02 - Flor no Asfalto
O tempo passou em Verdes Prados.
Rápido até demais para falar a verdade. Depois de serem descobertos no rio, as idas de Valéria à fazenda passaram a diminuir gradativamente. E sempre estava sendo vigiada de perto. Não queria correr o risco de que houvesse contato entre as famílias de espécie alguma. Mesmo que Romero tenha ido ao rio todas as vezes que esteve na fazenda, nas esperança da pequena Val aparecer. Mas isso não aconteceu mais.
Havia na cidade duas escolas particulares. A Elite e a Royal. Entretanto, devido a escândalos envolvendo o diretor, a Escola Elite acabou sendo fechada. Por uma ironia do destino, Romero estudava na Elite e teve que ser transferido às pressas para a Royal — escola que era frequentada pelos Bragança.
A exigência de Valter Moura foi que estudassem em salas separadas e até em turnos diferentes. E devido à sua influência, isso não foi difícil, mas o turno não teve como. Estudariam na mesma escola, no mesmo turno, só que em salas diferentes.
— Não quero saber do meu filho misturado com aquela mulher Inês! — Valter tinha cabelos castanhos e olhos azuis, era alto e forte e estava sempre vestido elegantemente.
— Valter, eu já falei com o Romero, tá?
— É bom mesmo!
A mansão dos Moura em Verdes Prados ficava num condomínio fechado e era considerada uma das casas mais bonitas da cidade. Tinha piscina, quadra de tênis, campinho de futebol society e até elevador. Haviam já alguns comentários de que Valter estava querendo entrar para a carreira política.
Romero ouvia a quinta briga dos pais naquela semana no andar de cima, em seu quarto. A cama de casal com um edredom azul escuro. As paredes tinham pôsteres de jogadores que ele admirava, além das bandas de rock. E sobre a cabeceira um quadro do mascote do seu time do coração. Ele estava deitado de barriga para cima tentando conter a ansiedade que aquilo lhe causava. Todos os dias, todas as semanas. Brigas que não acabavam mais. Além de acusações de traição, tentava de suicídio da mãe, que ela jurava ter sido um engano na hora de tomar os remédios.
O jovem loiro inspirava pelo nariz e soltava o ar pela boca, uma técnica que havia aprendido na última vez que teve na terapia. Olhando fixamente para o teto. Às vezes ele colocava os fones de ouvido, mas nem isso era suficiente. Ele levantou da cama cansado e olhou para o relógio no criadinho da cama. Ele teria que ir para o colégio querendo ou não. Tudo por uma rixa de família idiota.
Romero tomou um banho e vestiu o uniforme, uma camiseta branca, junto com o jeans surrado que era o que ele mais gostava, mesmo que a mãe tenha brigado horrores para ele jogasse ele fora. Era o seu favorito e pronto. O rapaz era alto para a idade, tinha dezesseis anos, mas parecia ser quase um homem feito, mas ainda tinha rosto de menino. Os cabelos estavam maiores. Ele deu uma olhada no espelho e colocou uma correntinha de ouro no pescoço com a imagem de nossa senhora das graças. Um presente de Dolores que ele tinha certeza que ela tinha parcelado vários meses para dar para ele de presente. Ele até pensou em recusar, devido ao preço, mas ela se sentiria ofendida demais. Então ele sempre levava com ele.
O jovem pegou a mochila e desceu as escadas rapidamente e seguiu para a saída.
— Não vai tomar café, filho? — Inês disse tentando enxugar as lágrimas discretamente. — A Luzia fez bolo de fubá. Você ama.
— Valeu, mãe.
— Olha filho, o seu pai... — Ela começou a dizer com a voz trêmula.
— Eu ouvi, mãe. O bairro inteiro na verdade.
— É para o seu bem. Ele nem sabe que vocês já se conheceram. Tenta entender. Talvez eles possam usar isso a favor deles.
— Nossa. Tá bom, mãe. — Romero franziu a testa e se esquivou do abraço da mãe e saiu da casa.
— Deixa ao menos o Mauro te levar!
