Capítulo 10 - parte 7 (não revisado)
No ginásio, as coisas estão muito animadas. Fonseca é um grande mestre de capoeira, além de alguns outros participantes, e a roda é contagiante, especialmente a música. O pai da Jéssica e os da Bianca, que não conheciam, estão fascinados com o espetáculo, enquanto João e Suzi acompanham batendo palmas ao som da música. Apesar de haver muita gente assistindo, o ginásio parece vazio, pois é enorme.
Do nada, João nota um grupo de cerca de cem pessoas, todos chineses vestidos de quimono, entrarem em silêncio e sentarem-se nas arquibancadas. Cutuca Suzana.
– Amor, são uma porrada de Dragões Vermelhos e três Dragões Verdes. De onde surgiram tantos assim de uma só vez?
– Não sei, deve ser coisa do senhor Lee.
Os chineses olham o espetáculo com interesse e aplaudem junto, mas João agora tem um olho na roda de capoeira e outro nos Dragões.
– É assim que são os Dragões Vermelhos, Suzana? – Pergunta Jéssica.
– Sim. Há uns meses tivemos aqui um grupo, mas menor. Só que havia um Dourado junto.
– Caramba!
A roda de capoeira termina e o grande vencedor é Fonseca, aplaudido por todos, especialmente pela Bianca. Lentamente, vão liberando o local.
Como que movidos por um só comando, os chineses levantam-se das arquibancadas e vão para o tatame. Sentam-se e aguardam, formando-se um silêncio impressionante. Além deles, a turma de Kung-fu do mestre Lee está sentada, esperando.
Daniel, chateado porque se atrasou para o festival da capoeira, entra no ginásio. O espetáculo já terminou, mas ao ver tantos Vermelhos juntos, espanta-se. Caminha em direção ao tatame, tira as sandálias e sobe nele. De frente para o monge já seu conhecido, faz uma reverência e senta-se de joelhos. Em cantonês, fala com ele.
– Mestre, fico feliz em o ver novamente. O que o traz aqui?
O ancião sorri e inclina-se, jovial.
– Lee disse que vocês precisam de ajuda com a segurança. Meu filho, depois do que vi aqui, daria a minha vida para proteger este lugar.
– Mestre, o senhor alegra meu coração com as suas palavras. Vejo que reuniu um exército enorme.
– Quando perguntei quem queria ajudar o mestre de todos os Dragões, muitos candidataram-se e tínhamos mais de trezentos voluntários. É claro que um só pode derrotar um exército, mas um Dragão não pode estar em muitos lugares. Então eu trouxe noventa e cinco Dragões Vermelhos e três Verdes, que queriam aprender mais coisas do mundo.
– As suas palavras são sábias, mestre, e a sua ajuda é muito bem vinda. – Daniel inclina-se em respeito.
– Mestre Daniel, os meus rapazes perguntaram se poderíamos realizar um combate amistoso consigo, eles consideram uma honra.
– A honra será toda minha por enfrentar tantos guerreiros da China. Como está aquela terra que tanto amo?
– Bela e próspera, mas a sua terra é tão bela quanto.
– Obrigado, mestre. Também amo esta terra. Podemos começar o combate. Infelizmente não estou com roupas adequadas. Espero que leve em consideração.
João acompanha o dialogo sem entender uma palavra e gostaria muito de saber o que Daniel conversa, embora não entenda o que tantos Dragões fazem ali. Para seu horror, vê os quase cem guerreiros levantam-se e preparam-se para atacar Daniel. Sem pensar nas consequências, dá um grito e sai correndo da arquibancada, saltando pela murada e cobrindo o patrão com o corpo.
– Não, parem com isso. Por que querem combater com ele? Cem contra um não é justo. Se querem enfrentar alguém, então podem lutar comigo, não me importo, mesmo sendo inferior.
Posiciona-se para os enfrentar quando o monge chinês pergunta:
– O que ele diz, mestre?
O jovem traduz e todos eles começam a rir.
