DOIS


— Consegui remarcar quase todos os compromissos — Carol, uma mulher baixa, de olhos castanhos, com os cabelos lisos e longos presos em seu usual rabo de cavalo no alto da cabeça, falou assim que Beatriz entrou no último andar do prédio da Vênus. — Desocupei toda a sua tarde, já que não sei quanto tempo vai levar a reunião.

— Não tinha muitos compromissos importantes hoje, tinha? — perguntou a secretária assim que abriu a porta do escritório, um lugar pequeno e bem organizado. Tirou os saltos e, descalça, quase sorriu aliviada ao sentir o tapete macio sob os pés e jogou o corpo na poltrona mais próxima. Um gemido escapou por seus lábios e ao ver o modo de como Carol a encarava, tentou se explicar: — Fui andando até a Lourenço.

— É uma caminhada longa.

— Eu sei, mas precisava descarregar toda aquela raiva. — Deu de ombros e sentiu vontade de rir, mesmo não sendo nada engraçado.

— E como foi lá?

— Lourenço se fez de inocente. — Só de lembrar, sua raiva reacendia. — Eu o avisei que, se fizesse isso novamente, iria atrás dos meus advogados.

— Então, você o ameaçou?

Não havia censura na voz de Carol, apenas... admiração? Beatriz não saberia dizer e, como não pareceu ser uma pergunta, deu de ombros.

— Bem, em resposta a sua pergunta, não tinha nada muito urgente hoje, vou encaixar tudo na sua agenda nas próximas semanas. Espera, você tem um desfile beneficente amanhã à noite. — Carol não tirava os olhos do seu inseparável tablet, com os dedos finos e brancos, ágeis na tela. Beatriz gemeu ao lembrar do desfile, era algo que não poderia desmarcar. — Vou mandar um memorando para avisar da reunião. Devo chamar o mesmo pessoal de sempre?

— Sim, preciso que todos entendam o que aconteceu e o que precisamos fazer para consertar tudo — revelou, levantou-se e ainda descalça, foi até a pequena máquina de café expresso localizada ao lado da grande estante de livros, escolheu um sabor e ligou a máquina. — Temos quantos meses até o lançamento da nova coleção? Dois? — Virou-se para ela.

— Um mês e quinze dias — respondeu. — Vai mesmo produzir a nova coleção do zero? Acha que vai dar tempo?

Beatriz não respondeu de imediato, bebeu o primeiro gole do café cremoso, com os pensamentos em tudo o que precisava fazer.

— Sinceramente? Não sei. — Suspirou, dando a volta na mesa onde ficava a maior parte do tempo trabalhando. Puxou a cadeira de couro preta e se sentou. — Mas não tenho outra escolha a não ser começar tudo do zero e é por isso, que precisamos começar já. Não posso me dar ao luxo de perder cada minuto, questionando qual seria o certo a fazer. Não existe outra escolha.

Carol assentiu, compreensiva, e voltou a atenção para a agenda eletrônica.

— Então, a reunião será hoje as duas da tarde. Precisa de mais alguma coisa? — perguntou, sempre solícita.

— Não, estarei ocupada me preparando para a reunião. E se alguém ligar...

— Anoto o recado e depois você retorna — Carol emendou com um sorriso, conhecia muito bem como a sua chefe trabalhava.

Beatriz riu, leve.

— Isso mesmo.

***

Beatriz não conseguia se lembrar da última vez que entrou na sala de reuniões e sentiu toda aquela tensão no ar. Não que alguém soubesse de alguma coisa que estava acontecendo, além dela (e claro, de Carol), somente seu meio-irmão, Caio, que também era vice-presidente da Vênus, sabiam que Lourenço havia roubado o projeto deles.

Assim que entrou, todos os burburinhos de conversas se encerraram. Em silêncio, trocou um rápido e significativo olhar com Caio, que tinha os olhos castanhos nela, compreensivos, e ficou grata por tê-lo ao seu lado. Como a mesa era oval, puxou a cadeira ao lado do irmão e Carol sentou-se do seu outro lado.

Passou os olhos nas pessoas presentes e viu com certa satisfação que todos estavam ali. Cumprimentou brevemente com a cabeça a secretária do irmão, Daniela, uma mulher de cabelos loiros e olhos azuis. Fez o mesmo com o gerente, Augusto, que parecia apertado demais na própria roupa e claro, com a secretária dele, uma mulher magra, que sempre olhava para as próprias mãos.

Beatriz se perguntou se estar ali seria desconfortável para a moça. Não se importava com a presença das secretárias, acreditava que, se elas também soubessem o que estava acontecendo, poderiam fazer um trabalho ainda melhor auxiliando. Mas não era uma obrigatoriedade estar ali.

Bem, seja qual for o motivo, aquele não era o melhor momento para esse tipo de devaneio. Então, respirou fundo e começou:

— Agradeço muito a presença de vocês, sei que tiveram que desmarcar um monte de coisa para comparecer a essa reunião.

