03 - Festa no Rancho Estrela

Os dias foram passando devagar, Valéria evitava estar nos mesmos lugares que Romero, evitava contato visual e, na maioria das vezes, sentia como se estivesse sendo vigiada. Não tinha como respirar em paz enquanto um Moura estivesse ali. Ver ele beijando uma garota também não saía da sua mente. Agnes e Valéria estavam na biblioteca procurando material para um trabalho.

— Seu pai não tem computador? Seria mais fácil pesquisar no Wikipédia. — Agnes disse folheando um livro.

— Tem, mas a Rebeca pediu para pesquisar em livros que ela indicou. — Valéria respondeu de forma monótona.

— Verdade. Você está meio estranha. – Agnes disse observando a amiga.

— Você já beijou na boca, né?

— Que pergunta repentina é essa?

— Só quero saber. — Valéria disse sentindo o rosto esquentar.

— Já, eu te contei, não lembra? O Fábio do segundo C.

— Verdade.

— Tá querendo beijar alguém Valéria Cristina?

— Claro que não! Eu só fiquei curiosa!

— Sei... — Agnes disse erguendo uma sobrancelha.

— Vamos focar no nosso trabalho que ganhamos mais!

Valéria tentou disfarçar o interesse repentino em beijos. Tudo que ela menos queria era que alguém soubesse que ela pensou no Moura em algum momento. Dava medo só de pensar em seu pai poderia descobrir.

— Falando no Fábio, soube que ela vai dar uma festa de aniversário no outro fim de semana. — Agnes disse empolgada.

— Legal. Ele te chamou?

— Ainda não, mas bem que a gente podia ir, né?

— Eu não vou num lugar sem ser convidada! — Valéria disse indignada.

— Isso é irrelevante. Vai ser no Rancho Estrela, sempre quis ir naquele Rancho. Dizem que tem até heliporto!

— A fofoca que tá rolando é que o pai do Fábio é laranja de um político poderoso aí. Até algum tempo atrás o pai dele tinha uma pampa vermelha vendendo laranja, mexerica e abacaxi e agora tá numa caminhonete do ano.

— Também fiquei sabendo disso. Mas vai saber, né?

Valéria terminou o trabalho na biblioteca e saiu acompanhada da amiga em direção à cantina da escola. Quando saiu ela viu alguém que estava tirando seu sono. Até o dia anterior ela nunca tinha notado a presença da moça que beijou Romero. Jéssica Rodrigues, do primeiro B, da mesma turma que o Moura. Cabelos castanhos claros, baixinha, sempre ia para o colégio de uniforme e tirava na volta do dia, ficando com uma blusinha com a barriguinha de fora.

A moça saiu desfilando pelo colégio e sentou-se no colo de Romero. Valéria sentiu o corpo tremer de leve e tudo que ela queria era desaparecer ali naquele momento. Achar um buraco qualquer e ficar lá para sempre.

— Tá tudo bem, Val? — Agnes disse ao perceber a inquietação da amiga.

— Tá sim. Vamos embora.

— Vai para a roça esse fim de semana?

— Vou sim.

Valéria passou pelo casal de cabeça baixa tentando não demonstrar o quanto estava incomodada com tudo aquilo. Ela ainda ergueu a cabeça e olhou por cima dos ombros discretamente, Romero a encarava sério, antes de voltar a conversar com Bruno e mais um grupo de amigos.

(...)

Valéria tinha grande apreço pela fazenda. O que seu irmão fazia arrastado pelo pai, ela fazia por amor. Todo fim de semana ela ia até a fazenda, arriava ela mesma o seu cavalo e cavalgava para todo lado. A mãe dela, obviamente, não aprovava, queria que ela fosse fina, tivesse classe, mas isso não era para Valéria. Ela se aproximou do galpão de café, apeou do cavalo e o amarrou numa das cercas. Ramon estava empilhando as sacas de café, ajudando os peões que eram comandados por seu pai. O jovem havia crescido, mas não era tão alto quanto Romero. Os cabelos cortados baixinhos com um bigodinho singelo já começando a crescer. Ele ao ver a amiga abriu um sorriso grande e correu até ela.