– Mestre, o senhor não está sendo justo – Daniel fala com o tom levemente reprovador – meu amigo não sabe quem eu sou e a preocupação dele é genuína. A demonstração de amizade que ele fez aqui é sagrada, pois sabe que morreria lutando contra vocês.
– Mestre Daniel tem razão. – Os guerreiros viram-se para o João e inclinam-se em sinal de respeito. Após, o mestre fala algo.
– O mestre diz – traduz Daniel – que não te deves preocupar. É tudo amistoso.
– Mas eles são quase cem Dragões Vermelhos – diz João, assustado – uma força de combate inigualável. Somente um Dragão Dourado poderia enfrentar tal poderio.
– Ou Branco, João...
Mestre Lee entra vestido com as roupas cerimoniais de um Grande Dragão Vermelho e interrompendo. Ajoelha-se e diz:
– Perdoe o atraso, mestre, mas tive uns problemas. – Vira-se para o Daniel. – As tuas roupas estão no vestiário. Fui buscá-las, pessoalmente.
– Mestres – diz Daniel – peço licença para me trocar, pois com estas trajes, não sou digno de vos enfrentar.
Dizendo isto, sai para o vestiário, mas antes agradece ao João pela demonstração de amizade e pede que retorne para a arquibancada. Dois minutos depois, está de volta com o quimono.
Ao vê-lo, João fica abasbacado. Não conhece aquele quimono, mas nota a cor do dragão nas suas costas.
– Br... Br... Branco? Meu Deus. Ele é um Dragão Branco! Suzana, é verdade? Sempre achei que os Brancos eram uma lenda!
– É sim, amor. Aquele boato sobre um menino Dragão Dourado aos nove anos, era verdade.
– Meu Deus!
Todos os Dragões levantam-se e inclinam-se para o Daniel, que retribui.
– Mestre Lee, quer participar do combate?
– Não, filho, hoje não. Definitivamente, não estou a fim de apanhar. – Daniel sorri. encaminha-se para um canto do tatame e tira a parte de cima do quimono, que é de seda, de forma a não se estragar no combate. Os vermelhos fazem o mesmo. Apenas os verdes, que usam um quimono comum, com um desenho de dragão verde nas costas, não o tiram, já que só os Grandes Dragões usam quimonos de seda.
João olha com o máximo de atenção. Daniel faz o cumprimento cerimonial e prepara-se para a luta, retesando toda a sua musculatura. Ao ver isso, as garotas suspiram. A mãe da Jéssica chega a respirar mais rápido e pensa. – "A Jessy tirou a sorte grande mesmo."
– Ai, meu Deus – diz Jéssica – que corpo lindo!
– Santa madre de Dios! – Comenta Bianca com os olhos no amigo.
– Bem-vindas ao fã clube – diz Cláudia, sorrindo – igual a ele não existe.
Os noventa e nove guerreiros atacam Daniel de uma só vez, mas onde ele deveria estar, não há mais ninguém e o ataque acaba no ar. Mudam de estratégia e avançam em sete grupos, formando um circulo à sua volta. Quando a primeira leva chega perto, Daniel enfrenta-os facilmente, bloqueando os golpes com os braços pés e mudanças de posição. Os espectadores ficam fascinados porque ninguém consegue tocar no jovem. Ao fim de alguns segundos, passa da defesa ao ataque e, com uma velocidade estonteante, derruba todo o grupo que o ataca pela frente. Simultaneamente, com um dos pés, derruba dois adversários que vêm pelas costas. A luta é linda de se ver, pois mais parece um bailado mortal, embora nenhum deles consiga tocar no Daniel. Dúzias de socos e pontapés são lançados contra ele, que se desvia facilmente, girando a cintura ou bloqueando com as mãos e pés. Um por um, os chineses caem sob o impacto dos seus músculos. Após dois minutos só há seis lutadores de pé. Em uma demonstração de força, deixa que eles o alcancem e é bombardeado por cerca de dez segundos. Mais de uma centena de socos atingem-no sem que ele se mexa um milimetro. Repentinamente dá um salto enorme, afastando-se deles e, usando a força de um Branco, mas com o máximo de moderação, desfere um ataque. Todos saem voando, caindo a alguns metros, completamente atordoados. Daniel para imediatamente e vai ajudar os monges. O combate termina com uma chuva de aplausos das arquibancadas. Quando os Dragões organizam-se e sentam-se, Daniel cumprimenta-os. Cada um põe de volta o seu quimono.