— Chegar de motorista no colégio é muito mico, mãe!
Romero saiu da casa e seguiu a pé para o colégio. No caminho passou na casa do melhor amigo, Bruno. Um rapaz moreno de cabelos cacheados e olhos castanhos claros que estudava com Romero desde o jardim de infância. A família dele era de Goiás e haviam se mudado para Verdes Prados para começar um negócio de hortifruti, depois de terem visitado a cidade no festival do milho e se encantado pelo lugar.
Bruno saiu arrastando o pé de dentro de sua casa com a cara amarrotada e esfregando os olhos. Abriu um bocejo demorado e bateu o portão atrás de si e caminhou preguiçosamente até Romero.
— Tira esse pé do chão monte!
— Monte?
— Monte de preguiça. Desse jeito vamos chegar atrasados no primeiro dia. — Romero disse impaciente.
— Cara, a gente teve que ir mesmo para a Royal, hein?
— É... quem diria que o diretor tava pegando as novinhas da escola.
— E o que seu pai falou? Tipo, considerando que os Bragança sempre estudaram na Royal? — Bruno disse erguendo o pescoço para olhar o amigo muito mais alto.
— Brigou, gritou, brigou de novo, gritou de novo e disse algo sobre não chegar nem perto da Bragança. Parece que exigiu salas separadas.
— Qual é? Sério?
— Sério. E certamente subornou metade dos funcionários para ficar de olho em nós e impedir que a gente chegue perto um do outro.
— Parece até que têm uma doença contagiosa.
— Essa rixa ridícula.
— Eles sabem que vocês foram amiguinhos na infância?
— Minha mãe sabe, meu pai nem sonha. Se soubesse, mudava até de cidade.
— Então tudo bem para você ser amigo dela? — Bruno perguntou ao ver o amigo sério.
— Sim. Mas acho que ela não quer. Sei lá. Ela chorou tanto naquele dia. Eu queria ver como ela tava, mas não podia nem chegar perto.
— Vai ver é melhor assim.
— É... — Romero disse pensativo.
Depois os dois seguiram para o colégio.
(...)
Valéria acordou com o despertar do celular e olhou as horas. A escola começaria em menos de uma hora. Ela não tinha problemas com levantar cedo, mas o sermão da noite anterior a fez perder o sono e acabou dormindo muito tarde. O pai havia deixado bem claro que não era para chegar nem perto do Moura. A jovem de quinze anos se arrumou para o colégio e vestiu o uniforme branco que marcava levemente o sutiã rosa que tinha escolhido para aquela manhã. A ideia era chamar menos a atenção. Mas talvez ele nem olhasse para ela. Já havia se passado tanto tempo.
Eles não se viam nem na rua. Parece que era até marcado onde os Mouras e os Braganças frequentavam. Algo que ela sempre achou muito ridículo. Valéria vestiu uma calça jeans azul escura e calçou um tênis branco e deu uma ajeitada no cabelo volumoso que ela havia deixado um pouco mais curto desta vez. A calça marcava as pernas grossas e os quadris largos de Val, que junto com a cintura fina dela e os seios pequenos dava ao seu corpo um formato pêra. Colocou o relógio branco no braço com algumas pulseiras de prata, pegou a mochila e saiu em direção à cozinha.
Maria ainda trabalhava para a família, só que realizando tarefas da casa e assessorando Regina que tinha uma vida social muito badalada. A ex-babá estava noiva de um homem que trabalhava numa fazenda em Miracema, cidade vizinha. Maria tinha os cabelos curtos e estava sentada na mesa do café olhando a agenda da patroa.
— Bom dia Maria.
— Bom dia, Val. Levantou cedo.
— Tenho que chegar mais cedo, pegar uns livros na biblioteca. E a mãe, o pai e o João?
— Sua mãe ainda está deitada, sabe que ela levanta tarde, né? Seu pai saiu cedo para a fábrica e seu irmão foi mais cedo para a escola.
— Mais cedo? Levantou que horas?
— Eu levantei ele já tinha saído.