— Val! Pensei que não ia vir este fim de semana. – A voz de Bruno meio fina, meio grossa tipicamente da puberdade.

— Eu ia fazer o que na cidade?

— Sua mãe não veio não, veio?

— Lógico que não. Tinha um chá com as amigas. — Valéria disse revirando os olhos.

— E a escola, como tá?

— Está boa...

— Não parece. — Ramon escorou na cerca olhando para a jovem cabisbaixa.

— Não é nada demais não. É só a rotina mesmo.

— Eu tenho um presente para você. — Ramon disse sorrindo e correu para perto do galinheiro e voltou com um cachorrinho nos braços. Um filhotinho de blue-hiller felpudinho que brincava de mordiscar a mão de Ramon

— Que gracinha, Ramon! — Valéria disse pegando o filhote no colo.

— O nome dele é Scooby.

— Tipo Scooby-Doo?

— Sim! Você amava!

— Ainda amo. Embora hoje meu tempo seja curto. Ele é lindo Ramon, mas não vou poder levar ele para casa. Minha mãe surta se tiver um cachorrinho na minha casa. Nada de animais. — Ela disse a última frase revirando os olhos.

— Tá tudo bem! Eu cuido dele quando voltar da escola.

— As aulas lá no Dona Tina são boas?

— Sabe como é colégio público. Dentro das possibilidades é bom sim. Só que é de noite. Meu pai quer que eu ajude durante o dia e estude a noite.

— Não é cansativo?

— Demais. Mas a gente se acostuma.

— Vou indo então, vou levar o Scooby para brincar no gramado.

Valéria foi se afastando sendo observada por Ramon que tinha um sorriso bobo nos lábios. Seu pai os avistou de longe e se aproximou do filho.

— É melhor você parar de ficar se iludindo.

— Do que está falando, pai?

— Você sabe. Agora vem terminar o serviço porque ainda tem muita coisa para fazer hoje.

Os sentimentos que Ramon tinha por Valéria eram notórios, mesmo que ele tentasse disfarçar. Mas a pessoa que ele mais queria que notasse nem percebia esses sentimentos.

(...)

Valéria arrumou uma coleirinha, deu banho, arrumou até uma caminha para Scooby. Conceição via o sorriso da jovem enquanto preparava a refeição.

— Gostou mesmo do presente, né Val?

— Gostei muito. Mas não posso levar ele pra cidade. Minha mãe pira.

— Ela não veio de novo.

— Nenhum deles dessa vez. Meu pai ficou resolvendo uns assuntos da fábrica, o João parece que tinha vestibular e minha mãe tinha um chá com as amigas.

— E você não aguenta ficar na cidade, né?

— Cidade não é para mim não, Conceição.

— Por falar em vestibular, já falou para sua mãe o que quer fazer?

— Não. Ela provavelmente vai ser contra.

— Tem que fazer o que gosta. Afinal é você que vai trabalhar com isso.

— Tem razão, Conceição.

— Hoje tá quente, por que não vai dar uma volta no rio?

— Eles me proibiram, lembra?

— Lembro, mas não tem nenhum deles aqui hoje e ninguém aqui viu nada.

Valéria entendeu o que Conceição quis dizer e abriu um sorriso largo, se levantou rapidamente, deu um beijo em seu rosto e saiu correndo em direção ao rio. Já fazia muito tempo que ela não ia lá sozinha. Para a sorte dela, Maria agora passava a maior parte do tempo cuidando das rotinas de Regina.

O dia estava bem quente. Típico do mês de março. O outono não iria demorar, mas ainda estava bem quente. Valéria seguiu até o rio, havia trocado as botas por chinelas havaianas e a calça por um vestido levinho de alcinhas bem florido. Ela já podia sentir o frescor vindo do rio, ao ver o local seu olhos se iluminaram, ela deixou os chinelos de lado e entrou descalça na água. A sensação refrescante e relaxante a fazia esquecer de tudo e se sentir livre. Pulava dentro da água como uma criança, estava rodopiando despercebida até que viu alguém a observando sorrindo com a alegria da moça. Ela se assustou e caiu para trás dentro da água.

