Capítulo I: Um ianque entra num bar...


Capítulo I

"Um ianque entra num bar..."

Bloomsbury, Londres, Grã-Bretanha.

Quinta-feira, 16 de dezembro de 2021.

Altas horas. Um vulto caminha pelas ruas pouco movimentadas da área residencial localizada no coração da capital britânica. No céu, uma imensa lua cheia lança seus raios pálidos sobre a metrópole, como se não passasse de um grande espírito circular assombrando seus moradores.

Iluminado por tais raios espectrais e também pela luz dos postes, a sombra se transforma num homem que aparentava ser um legítimo filho da noite: cabelos castanhos curtos, estatura média, porém forte; pele branca num tom ligeiramente doentio. Usa no rosto um par de óculos escuros, lentes espessas. Veste uma camiseta branca sob uma jaqueta marrom um tanto surrada, tendo no peito uma gravata vermelha; trajando também uma calça preta e botas da mesma cor. Além disso, tem luvas nas mãos da mesma cor da jaqueta, um coldre na cintura e às costas, pendurada, uma bainha usada por samurais do Japão feudal com a alça passando-lhe por cima de um ombro e do peito, uma espada aparentemente repousando em seu incógnito interior.

Tal personagem, despertando certa curiosidade naqueles que se encontravam nas ruas do bairro naquele momento, segue calmamente pelas calçadas, já com um objetivo traçado. Se seu contato estivesse certo, o local ainda era o mesmo. Não havia como errar.

Passando pela circular Praça Bedford e admirando as antigas casas e sobrados circundando-a imponentes, as guirlandas e outras peças de decoração nas portas anunciando a proximidade do Natal – ou ele nem daria conta de estarem em tal época, devido ao calor digno do verão – o indivíduo lembra-se da história de Bloomsbury. O bairro provavelmente devia seu nome a um proprietário de terras normando chamado William de Blemund, mas outra versão dos fatos dizia que a área fora nomeada a partir de Lomesbury, um vilarejo que antes ali existira. Aquela parte de Londres era conhecida por abrigar suas instituições acadêmicas mais importantes, como o Museu Britânico. Bloomsbury também já tivera habitantes notáveis, incluindo Bob Marley, que ali residira nos anos setenta...

Sim, cantar mentalmente "'cause every little thing gonna be all right" era uma tentativa de ficar mais calmo, embora não funcionasse como queria.

Todavia, o personagem em questão não vem ao bairro para visitar algum lugar ou pessoa importante, ao menos não aparentemente. Ele está ali em busca de um pub, como são conhecidos os tradicionais bares britânicos. Sim, um pub, o qual acaba de avistar numa discreta esquina próxima em Percy Street, com interior iluminado e fachada convidativa, um misto de tinta branca e vigas de madeira lembrando uma taverna medieval, onde se lê o nome do estabelecimento: "Recanto de São Jorge".

Satisfeito por encontrar o lugar mais rápido do que imaginava, vence os últimos metros que o separam dele. Passa por um mendigo que, vestindo trapos sujos e sentado junto a uma parede, dedilha modestamente as cordas de um violão, tendo diante de si um chapéu velho destinado a ser depósito de contribuições. Apreciando o singelo som proveniente do instrumento – a introdução de uma música famosa de uma conhecida banda de heavy metal britânica – o recém-chegado atira dois ou três pennies para o músico e, sem notar a expressão de sincero agradecimento no rosto deste, segue seu caminho.

Assim como dizia o primeiro verso da canção, ele também era um homem caminhando sozinho...

Parando diante da entrada do bar, o visitante nota haver um grande brasão sobre a porta retratando o santo protetor da Inglaterra – do qual o dono do estabelecimento provavelmente era grande devoto – em sua clássica luta contra o dragão, perfurando-lhe o coração com uma lança. Com tal imagem em mente, o desconhecido adentra o pub, óculos escuros sempre no rosto.

