Capítulo 12 - parte 6 (não revisado)
O avião pousa no aeroporto Salgado Filho três dias depois de sair. Está um frio de rachar, mas Daniel nem se dá conta disso, sentindo-se muito feliz de se encontrar em casa. Ele, que amava Hong Kong do fundo do coração, não se sente tão em casa quanto na cidade onde nasceu e viveu a melhor e a pior parte da sua vida ainda tão curta. Ajuda a colocar a arma no helicóptero da forma mais simples: pegando-a no ombro e levando-a até lá.
Ao chegar ao edifício da administração onde fica o heliporto principal da empresa, um grupo aguarda por eles. Jessy, quando o vê descer do aparelho, corre alucinada e atira-se aos seus braços, enchendo-o de beijos. Suzana tem uma recepção tão calorosa quanto e os Vermelhos recebem do líder uma vênia profunda, sinal de grande respeito. Daniel, aproxima-se do doutor Chang e diz:
– Pegamos o assassino dela, pai. Dela e dos meus pais. O mundo será diferente, agora.
– Eu sempre soube disso, meu filho – diz ele, comovido, falando em mandarim – a honorável mãe que eu visitei, disse-me que eu ia trabalhar para o homem que mudaria o mundo e que eu o amaria como a um filho. Naquele dia do transplante, eu sobe que eras tu. Por que achas que te deixei ficar com a minha filha com tanta facilidade?
– Obrigado, pai. O senhor será sempre um pai para mim.
Ao fundo, Daniel vê Fernando quieto, embaraçado, escondido atrás das pessoas que os aguardam. Afasta-se do Chang e aproxima-se, apertando sua mão e levando-o ao helicóptero. Abre o compartimento de carga e mostra-lhe a arma.
– Isto é teu. O que queres que eu faça com ela?
Ele, esfregando as mãos em desespero, responde.
– Chefe, eu não quero isso. Ainda estou com dificuldade em aceitar a ideia que a minha invenção matou gente. Por favor, ela é sua para o que decidir que deva ser feito.
– Combinado, Fernando, vamos fazer o seguinte: ela é valiosa demais como arma defensiva, para ser destruída, então vamos guardá-la no nosso depósito secreto de descobertas bélicas. Talvez um dia, ela salve vidas em vez de as destruir.
– Certo, chefe. Só quero ficar longe disso. Passei um mau bocado por causa dela.
– Queres que eu marque uma hora com a nossa psicóloga?
– Não, chefe. O senhor Otello e a própria Daniela me ajudaram a superar o meu complexo de culpa, mas não quero saber de armas. Eu odeio a violência.
– Eu também odeio, Fernando, mas nem sempre tenho escolha. Vai em paz meu amigo. Vou precisar de ti em breve.
– Engraçado, foi o que ela me disse, assim como mandou-me aqui esperar o senhor!
– Ela?
– A estátua da Daniela, ela apareceu para mim lá. Foi maravilhoso. Nunca senti tanta paz...
– Entendo. – Daniel sorri. – Ela era assim e só aparece para as pessoas boas. Alegra-te com isso.
Bianca vem correndo e dá-lhe um abraço, rindo.
– Oi, super-Dan. Que bom que venceram.
– Obrigada, querida. Onde está o Fonseca?
– Ele manda dizer que as suas obrigações de escravo da "Catedral de Bits" não lhe permitem sair de lá, mas que deixa um grande abraço.
– Se não fosse ele e vocês ajudando, não teríamos conseguido tão facilmente. – Diz o jovem. Após, olha para todo o grupo e continua. – Bem gente, precisamos descansar um pouco. Agradeço a vocês pela ajuda que nos deram, pois hoje o Brasil tornou-se o centro do mundo, graças a toda a equipe. Amanhã, depois do almoço, convocarei uma reunião de equipe e, mais tarde, teremos de falar para a imprensa.
Após os aplausos, todos retiram-se, sobrando apenas Daniel e Jéssica. Ele olha para ela, cheio de amor, e pergunta.
– "Aqui, ou em casa?"