— Então tá. Eu vou indo.
— Não vai tomar café, Val? A Keila fez pão de queijo.
— Valeu, eu vou pegar um e vou comendo no caminho, ainda vou passar na Agnes.
— Seu pai ia te levar, mas teve um compromisso.
— Tá tranquilo.
— Seu pai te falou ontem, né? Nem chega perto do tal Moura.
— Isso é passado, Maria. — Valéria disse ao ouvir a represália da ex-babá e seguiu.
Valéria tinha uma amiga, Agnes. Amigas desde o primário. Até as mães delas eram amigas de longa data. Todos os dias, a Bragança passava na casa dela para irem juntas para escola. A garota era baixa, de cabelos castanhos escuro, de coxas grossas, rosto redondo e tinha uma personalidade espontânea, além de ser muito tagarela.
— Val, o Romero Moura vai estudar no Royal. Você ficou sabendo? — Ela disse antes mesmo de chegar perto da amiga.
— Bom dia pra você também, Agnes.
— Bom dia, Val, mas então você ficou sabendo? É verdade mesmo?
— Sim.
— Isso é ruim, não é?
— Não... ele não vai se aproximar de mim. Tá até em outra sala.
— Mas dizem que ele é lindo. Tem olhos azuis como o céu! – Agnes disse empolgada.
— É, né... – Valéria disse sem graça.
— O Royal esse ano promete! — Agnes disse erguendo os braços.
— Menos Agnes. — Valéria disse revirando os olhos.
O colégio Royal era localizado num dos bairros mais movimentados de Verdes Prados. Uma enorme construção de dois pavimentos que acomodava pelo menos mil alunos matriculados. As turmas ali eram do sexto ano do Ensino Fundamental ao Terceiro ano do Ensino Médio, divididos em três turnos. Com exceção do Ensino Médio que passava praticamente o dia todo na escola. De manhã aulas normais, à tarde curso técnicos profissionalizantes.
Se misturar entre a multidão era a solução para Valéria. Certamente, Romero estaria em outra parte do colégio e não iria nem ao menos notar a presença dela. Além do mais seria muito azar topar com ele logo no primeiro dia. A jovem ficou imersa em seus pensamentos, que nem percebeu por onde andava. O falatório desenfreado de Agnes também não ajudava. Ela só sentiu o esbarrão nela. Ela se virou rapidamente.
— Opa, desculpa! – Valéria ergueu o olhar. O rapaz era alto, cabelos lisos e loiros dourados e os olhos azuis, da cor do céu.
Valéria ficou sem reação, a boca ficou seca e o coração batia tão acelerado que parecia que ia sair pela boca. Ela ainda se lembrava de como respirar? Ao ver Romero Moura diante dela, parece que tudo ao redor silenciou no mesmo instante. Os demais alunos ficaram todos em pânico, como se uma guerra estivesse prestes a começar. Valéria começou a suar frio e olhou ao redor, apavorada. Romero olhou para a moça sem graça e apenas disse:
— Me desculpe.
Será que ele se lembrava dela? Ele tinha ficado tão alto. Será que ele tinha raiva dela? A cabeça dela estava a mil, ela parou e o encarou sem graça e apenas acenou com a cabeça e saiu cabisbaixa em direção à sua sala. Agnes correu atrás da amiga. Os comentários entre os alunos eram sempre os mesmos.
"Pensei que uma guerra iria começar."
"Moura e Bragança no mesmo lugar?"
"Vão se matar até o fim do ano."
Valéria correu para o banheiro e ficou parada diante do espelho tentando voltar a respirar normalmente. E se alguém contasse para seus pais. Seu pai havia a ameaçado até mandar ela para outra cidade para não ter perigo de ter contato com o Moura.
— Tá tudo bem, Val? – Agnes perguntou ao ver a expressão da amiga.
— Não sei se vou aguentar isso. – Valéria disse, ainda tensa.
— A treta da sua família é punk mesmo, né? – Agnes disse se aproximando de Valéria.