— Você está bem? — Romero foi até ela que tentava disfarçar o nervosismo e a vergonha de ter sido presenciada em um momento tão constrangedor.

— Eu tô bem. Tô bem. — Valéria disse se levantando ainda envergonhada.

— Eu não quis te assustar.

— Tá tudo bem. — Ela respondeu de forma seca já correndo para fora do rio.

— Espera! — Romero tentou se aproximar de Valéria, mas ela continuou seu destino.

— Não posso falar com você!

— Por que não?

Ela se virou para encará-lo e quando o viu sentiu o rosto queimar. Romero ainda era mais bonito visto de perto. — V-você sabe porquê.

— Eu não ligo para essa bobeira de briga de famílias.

— E a sua namorada?

— Namorada? Tá falando da Jéssica?

— Ah, então tem outra?

— Não, ela não é exatamente minha namorada.

— Seu galinha! — Valéria disse irritada, pegou os chinelos e saiu correndo deixando Romero sem saber o que responder.

Valéria correu sentindo o coração acelerar. Tinha raiva e vergonha ao mesmo tempo. Aquele Moura idiota! Conceição viu a moça correr molhada para o quarto e preferiu respeitar a sua promessa. Ela não tinha visto nada.

(...)

Voltar para o colégio na semana seguinte era uma tortura. Ela queria evitar ao máximo ver Romero e se lembrar da vergonha que tinha passado no fim de semana. Ele certamente a achava uma idiota.

— Planeta Terra chamando Valéria. — Agnes disse chamando a atenção da amiga. As duas estavam na cantina após o terceiro horário. Agnes dizia algo sobre um carinha que ela estava interessada, mas Valéria não deu muita atenção.

— Desculpa, o que dizia.

— Eu estou te achando estranha ultimamente. Nem falou como foi o fim de semana.

— Foi bom. Foi muito bom.

— Sei...

— Eu tô bem, sério.

— Escuta, o Fábio me chamou para a festa dele. Vê com a sua mãe se você pode ir.

— Sei não. — Valéria disse desconcertada.

— Não vai ter nada demais. Vai ser no Rancho da família dele. Por favor, Val! Se você não for, minha mãe não deixa eu ir.

— Você vai ficar com o Fábio?

— Não sei... Talvez. Ele tem até um amigo, Thiago, ele está super afim de você.

— Sério?

— Sim. Thiago da turma do Fábio. Disse que te acha linda. Às vezes você perde esse BV.

— Nossa Agnes! Você só pensa nisso!

— Tá! Mas vamos! Por favor! — Agnes fez um beicinho e Valéria soltou um suspiro.

— Tá bom, vou falar com a minha mãe.

Regina não se importava que a filha tivesse uma vida social. Seu pai também não. Desde que o nível das amizades fosse como o "deles" e não tivesse relação com os Moura.

A festa de Fábio foi marcada no sábado no famoso Rancho Estrela. Bem afastado da cidade cercado de tela e cerca viva com porteiro na entrada. O gramado verde iluminado por refletores de chão, uma enorme piscina, a mansão de dois andares cercadas de vidro por todos os lados, as mesas foram colocadas ao redor da piscina. O buffet contratado era de Belo Horizonte, com comidas variadas. Tinha pista de dança e o DJ contratado era um carioca que estava muito famoso no Brasil, DJ Sunday. O barzinho teoricamente era para servir bebida sem álcool por serem todos menores de idade, mas o pai de Fábio, Antônio Martins, fazia vista grossa. Ficou na festa até certa hora e depois deixou os adolescentes tomarem conta de tudo e só voltaria mais tarde.

Uma ideia bem ruim na verdade.

O carro da família Bragança parou em frente à enorme mansão dos Martins e dentro saiu Valéria e Agnes. A Bragança optou por uma calça preta justa, botas de cano baixo e uma blusa de alcinha de seda branca, os cabelos soltos e volumosos, pulseiras, aneis e discretos brincos de prata, já Agnes estava de mini saia de couro, salto alto e blusa de veludo azul escuro com as costas de fora. Um exagero na visão de Valéria.