– "Podemos começar aqui e terminar em casa." – Responde ela, muito maliciosa.
– "Eu queria dizer" – ele dá uma risada – "ficamos aqui no nosso apê do complexo, ou vamos para casa?"
– "Ora, amor. A nossa casa é sagrada. Gosto do apartamento daqui, mas amo a nossa casa."
– "Então, vamos."
― ☼ ―
No dia seguinte, na escola, os cinco amigos reúnem-se na lanchonete da piscina, durante o intervalo.
– Dan, que jogada, cara! – Diz Paulo, impressionado. – Mas tu és mesmo doido em pôr a cabeça no covil do leão. O meu pai está com um respeito por ti que nem imaginas.
– Foi necessário. – Responde o amigo. – Do contrário poderíamos acabar destruídos. A única pessoa que corria perigo real, era Suzi.
– É, mas eu fiquei apavorada quando vi nas câmeras de segurança entrares naquele ginásio cheio de mercenários. Tinha quatrocentos homens lá dentro. Na minha visão já estavas morto. Bianca é que acreditou em ti.
– Nossa, Dan – comenta Cláudia – como conseguiste enfrentar quatrocentos homens?
– Matando-os, infelizmente, mas não tinha alternativa. Eram assassinos altamente treinados. Mesmo assim, não me alegro com o que fiz. Hoje, a festa vai ser boa. Deve ter um zilhão de repórteres na cidade. Espero que a Suzana aguente o tranco.
– Ela é forte. – Diz a Jessy. – Saberá se virar. Querem vir conosco para a empresa?
– Eu vou para casa. Estamos fazendo umas pequenas reformas e tenho que orientar o pedreiro – responde Cláudia – mas vai com eles, Paulinho. De noite levo o carro para lá e voltamos juntos, depois da tua aula. Além do mais, vai ser transmitido ao vivo. O país inteiro vai parar para ver isso, provavelmente, o planeta todo verá.
– E tu Bianca, vens?
– Ia pedir carona, pois o Manoel não pode vir me pegar.
– Ótimo. Vamos almoçar juntos na minha casa e depois seguimos viagem.
― ☼ ―
Na sua sala, Daniel manda chamar o sogro. Este, ao chegar, beija a filha e cumprimenta o genro.
– Olá. – O jovem escolhe falar em inglês para ser mais rápido e estende-lhe uma pasta com várias folhas de papel. – Chamei-o aqui para lhe fazer um pedido. Este é o trabalho do meu pai sobre o gene. Nos computadores da Megadrug, além do trabalho dele, estava a descrição do inibidor que deve ser usado para o corpo se fortalecer de modo a não haver óbito. Eu dei uma estudada no assunto, mas desejo que o senhor assuma esta pesquisa. Desconfio que vão nascer cada vez mais pessoas com o gene e gostaria que analisasse este material para que, com base nele, fizesse um exame em todas as pessoas do centro, cujo QI seja superior a cento e vinte, já que o gene está, entre outras coisas, associado à inteligência. Solicite ao computador uma relação de pessoas que atendam ao requisito, pois ele tem o perfil de cada um registrado. Até o meu e o da Suzana.
– Entendo. Na sua opinião isto precede a pesquisa anterior?
– Sim. Primeiro, porque é rápido. Segundo, porque o trabalho já está feito. Eu quero apenas um mapa estatístico, mas se o senhor puder agregar informações, melhor ainda. Deve considerar isto tudo como sendo altamente secreto.
– Claro, Daniel, não se preocupe. Eu vou manter segredo, mas temo que vá precisar de ajuda. Coletar sangue de todas as pessoas cujo QI seja superior a cento e vinte, deve implicar em milhares de pessoas, já que a maior parte são cientistas.
– Sim. Não se esqueça de incluir cônjuges e filhos, mas somente se ele ou ela, tiverem o gene. Vou pedir ao doutor Chang para ajudá-lo. Acho que termos uma bela surpresa. Bem, vamos ver a coletiva?