— Pior do que você pensa. Um ódio que atravessa gerações.
— E como vai ser com ele aqui no Colégio?
— Não sei... vai ser horrível. Eu imagino.
Valéria, na verdade, não tinha tanta certeza. Ela não sentia o mesmo ódio que seus pais ou que sua família. Um rancor guardado por 100 anos que atravessava gerações e ninguém sabia explicar ao certo.
Depois disso, a jovem molhou o rosto e foi para sua sala e ficou olhando o relógio até dar a hora de ir embora. Seria melhor correr primeiro na frente para não ter perigo de ver Romero e começar outra sessão de mexericos. Ela avisou Agnes que sairia mais cedo e correu na frente, quando estava contornando os muros da escola avistou uma figura conhecida debaixo de uma árvore, num local mais afastado de todos. Ela firmou o olhar e foi se aproximando rapidamente. Ao chegar viu seu irmão aos beijos com Daniel, que até então todo mundo achava ser apenas um amigo.
— João?
Os dois soltaram-se rapidamente e ficaram num estado de choque ao ver que haviam sido flagrados pela irmã mais nova do Bragança. Daniel tinha os cabelos lisos e os olhos verdes, a pele era um moreno suave que lembrava avelã. Um rapaz tão bonito que as meninas se matariam para ficar com ele. Era alto, forte e sorridente.
— João, se você não quer que o pai flagre vocês ou alguém mais veja, vocês têm que ser discretos. — Valéria disse tentando amenizar a situação.
— Pelo amor de Deus, Val, não conta pra ninguém.
— Eu não vou contar. Eu prometo.
Valéria saiu correndo deixando os dois em pânico. Daniel olhou para João com os olhos arregalados e extremamente preocupado. — Ela vai nos entregar?
— Não. Ela é muito correta.
— Se ela contar a gente tá ferrado.
— Relaxa, esse é meu último ano. Ano que vem vamos para a faculdade.
João tentava a todo custo esconder os sentimentos que tinha por Daniel para a família. Ele sabia que seu pai certamente não aceitaria bem essa união, mas ele não queria abrir mão do amado, independentemente de qualquer coisa.
[...]
Valéria chegou em casa eufórica. Maria viu a moça entrar correndo e ir direto para o quarto sem dizer nada. Ela se aproximou do corredor e gritou à jovem.
— Val! Não vai almoçar?
Maria ouviu algum balbuciar de dentro do quarto dela, mas foi só. Valéria deitou-se na cama de barriga para cima sem tirar o uniforme e ficou tentando respirar de forma calma. Ela sentia tudo misturado. Os sentimentos emaranhados, entre o medo da represália dos pais e a sensação de ver o agora crescido Romero Moura.
Mesmo que a cidade fosse pequena eles conseguiram não se ver, parece que era fácil manter os Moura e os Bragança longe uns dos outros. Pelo menos era assim que todos achavam. Valéria ainda ficou mais um tempo no quarto até que ouviu alguém bater na porta.
— Val, sou eu, Agnes.
— Entra.
A amiga entrou no quarto com o olhar de preocupada para a Bragança que estava aflita folheando um livro de matemática sem a menor concentração para o dever de casa.
— Você saiu correndo, nem me esperou.
— Desculpa, Agnes. Eu fiquei tão tensa com tudo isso. Eu sabia que este Moura na mesma escola que eu ia ser problema.
— Acho que as pessoas exageram demais. Parece até que a Máfia Azul e a Galoucura se encontraram num dia de clássico no Mineirão. — Agnes disse se jogando na cama de Valéria.
— Mas é quase isso.
— Bom, por enquanto vão ter que conviver. Vocês nem estão na mesma sala. É só fingir que ele não está lá e pronto.
— Você faz parecer fácil!
— Tá certo que ele ficou bonito demais da conta! Gente! E aqueles olhos? E os braços? Menina, benza Deus!
— Agnes! — Valéria disse sentindo o rosto queimar ao se lembrar dos detalhes que a amiga mencionou.
— Apesar que prefiro o amigo dele. Viu que gatinho?