– Foi uma grande honra enfrentar um exército tão bom como vocês – diz o jovem – fico muito feliz por ter tantos amigos.
– A honra foi nossa, mestre Daniel.
Lee aproxima-se do Daniel, sentando ao seu lado.
– Mestre, tenho dois candidatos prontos a serem Pequenos Dragões. Um Azul e outro Verde. Daria a honra de os testar?
– Mas claro, diz o monge. Chame o Verde.
– Paulo – Lee faz sinal, falando português – venha aqui e sente-se ao nosso lado. Faça o que dissermos.
Paulo, que está de quimono pois achava que teria uma aula normal, aproxima-se e senta-se.
– Quem deseja tornar-se um Dragão Verde? – Pergunta o mestre dos chineses. – Quem acha que pode saber os nossos segredos?
Daniel traduz, mandando o Paulo ajoelhar-se.
– O meu aluno está pronto. – Afirma Lee, categórico.
– Que ele se aproxime do centro do tatame.
Obedecendo, Paulo vai para o centro e o mestre chinês chama um dos Verdes. Este levanta-se e cumprimenta todos, começando pelo Daniel. Vai para o centro do tatame e cumprimenta o Paulo, que retribui e se prepara para combater. Está nervoso, mas tranquilo, pois tem confiança na sua técnica. Quando o Verde ataca, encontra apenas o ar. O Paulo é rapidíssimo e, ao desviar do ataque, desfere uma pancada não muito forte sobre o adversário, que cambaleia, mas não cai. Viram-se um para o outro e estudam-se até que o Verde ataca. Paulo defende-se facilmente gingando de uma forma desconhecida para o oponente e desferindo uma pancada forte no peito do monge, que cai atordoado. Paulo volta para o centro do tatame e cumprimenta, reaproximando-se e ajudando o oponente a se erguer.
– Muito bem – diz o ancião – um estilo novo e há muitos anos que não vejo isso. Rapaz, você já é Verde, mas eu gostaria de saber se pode ser Vermelho. O seu talento não fica apenas em Verde. Está disposto a enfrentar os três Verdes de uma vez só?
Lee traduz, contente pelo seu aluno.
– Senhor – diz Paulo, inclinando-se – será uma grande honra, mas não acho que seja assim tão bom. Estou pronto a experimentar.
Os três Verdes aproximam-se e agora a coisa não é tão fácil, mas o Paulo sabe que, se os vencer, ficará bem acima de um Verde comum. Logo na primeira investida recebe uma pancada forte no rosto, mas um lutador de boxe está habituado a isso. A segunda pancada não o atinge pois desvia-se com graciosidade, acertando um dos oponentes com o pé, que cai atordoado. Como manda a regra, este sai da luta por ter sido derrotado. Os restantes caem em menos de dois minutos.
– Rapaz, diz o mestre. Poderia tentar enfrentar um dos Vermelhos?
– Posso tentar, mestre. – Afirma, mais confiante.
Este destaca um Vermelho para enfrentar Paulo, que é rápido, muito rápido. Paulo acompanha os movimentos dele, mas não o atinge. Por três vezes, quase consegue, uma delas acertando-o de raspão e obtendo algum efeito, coisa virtualmente impossível para um Verde comum. O combate dura cinco minutos e nenhum dos dois cai, mas agora Paulo sabe o que é um Vermelho, pois não consegue tocar nele. O chinês também está impressionado com e eficácia do adversário, mas invariavelmente Paulo recebe um pontapé no rosto, que o deixa completamente zonzo, no chão.