O três descem para o salão de eventos e sentam-se no fundo, discretamente. O lugar está cheio de repórteres. De comum acordo, não são permitidas câmeras de fora mas, qualquer repórter que tenha vindo, pode requisitar o material filmado pela Cybercomp, que transmite ao vivo.
Suzana entra em um pequeno palco no outro extremo do salão. Numa tribuna, ela prepara-se para falar.
– Senhores e senhoras. Convocamos a imprensa mundial, para explicar as novas mudanças que aconteceram recentemente.
– Sim – diz uma voz da fila da frente, com forte sotaque castelhano – vocês deram um golpe e adquiriram quase de graça a maior empresa do mundo.
– Por favor – pede a vice-presidente – aguarde a sua vez de falar, quando faremos uma sessão de perguntas e respostas.
– Nega que a Cybercomp deu um golpe na bolsa de valores? Nega que adquiriu de forma totalmente controversa todo o grupo da Megadrug? Vocês, descaradamente, roubaram uma empresa, acabando com as economias de milhares de pessoas.
– Escute – vocifera Suzana, irritadíssima – tudo o que nós fizemos foi perfeitamente legal. Você vai ficar bem caladinho e esperar a sua vez de falar, ou chamo a segurança e mando prendê-lo, onde enfrentará um processo por calúnia. Esta entrevista é gravada e temos todas as provas necessárias para acabar consigo. Além disso, passa-se ao vivo.
– Estão vendo? – O homem levanta-se, berrando para toda a multidão de jornalistas que são mais de dois mil. – É assim que eles agem: pela força. Onde está o presidente desta empresa. Os comunicados são sempre feitos pela vice-presidente. Onde está o presidente?
Formam-se murmúrios na sala, pois todos os jornalistas têm fones de ouvido que traduzem de forma simultânea o que é dito. Esta tradução é feita pelos supercomputadores da empresa de forma imediata. Somente os que entendem português não usam os fones, mas possuem-nos no colo, pois se alguém falar outro idioma este é traduzido no ato.
– "Suzi está com problemas, Daniel." – afirma Jéssica. – "Tens de a ajudar."
– "Eu sei." – Responde o namorado, levantando-se. – "Lá se foi o meu anonimato. Esperava mantê-lo por mais um ano; mas, felizmente, os problemas principais acabaram-se."
Ele caminha até à tribuna e sobe para o lado da Suzana que, baixinho, diz:
– Obrigada, Dan. Não sabia o que fazer agora a não ser uma demonstração de força.
– Quem é você? – Pergunta o jornalista.
– Você queria o presidente, não queira? Então, aqui o tem. Qual é o seu problema? – Daniel usa um tom de voz firme, mas suave, porém ameaçador.
– Olhem só, uma criança! – O repórter dá uma risada estridente e fora de tom. – Isso só pode ser uma distração para nos desviar do foco.
– Señor, Garcia. – Daniel fala em espanhol sem sotaque, para espanto do homem. Imediatamente os membros da plateia que não usam os fones, colocam-nos. – O senhor está-se excedendo perigosamente. Eu sou Daniel Moreira, principal proprietário e fundador da Cybercomp. Nada do que foi feito pela minha empresa é ilegal e o senhor atrapalha a coletiva de uma forma que se pode tornar bastante perigosa para si e o seu jornal, entendeu?
– Como sabe o meu nome? – O homem está espantado, pois não se identificara.
– Vejo no seu crachá. Manoel Garcia, jornal La Nación. Argentina. Agora diga, qual o seu problema? Por que pretende atacar a Cybercomp? Está decidido a atrapalhar a coletiva? Se você se sentar, poderá ouvir e entender tudo o que aconteceu, bem como o que será feito pela Megadrug e a sua recuperação.
– Milhares de pessoas perderam as suas economias com o vosso golpe. Eu tinha ações da Argenpharma. Perdi tudo. Como eu, muitos perderam.