O recinto não é muito grande, repleto de mesas e escudos nas paredes. O ar contém leve aroma de cerveja misturado a detergente, levando a crer ter sido recentemente limpo – impressão reforçada pelo chão e móveis lustrosos. Está vazio, com exceção do barman, sujeito musculoso, careca e barbudo, que naquele momento esfrega o balcão despreocupadamente usando uma flanela, tendo às costas uma estante cheia de garrafas e copos. Mesmo assim, fita disfarçadamente o recém-chegado, o qual se aproxima do funcionário e, num reconhecível sotaque norte-americano, saúda-o:

– Boa noite.

– Boa noite, ianque – responde o barman com certa grosseria, sem levantar a cabeça. – O que vai querer beber?

– Eu não vou beber nada hoje, meu bom homem. Vim aqui para ver o senhor Jack Cromwell. Ele está?

– Quem você pensa que é? – irrita-se o careca, finalmente encarando a face de seu interlocutor.

– Ernest Adams, FBI – responde o agente, exibindo suas credenciais num gesto rápido, a carteira contendo o cartão com sua foto e o brasão da organização se abrindo diante do funcionário. – Eu e o senhor Cromwell já nos falamos algumas vezes, acredito que ele ficará feliz em me ver.

– Se não sabe, Ernest, o FBI não possui jurisdição em solo britânico. Ainda mais depois que aquele playboy topetudo que vocês elegeram separou de vez seus assuntos dos nossos. Agora quer fazer o favor de dar o fora daqui antes que eu fique irritado de verdade?

Num movimento súbito e ágil, Adams agarra o braço direito do barman, fazendo-o largar a flanela. Em seguida aperta-o fortemente, fazendo o inglês encrenqueiro gemer de dor e, sem dó, começa a torcê-lo, avisando em tom nefasto, os ossos da vítima estalando:

– Existem pessoas ateias que aprenderam a rezar apenas para nunca me verem irritado, meu caro. Agora, se não quiser perder um braço, é melhor me levar até o senhor Jack Cromwell!

– Basta, senhor Adams! – ordena alguém.

Nesse instante o federal norte-americano percebe que parte da estante de bebidas deslizara de repente para dentro da parede, revelando uma passagem secreta pela qual surge um homem em seus quarenta anos, barba e cabelos ruivos. Traja vestes relativamente simples, compostas de camisa e calças marrons e surradas – lembrando um cavaleiro medieval desprovido de armadura – e tem num dos dedos da mão direita um anel dourado com o emblema do que parece ser uma estaca afiada.

– Fred estava fazendo apenas o trabalho dele, protegendo nosso esconderijo com sua vida – explica ele, nada mais nada menos que Jack Cromwell, como o recém-chegado sem demora reconhece.

– É um prazer, senhor Cromwell – diz Ernest, cumprimentando-o com um aperto de mão sobre o balcão. – E perdoe meus métodos pouco ortodoxos, creio que o senhor saiba das histórias que contam sobre mim no submundo...

– Certamente. Sua fama o precede, senhor Adams, assim como a enorme fé de seus antepassados – o anfitrião exclama de modo pomposo. – Agora venha comigo, temos muito que conversar.

O balcão é aberto por Fred, que, segurando o braço dolorido, ainda tem expressão hostil no rosto. Logo depois o agente do FBI segue junto com Jack pela passagem secreta, que se fecha automaticamente às costas de ambos logo que entram. Começam então a descer por uma escada de pedra em espiral, num ambiente iluminado apenas por lâmpadas rústicas junto às paredes de blocos de granito, lembrando a torre de um castelo medieval imersa no solo. Durante o trajeto, Ernest comenta:

– Eu me pergunto sobre como puderam manter um centro de operações incógnito no subsolo londrino por tanto tempo... Nunca tiveram problemas em relação a isso?

– Apenas há alguns anos, quando estavam construindo as novas linhas do metrô. No projeto original, um túnel seria cavado bem no centro de nosso refúgio, mas graças à influência de nossos membros na prefeitura, ele foi alterado. Porém, os trilhos ainda passam ao lado da ala oeste e o lugar todo treme quando os trens os percorrem... É um inferno!

– Posso imaginar... – murmura Adams num leve riso.

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