Fábio quando as avistou veio sorrindo na direção delas. Era um rapaz alto, cabelos castanhos claros, olhos castanhos, rosto sardento, e que fazia muito sucesso com as meninas. Valéria achava que era mais pelo dinheiro e pela fama de Playboy.

— ¡Mi casa es su casa! — Valéria revirou os olhos com a frase de filme americano B.

— Oi Fábio! — Agnes foi toda alegre abraçando o jovem que Valéria podia jurar que já estava bem alcoolizado.

— Essa é a Val, né? Sua amiga? — Fabio a chamou de Val e fez ela franzir as sobrancelhas. Onde ele achou que podia ter intimidade com alguém que tinha acabado de conhecer.

— Sim! Minha melhor amiga!

— Eu tenho que te apresentar uma pessoa. Thiago! — Fábio chamou o amigo que conseguia ser ainda mais desagradável que o outro. Usava um chapéu tipo cowboy, sem camisa para mostrar os músculos que ele jurava que eram definidos.

— Opa! Gatinhas! — O garoto, se é que podia chamar assim, era repetente e já tinha dezoito anos. Tinha os cabelos pretos ondulados que ele deixava grande e o rosto cheio de cicatriz de tratamento acneico.

— Essa é a gatinha Agnes e aquela é a gatinha Val, que você estava louco para conhecer.

O jovem passou o braço em volta do pescoço de Valéria que desviou o rosto com o forte odor de álcool. — Val, gatinha. Vamos conversar.

— Eu vou procurar algo para beber.

— Eu pego para você! O que você quer?

— Me surpreenda!

Valéria viu Thiago se afastar e tentou puxar Agnes para o lado, mas a amiga soltou seu braço e seguiu junto com Fábio. A Bragança soltou os ombros pesadamente e entrou para a festa extremamente desconfortável.

Valéria não tinha muitos amigos. Sempre foi muito reservada, principalmente com a questão da briga de famílias. Sempre tinha que ter a aprovação dos pais primeiro. Ela entrou na festa e olhou os rostos dos convidados. Alguns conhecidos, outros nem tanto. Pegou alguns petiscos, bebeu refrigerante e ficou vendo Agnes ao redor de gente que ela nem conhecia. Desejou ir embora naquele momento, mas a fidelidade com sua amiga a impedia. Mesmo que não fosse tão recíproco.

Valéria se afastou um pouco do barulho e foi para dentro da casa para ir ao banheiro. A casa tinha muitos cômodos e muitos quartos, alguns já ocupados por casaizinhos apaixonados. Entrou num banheiro no andar de cima, quando saiu viu Thiago sorrindo para ela. — Gatinha eu estava te procurando.

Valéria olhou ao redor e não tinha nenhum rosto conhecido. Ela respirou fundo e viu o jovem a puxar pelo braço. A sensação era de desespero, queria correr para o mais longe possível. Ele abriu a porta de um dos quartos.

— Entra. — Ele disse em tom de ordem.

— Não, valeu.

— Vai fazer cu doce?

— Que?

— Veio aqui para ficar comigo!

— Eu?

— Entra e tira essa roupa logo! — Thiago disse apontando para a cama e Valéria olhava para ele indignada. — Eu não beijo na boca, se quiser ficar comigo é assim.

— Vai se foder, babaca!

Valéria girou sobre os calcanhares e saiu balançando a cabeça. Ela iria embora, não importava se Agnes iria ou não. Já tinha dado de festa para ela. Quando se está desesperado tudo parece mais difícil e a saída nunca esteve tão longe.

Ela apressou o passo entre os corredores e saiu da casa até o gramado para longe de todo aquele barulho. Era só ligar para o motorista ir buscá-la e ela estaria longe dali. Pegou o celular e ergueu para cima buscando sinal.

— Mas que merda!

Será que a pé iria demorar muito? Ainda era melhor que ficar ali. Ela começou a andar para longe da festa, o porteiro ainda a questionou, mas ela inventou uma desculpa qualquer e ele aceitou. Ela começou a andar pela estrada de terra olhando para trás para ver se via alguém conhecido para dar carona, enquanto também olhava a tela do celular à procura de sinal. Ela viu um farol e protegeu o rosto para ver se via quem era. O carro parou ao lado dela e ela observou o vidro se abaixar

— Já está indo embora? — O rosto de Romero a deu um alívio que ela não imaginou que teria. O jovem no banco do carona, o motorista, e Bruno no banco de trás.