– Milhares de pessoas? Não seja ridículo, homem. Acha que sou estúpido? Acredita que eu montaria esta potência econômica que é a Cybercomp se fosse um rapazinho qualquer? Você estava na folha de pagamento da Argenpharma e da Megafarma Brasil para facilitar as falcatruas delas. Os diretores da filial argentina foram todos presos, assim como o prefeito de Buenos Aires, depois que o escândalo veio a público. Os únicos responsáveis pela própria destruição foram vós próprios. Agora, faça o favor de se calar e ficar bem sentadinho, enquanto eu, o presidente da Cybercomp, como você quer, faço a coletiva. Depois dela, poderá fazer perguntas da mesma forma que qualquer um aqui presente. Entendeu?
– Senta aí. – Grita um repórter. – Deixa eles falarem.
O homem, vencido, senta-se contrariado depois que vários jornalistas mandam-no calar-se.
– Muito bem. Vamos começar recuando dois anos, que é quando a situação tornou-se um problema para mim e a minha equipe. Um cientista brasileiro e a sua esposa viajavam de carro quando foram abalroados por outro veiculo, sofrendo um acidente grave. Daniel Gregório Moreira e a esposa, Ana Moreira, ficaram gravemente feridos, mas vivos. – No teclado do computador da tribuna, Daniel digita uma sequência de ordens, cujo efeito imediato é um painel gigantesco aparecer atrás dele. Este pode ser visto claramente de qualquer lugar do salão, pois tem o tamanho de uma tela de cinema. – Os dois ocupantes do veículo desceram e, em vez de os ajudarem, mataram-nos a sangue frio. Estes dois assassinos eram pagos pela Megadrug, para eliminar cientistas que se tornassem perigosos para eles. O perigo, na sua opinião, era que a ciência trouxesse curas que eliminariam medicamentos, vendidos pela empresa a preços absurdos.
A plateia assiste abismada ao cruel assassinato. Eles logo veem que se trata do pai do presidente, devido à enorme semelhança física. Murmúrios formam-se pela sala.
– Nesse mesmo dia, o apartamento deles foi arrombado, mas nada foi encontrado, pois o meu pai, desconfiado que havia problemas, escondeu os seus trabalhos na minha casa, já que nessa época eu não mais vivia com eles. Em novembro do ano passado, um avião que saiu daqui de Porto Alegre para Xangai, caiu misteriosamente na costa da África. Dentro deste, havia cerca de trezentos e setenta passageiros, mas dois deles eram muito especiais. Um, era um cientista que acabara de descobrir uma forma de curar o único câncer que a nossa ciência ainda não consegue. – Na tela, aparece a imagem do cientista. – O câncer do cérebro. Usaram uma nova arma, desconhecida no mundo todo. – Novamente aparece um filme, onde se vê um avião voando. Nitidamente o vídeo é filmado de um outro aparelho. Repentinamente, todas as luzes do avião apagam-se e este cai como uma pedra. – Esse cientista, estava a caminho de Xangai para ver um homem, o doutor Peng Chu, que é considerado o maior especialista do planeta em casos de oncologia, especialmente do cérebro. A cura ia acabar com a quimioterapia, prejuízo para a Megadrug que decidiu assassinar a sangue frio centenas de pessoas.
Na tela, aparece a imagem do documento da ordem de derrubar o avião. A plateia está totalmente petrificada.
– Há alguns meses, minha equipe anunciou ao mundo a criação de um coração artificial que permite a qualquer um levar uma vida perfeitamente normal. Este coração foi resultado de meses de pesquisa a partir de um projeto meu. Ele acaba com os problemas de pacientes terminais que não tivessem um doador compatível. Um efeito colateral é a ausência da necessidade de medicamentos para rejeição. Também inventamos olhos biônicos que permitem a um cego voltar a ver. As nossas invenções foram tornadas públicas quando contornamos todos os problemas de produção em massa. Ao contrário da Megadrug, nós subsidiamos o tratamento dos pacientes que não têm condições de pagar. Eu gastei nesse projeto duzentos milhões de Créditos Sul Americanos, para vossa informação, sem querer retorno algum.
Uma mão levanta-se na plateia. Daniel, gentilmente, deixa-o falar.
– O senhor disse que havia duas pessoas especiais naquele avião, mas só citou uma.
