UM
Beatriz Guimarães estava furiosa, tanto que abria o caminho entre as pessoas, tão irritada que o próprio barulho dos saltos contra o chão a incomodava, assim como todo o movimento que a cidade de São Paulo tinha.
Como sempre, as ruas estavam cheias de pessoas, que pareciam ocupadas demais, andando rápido, sempre com pressa para fazer algo importante.
Os carros presos no tráfego lançavam uma onda de irritação tanto para os motoristas, quanto para os pedestres; os mais impacientes buzinavam e outros xingavam de volta. Vendedores ambulantes aproveitavam o sinal fechado, enquanto as pessoas atravessavam a rua fora da faixa sem medo de serem atropeladas.
Ela andava com rapidez, fazendo os longos e escuros dreads baterem nas costas. Apesar do frio daquela manhã, sentia vontade de arrancar a jaqueta de couro vermelha, tamanha a raiva que sentia. Odiava se sentir assim, odiava ser traída.
Entrou na grande loja Lourenço, uma das maiores e mais chamativas na avenida lotada, com grandes vitrines, com roupas dispostas no manequim, carregando uma das maiores marcas do mercado. Sabia que o dono ficava naquele prédio e, assim que entrou, perguntou para uma das vendedoras:
— O Sr. Lourenço se encontra aqui? — Apesar da fala educada, Beatriz não pôde controlar o tom seco, rude. Não estava nos melhores ânimos naquela manhã, principalmente porque quase não conseguiu dormir na noite passada, com raiva demais para conseguir relaxar e deixar o sono chegar.
A vendedora piscou e, quando abriu a boca para falar, Beatriz viu uma mulher alta, vestida em um conjunto social bege que não combinava muito; ambas tinham o mesmo tom escuro da pele e, apesar de terem a mesma cor de olhos – castanho-claros como chocolate ao leite – não tinham a mesma expressão.
O da mulher à sua frente era especulativo, curioso.
— Pode deixar, Lu. Eu assumo daqui. — A conhecida sorriu para a vendedora, que logo se afastou. — O que quer com o Sr. Lourenço?
— Não me enrola, Bianca — Beatriz avisou entredentes.
— Não posso deixar qualquer um entrar para falar com ele. — Bianca jogou os cabelos longos e recém-alisados para trás. — Muito menos a concorrência. — Arqueou uma das sobrancelhas.
Beatriz não conteve um suspiro irritado. Ela também não queria estar ali, tinha muito trabalho pela frente, e ir até a loja da sua maior concorrente não estava na agenda dela. Deu uma rápida olhada no relógio de pulso prateado e viu que não tinha muito tempo para desperdiçar ali.
— Você sabe que não sou nenhuma, Bianca. — Ergueu o queixo e aproximou o rosto do dela, encarando-a sem medo. — E sabe que ele não aprovaria saber que você me proibiu de vê-lo.
Um lampejo de raiva atravessou os olhos de Bianca, mas isso não a intimidou nem um pouco, Beatriz se manteve ali, mesmo ao perceber que elas estavam sendo observadas pelas vendedoras e, por um momento, ficou preocupada com as fofocas que aquele encontro poderia causar.
"O que a dona da Vênus, está fazendo aqui?", "O que a concorrente quer com o patrão?". Apostaria seu salário que essas eram as perguntas que passavam pelas cabeças daquelas pessoas. Mas lembrou a si mesma que não se importava com o que pensavam sobre ela.
Deixara de se importar com isso há muito tempo.
— Certo. Vou te levar até lá — Bianca cedeu contra a sua vontade. Sem esperar por uma resposta, virou-se e a guiou em direção a uma escadaria de madeira em caracol, para depois entrarem em um corredor estreito. — Só vou avisá-lo que está aqui. — Bateu na porta diante delas.
Beatriz esperou com os braços cruzados diante do peito, os saltos baixos batendo impacientes no chão até vê-la retornar para permitir que entrasse na sala.
Atrás de uma mesa grande, estava o importante Afonso Lourenço. A pele escura se destacava com a camisa social branca; por cima dos óculos de grau, os olhos castanhos a fitaram em silêncio e a única expressão ao vê-la foi um arqueio simples de uma das sobrancelhas, um gesto tão arrogante que Beatriz teve vontade de socá-lo.
— A que devo a honra da ilustre presença da presidente da Vênus? — Havia humor nos olhos dele, que formaram pés de galinha quando sorriu e foi quando pôde perceber que ele havia envelhecido. Havia anos que não o via e, mesmo assim, era estranho vê-lo daquele jeito. Quase indefeso.
