espera de mim. Mas como vou encontrá-lo?

– Não se preocupe que nos veremos mais vezes do que imagina, pode ter a certeza.

– Diga-me, como um rapaz como você pode falar assim? E que força! Jamais vi alguém tão forte.

– É mesmo? Nunca me disseram isso – responde o jovem, rindo e estendendo-lhe a mão – vamos deixar isto em segredo, ok?

Daniela observa que ele ficou impressionado com o namorado e que este provavelmente conquistou um amigo para o resto da vida. Quando estão apenas ambos, vira-se para ele e diz, falando em cantonês:

– Da... Da... Daniel, co... co... co... como fizeste isso? Estou até agora com os joelhos tremendo!

– Dani, isto é segredo, ok? – Pede, olhando nos seus olhos e falando tão sério que a impressiona. – Por favor, eu odeio violência e agi assim só para te proteger. É por isso que evito tanto as brigas, entendeste?

– Mas e se ele fosse realmente mau?

– Se fosse mau, pela primeira vez eu ia ferir gravemente ou talvez até matar alguém. Assim, tanto eu quanto ele tivemos sorte e fomos poupados. Eu achei que podias morrer, meu amor, e, se isso acontecesse, a minha vida acabava. – Aperta-a contra o peito, cheio de carinho. Falando distraído, deixa escapar. – Mas a Honorável Mãe disse que o motivo não seria eu e sim meus fantasmas!

– O quê? Foste a uma Honorável Mãe? Mas quando? E que história é essa?

– Fui, quando tinha oito anos e depois que arrebentei cinco garotos que me queriam assaltar em Hong Kong.

– O meu pai falou das Honoráveis Mães, mas diz que só aceitam homens, não crianças. E o que isso tem a ver comigo?

– Contigo nada, apenas comigo. E sim, ela abriu uma exceção para mim.

– Agora só falta me dizeres que te deu a fita do Dragão – afirma ela, rindo – e que és um dos grandes mestres supremos do Wushu!

– De fato deu, a Dourada, e todos curvaram-se perante mim. Na época foi muito engraçado.

– Conta outra, vai. – Ela dá uma risada e ele apenas sorri, condescendente.

Abraçando-se no Dan com força, ela comenta:

– Esse fato lembra-me algo que é como uma névoa na minha mente, que aconteceu lá em Hong Kong, só que eu lembro que chorei muito e perdi alguma coisa demasiado importante. Mas estou feliz que não aconteceu nada de ruim e pudeste ajudar aquele homem.

– Eu também, amor – concorda ele. – "Que diferença" – pensa.

– O quê? – A garota pergunta, enrugando a testa. – Diferença de quê?

– Diferença de quê, o quê? – Pergunta Daniel. – Eu não falei nada!

– Mas eu ouvi.

– Tudo bem – "sincronismo. provavelmente" – pensa novamente – vamos embora que o carro está logo ali.

– É, deve ser sincronismo mesmo – repete sem entender, fazendo Daniel franzir o sobrolho.

No caminho de volta passam por um lugar muito bonito.

– O que é aquilo? – Pergunta ela, olhando um muro longo, muito bem cuidado e com trepadeiras cobrindo.

– Um motel. Bonito né?

– Realmente. O que será que tem no frigobar? – Questiona, bem marota.

– Não sei, mas vamos já ver. – Diz, mudando repentinamente a direção do carro e acompanhando a malícia. Para na portaria e pede a melhor cabana. O atendente olha o casal.

– Vocês são menores. – Rosna, ameaçador. – Fora.

– Tenho aqui quinhentas razões que dizem o contrário – afirma Daniel, apresentando uma nota – e sou emancipado.

– Cabana vinte. – O atendente pega a nota e estende uma chave.

– Quase no final de século XXI e ainda temos suborno – diz o rapaz, rindo para a sua amada – vamos ver o frigobar.

É um motel muito bonito, com jardins maravilhosos e várias cabanas espaçosas, bem espalhadas. Cada cabana possui uma garagem por onde se entra com o carro, o que mantém a privacidade completa, pois as janelas são polarizadas, impedindo que quem esteja de fora veja o interior. Dentro desta, é um luxo só. A sala lateral contém uma maravilhosa instalação de hidromassagem e, ao lado, uma pequena piscina térmica. Subindo dois degraus de mármore, há a sala, espaçosa, com tapetes de pelego no chão e uma lareira a gás no meio da parede, já acesa. A um canto, uma cama redonda, enorme e, do outro lado, não um frigobar, mas sim um excelente bar.

– Caramba, Dani, mas que lugar bonito – comenta Daniel – aqui está o frigobar.

Abre e continua:

– Tem de tudo aqui! – Dirige-se para a cama e senta-se nela, que balança ligeiramente. – Cama de água, que bacana!

Num impulso ela começa a caminhar em direção ao namorado enquanto tira a blusa de lã e tendo por baixo apenas a pele que Deus lhe deu. Seus olhos exprimem pura sedução e ela nota que Daniel fica atordoado. Ainda andando, começa a abrir o jeans, vendo-o cada vez mais nervoso e esbugalhado. Quando está ao seu alcance, ele afirma:

– É... é.... é aqui que as telas dos filmes ficam pretas – gagueja ligeiramente, mas estende os braços e puxa-a para si. – Como tu és linda, meu amor, e como te quero e amo...

― ☼ ―

Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top