— Mulher deixa de fogo! Vem me ajudar com essas contas aqui que a gente ganha muito mais!
— Amiga, mudando de assunto, acho que vi seu irmão e aquele "amigo" dele numa sorveteria. — Agnes fez as aspas com os dedos.
— João tá caçando para a cabeça. Se meu pai sonha com isso, ele tá ferrado.
— Bom, só não vê quem não quer né, amiga?
— Mesmo assim. Ficar escondido desse jeito só piora e eu duvido que ele tenha coragem de peitar o nosso pai.
— Nem você, Val. Seu manda e vocês obedecem.
— Melhor. Meu pai consegue ser muito... complicado.
— Tá! Vem que vou te ajudar com essas contas.
Valéria e Agnes passaram a tarde juntas até o motorista levar a jovem para casa. Já era tarde quando a família se reuniu para jantar. Comer todos juntos era uma exigência que Emanuel não abria mão. Todos à enorme mesa de madeira com tampo de vidro e cadeiras estofadas. João estava apreensivo olhando para Valéria temendo que a irmã contasse ao pai o que viu, não que ela já não desconfiasse. Regina suspirava olhando para o prato em silêncio, Val mantinha-se pensativa no dia da aula e Emanuel fatiava o bife. Todos num silêncio tão profundo que só se ouvia o mastigar e o bater de talheres nos pratos.
— Como foi o dia, Val? Aquele Moura se aproximou de você? — Emanuel rompeu o silêncio num timbre de voz autoritário que reverberou pela sala de jantar.
— Não. Eu nem vi ele. — Val disse de cabeça baixa tentando disfarçar a mentira.
— Se aquele cretino se meter a besta com você eu mesmo vou lá naquela escola exigir a expulsão dele.
— Tá tudo bem, pai. Não se preocupe com isso.
— E você, João? Já está estudando para o vestibular?
— Claro, papai. Eu e Daniel temos estudado muito.
Emanuel travou o maxilar quando ouviu o nome do "amigo" de João e suspirou deixando o garfo repousado sobre o prato. — Mudando de assunto, eu quero apresentar você para uma moça.
João engoliu seco e olhou para o pai tomando cuidado com as palavras que diria a seguir. — Moça?
— Você não namora. Nem vejo você sair de casa. Além disso, nunca pude te levar ao Flor de Lis que sua mão não deixa.
— Meu amor, não vejo necessidade disso. — Regina disse tentando disfarçar o fato que seu filho jamais procuraria o Flor de Lis por motivos óbvios.
— O Daniel... já me levou lá uma vez. — João disse pigarreando, soltou a faca sobre a mesa e pegou o copo de água e bebeu numa golada.
— Aquele moleque baitola? Duvido!
— Não fala assim do garoto, Emanuel. — Regina disse tocando a mão do marido que sentava-se à cabeceira da mesa.
— E é mentira? É baitola mesmo!
— Que moça vai apresentar para o João, pai? — Valéria disse tentando impedir que o pai dissesse mais alguma coisa desagradável.
— Mariana, filha do Pastor Januário. Moça linda, de família boa, de respeito. Não essas quengas aproveitadoras que tem por aí. Eu faria muito gosto de vocês dois juntos.
— Depende dela querer né, pai? Vai que ela não quer.
— E ela não vai querer um homem desses? Sua mãe vive dizendo que você parece aquele ator, como é mesmo o nome Regina?
— Rafael Zulu.
— Ele mesmo! Ela não vai querer? Lógico que vai!
— Mas normalmente quem é da Igreja só casa com quem é da Igreja. — João disse tentando contornar a situação já suando frio olhando de esguelha para a irmã que estava mais tensa que ele.
— Só você converter! Eu estava achando que você anda muito afastado da Igreja mesmo! Tem culto amanhã à noite e todos nós vamos! Bom que você já conhece a Mariana. Vai ver que beleza ela tem!
— Claro, papai. — João tentou ao menos terminar a refeição, mas depois daquela conversa não havia apetite que resistisse. No dia seguinte ele iria ao culto com o pai dele e ele sabia que o pai já tramava alguma coisa.