– Na verdade, todas as pessoas eram especiais, mas a outra pessoa a que me refiro, chamava-se Daniela Chang, filha do famoso cardiologista Nelson Chang que é o líder do Projeto Cárdio da Cybercomp. Ela era minha noiva e ia ver o mesmo médico, pois tinha um tumor no cérebro.
– Entendo – responde o repórter, comovido – sinto muito. Sinto muito mesmo. Por você e por todos aqueles inocentes, mortos por inescrupulosos.
– Obrigado. Continuando a história, a Cybercomp há poucas semanas sofreu uma série de atentados, que visavam raptar a vice-presidente, Suzana Silveiro, matar o doutor Isaac Silverstone e a esposa, que continuam o trabalho dos meus pais, bem como doutor Chang e a esposa, por causa do coração biônico. Como até hoje eu era desconhecido, não me localizaram; mas, infelizmente, localizaram a minha casa e invadiram-na. Também localizaram a filha do doutor Silverstone, que estava comigo, e tentaram matá-la. Os atentados fracassaram, pois eu já sabia do perigo e coloquei seguranças especializados nas residências de todos. – Aparece o vídeo das casas sendo invadidas e dos seguranças eliminando os criminosos. – Porém, eu e a Jéssica Silverstone quase morremos no atentado. Como sabíamos quem eram os responsáveis, e que eles tentariam novamente, provavelmente com um contingente maior, passamos ao contra-ataque. Como a Cybercomp tem a Tecnologia da Informação mais avançada do mundo, conseguimos retirar facilmente dos computadores da Megadrug as provas dos crimes deles. Sabíamos que a simples exposição dos mesmos era insuficiente. Outro ficaria no seu lugar e faria tudo de novo, mas esta situação iria gerar uma queda vertiginosas das ações deles. Desta maneira, decidimos que nós seriamos a melhor opção para controlar aquele monopólio. Assim, de forma totalmente legalizada, a Cybercomp hoje possui noventa e nove ponto oito por cento das ações da Megadrug e afiliadas. Antes de continuar, estou disposto a responder perguntas. Todos têm um controle na mão. Apertem o botão verde e entrarão na fila. Se alguém fez a mesma pergunta que vocês pretendiam, apertem o botão vermelho para sairem da fila. Cada caixa tem um número. Quando eu anunciar o número, o repórter pergunta e nós respondemos. Basta falar a pergunta para a caixa, que tem um microfone. Podem usar o vosso próprio idioma, pois os nossos computadores farão a tradução simultânea. Claro que não dá para responder tudo, mas faremos o possível para abranger o máximo. Pronto, podem perguntar.
Vários repórteres apertam o botão, mas o argentino é o primeiro.
– E os acionistas que não tinham nada a ver com isso. Muitos perderam as suas economias.
– A Megadrug, vai-se recuperar, mas nunca mais voltará a dar os lucros absurdos que dava pois, a partir de hoje, ela vai ser uma empresa que trabalha em prol da humanidade e não para ganhar dinheiro, enchendo o bolso de meia dúzia. Vai recuperar o seu valor original e até será maior. Os dirigentes da empresa eram detentores de mais de noventa por cento das ações. Então, como pode ver, não houve milhares de pessoas que perderam as economias. Entretanto, todos aqueles que tinham ações da Megadrug e venderam quando da queda, poderão adquiri-las de volta ao preço que venderam. Para isso, basta enviarem um e-mail para [email protected]. Contudo, há uma condição para se candidatarem à recompra. A pessoa tem de estar completamente fora do cartel. Temo que não seja o seu caso. Caixa duzentos e treze, pode perguntar.
– William Marshall, da BBC. Quero dizer que sinto muito pela sua perda. Qual é a extensão dos crimes cometidos pela Megadrug?
– Centenas de crimes. Matavam os cientistas que não conseguiam comprar. Criavam doenças novas e, também, drogas sintéticas potentíssimas. Eles têm um laboratório secreto, cujo endereço já foi fornecido para o FBI e CIA, onde desenvolviam drogas, distribuídas secretamente como medicamentos comuns para as subsidiárias do mundo todo. Acreditem, as atrocidades são terríveis. Caixa mil setecentos e sessenta.