— Ela é a .... — o motorista começou a dizer.

— É só você não falar nada e tá tudo certo. — Romero disse ao motorista e depois virou-se para Valéria. — Entra.

Valéria ainda hesitou por um momento, mas ela estava sem muitas opções. — Eu não quero voltar para lá.

— Você não vai. A gente deixa o Bruno lá, e mais tarde o Eduardo vem buscar ele. Pode ser?

— A Agnes tá lá.

— O Eduardo trás ela também depois. Ninguém aqui vai dizer nada. Tem minha palavra.

Valéria ainda tentou relutar, mas aceitou o convite de Romero. Ela entrou no carro deles e seguiu de volta a festa para deixar Bruno. Ela ainda pediu que ele avisasse a amiga que tinha ido embora mais cedo. Em seguida eles seguiram de volta à cidade. Romero olhava para Valéria pelo retrovisor com o olhar assustado.

— Romero, como vamos chegar até a casa dela e deixar ela na porta?

— A gente vê como faz.

— Me leva para casa do meu avô. — Ela disse sem tirar os olhos da estrada. — Não quero explicar para minha mãe que deixei Agnes para trás e vim mais cedo da festa. Pode dar problema para ela depois.

— E seu avô não vai achar ruim de um Moura levar você em casa? — Romero disse olhando para ela pelo retrovisor.

— Meu avô tá cagando para essa rixa.

— Ok. Então.

Quando deu sinal, Valéria ligou para a mãe para avisar que ia dormir na casa do avô. Em seguida eles seguiram para a residência dele. Geraldo era pai de Regina e sempre esteve alheio a toda essa rixa. Na verdade ele dizia que tudo não passava de uma grande besteira.

A casa de Geraldo ficava num bairro mais afastado do centro. Era um local aconchegante, casa grande, com um grande quintal com um pé de manga enorme e nele uma casa na árvore. O carro dos Moura parou na frente da casa e Valéria desceu ainda abalada com a festa caótica.

— Obrigada, Romero. — Valéria disse cabisbaixa.

— Não tem que me agradecer. Fiz de coração. Se quiser falar a respeito.

— Não. Volta para a festa. A sua namorada deve estar te esperando. Acho que vi ela lá.

— A gente não tá mais junto. Mas é, vou voltar pra festa. Para o Bruno não fazer besteira. Boa noite, Valéria.

— Boa noite.

Valéria viu o carro se afastar e depois entrou na casa dos avós. Geraldo e Henrietta já estavam na porta olhando a neta entrar pelo portão com a chave que ela tinha.

— Meu amor, devia ter avisado. A gente deixaria janta para você. Eu vou preparar algo.

— Tá tudo bem, vovó.

— Vem, vamos entrar. — Geraldo disse sorrindo.

— Vovô, não conta para minha mãe que foi um Moura que me trouxe aqui.

— Eu não vi nada, e você, Henrietta?

— Também não.

Valéria abriu um sorriso e entrou na casa dos avós. Passou o fim de semana lá. Queria poder pensar em tudo que havia acontecido.

(...)

Na segunda-feira ela foi para o Colégio sozinha. Mesmo com o papelão de Agnes ela ainda tentou ligar para ela, mas a mãe disse que ela estava passando mal. Certamente tinha bebido e estava de ressaca. Valéria se apoiava sempre em Agnes, sua melhor amiga. Mas a amizade delas foi posta à prova por conta de um babaca.

A jovem Bragança ficou sozinha, por assim dizer. As aulas tiveram um horário a menos e Valéria matava a aula na quadra, que estava vazia, apreciando a solidão, lendo Orgulho e Preconceito — seu livro favorito. Ainda pensava na atitude de Romero, e toda vez que pensava nisso brotava um sorriso bobo em seu rosto.

— Você é a Bragança, né? – Um garoto sardento chegou onde Valéria estava a tirando de sua leitura.

— Da parte de quem? – Valéria disse desconfiada.