(...)
Na manhã seguinte, Valéria foi mais cedo para o Colégio para tentar evitar se encontrar com Romero. Quanto mais longe ela ficasse dele melhor. Ela tinha que se concentrar nos estudos ou as notas dela não seriam altas e teria de escutar mais um sermão do pai. No intervalo ela e Agnes seguiram para o refeitório que estava lotado como sempre. Os olhos dela buscavam o Moura a todo tempo. As mesas compridas de madeira com bancos de uma lado e de outro lotados de alunos, mas nem sinal do Romero.
Ela sentou-se numa das muretas ao redor da quadra de futsal e foi seguida por Agnes. — Ai que canseira. Hoje a gente tem cinco horários?
— Tem sim. – Val disse ainda buscando o Moura com o olhar.
— Val, relaxa pelo amor de Deus. Ele não deve estar nem pensando em você, além do mais os meninos vão jogar bola, hora da gente se virar discretamente e olhar os garotos sem camisa, versus os de camisa.
— Agnes, que fogo é esse?
Agnes se virou primeiro e ficou olhando os jogadores entrarem um a um, quando o loiro entrou em quadra não deu tempo dela avisar a amiga que já estava paralisada olhando Romero entrar em quadra. Os cabelos estavam maiores, que ele passava a mão jogando para trás, ele parou na beirada da quadra e tirou a camisa de uniforme deixando o musculoso corpo à mostra que era bem definido para um garoto de quinze anos. Ele jogou a camisa de uniforme do lado de fora e seguiu sendo observado pelas duas amigas e mais um enorme grupo de admiradoras que se reuniram na arquibancada.
— Amiga... eu ia te avisar, mas acho que nem deu tempo. — Agnes disse ainda olhando para a quadra atentamente e mordendo o lábio inferior.
Valéria queria desviar o olhar, queria se levantar dali e ir para longe, mas parecia hipnotizada pelo loiro. Ela tentava disfarçar, seu coração batendo cada vez mais rápido, o rosto quente. E por alguns segundos ela teve a sensação de que ele olhava diretamente para ela. O sinal da escola tirou a jovem do devaneio.
— Esses intervalos já duram pouco, quando a gente se diverte parece que dura menos ainda.
— Para mim, parecia uma eternidade. — Valéria caminhou apressada até sua sala tentando olhar na direção do Moura.
— Ai amiga! Esqueci de pagar o moço da lanchonete. Tenho que voltar lá!
— Eu vou com você.
As duas seguiram até a lanchonete em passadas largas. A lanchonete dentro do colégio tinha sanduíche natural, pão de queijo, salgadinhos e até tropeiro. Além de outras guloseimas.
— A gente vai perder o horário, olha o tamanho dessa fila! — Agnes disse erguendo os pés para ver o quão grande a fila estava.
— Você é desligada demais, Agnes! — Val a repreendeu. — Eu vou para o começo da fila e vejo se tem alguém conhecido ou da nossa sala que possa pagar pra você.
Valéria seguiu até o começo da fila buscando qualquer rosto conhecido, pensando no quarto horário. A aula era de química ainda por cima e com a Professora Leninha que era o terror em pessoa. Se atrasasse demais, iriam ouvir um sermão de cinco minutos. No mínimo. Val já estava desistindo, os olhos percorrendo para todo lado, quando sentiu alguém tocar seu ombro de leve.
— Quer que eu pague para você? — A voz de Romero a fez virar bruscamente. Ela respirava com dificuldade olhando ao redor com medo de alguém estar olhando. Ela ainda lembrava como se respira? — Eu não vou morder você, além do mais tá todo mundo querendo sair dessa fila logo, e eu sou o terceiro.
Ele estendeu a mão e ficou olhando para a jovem que até tremia. Se alguém contasse para o pai dela, seria problema na certa. Mas como Agnes dizia, às vezes as pessoas exageravam demais. Ela tirou uma nota de cinquenta reais do bolso e entregou para o Moura. Ele pegou a nota olhando fixamente para Valéria que mantinha-se olhando para o chão.