— Nem faz ideia — Augusto murmurou alto o bastante para que ela ouvisse e com um sorriso contido, Beatriz olhou-o.

— Peço desculpas por isso — mentiu, nunca gostara muito do gerente que o irmão contratou. — A razão pela qual os chamei aqui é porque precisamos desenvolver novamente uma nova coleção de verão.

— Como assim? — Valéria, a gerente responsável por toda a produção, desde a criação até a costura, quis saber com os olhos escuros arregalados.

— O que Beatriz quer dizer é que não podemos usar o projeto que desenvolvemos dois meses atrás — Caio falou pela primeira vez, com a voz tão firme quanto o olhar. Do mesmo jeito que a irmã.

— Por que não? — Augusto quase se levantou da cadeira, com o tom de voz quase descontrolado.

— Porque eu decidi que não iremos mais usá-lo — Beatriz respondeu em um tom que não aceitaria contestações. Não queria falar sobre a Lourenço, não queria que o lançamento da sua nova coleção fosse cheio de fofocas e suposições.

Ia evitar falatórios desnecessários sobre a sua empresa. Como ninguém falou nada, ela se aprumou na cadeira, com o tronco mais para a frente, seu olhar era firme e determinado quando falou:

— Essa reunião é para definirmos o novo tema para a coleção de verão, temos um mês para fazer planejar tudo. Não posso mudar a data de lançamento, até poderia adiar por algumas semanas, mas sabemos que não seria muito vantajoso.

— Fazer tudo isso em menos de um mês é lutar contra o tempo — Valéria opinou.

— Não temos muita escolha — Caio lembrou.

— E por isso, preciso de ideias, alguém tem? Não vamos sair daqui sem nenhuma.

Ninguém falou por alguns segundos, ninguém ousou olhá-la nos olhos e por isso mesmo, manteve muito bem os olhos neles. Sabia qual papel teria que desempenhar, era a dona, proprietária daquela empresa, precisava ser firme nas escolhas, em cada ato.

— Bem, podemos manter a linha do confortável e simples, como sempre fazemos com as nossas roupas — Valéria disse, chamando a atenção de todos e continuou com os braços na mesa. — E podemos aproveitar e lançar uma nova linha, sabe? Desenvolver aquela ideia que andamos conversando no ano passado.

— A linha básica de baixo preço? — Caio perguntou, com os olhos atentos, interessados.

— Pensei que tínhamos descartado a ideia, já que o custo ia ser alto demais. — Augusto balançou a mão em desdém.

— Não descartamos a ideia, só concordamos que ano passado não era um bom momento para realizá-la — Beatriz esclareceu, com os olhos no deles.

— E se escolhermos os tecidos, modelos, acredito que conseguiríamos produzir uma linha mais simples e básica com baixo custo. — Caio parecia alheio a pequena disputa entre a irmã e Augusto; ou já estava muito acostumado com isso.

— Sim, e podemos pensar em camisetas, regatas, shorts, conjuntos, que as mulheres podem usar livremente tanto nas ruas quanto dentro de casa — Valéria parecia transbordar de ideias. — Acho que podemos até pensar em modelos que as mulheres pudessem usar sem sutiã e...

— Que grande besteira! — Augusto bateu levemente na mesa.

— Na verdade, não é não. — Beatriz sorriu para ele, feliz por poder ter algo para contradizê-lo. — Não é de hoje que as mulheres reclamam do uso do sutiã, ouvimos depoimentos que os melhores momentos da vida delas são quando chegam em casa e tem a liberdade de tirá-los.

— Então é só não usar!

— Elas fazem isso, o grande problema é que as pessoas percebem e as julgam por causa disso. — Valéria se juntou a Beatriz e viu as secretárias concordarem silenciosamente. — Se pudermos criar modelos simples, que possibilite uma liberdade para essas mulheres se vestirem como quiserem sem serem julgadas por isso, é uma oportunidade que deveríamos aproveitar.

— E iremos — Beatriz concordou e virou-se para o irmão. — O que você acha, Caio?

— Uma ótima ideia — o vice-presidente concordou.

— Você não pode concordar com elas, Caio. — Augusto estava com um brilho raivoso no olhar. — Elas não sabem de nada do que as mulheres gostam!

Desta vez, a raiva borbulhou no sangue de Beatriz e, quando falou, seu tom estava cortante, afiado como uma lâmina.

— Não sei se você está se dando conta disso, mas Vênus é uma marca de roupas femininas e eu, Beatriz Guimarães — apontou para si —, sou a proprietária dessa empresa e, surpresa, sou uma mulher! Se você está com problemas de aceitar as minhas decisões, sinta-se livre para sair.

Augusto ficou vermelho, uma veia pulsava na testa larga e Beatriz pensou que ele sufocaria com as palavras que não tinha coragem de dizer. Ela abriu um largo sorriso para ele, vitoriosa.

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