– Se vocês pretendem subsidiar a saúde do mundo, como podem sobreviver?
– Simples, teremos lucros em outros setores. Tecnologia é a chave, temos descobertas prestes a virem a público que revolucionarão o mundo. – Ele aperta um botão e no telão aparece um vídeo da pilha atômica. – Esta parece ser uma simples bateria de portátil. Mas não é. Trata-se um protótipo, uma pilha atômica criada por um dos nossos cientistas. Este portátil poderá trabalhar sem parar por pelo menos vinte e cinco anos. As fábricas poderão passar a criar computadores com baterias padronizadas. Não será mais necessário um carregador. Quando o dono do computador desejar, compra outro e usa a sua bateria. É limpa, sem radiação; ecológica, pois usa como material para a sua criação lixo atômico e tem dispositivos de segurança que impedem qualquer acidente. Podemos criar pilhas atômicas à vontade. Luminárias não precisarão de fios de energia, por exemplo, nem televisores. A imaginação é o limite. Esta tecnologia estará disponível para comércio em breve. Caixa vinte e três.
– Quais os seus planos para a Megadrug e as afiliadas?
– Muito bem, esta é a segunda parte da minha exposição. Assim sendo, dou por temporariamente encerradas as perguntas. A Megadrug vai mudar radicalmente e adotar os mesmos moldes da Cybercomp. Para começar, cinco por cento do capital dela, será de uma fundação dos funcionários. Eles passarão, enquanto funcionários, a serem sócios da empresa participando ativamente dos lucros. A sede mudará de Manhattan para um antigo campo militar perto de Nova York, onde será construída a nova administração segundo o nosso modelo atual, com jardins, áreas de lazer e residenciais. Os funcionários, para terem um bom rendimento, precisam de se sentir bem. Os presidentes e a diretoria serão escolhidos pessoalmente por mim. Para a filial brasileira, já tenho um homem. Nos estados Unidos, será uma pessoa daqui. Mas, na sua maioria, os presidentes e diretores serão dos seus próprios países. Afinal eles conhecem-nos melhor que nós. Para se candidatarem, só precisam de enviar um curriculum para o e-mail [email protected] e, se preencherem os requisitos, mandaremos buscá-los para entrevista. As despesas serão custeadas por nós.
– Quanto ao futuro da empresa – continua – aumentaremos as pesquisas na cura de doenças. Todos os trabalhos roubados, serão devolvidos para as famílias das vítimas, mas faremos uma oferta de compra. Nos arquivos dos computadores há mais de duzentas doenças curáveis ou na iminência de uma cura, todas elas roubadas. Já adquirimos vinte trabalhos de familiares dos cientistas assassinados e trinta outros deram-nos espontaneamente. Teremos, em breve, a cura para cinquenta doenças, entre elas a Esclerose Múltipla, Mal de Parkinson, Câncer no Cérebro, Mal de Alzheimer e muitas outras. Hoje, a empresa vende medicamentos com lucro de mil por cento. Isso é inaceitável e vai acabar. A empresa tem que dar lucro sim, mas não à custa de vidas humanas. Hospitais de caridade receberão medicamentos gratuitos, mas rigorosamente controlados pela Megadrug de forma a evitar fraudes. Esperamos eliminar da face da Terra várias doenças no prazo de dez anos. A minha previsão é que a raça humana terá um aumento da expectativa de vida de cento e dez anos para cerca de cento e sessenta anos no próximo quarto de século. Toda a tecnologia da Cybercomp estará apoiando a Megadrug, cujos dirigentes reportar-se-ão diretamente a mim e à Suzana Silveiro, a nossa vice-presidente e administradora. Estamos às portas do século XXII e o mundo vai mudar. Em cinquenta anos ou pouco mais, o homem vai conquistar o espaço. Possivelmente, doenças novas aparecerão. Estaremos preparados para proteger a humanidade e o motivo é simples: não visamos ganho pessoal, mas sim o bem estar da raça humana. A partir do dia trinta, ou seja, daqui a vinte dias, quem quiser se candidatar ao cargo de dirigente regional, pode começar. Vamos reiniciar as perguntas. Caixa treze.
