05 - Convite para Encontro

Valéria manteve o segredo da gravidez de Agnes, mas por algum motivo que ela não sabia, a notícia se esparramou pela cidade numa velocidade espantosa. Agnes parou de ir à escola, não atendia mais às ligações, e o pai dela também havia proibido visitas. As palavras dos outros eram maldosas.

"Tão jovem e já vai ser mãe"

"Culpa do pai que deixou solta"

"Fiquei sabendo que ela nem sabe quem é o pai"

Tudo isso incomodava Valéria que nada podia fazer a respeito. Não tinha como saber quem era o pai, quem tinha feito aquilo com ela. A culpa recaiu sobre as costas de Agnes. Era ela que devia ter se preservado, era o que a maioria dizia. Mas para Valéria esta era a maior das injustiças.

Ela conhecia bem Agnes. Ela podia ter aquele jeito serelepe, mas era a menina mais boba e ingênua que tinha conhecido. Acreditava em amor verdadeiro e em príncipes encantados, caía fácil na conversa de qualquer um. Assim como ela tinha caído na de Fábio.

Com o afastamento da amiga, Valéria passou seus dias sozinha no colégio. Não tinha muitos amigos, e mesmo se tivesse seria apenas por interesse pelo nome de sua família. As pessoas se aproximavam dela pelo mesmo motivo e na mesma proporção. Ela estava no pátio da escola tomando um suco de laranja, folheando um livro qualquer. Sua mente parecia tão distante que ela lia e relia e parecia não entender nada.

— Parece distante. — A voz de Romero a tirou de sua tentativa de leitura. O jovem estava sentado a uma distância de quase dois metros dela, no andar de baixo. Ele estava virado para a frente com uma lata de refrigerante na mão, tentava parecer indiferente para que ninguém percebesse que ele estava falando com ela.

— Não devia estar tão perto. — Ela disse mantendo o olhar no livro.

— Para mim está até longe demais. Te mandei mensagem e você não me respondeu.

— Desculpa, eu estou meio desligada.

— Foi o lance com sua amiga? — Ele disse dando um gole em seu refrigerante.

— É...

— É verdade que ela não sabe quem é o pai?

— Não... — Valéria pensou em dizer que desconfiava de algo, mas era acusar alguém sem provas. Ela só tinha visto ela ter contato com duas pessoas naquela noite: Fábio e o rapaz que estava com ela antes dela sair da casa. Mas deste ela não se lembrava muito bem nem da fisionomia. Queria ter prestado mais atenção nele.

— E como ela está?

— Eu não sei. Ela não atende telefone e nem responde mensagens. E o pai não deixa ninguém ver ela. Bom... o meu também não quer que eu a veja, então nossa situação não está muito favorável.

— Tenho notado que está muito sozinha.

— Eu não tenho muitos amigos. Não, na verdade eu só tinha ela.

— Agora você tem a mim. — Ele disse olhando para ela discretamente que olhou para ele de soslaio e deu um sorrisinho.

— A gente não pode nem chegar perto um do outro.

— Bom... mas a gente pode se falar por telefone... ou...

— Ou?

— Marcar de se ver em algum lugar, como a gente fez na casa da árvore na casa do seu avô.

Valéria tentou disfarçar o sorriso e já estava pronta para dizer que eles deviam mesmo se conhecer melhor quando seu sorriso sumiu do rosto.

— Rô! — A voz de Jéssica a deixava irritada. Não só a voz na verdade.

— Jéssica... — Romero disse, desviando olhar da loira.

— Eu estava te procurando. Terminei de completar seu caderno! — A moça disse sorrindo de forma insinuante, ela olhou para Valéria, fez uma cara de desdém, depois abraçou Romero e lhe deu um beijo rápido na boca. — Faço tudo por você, Rô.

Valéria fechou o livro com violência e depois juntou suas coisas e saiu. Romero ainda abriu a boca para chamá-la, mas lembrou-se que para todos eles eram inimigos. A Bragança seguiu furiosa para longe dele e ele simplesmente não pôde fazer nada.

(...)

A fofoca a respeito de Agnes foi esfriando com o passar do tempo. Logo a atenção de todos se voltou para Martina Vilela que pegou o marido com outro homem na cama e não se falava de outra coisa.

Valéria passou a evitar falar com Romero. Era melhor manter distância para não se machucarem. Ela não respondeu mais suas mensagens, nem atendeu ligações. Corria dele no colégio e em qualquer lugar que fosse. Já bastavam os seus problemas. João iria se casar com Mariana no ano seguinte, Agnes que não dava notícias e ainda tinha que lidar com o Moura galinha.