Quase.
— Eu pensei que você era um homem de princípios. — Aproximou-se da mesa dele e jogando uma pasta, que bateu silenciosamente contra a madeira, não causou o impacto que ela queria. — Que ao menos tivesse índole nos negócios.
— Você veio me acusar do quê, exatamente? — perguntou ao abrir a pasta, passou os olhos rapidamente pelo conteúdo e franziu o cenho, confuso. — Quer me explicar o que é isso que estou vendo?
— Com prazer — ela quase cuspiu as palavras. — Nessa primeira folha, são as roupas que a marca Lourenço divulgou no último desfile, anunciando a nova coleção de verão. Na segunda, é o projeto que a Vênus desenvolveu dois meses atrás, para ser exata. Reparou como são idênticos?
— Está insinuando que a Lourenço plagiou os projetos da Vênus? — Arqueou as sobrancelhas.
— Vocês roubaram o meu projeto! — acusou. — Eu sempre acreditei que a empresa Lourenço era uma concorrente à altura, costumava pensar em vocês com respeito. Mas me enganei. Isso aqui — apontou para a pasta — é jogo sujo.
Reparou que Lourenço não parecia nada abalado com sua acusação.
— Você tem 27 anos, certo? — Sabendo que foi uma pergunta retórica, ela não respondeu. — Ainda é muito jovem para entender o mundo da moda. Nos mundos dos negócios, ninguém cresce sendo caridoso e justo, Beatriz. Lembre-se disso.
Ela quase riu, com um humor sombrio ao saber que, depois de todos esses anos, Afonso Lourenço estava querendo lhe ensinar algo.
— Eu pensando que o senhor não poderia me decepcionar ainda mais. — Balançou a cabeça em desgosto. Espalmou as mãos na mesa de madeira e buscou os olhos dele. — Essa vai ser a última vez que irá me roubar. É bom isso não voltar a acontecer; do contrário, procurarei meu advogado e afundarei você e sua empresa. — Sustentou o olhar dele por alguns segundos antes de se endireitar e ir até a porta.
— Isso é uma ameaça ou promessa? — A voz a fez parar com a mão na maçaneta.
— Eu não faço mais promessas — respondeu por cima do ombro e bateu a porta ao sair.
Refez o mesmo caminho de antes, ignorando os olhares, principalmente o modo julgador que Bianca a encarava e somente lá fora, na calçada, ao sentir o sol fraco no rosto, permitiu-se respirar fundo.
Odiava ficar no mesmo ambiente que ele, odiava encarar Bianca e ver o quanto a irmã tinha mudado, além de ver o preço de uma promessa que não conseguiu cumprir. Céus, odiava toda aquela situação! Respirou fundo três vezes, com a irritação mais controlada, olhou o relógio, pegou o celular no bolso e resolveu voltar andando até a Vênus, quem sabe assim, conseguiria clarear um pouco a mente.
— Carol, como está minha agenda hoje? — perguntou para a secretária do outro lado da linha, enquanto andava.
— Lotada.
Fez uma careta ao ouvir a resposta dela.
— Remarque algumas coisas e marque uma reunião de emergência. Precisamos de outro projeto para a nossa coleção.
***
Afonso estava rindo quando Bianca abriu a porta do seu escritório, precisava admitir que não esperava encontrá-lo assim. Estava pronta para ter que colocar mais açúcar no café dele para amenizar a fúria do dono da Lourenço e parou no meio da sala ao ouvir a gargalhada ecoar pelo ambiente, arrepiando sua alma.
— Você viu isso? — Olhou para ela, com os olhos brilhantes e tirou os óculos para secar as lágrimas. — Viu só como Beatriz veio me enfrentar? Meu Deus! Aquela menina tem garra!
E lá estava ele, gargalhando novamente e foi quando Bianca se aproximou para depositar a xícara de café na mesa dele, que parou e pareceu sério por um segundo.
— Achei muito grosseiro da parte dela, nos acusando de algo tão absurdo como um plágio! — Bianca comentou exasperada.
— Não é incrível? — Afonso voltou a rir e Bianca reconheceu outro tipo de brilho nos olhos dele, que ia muito longe do humor, um brilho que nunca viu presente nos olhos dele, não por ela.
— O senhor vai deixá-la acusá-lo de plágio? Não vai fazer nada?
— Não. Estou curioso para saber até onde ela pode ir.
E aqui está, os dois primeiro capítulos postados.
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