O Vermelho inclina-se para cumprimentar o adversário e corre a ajudá-lo a se levantar. Paulo sorri para ele, em agradecimento. Sentam-se no centro do tatame e o mestre Shaolin, diz:
– Jovem, você não é um Vermelho, mas apenas por agora. Nenhum Dragão Verde poderia sustentar um combate com um Vermelho por tanto tempo, muito menos tocar nele como fez. No ano que vem, repetiremos o teste. Hoje, será sagrado um Pequeno Dragão Verde, mas não faremos a marca do Dragão, pois você tem talento para ser um Vermelho.
Lee traduz e Paulo fica exultante.
– Mestre – diz Paulo, inclinando-se humildemente – fico muito alegre. Nunca esperei chegar a ter a honra de me tornar um Dragão.
O mestre Lee levanta-se e pega um embrulho que trouxe consigo, tirando um quimono de Dragão Verde e todos aplaudem Paulo com muito alegria. Feliz, ele sorri, pois sabe que fez uma conquista enorme.
– Mestre Lee – pergunta o monge – quem é o próximo candidato?
Lee aponta para o chinês que treina com eles e chama-o. Este, que não esperava tal honra, levanta-se e, trêmulo, vai até ao grupo, ajoelhando-se.
– Quem deseja tornar-se um Dragão Azul? – Pergunta novamente o mestre dos chineses, solenemente, como manda o figurino. – Quem acha que pode saber os nossos segredos?
– O meu aluno está pronto – diz Lee.
– Eu não tenho um Azul para testá-lo, Posso pegar um Verde nivelado por baixo, mas isso pode prejudicar o exame, Lee.
– Mestre – interrompe Daniel – há um Azul entre nós. Ele poderia ajudar.
– Chame-o.
– João – diz Daniel – poderias ajudar? Vem até aqui.
Este aproxima-se.
– João, ele deve ser testado com um Azul. Poderias nos dar a honra de combater com ele?
– Será um prazer enorme.
– Quem me diz que ele é um Azul? – Pergunta o monge. – Não desejo a morte de um inocente!
Daniel traduz.
– Mestre, eu fui sagrado em Macau. – Declina o nome do templo, mostrando a tatuagem e os Dragões inclinam-se em cumprimento.
– Está disposto a nos ajudar no teste com este candidato?
– Será uma honra, senhor.
João tira a camiseta e vai para o centro. Vira-se para o candidato e cumprimenta-o. O chinês retribui, levanta-se e vai em direção ao oponente. Eles iniciam um combate muito intenso e rápido com golpes e contragolpes eficientes. Cada pancada acaba aparada pela perícia do adversário e a luta parece uma dança feroz. Ao fim de dez minutos, ainda continuam duelando, não hevendo vencedor ou vencido. O monge para a luta.
– Sem dúvida temos um novo Azul.
Mestre Lee pega o seu pacote e tira um quimono de Azul. Após, algo parecido com um carimbo, mas cheio de agulhinhas. Chega até ao braço do chinês e aplica-o com força. Quando retira, há uma tatuagem azul de um Dragão.
Os dois novos Dragões viram-se para os monges e cumprimentam-nos. Depois, viram-se para o mestre Lee e cumprimentam-no. Finalmente, repetem o processo com Daniel. Retiram-se do tatame e juntam-se aos colegas que os aplaudem.
Daniel fala mais algumas palavras com o monge Shaolin e levanta-se, saindo para os amigos e perguntando:
– Que tal o festival? Precisei de fazer umas coisas e acabei perdendo. Uma pena, a capoeira é tão bonita! – Depois, pergunta para as garotas. – Gostaram do combate? É muito bonito não é?
– Daniel – diz Natália – nunca vi nada parecido. Agora entendo quando o Isaac disse que acabou com o rapaz da escola como se ele fosse nada.
– Bem, prefiro não falar disso pois incomoda-me quando tenho de agredir alguém. Gosto muito de lutar, mas jamais de ferir uma pessoa. Aquele sujeito, foi uma exceção, por causa das atrocidades que fez.
– Foi muito bonito – diz o pai da Bianca – você deve ser um grande lutador e esses sujeitos parecem adversários terríveis.
– Pode ter a certeza senhor, um Dragão Vermelho, sozinho, pode derrotar um exército.