Depois da aula, ela decidiu passar na casa de Agnes. Um caminhão baú estava do lado de fora. Ela se aproximou da casa e viu a amiga do lado de fora com os braços cruzados. Os olhos vermelhos, a expressão abatida, mas quando ela viu a amiga não conteve o choro. Valéria caminhou até ela e abraçou forte.

— Val...

— Você sumiu, não atende mais ligações, nem responde minhas mensagens.

— Desculpa, meu pai me proibiu.

— E como você está? — Ela disse segurando Agnes pelos ombros e olhando para sua barriga que já marcava de leve a blusa.

— Bem... estou tendo enjoos, cansaço. Mas a minha vida nunca mais vai ser a mesma.

Valéria viu dois homens saindo com uma geladeira e colocá-la dentro do caminhão. — Para onde estão indo?

— Vamos nos mudar para Ouro Preto, minha mãe tem parente lá. Meu pai conseguiu um emprego numa empresa de turismo e nós vamos nos mudar.

— Isso... é sério? E a escola?

— Ele me tirou da escola, Val... disse que eu não preciso estudar já que estava preocupada só em fazer... — Agnes abaixou a cabeça tentando recuperar o fôlego. Chorava tanto que mal conseguia falar.

— Mas... a culpa não foi sua.

— Foi sim, Val. Eu não devia ter ido naquela festa, devia ter te escutado e ido embora, não devia ter bebido. E caramba! Eu só me lembro de beber um copo de cerveja!

— E se te doparam? Se te doparam e abusaram de você?

— Quem vai acreditar nisso, Val? Não tem provas. Eu vou ver só a menina que encheu a cara num rancho e deu para todo mundo e não sabe quem é o pai. É isso.

— Não vá embora... eu preciso de você aqui comigo. — Valéria começou a chorar e abraçou a amiga mais uma vez.

— Eu vou te escrever sempre. Eu prometo.

A família de Agnes se mudou naquele mesmo dia. O pai queria fugir das fofocas, evitar que as pessoas vissem sua filha de 16 anos grávida de um desconhecido. Valéria nunca se conformou com isso. Mas não tinha nada que ela pudesse fazer naquele tempo.

O resto do ano foi de tristeza e solidão. Agnes era sua melhor amiga e elas dividiram momentos juntas desde o jardim de infância e por uma coisa que Valéria acreditava não ser culpa dela, ela teve que ir para longe. E ainda tinha Romero. Ela tentava tirar ele de sua mente, mas ela não conseguia. Mas ver Jessica o rodeando sempre era o suficiente para ela se lembrar de sua decisão de manter ele longe.

Ele passava por ela a encarando, ela fingia não ver. Tentava se aproximar dele em todo canto, mas ela o evitava. Até que um dia ele desistiu. E por mais que fosse o que ela desejava, ela sofreu como nunca imaginou que ia sofrer.

(...)

Mais de um ano se passou. Valéria fez alguns colegas, mas ninguém substitui Agnes. E ela cumpriu a promessa. Sempre a escrevia. Contou como era a vida em Ouro Preto, como foi a gravidez, mandou foto de seu filho, Gael. Um menininho de cabelos castanhos. Valéria contou sobre o casamento de seu irmão. Que estava prestes a acontecer, sobre as aulas e as novas amizades. Só não podia contar sobre Romero. Era melhor mesmo ninguém saber, até porque não tinha mais importância mesmo.

Prestes a fazer 17 anos, ela só pensava em seu futuro. Fazer faculdade de agronomia, especializar no ramo do café e ajudar seu pai na fazenda e na exportadora. Tinha que tirar aquelas bobagens de sua mente e focar no futuro. Valéria saiu da sala de aula e caminhou pelos corredores até a saída. Ela passou pela porta da sala de Romero e viu o loiro na porta com Jéssica e Bruno. Seus olhares se cruzaram por um breve instante, mas a Bragança virou o rosto com o nariz empinado e fingiu que não o viu.

Quando ela já estava quase na saída, viu um rapaz correndo na direção dela. Rafael era um jovem de porte atlético, tinha a pele negra, olhos esverdeados, era alto e dono de um sorriso que fazia as meninas brigarem por ele. Ele estava próximo de virar jogador de futebol, havia ido em vários testes, incluindo fora do estado, no Corinthians, São Paulo e Flamengo.

— É, Val, né? — Valéria tinha fama de mau encarada e na maioria das vezes ninguém chegava perto dela, quando isso acontecia ela ficava desconfiada, ou ela tinha esquecido algo na sala, ou era alguém para brigar ou pedir alguma coisa. Ainda mais chamando ela de Val.

— Sim...