— Agnes Oliveira, primeiro ano A. — Ela disse rapidamente e saiu correndo.
— E seu troco... — Romero ainda tentou dizer, mas a jovem já estava longe, puxando a amiga pelo braço.
— Achou alguém conhecido?
— Sim. — Valéria disse desconcertada.
— Quem?
— Isso não vem ao caso. Foi uma menina do primeiro ano B, conhecida.
— E quanto foi?
— Não vou te cobrar.
O resto da aula ela fugiu o máximo que pôde de qualquer aglomeração.
(...)
A Igreja Ministério Cordeiros de Deus, foi fundada por Januário Fontes, médico cardiologista muito renomado em Verdes Prados. Ele era casado com Janaína, e tinha uma única filha: Mariana Fontes. A jovem de 15 anos, tinha cabelos naturalmente ruivos, era baixa, sardenta e estava sempre lutando contra a balança. Na idade em que estava já tinha que começar a procurar por alguém bom e de boa família para um casamento.
A Igreja ficava no centro da cidade num lote próprio cedido pela prefeitura e construído com doações dos irmãos. Ajudavam pessoas carentes com roupas e cestas básicas, além de programas educacionais. A famosa família Bragança chegou sob os olhares atentos dos presentes naquela noite de culto. Por serem católicos, era raro ver eles ali. Frequentavam a Igreja da Matriz de Nossa Senhora da Graça, do outro lado da cidade, bem longe da Paróquia Nossa Senhora do Desterro, frequentada pelos Moura.
Regina desfilava num salto que valia o preço de um carro, chacoalhando as inúmeras joias que adornavam seu vestuário, além do vestido nude longo e de mangas compridas. Valéria vinha logo atrás dentro de um vestido tipo midi branco que a mãe insistiu que vestisse, João seguia ao lado do pai, ambos de terno, com um olhar triste e preocupado. Nem teve coragem de dizer a Daniel o que estava acontecendo. Na verdade, nem sabia o que dizer.
Depois de mais de uma hora e meia de culto, o pastor Januário, um homem alto de cabelos grisalhos, se aproximou da família sorridente.
— Que grande alegria ter o senhor aqui. — Januário se aproximou de Emanuel de braços abertos.
— Como recusar o convite de um grande amigo? Esta é minha família: minha esposa Regina e meus filhos João e Valéria.
— Deixa eu te apresentar as mulheres da minha vida. Mari, amor, venham aqui. — O pastor chamou as duas e elas se aproximaram da família, Valéria viu o irmão se encolher ao ver a moça que o pai havia falado. Mariana estava envergonhada, olhando para o chão e segurando a bíblia de capa rosa com letras douradas.
Valéria achava tudo aquilo desnecessário. Era como se estivessem negociando gado, ou vendendo pés de café. Para Emanoel era importante o filho se casar. Uma tentativa frustrada de se tapar o sol com a peneira. Para Januário, ter o sobrenome Bragança associado à Igreja e a ele mesmo de alguma forma era de grande valor e nem era sobre dinheiro apenas, e sim de influência. Cansada de ouvir aquela negociação ela acenou para a mãe que ia sair para tomar um ar fresco.
A jovem Bragança caminhou até o lado de fora e ficou olhando os jovens na praça em frente à Igreja. Ela queria ter um pouco de liberdade de vez em quando. Estava sempre sendo vigiada de alguma forma. Ela viu de longe um casal sentado num banco da praça. Com dificuldade para ver quem era, estreitou os olhos mais um pouco e quando percebeu quem era sentiu o estômago revirar de uma forma estranha. Os ombros pesaram, parecia que não havia mais lugar para ela. Queria apenas ir embora, ela virou as costas e voltou para dentro, parecia que estava a perseguindo. Tudo que ela menos queria era ver Romero Moura aos beijos com uma garota naquela noite.
E aquilo havia a incomodado, muito mais do que ela gostaria.
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