– E você derrotou mais de noventa! Quantos exércitos você poderia vencer?
Daniel nada diz, ignorando a pergunta dando um sorriso.
– Vamos embora?
– Deixa que os levo – diz Fonseca – vão tranquilos.
– Está certo. Cuida dessa gatinha, que ela é especial. – Daniel pisca o olho e beija Bianca. Ele a Jéssica, despedem-se de todos.
– Obrigado por tudo, Daniel. Jamais esqueceremos o que fez pela nossa filhinha. E obrigado pelas férias e pela entrevista.
– Faria muito mais, se fosse preciso. Não hesite em me chamar, se necessário, Francisco.
Daniel pede para Jessy aguardar enquanto vai trocar de roupa. Lá, encontra João.
– Então você é um Dragão Branco, o único no mundo, o líder supremo de todos os Dragões! Por que não me disse, na praia?
– Faria alguma diferença? – Pergunta este, sorrindo delicadamente – eu não queria que te sentisses mal.
– Não me ia sentir mal, mas não entendo como Paulo conseguiu derrubá-lo!
– Simples, nivelei em Azul e não imaginava que ele tinha evoluído tanto em tão pouco tempo. Foi feito para a coisa. Conseguiu sustentar combate com um Vermelho por alguns minutos, até acertá-lo de raspão. Eu levei uma pancada e tanto, naquele dia. Estou com muito orgulho dele, pois é o meu melhor amigo, como um irmão para mim.
– Agora já imagino quem arrumou aquele sujeito que eu e o doutor Chang operamos. Mas por que motivo um Castigo Supremo?
– O que farias se chegasses à escola, correndo desesperado, para ver um monstro com a mão dentro da vagina de uma amiga tua e a Suzana atordoada no chão sendo a próxima da fila?
– Matava-o sem dó nem piedade. – João fala irado.
– Eu deixei-o vivo, de modo a se lembrar para sempre a merda que fez e a vida que desperdiçou. Bem, vou-me embora.
– Não é à toa que chamam aquilo de Castigo Supremo.
– Não, não é. A propósito, com as drogas que ele tomou, tinha tanta força quanto um Vermelho e sabia Karatê muito bem. Não terias sobrevivido. Diz para a Suzana que te autorizei a ver o vídeo da segurança, mas pede para o Fonseca to mostrar. Ela ficou demasiado abalada com isso, entenderás os motivos.
– Então foi por isso que naquela noite ela estava daquele jeito. Chegou a chorar em casa e disse que nunca vira tanta crueldade no rosto de uma pessoa.
– É verdade. Tenho pena de lhe ter pedido isso, mas só tenho confiança nela e no Fonseca para certas coisas. Não me leves a mal. Eu gosto de ti mas precisamos de nos conhecer melhor. Já deste o primeiro passo para entrar no meu circulo de alta confiança. Bem, até amanhã.
– Adeus, Daniel. – João, impressionado, acompanha a saída do chefe.
Fonseca leva a Bianca e os pais para o estacionamento. O carro dele é um Porsche lindo, vermelho, de modelo clássico e com quatro portas.
– Manoel, esse carro não é o veículo de um escravo – Bianca ri para ele – não mesmo. Devias parar de falar daquele jeito.
– É que eu sou um escravo muito bonzinho – diz Fonseca, jovial e abrindo a porta – e meu feitor trata-me bem porque eu faço milagres para ele. Então, minha rainha libertadora, entras nesta humilde carruagem?
Ela sorri derretida e entra, acompanhada dos pais.
Daniel volta e encontra a Jessy à sua espera. Esta põe os braços sobre os seu ombros abraçando-o e beijando-o.
– Demoraste.
– João estava lá e fez-me umas perguntas. Vamos para casa.
Silenciosos, vão para a casa deles. Quando estaciona, ela sai do carro e fica parada com um sorriso matreiro.
– "O que foi, amor?"
– "Não é costume o noivo levar a esposa ao colo para a noite de núpcias?"
Ele dá uma risada e pega-a ao colo. Ela, muito feliz, passa os braços em volta do pescoço dele e beija-o longamente
De manhã, muito cedo, vão praticar tai-chi e, depois do banho, escola, onde encontram Paulo e Cláudia no pátio. Pouco depois chega Bianca, alegre, recuperada, nem parecendo que passou por um trauma violento. Os alunos cumprimentam-nos e alguns vêm abraçar Bianca em sinal de carinho.
Mal acomodaram-se nas mesas, o alto-falante chama todos os alunos para o auditório. O diretor começa a falar ao microfone:
– Senhores e senhoritas: recentemente tivemos uma pequena tragédia que não se tornou grave graças ao espirito de união da nossa escola. Quero uma salva de palmas para a equipe de atletismo, que se empenhou em salvar duas colegas. – Quando param de aplaudir, ele continua. – Mas, eu chamei-vos aqui, por outro motivo.
Faz um sinal e, dos bastidores, entram Suzana e o doutor Pires. Quando os alunos veem-na, deslumbrante como sempre, é uma gritaria e assobios sem parar. Após acalmarem-se, o diretor continua, mais sério:
– Esta é a dona Suzana Silveiro, vice-presidente da Cybercomp, e o doutor Pires, diretor do Hospital Ipanema. Eles irão falar convosco por uns minutos.
– Oi, gente – diz Suzana – A Cybercomp e o Hospital Ipanema estão engajados em uma campanha para vos mostrar os problemas das drogas que levaram ao quase desastre nesta escola. O vídeo que vocês vão ver é uma realidade triste que o Hospital Ipanema vivencia diariamente. Ele choca, mas é a consequência de vocês, moças, que fazem coisas sem pensar. Todas as pessoas que aparecem aqui, morreram ou estão em estado gravíssimo. Lembrem-se que são da vossa idade, com os mesmos desejos e paixões que vocês. Nem sempre teremos uma turma tão dedicada quanto os vossos colegas, que tentaram salvar Bianca e Jéssica.
Faz um sinal e o vídeo é apresentado, muito deprimente. Embora os rostos sejam escondidos por distorções, ele mostra a realidade nua e crua. O silêncio que se segue é pesado.
– Todas essas meninas foram enganadas. – Afirma Pires. – O criminoso, em geral, usa da sedução. Outra coisa que ele faz é pôr drogas na bebida de vocês. A maior parte delas está morta. Ontem, deram entrada no hospital duas, atiradas na sarjeta pelos criminosos. Ambas morreram por overdose, pois chegaram tarde demais, mas havia marcas de espancamento e estupro.
– Pensem nisso. – Diz Suzana. – Poderia ser qualquer uma de vocês aqui presente, ou a irmã de vocês e quase foi Bianca. Ajudem-nos, não caindo nas armadilhas que eles fazem.
Dizendo isto, Suzana retira-se junto com o doutor Pires.
– Espero que ajude – diz ela suspirando – não aguentaria ver outro monstro igual àquele.
Nesse momento Daniel dá-se conta de um detalhe e, preocupado, liga para o delegado Figueira.
– Delegado, o senhor vai hoje pegar aqueles sujeitos? Olhe, tenham muito cuidado. Se o perfil for similar ao do que eu peguei, vocês correrão um perigo imenso e só conseguirão pegá-los matando-os. Aquela droga multiplica a força por cem e o Geovâni era um excelente lutador de Karatê. Eu tenho uma equipe de seguranças que os podem pegar facilmente e sem baixas. Sugiro que o senhor vá com um pequeno grupo deles... não, não serão necessárias armas... a hora ideal é essa mesmo. O senhor traz o mandato? Combinado.
– Mestre Lee – diz Daniel ao telefone – vamos ajudar a polícia a capturar o bando do sujeito que eu peguei. Preciso de alguns Vermelhos, pois a droga que eles tomam, dá-lhes uma força similar. Basta um pequeno grupo. Vão para a minha casa às dezoito horas. O delegado Figueira, vai encontrar-me lá.
