Prólogo

Eu sempre cuidei de mim mesma, nunca quis depender de ninguém. Eu tinha um grupo, mas acabei me perdendo durante uma fuga, há muito tempo. Nunca mais os vi. Eles eram minha família, tudo o que eu tinha. Meu irmão ficou para trás, assim como meu sobrinho e minha sobrinha, a única família que me restou.

Nós lutamos juntos, sofremos juntos e quando finalmente conseguimos nos estabelecer, um maluco veio e nos destruiu. Destruiu o lugar que nós conquistamos. Daquele dia em diante, nunca mais os vi.

Eu não sabia se eles estavam vivos ou mortos. Eu não sabia se meu irmão estava bem, não sabia se meus sobrinhos estavam vivos. Não sabia se o cara que eu gostava ainda respirava. Eu preferia pensar que eles estavam mortos em vez de estarem sofrendo.

Fugir era tudo o que eu fazia até estar quase morrendo. Eu estava muito tempo sozinha, quando o encontrei — ou melhor, ele me encontrou.

Doente, quase morrendo de febre e gripe. Eu já tinha desistido de tudo, encolhida em um canto no chão frio, esperando a hora chegar.

Então ele apareceu. Meu Salvador. Pensei que estava delirando; como alguém me achou num depósito de cargas? Mas essa é uma das coisas que eu aprendi sobre ele: não há nada que fique oculto a seus olhos. Um sorriso e um lenço vermelho foi tudo que eu vi antes de apagar.

Meu medo de estar delirando acabou quando eu acordei em uma cama macia e quente. Era um quarto pequeno, cinza, com uma pequena janela. Meu corpo pesava uma tonelada, e não tinha uma parte que não doía.

O ar já não pesava tanto para entrar no meus pulmões e minha garganta não doía tanto como antes. Um barulho e uma porta se abrindo me fizeram ignorar tudo isso e me sentar no mesmo momento.

Um homem alto e de cabelos negros, segurando um taco de basebol entrou. Eu lembro dele, esse rosto... e então ele sorriu.

— Olá, boneca — sua voz rouca rompeu minhas lembranças embaralhadas — Que bom que está acordada.

Ele encostou o taco com... arame farpado? Na parede ao lado da porta. Eu não falei nada, sua postura intimidadora fazia o quarto ficar menor ainda.

Foi ele quem me ajudou, disso eu lembrava. Não tinha como esquecer seu rosto. Mas isso era tudo que eu sabia dele. Um belo rosto. O que estaria por trás desse sorriso? Por que ele me ajudou?

— Uau. Tentando se lembrar? Aposto que sua mente está uma bagunça.

Eu não respondi. Tirando a porta que esse cara acabou de entrar, só tinha uma outra porta no quarto e provavelmente era um banheiro. Eu não conseguiria sair sem passar por ele, e eu definitivamente não passaria por ele. A ansiedade fazia o meu coração martelar na garganta.

— O gato comeu sua língua? — ele perguntou, dando passos lentos até chegar na frente da cama, sua camisa branca se movia sobre seu torso conforme ele caminhava.

Seus olhos se estreitaram e ele pareceu perder um pouco aquele humor todo.

— Ok, vamos começar por mim — ele levou sua mão até o peito — Eu sou Negan. Você? — ele perguntou, esperando eu complementar.

— Ellie — minha voz saiu rouca e baixa. Eu não sabia a última vez que eu tinha falado com uma pessoa.

— Ellie — ele repetiu, sua voz grossa agradável demais aos ouvidos — Bonito nome.

— Porque me ajudou? — uma súbita onda de coragem me tomou. Ele olhava para mim como quem observa um animal no zoológico, observando cada movimento.

— Era o certo a se fazer. Você estava sozinha e doente. Nós não seriamos os Salvadores se não ajudássemos uma mulher sozinha — ele proferiu com orgulho.

Salvadores?

— