Capítulo 14

"Não basta conquistar a sabedoria, é preciso usá-la."

Cícero.

Um ano passa-se e muita coisa muda.

A paz, conquistada com tanto sacrifício veio para ficar. Como dito pelo jovem presidente da Cybercomp, a Megadrug recuperou-se e ficou ainda mais sólida, rigidamente controlada pela Suzana e sua equipe.

O pequeno Jean-Pierre nasceu saudável, mas precisou de ser tratado por causa do gene. A Bianca e Manoel Fonseca casaram-se seis meses depois e ela espera o primeiro filho, a segunda criança da nova geração de portadores do gene, como virão a ser conhecidos, pois esta tem o gene grau oitenta e será uma menina. Os pais, contudo, ainda não decidiram que nome dar.

A paz impera pelo mundo e a Fujitsu lança o primeiro computador com a pilha atômica da Cybercomp, logo seguido de outras fábricas, que tiveram de adequar os layouts dos seus portáteis. Essa invenção colocou a empresa do Daniel em primeiro lugar no mundo e teve consequências incríveis, pois Porto Alegre torna-se repentinamente uma das cidades mais importantes do planeta. De fato, o Brasil torna-se em um simples ano o país mais importante e rico da Terra.

O jovem casal entra na universidade para cursar física, mas tudo o que conseguem é enlouquecer os professores com ideias que estes são incapazes de acompanhar. O par há muito superou qualquer professor da universidade, mas decidem frequentá-la normalmente.

No final do ano de 2096 o mestre Shaolin volta ao Brasil para avaliar Paulo, que se torna um Dragão Vermelho dos melhores, sendo mesmo capaz de enfrentar quatro companheiros e vencê-los, embora com dificuldade.

Certa tarde em que o casal almoçou na universidade e vai a caminho da empresa, Jéssica afirma, com a voz aflita:

– "Daniel. Pela primeira vez na vida, estou-me sentindo mal. Será que a comida estava envenenada?"

– "Que tolice, princesa, eu comi a mesma coisa. Nem o veneno pode nos matar, eu acho."

– "Amor, estou-me sentindo muito mal." – Ela põe a cabeça para fora e começa a vomitar, desfalecendo em seguida.

– "Não, de novo não. Tudo menos isso." – Pensa o jovem, apavorado e lembrando do passado, quando Daniela passou mal. Sem pensar acelera violentamente o veículo e toma rumo do hospital, que está perto.

Doutor Pires, que está informado a respeito do gene da mesma forma que muitos outros médicos que foram alertados pelo doutor Silverstone, observa calmamente a moça, pois sabe que é praticamente impossível que ela adoeça. Por outro lado, não se sabe ao certo possíveis efeitos colaterais que a mutação pode trazer.

Após quinze minutos chega a um veredicto e retorna para a recepção, encontrando um noivo profundamente abalado e nervoso. Tranquilamente olha para o jovem e afirma:

– Acalme-se. Ela está bem... os dois passam bem.

– Os dois! – Espanta-se Daniel, enquanto solta um suspiro de alívio bem audível. – Que dois?

– Ela e o bebê. – Responde o médico. – A sua mulher está grávida, apenas isso.

– Mas é impossível, doutor, eu e ela tomamos a vacina para dois anos!

– Quanto tempo dura uma anestesia no seu corpo?

– Cinco minutos, no máximo. – Repentinamente dá-se conta e continua. – Meu Deus... nela também!

– Exatamente. Parabéns, pelo jeito a vacina aguentou um ano, mas a próxima poderá não funcionar e foi o mesmo com a senhora Bianca. Jéssica está bem e amanhã o corpo estará adaptado, não sentindo mais enjoos ou quedas de pressão. Tenho inveja do vosso organismo. Pode ir vê-la.

Após o choque inicial, Daniel entra no quarto dela sorridente e feliz, pois adora crianças.

– "Não era o que planejamos, mas temos tanto tempo pela frente..." – Comenta Jéssica e ele responde:

– "É sim, meu anjo. Será um lindo bebê, sapeca e super forte. Mais uma grande tarefa para o mestre Lee. Já estás em condições de ir?"

– "Claro. Sinto-me fraca, mas estou em condições. Vamos para a empresa. Temos de contar para os meus pais." – Daniel, no auge da alegria, ajuda-a a erguer-se.

Chegam ao prédio da biotecnologia e vão falar com os pais dela. Eles compartilham a felicidade dos filhos, embora achem demasiado cedo.

Quando o casal vai para a sala da presidência, encontram umas correspondências à moda antiga na mesa. Estranhando bastante, Daniel abre a primeira carta.

– "Jessy, olha isto!" – Ela lê a carta. – "Meu Deus, Daniel, foste agraciado com o Nobel da Matemática. É um prêmio relativamente recente não é?" – Pergunta.

– "É sim, foi criado apenas há dez anos."

– "Que legal, amor!"

– "Não é só isso, princesa." – Diz, após estender-lhe uma segunda carta. – "Olha esta!"

– "Nobel da Física em coparticipação com o doutor André Focault!"

– "E mais esta." – Estende a terceira.

– "Nobel da Paz, pelo combate à desigualdade e promover a medicina para todos! Bah, amor!"

– Chefe a doutora Janine e o doutor André estão aqui.

– Mande-os subir. – Daniel já sabe o que é, mas não contava com mais um Nobel da Química para a doutora Janine, que está cheia de alegria.

Eles felicitam-se mutuamente, quando Patrícia informa a chegada do doutor Silverstone.

– Daniel, olhe isto. – Estende uma carta igual.

– Nobel da medicina! Parabéns.

– Mas eu não mereço isto. Quem descobriu o gene foi o seu pai, assim como o tratamento.

– Tolice. Ele não se vai importar e foram os seus trabalhos que foram publicados, alertando o mundo para uma nova geração. Tome. Veja isto. – O genro estende as cartas dele.

– Caramba, Daniel. Deve ser a primeira pessoa do mundo a receber três Nobéis no mesmo ano. Parabéns, André. Vejo que o senhor também ganhou.

– E ela também, pai – comenta Jéssica – da Química.

– Seis Nobéis em uma mesma cidade? Fascinante!

Nesse momento Paulo e Cláudia entram na sala, pois têm total liberdade ali dentro. O casal olha todos juntos, alegres, e estranha.

– Tá tudo bem?

– Claro, tchê. Olha isto. – Daniel estende todas as cartas dos presentes.

– Seis, na mesma empresa, cidade e equipe!? Vocês já pensaram que, matematicamente, isto é quase impossível? Parabéns!

– O que te traz aqui?

– Bem, maninho, vocês já estão de festa mesmo, então viemos anunciar o nosso casamento e queremos que vocês sejam padrinhos. E também participamos que vamos ter um filho.

– Nós também. – Diz a Jéssica, de soco. – A vacina falhou miseravelmente.

A cara dos amigos e dos dois professores é de cinema. Os primeiros a se recuperarem são Janine e Cláudia, que se abraçam na Jéssica, pulando juntas.

Quatro meses depois, o exame dos fetos mostra que o filho do Paulo e Cláudia tem quase noventa e a menina do Daniel mais Jéssica, noventa e dois. É nessa época que Suzana e o João casam-se. Todos continuavam a encontrar-se na casa do Daniel, mas um dos principais temas e discutir nomes para bebês. Paulo é irredutível: tem que ser Guilherme. Já a Jéssica escolhe Carolina.

― ☼ ―

Poucos anos depois, quando Daniel e Jéssica têm o segundo filho, Daniel, seguidos do Paulo e esposa cuja filha chamaram de Daniel em homenagem à amiga, que previra isso o doutor Focault e o casal de físicos anunciam para o mundo a maior revolução da tecnologia cientifica que podia ser criada: a antigravidade, que trouxe uma mudança total no modo de vida da humanidade. Com a mesma, não era mais necessário avões que tivessem turbinas tão fortes para decolar e estes aparelhos foram completamente remodelados, usando turbinas de ar comprimido superaquecido, eliminando de vez os poluentes. Com isso mais a tinta repelente de radiação, segundo Nobel da doutora Janine, o Brasil inicia imediatamente a construção de uma colônia na lua, inicialmente feita para pesquisas científicas e que foi aberta a toda a humanidade sem distinções.

Em 2105, o Brasil praticamente ditava as regras ao mundo, que lentamente vira-se para ele como o grande mediador de tudo, embora não fosse uma potência bélica como outros países. Nesse ano novamente a dupla de cientistas lança uma descoberta de importância vital que é o campo repulsor, capaz de repelir objetos que eventualmente venham em rumo de colisão com naves espaciais ou mesmo na lua, que foi a sua principal aplicação. Como a lua não tem atmosfera para destruir meteoritos que caiam nela, geralmente o estrago produzido por eles é devastador, como foi o acidente de 2101, quando um deles penetrou em uma cúpula pressurizada e matou mais de duzentas pessoas. Por causa disso, as construções selenitas passaram a ser subterrâneas. Com a invenção do par, novamente passaram a usar cúpulas na superfície, embora nunca tenham abandonado as instalações subterrâneas.

Daniel e a esposa iam muitas vezes à lua e a planetas vizinhos, fazer explorações e pesquisas. As novas naves espaciais desenvolvidas pela Cybercomp eram modelos de uma eficiência impressionante, capazes de atingir a velocidade da luz em quatro horas. Tratava-se de discos de cinquenta metros de diâmetro, verdadeiros transatlânticos do espaço. O casal encomendara uma, mas esta possui uma quantidade apreciável de laboratórios de pesquisa e todo o conforto possível para alguns passageiros. Com as adaptações que ele fez, a nave podia ser manobrada apenas por uma pessoa.

― ☼ ―

Mais alguns anos passam e as crianças agora são em número apreciável. Daniel e Jéssica tiverem quatro, Paulo e Cláudia dois, Bianca um casal e a Suzana três. Nenhuma destas crianças é abaixo de oitenta e o mestre Lee ficou incumbido de os ensinar. No templo Shaolin que Daniel mandou erigir para os monges que ficaram estas crianças passam a receber os ensinamentos mais profundos de filosofia, meditação e artes marciais. Lee via nessas crianças os filhos que nunca teve, especialmente os do Daniel, que o chamavam de avô.

Em 2117 o mundo conhece os novos Dragões Brancos, os meninos de menos de vinte anos que se tornaram os mestres supremos.

Nenhum deles, porém, era páreo para Daniel que se divertia muito treinando com os jovens que tanto amava. Nem mesmo a força combinada de todos superava o Grande Branco, como passou a ser conhecido. Este criou o festival dos Dragões onde, por três dias, havia diversas competições, promessa que havia faito anos antes mas que nunca tivera tempo para executar.

Contudo, a real novidade daquele ano foi a nova invenção do Daniel e André, que apresentaram ao mundo o motor de super espaço, um campo energético capaz de fazer uma nave percorrer dezenas de anos luz em um salto e, por isso, acaba mais conhecido como motor de hipersalto. Novamente essa descoberta abala a estrutura atual da civilização, mas tornar-se-á a grande solução para muitos problemas sociais.

O casal, agora com trinta e oito anos, mas aparentando menos de vinte, vai experimentar o protótipo na nave deles, empreendendo o primeiro voo interestelar da humanidade. Escolhem o sol de Canopus, a pouco mais de trezentos anos luz da Terra, e ficam maravilhados ao descobrirem um planeta capaz de sustentar a vida e com um solo de uma fertilidade impressionante. De comum acordo, batizam aquele mundo tão belo de Terra-Nova.

Quando retornam para a Terra, Daniel procura o governo Brasileiro e expõe um plano para a primeira colônia em outro planeta. Ao saber disso, o imperador da China procura por eles e propõe um consórcio para a colonização, visto que sofrem bastante com a falta de espaço e a superpopulação. A ideia ganha força e alguns povos desejam iniciar a exploração do espaço, mas Daniel não deseja fornecer o motor para uma corrida armamentista. Seu filho Daniel, o segundo, parte com a esposa para explorar o espaço, enquanto o pai faz uma proposta ousada para o mundo.

Todos os amigos já aparentavam as marcas da idade, exceto a Bianca, mas nem por isso deixavam de estar sempre juntos. Nas férias, a casa da praia, no Pará, estava sempre cheia de crianças, agora jovens adultos, com namoradas ou esposas. Invariavelmente aquelas crianças, todas telepatas, acabaram formando pares e casando-se. A expectativa de vida da humanidade deu um salto enorme, puçlando para cerca de cento e sessenta anos e as doenças eram algo cada vez mais raro.

― ☼ ―

Na reunião anual da ONU, sugere a unificação da Terra em uma única nação e oferece o apoio incondicional da Cybercompp e Megadrug na empreitada. Muitos líderes ficam reticentes, mas ele apresenta para todo o planeta um plano completo, inclusive de governo. Cada país torna-se um estado autárquico de um império que ele, sonhadoramente, chamou de Império do Sol, onde a capital seria em Porto Alegre, totalmente subsidiada pela cybercomp.

A semente germinou e encontrou uma força enorme na juventude, que forçou as coisas para esse rumo. Quiseram nomeá-lo imperador, mas este negou o título, apoiando o presidente da ONU no cargo.

O novo governo passa a ser uma monarquia parlamentarista onde um imperador, um primeiro ministro e um governador de cada planeta administram o Império do Sol em conjunto. O governador planetário segue as leis do seu mundo e com o seu parlamento interno, mas deve obedecer acima de tudo à nova constituição, que é muito liberal.

Com isso, fica lançada a Era de Ouro da humanidade e a Grande Expansão. Que começou com Terra-Nova e, logo depois, a segunda colônia: Vega XII, descoberta pelo filho do Daniel.

Como que por encanto a fome e a criminalidade desapareceram por completo. O planeta Terra, de um mundo de mais de quinze bilhões de habitantes, ficou com menos de dois devido às emigrações em massa, porém muito bem organizadas, espalhadas por quarenta e nove outros mundos. Com isso, o espaço tornou-se maior e as cidades diminuíram. Porto Alegre transformou grande parte da sua área em parques enormes, mas a região central foi preservada como uma área de museus diversos e para a administração do Império, embora o palácio imperial fique na zona sul, um prédio alto, de cerca de dez andares e cercado por um jardim gigantesco. Em pouco menos de um século, a capital, majestosa, adquire um novo nome não oficial: "Cidade Jardim".

― ☼ ―

Mais sessenta anos passaram-se e Lee partiu para outra vida, entristecendo muito o Daniel, que o amava como a um pai. Ele contava cento e cinquenta anos e todos sentiram muito a sua falta. Não muito tempo depois, foi o doutor Chang, logo seguido da esposa. O doutor André, continuava ativo e firme, embora muito velho. Ele e Daniel, eram os únicos cientistas na história da humanidade que tinham uma coleção de Nobéis. O homem já colonizou três sistemas solares. Nessa época, Jéssica vê o marido sempre atarefado em um projeto que nem mesmo para ela contava. Este encheu de coisas a nave do casal por bem meia dúzia de vezes, descarregando tupo na casa de férias do Pará, mais precisamente numa das grutas mais difíceis de alcançar, conhecida apenas do par. Entre outras coisas, transferiu o modelo mais moderno de supercomputador que possuíam e o Joaquim.

Sem se conter mais, Jéssica pergunta:

– "Amor, o que vais fazer lá nas cavernas?"

– "Estou com um projeto de algo que me preocupa demasiado, Jessy. Nossa humanidade finalmente encontrou a paz completa e não fabricamos mais armas. Só esta galáxia tem mais de cem bilhões de estrelas! Quem nos garante que não haveria uma civilização belicosa que pudesse nos invadir?"

– "Será, Dan?" – Ela fica incrédula, enrugando a testa. – "Não achas que essa civilização antes de alcançar as estrelas teria adquirido uma certa maturidade bem elevada, da mesma forma que nos aconteceu?"

– "A lógica diz que tens razão, mas o meu instinto diz que não. Na dúvida estou criando algo que pode, eventualmente, proteger-nos de uma possível invasão. Como o mais provavel é qe tenhas razão, vou manter segredo disto."

Foi assim que Daniel construiu um complexo industrial totalmente automático e secreto cujo objetivo era manifestar-se na hora que a humanidade necessitasse mais.

― ☼ ―

– Então, amor – diz Daniel falando, atualmente uma coisa rara entre os dois, que estão profundamente habituados a se comunicarem telepaticamente – Temos duzentos e setenta anos e, dos nossos amigos apenas a Bianca ainda está viva, mas ela anda tão deprimida com a morte do Manoel que temo que não dure muito mais. Entendes agora quando eu falei que acabaríamos muito solitários? Olha para nós, Jessy, há gente de quarenta anos que parece mais velha!

– Sim, Dan, eu entendo, mas confesso que ainda tenho muita vontade de viver e de conhecer coisas novas. Acho que, sinceramente, um quarto de milênio pode ser muito pouco quando há tanta coisa aí fora para se descobrir.

– Isso é verdade.

– Eu gostaria de sair contigo por aí, sem ruma espaço afora, para explorarmos a Galáxia, o que achas?

– Sabias que te ia propôr isso, amor? – Daniel sorri, olhando para ela com doçura.

– Não preciso de saber, amor. Conheço-te há demasiado tempo. Quando vamos partir?

– Acho que precisamos de deixar as coisas encaminhadas. A Carol e Guilherme estão em Mitris e não pretendem voltar para a Terra e Daniel é governador de Vega XII há mais de dois séculos. Quem vamos deixar no comando?

O nosso neto Daniel gosta daquilo e Alexandra tem bastante jeito com a coisa. Deve ser os genes da Suzi. – Jéssica ri. – Acho que a Cybercomp fica em boas mãos com ambos.

– Bah, Jéssica. – Daniel faz cara de quem não se agradou muito da ideia. – Mas Alexandra é pesquisadora médica e ambos são demasiado novos.

– Demasiado novos? – Jéssica ri até chorar. – Daniel, eles têm vinte anos, quatro a mais quando nos conhecemos!

– Tens razão. Acho que deve ser a única opção, já que os nossos guris estão espalhados pelo império, cada um governando um mundo. Então tá, eu vou falar com Daniel amanhã. Hoje vou supervisionar as modificações que criei para a nova nave.

O casal decide partir no fim do mês seguinte, para poder ter tudo organizado. Na terceira semana de preparos são avisados pelo filho da Bianca que ela não está bem e pediu a presença deles. Preocupados, os dois correm à sua casa, que fica em um sítio a pouco menos de cem quilômetros da capital.

Ao verem-na, ambos assustam-se com a mudança ocorrida em menos de dois meses, quando se encontraram pela última vez.

– Bianca – a voz suave da Jéssica chega aos seus ouvidos e esta abre os olhos – o que houve para estares assim, meu Deus?

Ela está fraca e parece velha, muito velha, embora uma década antes parecesse ter cerca de cinquenta anos.

– Estou cansada, Jessy – responde – está na minha hora pois não desejo mais viver. Sinto muita falta dos outros, especialmente o meu Manoel.

– Nós também, querida – diz Daniel – mas ainda temos a nós. Quem sabe vens conosco no nosso passeio pelo espaço.

– "Por quanto tempo, Daniel?" – Há cerca de cem anos ela aprendeu a usar a telepatia, embora apenas com os amigos. – "Eu não vou viver tanto quanto vocês. Olhem-se no espelho. Parecem ter menos de trinta anos e eu pareço ter cento e oitenta! Não, estou cansada de viver. Já vi muito e fui muito feliz, graças a todos vocês. Obrigada pelo que fizeram por mim, especialmente tu, Daniel, pois talvez eu nem tivesse sobrevivido àquele dia. Eu amo vocês, mas está na minha hora."

Daniel olha para a esposa, triste. Ele sabe que Bianca viveria mais um século, se desejasse, mas a depressão foi fulminante e a amiga abandonou o desejo de viver, falecendo dois dias depois ao lado dos amigos que não saíram de perto dela.

Após o sepultamento, ambos vão para os seus afazeres silenciosos e pensativos, pois agora só havia os dois. Aquela morte, mexeu muito com Jéssica, embora ela não admitisse.

― ☼ ―

– "Que tal começar por Aldebarã?" – Estão sentados na sala de comendo da nave, fazendo os testes finais.

– "Combinado, Dan. Saímos amanhã?"

– "Está tudo pronto, antão acho que sim."

Despedem-se da família a saem pelo espaço afora na sua grande aventura, explorando diversos sistemas solares e ficando fora por mais de duzentos anos.

O retorno à Terra é triunfal e o banco de dados da nave está lotado de informações valiosas resultantes das descobertas do casal e que são recebidas de bom grado pela comunidade científica do império. Contudo, o par não encontrou quaisquer formas de vida inteligente.

Apesar de contar quase quinhentos anos o casal na aparenta ter envelhecido um único ano, embora o olhar deles mostrasse a grande sabedoria adquirida com a idade. Tinham saudades da casa na praia, onde decidiram aposentar-se, mas nunca imaginaram que fariam isso após meio milênio.

― ☼ ―

Numa harmonia que só um tempo tão longo poderia proporcionar, o casal passa os dias na paz do isolamento, embora frequentemente os filhos, quando vêm à Terra, apareçam para os visitar, geralmente uma vez por mês, durante as reuniões com o imperador e o congresso.

Daniel e Jéssica passam o tempo cada vez mais virados para o interior, meditando e praticando tai-chi. Jéssica tornou-se de tal forma perfeita e desenvolta na prática que o marido chamava-a de Pena Dourada, pois a sua suavidade fazia com que parecesse flutuar discretamente. Era pena por essa desenvoltura e dourada pelo brilho de puro ouro dos cabelos ao sol.

Ao ouvir isso ela sempre ri como uma adolescente, nunca se cansando com a presença do Daniel, pois eram duas almas gêmeas puras.

Após séculos de prática da meditação, ambos decidiram experimentar os desdobramentos astrais, conseguindo resultados positivos em tempo recorde devido à longa experiência da meditação e, às vezes, ficavam até dois ou três dias fora do corpo.

Um dia, sentados no parapeito do muro que protegia do penhasco e abraçados um ao outro, Jéssica diz:

– "Sabes, Daniel" – para de observar o nascer do sol e fita o seu rosto – "Tinhas toda a razão quando disseste que não querias viver até aos mil anos. Quanto mais eu me espiritualizo, mais vontade de deixar este corpo tenho. Sabes, embora fingisse que estava tudo bem, sofri muito com a morte da Bianca. Acho que só não fiquei como ela, porque te tenho a ti."

"E natural, né, Pena Dourada."– Ele sorri, acariciando seu rosto com ternura. – "Mesmo com todo o avanço da medicina que nós trouxemos ao mundo, especialmente o teu pai, o Fonseca só viveu duzentos e vinte anos, muito mais que a expectativa de vida da época, mas ele degenerava e Bianca não. Não notavas como ela se fazia de mais velha para não parecer filha ou neta dele? Chegava a pintar os cabelos de branco."

– "Sim, lembro-me. Mas ela aguentou mais cinquenta anos sem ele. Acho que a nossa iminente viagem, disparou os acontecimentos. Ela ficou completamente só, pois embora tenha os filhos e netos, não é a mesma coisa. Eles têm a vida deles e ainda por cima, têm os amigos que vão viver o mesmo período."

– "E nós, meu amor, quando queres partir?"

– "Não me pretendo suicidar, Dan!"

– "Nem eu, meu anjo, podemos simplesmente partir. Os nossos corpos ficam aqui e saímos por aí... desligamos. Acho que cumprimos o nosso destino desta vida, amor. Estás pronta?"

– "Estou, mas vamos deixar uma mensagem para as crianças. Quero reencontrar os nossos amigos."

– "Eu também e mais alguém que faz parte das nossas almas."

– "Vamos..."

― ☼ ―

Eles saem do corpo, desta vez para sempre. À sua frente estão todos aqueles que amaram e que ainda não haviam voltado a renascer, mas, a primeira da lista e Daniela, que abraça o casal e funde-se a eles numa luz branca intensa.

– "O plano funcionou direitinho" – diz a mente coletiva – "talvez só precisemos de mais uma vida para ascendermos e abandoarmos este plano."

– "Onde estão os outros?" – Pergunta Daniel.

– "Paulo e Cláudia voltaram para a terra. Serão os teus novos pais. Suzana e o João, que se uniu à nossa família, serão os meus pais. Os meus pais da última vida, ascenderam. Lee, voltou para ser o teu novo mestre. Tu, Jéssica, irás antes, pois abrirás algumas portas para nós." – Responde Daniela.

― ☼ ―

Um mês depois, os quatro filhos do casal foram encontrá-los sentados na sala em posição de lótus. O empregado que vinha trazer alimentos mensalmente estranhou que nada fora consumido e descobre os dois, chamando imediatamente a família. Um deles, que é médico, toma o pulso e não encontra nada, mas as temperaturas dos corpos estão estáveis em trinta e dois graus sem baixarem. Além disso, os corpos também não apresentavam decomposição, embora fosse visível pela poeira do lugar que eles haviam partido há mais de um mês. Carolina é a primeira a ver o recado da mãe, escrito em caracteres chineses que todos dominam.

"Queridos filhos:

Eu e o vosso pai decidimos que a nossa missão aqui na Terra, terminou. Sabemos perfeitamente que podíamos viver mais, muito mais, mas não o desejamos. Ao contrário de vocês, somos os primeiros e todos os que amávamos, exceto vocês, já partiram. A nossa espiritualização cresceu de tal forma que o corpo físico passou a ser um incômodo.

Por isso, decidimo-nos livrar deste limite. Não fiquem tristes pois em breve voltaremos a nascer e vocês ainda estarão vivos. Difícil vai ser saber quem é quem.

Amamos muito todos vocês,

Mãe e pai."

– Bem – diz Daniel filho com lágrimas nos olhos – o pai nunca quis viver mil anos e, pelos nossos cálculos, eles passariam de dois mil. Agora estão com os amigos e irmãos. O importante é que não houve sofrimento.

– A mãe dizia – comenta Carolina – que uma antiga namorada do pai profetizou que ele voltaria pós setecentos anos para uma nova vida. Faltam cento e cinquenta.

– Eles criaram um novo mundo, o mais belo paraíso que já se ousou imaginar!

▬ FIM ▬

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