— É que estão te chamando lá na sala C, parece que acharam uma coisa sua lá.

— Coisa minha? O que é?

— Sei não. Só mandaram o recado.

Valéria ficou desconfiada. Mesmo assim, a curiosidade foi maior. Resolveu ver que tal coisa era essa. A sala C não ficava muito longe e devido aos horários vagos ela também estava vazia. Valéria abriu a porta devagar. Quando abriu, o brilho sumiu de seu rosto. Romero Moura estava lá, de moletom branco, olhando para Valéria com aqueles olhos que seduziriam qualquer mulher. O coração de Valéria batia tão rápido que ela mal conseguia respirar, e o estômago parecia ter um milhão de borboletas.

— O quê? Desculpa, não pensei que estivesse aqui.

— Espera! Valéria! – Romero disse com a voz grossa e aveludada. A jovem engoliu seco e virou-se devagar, ainda olhando para o chão.

— Entra e encosta a porta, eu prometo que não vou te morder. Ok? – Romero disse com as mãos erguidas.

Valéria obedeceu, ainda receosa. Não sabia se chorava ou se saía correndo. O jovem loiro deu dois passos para a frente e se aproximou de Valéria.

— E- eu não posso falar com você... – Valéria disse quase num sussurro.

— Só queria saber se estava bem.

— Estou sim, obrigada. Alguém pode ver a gente é melhor eu ir.

— Eu sei... mas... – O garoto ficou desconcertado. — Era legal naquela época, não era?

— Isso não importa mais. – Valéria disse sem graça.

— Olha... eu voltei lá no rio. Por duas semanas seguidas. E você não voltou mais.

— Minha babá... me vigiava. Nunca mais voltei lá sozinha.

Romero recostou na cadeira e ficou olhando da janela por um longo tempo. Depois, em silêncio, ele disse com a voz calma:

— Sabe, Valéria. Se não fosse esse lance de família, será que teríamos sido amigos?

Valéria ficou triste e sentou- se na carteira ao lado. — Acho que sim...

— Então não é justo, né? A culpa nem é nossa... — ele disse com pesar.

— Não...

Romero se levantou e disse olhando intensamente para Valéria. O rosto da moça parecia ainda mais bonito do que se lembrava, e ela tinha um olhar tão doce que fazia com que ele se esquecesse de toda essa bobeira de rixa.

— Valéria, eu estou disposto a ser seu amigo. É só você dizer que sim.

— Isso não... eles nos vigiam! Eles descobririam!

— Deixa de ser medrosa! E se... a gente trocasse mensagem? A gente não precisaria se ver! – Romero insistiu.

— Você pode ter qualquer amigo! Por que eu? Uma Bragança?

— É porque... – ele molhou os lábios e mirou Valéria com os olhos brilhando. – Não existe ninguém como você!

Valéria sentiu o rosto queimar como fogo e deu um soco no ombro de Romero.

— Não faz isso seu idiota!

— O quê? – ele disse rindo.

— Me olhando com essa cara de predador! Não vai me traçar não, viu?

— Que isso? Não! Quem você pensa que eu sou?

— Um conquistador barato.

Ele caiu na gargalhada, ria tanto que a barriga chegou a doer. Valéria gostou do sorriso dele e acabou dando um risinho de leve.

— Ai, fazia tempos que não ria tanto assim! Falando sério, vai. Eu realmente gosto da sua companhia. Eu gostava pelo menos...

— Eu também gosto... – Valéria disse meio sem jeito.

— Então fechou! Anota meu número aí. A gente vai se falando. Eu vou salvar com outro nome pra ninguém desconfiar. Será Veronica.

— Então vou salvar o seu como Roberto. — Valéria ficou pensativa. Depois olhou para Romero e disse tensa: — Será que vai dar certo?

— Não sei..., mas a gente vai vendo até onde vai dar. – Romero deu uma piscadinha.

Tá bom... tenho que ir.... – Valéria disse com um leve sorriso nos lábios.

— Então..., até amanhã!

— Até!

Romero viu a jovem se afastar com um sorriso bobo no rosto. Se aquilo ia dar certo, não sabiam, mas ele estava mesmo disposto a tentar.

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