Depois da aula, Daniel e Jéssica vão para a casa dos pais dela para pegar suas coisas. Ele leva-a ao shopping center onde, em uma joalheria famosa, compra-lhe um anel de diamantes, simbolo da sua união. Também compra duas alianças de ouro que guarda para quando forem oficializar o noivado/casamento. Depois que deixam as coisas em casa, vão passear à beira do Guaíba, tal como no primeiro dia em que saíram. De mãos dadas curtem o lugar que se tornou um cartão postal da cidade há trinta anos, depois que o rio foi totalmente despoluído.
– "Esta cidade é tão bela, Dan. Boston é linda, mas lá não há essa preocupação em preservar a natureza que existe aqui."
– "Espero que um dia os Estados Unidos pensem como nós. O planeta Terra é pequeno e precisamos cuidar dele, pois é a nossa casa e, no Sistema Solar, não há outro planeta habitável."
– O que pensavas da primeira vez que saímos e viemos aqui?
– Estava com medo, muito medo. – Daniel responde, olhando para ela.
– Tu, o Grande Dragão Branco com medo? – Pergunta Jéssica, rindo – isso não é irracional?
– Mas o coração tem razões que nem a própria razão pode explicar, minha princesa. Eu tremia de medo. Tu eras tudo o que eu sonhava, mas não sabia se o contrário era verdadeiro. O teu cheiro, a tua voz deixavam-me doido e eu tinha medo. Até porque pensava que era maluquice apaixonar-se por um sonho. Depois, foi o medo de fazer comparações com Daniela. Em suma, tinha muito medo.
– Mas perdeste o medo rápido – ela fala em inglês – por quê?
– Porque Bianca e Suzana convenceram-me que eu era tonto com esse sentimento. Elas sabiam e sempre me apoiaram, mesmo gostando de mim. São pessoas excepcionais. Então, naquele dia do acidente com o dardo eu estava decidido a assumir tudo, apesar do meu medo. Quase te beijei aqui mesmo, mas o telefone estragou tudo. – Eles sorriem. – Ao ver aquele dardo voar na tua direção, fiquei aterrorizado. Já sofri demais perdendo gente que amava muito. Temos de ir agora, amor. Quero passar no hospital para ver o Toninho e o Léo. Depois, vou ajudar a polícia a prender os criminosos da gangue do Geovâni.
No hospital, os dois já estão já conscientes e ficam felizes em saber que as garotas escaparam praticamente ilesas. Jéssica agradece muito a ajuda que eles lhe deram. Após cerca de uma hora, o casal retira-se. Quando chegam a casa, já encontram Lee e mais três Vermelhos, aguardando. Cumprimentam-se e Daniel convida-os para um chá, enquanto aguardam o delegado. Apesar de conversarem em cantonês, Jéssica acompanha as conversas por intermédio da mente do Daniel, embora não possa falar. Eles são altivos, bem dispostos e conversam sobre a China que o namorado ama muito. Cerca de meia hora depois, Daniel começa a dar instruções, pois não quer ninguém ferido e os criminosos devem ser presos intactos. Explica que a força deles pode ser igualada a um Vermelho, também sendo possível haver vítimas com eles, então devem tomar muito cuidado. Acenam com a cabeça, dando a entender que compreenderam tudo.
Logo depois, chega o delegado Figueira, que vem com um micro-ônibus, achando que Daniel tinha uma equipe grande.
– Mas são só quatro homens, Daniel?
– Não, amigo. Apenas três. Mestre Lee não deseja participar e ficará com a minha mulher. Afinal, seremos quatro, mais do que o suficiente para derrotar um exército.
– Você não deve ir, rapaz.
– E quem vai traduzir para eles? – Pergunta Daniel rindo. – Não se preocupe que sou tão eficiente quanto eles. Vamos?
Beija a Jéssica, que diz:
– "Vê se te cuidas. A propósito, leva unas roupas ou casacos, sei lá, caso haja alguma pobre garota lá."
– Tens razão, Jessy. – Ele pega um par de cobertores e leva junto. O delegado assiste aquele diálogo pela metade e imagina como deve ser fantástico ter esse dom.
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