— Nossa, faz um tempão que eu to querendo falar com você. — Em pouco tempo que Rafael estava ali, os olhares se voltaram para eles, incluindo de Romero e os outros dois que estavam na porta da sala. Rafael inclusive era da mesma turma que o Moura.

— Ah... — Valéria olhou ao redor, as meninas a fuzilando com olhar. Mais um pouco ela seria linchada. Rafael era considerado o menino mais bonito do colégio. — Sobre o que queria falar comigo?

— Eu... — O rapaz sorriu e as covinhas brotaram em suas bochechas. Parece que a cada minuto ali ele ficava cada vez mais bonito. — Eu queria te convidar para sair.

Valéria ficou em silêncio de boca aberta, enquanto o burburinho ao redor deles se formava. Ela ficou esperando ele dizer que era brincadeira, mas como ele não fez ela respondeu: — Me... convidar?

— Sim. Desculpa eu ser meio diretão, mas é que eu não sei fazer de outro jeito. Ia conseguir seu número, mas como estou prestes a conseguir uma chance num time grande, eu quero aproveitar a oportunidade e te conhecer melhor.

Valéria tentou entender o significado daquilo. Se ele ia jogar fora, porque investir nela? — Bom, eu não sei. Nunca me convidaram antes, então...

— A gente pode ir ao cinema, tomar um sorvete... que você acha?

— Tá... por mim tudo bem.

— Nossa! Val Bragança aceitou sair comigo! Eu nem acredito! — Ele disse em voz alta e os olhares a fuzilaram ainda mais, ela sentiu o rosto esquentar e segurou seu braço.

— Não precisa anunciar para todo mundo!

— Eu vou anotar seu número. Pode ser neste sábado? — Ele disse sussurrando e olhando para Valéria de forma doce.

— Claro.

— Sorvete?

— Pode ser.

Rafael saiu sorridente de volta para a sala dele e Valéria seguiu seu destino, ainda tentando entender o que estava acontecendo. Ela estava eufórica. Não sabia o que vestir, nem como se portar. Não sabia nem o que era um encontro direito. Ela chegou em casa sorridente e seguiu para seu quarto.

— Tá feliz assim por que? — João disse parado na porta do seu quarto que ficava de frente para o de Valéria.

— Ai que susto! Você não devia estar na faculdade?

— Eu vou ficar aqui uns dias. A faculdade está de greve, então aproveitei para ver os detalhes do casamento.

— Vai mesmo continuar com isso?

— Claro. Mari é minha noiva.

Valéria se aproximou do irmão e disse com a voz baixa: — E o Daniel?

— Não tem mais Daniel. Aliás, é melhor dizer que nunca teve.

— Como ele reagiu quando soube do seu casamento?

João ficou em silêncio entristecido. Era como se tivesse perdido todo o seu brilho. Ele deu de ombros. — Isso não importa mais.

— Um dia você vai se arrepender amargamente disso, João. Você esconde quem você é e todo mundo vai sofrer.

— Praga de gavião não pega em beija-flor.

— Vai pagar para ver então? Ok... — Valéria disse se afastando.

— Vai lá no vô hoje?

— Vou. Você não vai?

— Tenho que ir com a Mariana ver o buffet.

— Então tá.

Valéria mal chegou em casa, tomou banho e saiu de novo. Ela estava louca para contar para os avós sobre Rafael. Naquele dia ela foi a pé mesmo. Estava eufórica pensando no que iria fazer quando chegasse o dia. Ela abriu o portão e entrou na casa e viu a avó na cozinha fazendo rosquinhas.

— Hum, nossa vovó! O cheiro das rosquinhas tá indo lá de fora.

— Tô fazendo uma receita nova. Peguei na embalagem de farinha de trigo.

— Bença vovó. — Valéria deu um beijo no rosto dela e depois pegou um pouco da massa crua para experimentar. — E o vô?

— Foi na loteria. Ah,Val, você recolhe a roupa do varal para mim? Tava vendo umas nuvens vindo daquele lado ali. Normalmente quando vem daquele lado de Miracema do Sul é chuva na certa.

— Tá bom. — Valéria saiu no quintal e olhou para o céu sem nenhuma nuvem, mas sabedoria de gente mais velha era bom ouvir. Ela pegou peça por peça e dobrou sobre a mesa que tinha na varanda e depois ouviu a campainha e em seguida sua avó gritar.

— Val, tem visita!

Valéria ajeitou o short jeans que usava e tirou os prendedores que estavam na camiseta branca com estampa do pateta. Ela entrou na casa e tirou os chinelos e saiu descalço até a sala, quando ela viu a visita suas pernas bambearam.

— O que você está fazendo aqui?

Romero Moura estava parado na sala usando uma camiseta do System of a Down e um jeans rasgado nos joelhos. Ela olhou para a avó que já havia voltado aos seus afazeres e estava pouco se importando se o visitante era um Moura ou não.

— Oi. — Romero disse sério, tinha as mãos nos bolsos.

— O que você está fazendo aqui? — Valéria repetiu a pergunta dessa vez sussurrando.

— Quero falar com você.

— Mas eu não vou falar com você.

— Então não saio daqui.

— Você tá maluco? Meu irmão ia vir e se ele te encontra aqui?

— Eu na verdade fui na sua casa, mas quando eu cheguei você estava de saída, aí te segui até aqui.

— Você fez o quê? — Valéria perguntou com o olhar arregalado.

— Fui à sua casa.

— Você tem um parafuso a menos?

— Recusou minhas chamadas, ignorou minhas mensagens, aí depois me bloqueou. Me evitou no último ano inteiro. Então essa foi minha última tentativa.

— E você não entendeu que eu não queria falar com você?

— Valéria Bragança, eu não vou sair daqui até falar tudo o que eu quero com você.

Valéria soltou os ombros já rendida e deu um suspiro profundo. Em seguida ela olhou para a avó e gritou: — Vovó, tô indo na casa da árvore.

— Tá bom!

Valéria acenou para que Romero a seguisse. Ela subiu as escadas e logo depois ele a seguiu. Eles entraram na casinha e sentaram-se no chão de frente um para o outro numa distância que Valéria considerava segura.

— O que você quer? — Ela perguntou indiferente.

— Vai sair com o Rafa?

— Vou.

— Não vai.

— Que? — Valéria perguntou sorrindo de nervosa.

— Não vai sair com ele.

— Como é?

— Eu não acho justo você sair com ele.

— Romero você se acha no direito de vir até aqui e me dizer uma coisa dessas?

— Você nem quis saber da minha versão dos fatos e parou de falar comigo.

— A Jéssica sabe que você está aqui? — Valéria disse irritada.

— Eu não tenho nada com a Jéssica!

— Ela te beijou na boca! Eu vi duas vezes!

— Ela me beijou! Mas eu não quero nada com ela!

— Isso não me importa, você beijou ela. E pronto. Isso não justifica você me seguir por aí e vir até aqui me dizer o que fazer!

— EU ia te chamar para sair primeiro! Naquele dia que você saiu correndo!

— No dia que você beijou a Jéssica? — Valéria disse com sarcasmo.

— Esquece a Jéssica! Eu to aqui para falar com você do Rafael! Você não vai sair com ele!

Valéria deu uma gargalhada. — Pois agora que vou mesmo!

— Eu não aceito isso! Por que ele pode flertar com você em plena luz do dia com todo mundo olhando? Por que ele pode olhar para você daquele jeito? Por que ele pode te chamar de Val? Por que ele pode, e eu não? — O olhar de Romero lacrimejou de leve. — Eu odeio essa maldita rixa! Eu não posso chegar perto de você, ou olhar para você! Eu nem posso dizer para ninguém que eu estou a fim de você! Tenho que fazer tudo escondido e sentir coisas em segredo! E ainda tenho que ver os outros fazerem as coisas que eu queria fazer!

Valéria ficou olhando para Romero tentando assimilar tudo que havia ouvido naquele momento. O silêncio pairava no ar enquanto ela tentava formular uma frase. Ela ergueu o olhar para ele disse com a voz baixa. — Eu sinto a mesma coisa com a Jéssica.

— Não quero que ele saia com você, nem que ele fale com você, nem que ele olhe para você do jeito que eu vi hoje. E eu também não quero que ele encoste em você e muito menos que ele te beije.

— Também não quero que ela beije você.

Romero se aproximou de Valéria, ambos ainda sentados no chão de madeira da casa da árvore. A distância entre eles estava tão pequena que era possível sentir a respiração quente dele no rosto dela. Romero olhou para ela, tentando esconder a ansiedade que sentia. Valéria abaixou a cabeça e sorriu. Um sorriso que fez o coração dele bater mais rápido. Ele desviou o olhar por um instante. A tensão no ar era palpável, uma mistura de expectativa e nervosismo. Seus olhares se encontraram, e naquele momento, tudo pareceu fazer sentido.

— Romero... — Valéria começou a falar, mas Romero a interrompeu, inclinando-se para frente. Seus corações batiam em uníssono enquanto ele se aproximava, sentindo a eletricidade no ar. Quando seus lábios finalmente se tocaram, foi como se o mundo ao redor desaparecesse.

Não havia Mouras ou Braganças. Era apenas dois jovens conhecendo o primeiro amor dentro de uma casinha na árvore com a chuva caindo lá fora. E a partir dali, tudo seria diferente.

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