– O que o seu pai pesquisava?
– O meu pai era especialista em genética. Pesquisava uma forma de recriar órgãos falidos através da clonagem. O doente teria, por exemplo, um coração criado artificialmente por clonagem, exatamente igual ao original. O problema da rejeição está eliminado. Vocês podem imaginar que isso vai contra o meu trabalho, mas bem, o coração é uma bomba. Pode ter um equivalente mecânico, entretanto um figado ou pâncreas, ou até mesmo testículos e ovários não podem ser criados mecanicamente. Com o trabalho dele, qualquer tecido poderá ser recriado em laboratório e implantado no paciente. Imaginem quem teve o corpo queimado em um incêndio, ganhando uma pele nova. Temos cientistas a trabalhar nisso aqui na Cybercomp. Caixa oitocentos e noventa e um.
– O senhor diz isso tudo muito bonitinho agora. Mas o poder absoluto corrompe e eu acho que, para um rapaz da sua idade, você tem poder demais. Perdoe-me a sinceridade.
– Não precisa de se desculpar. O seu argumento é totalmente válido. Para começar, eu fui educado desde a mais tenra idade para saber administrar a minha fortuna pessoal que o meu bisavô deixou para mim. Se eu quisesse, não precisaria de trabalhar nunca mais. Eu construí uma empresa com um capital social de quatro trilhões de créditos e isso não é segredo. Cada centavo desse dinheiro saiu do meu bolso e tudo o que a minha empresa faz, visa ajudar a humanidade. Não são as ações da Megadrug que me deram o poder absoluto, amigos, eu já o tenho desde que nasci e, se não me corrompi em dezessete anos, não será agora. Além do mais, é trabalho da imprensa denunciar isso, caso ocorra. Conto com vocês, para nos manterem na linha. Caixa dois mil cento e oitenta e sete...
Por duas horas Daniel responde perguntas. Com exceção do argentino, ninguém o hostiliza, nem mesmo os argentinos de outros jornais e televisões. Ao término da coletiva, os presentes aplaudem-no. Quando vão sair, Garcia começa a berrar em espanhol:
– Você não me convenceu, seu safado, sem vergonha. Eu vou acabar com a sua raça. Vocês não passam de um bando de assaltantes baratos que pensam que vão ficar impunes, mas garanto que isso não vai ficar assim.
– O senhor dobre a sua língua, do contrário vai ver o sol nascer quadrado ainda hoje. Devia estar feliz de não compartilhar a cela dos seus patrões. Mais uma atitude dessas e eu acabo consigo e com o seu jornal. – Daniel aproxima-se do homem. – Engula essa sua arrogância inútil, antes que seja tarde demais. Agora saia daqui e que fique bem claro que, se você publicar alguma calúnia a nosso respeito, sofrerá um processo. Melhor não escrever nada que não possa provar.
– Vá se danar, seu filho da mãe – diz o argentino, agredindo Daniel, que se deixa atingir – a imprensa é livre para escrever o que quer.
Do nada surgem dois seguranças e agarram o repórter. Este nada pode contra dois Dragões Vermelhos, por mais que tente.
– Aí é que você se engana. – Diz Daniel, sorrindo. – A imprensa pode publicar o que quiser. Porém, deverá aguentar as consequências de atos irrefletidos como o seu, por exemplo. – Falando em cantonês diz para os seus fieis Vermelhos. – Prendam-no na contenção e chamem a polícia.
– Esses argentinos não aprendem – diz um uruguaio – sempre arrumando confusões.
– Não diga isso, meu amigo – responde Daniel, acompanhando-os – os argentinos são boa gente. Alguns têm o sangue mais quente, só isso. Devemos esquecer as rixas do século passado. Ele vai passar a noite na cadeia e amanhã eu retiro a queixa. Isso vai fazê-lo pensar melhor antes de agir. Mas, aqui dentro, ele não põe mais os pés.
― ☼ ―
Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top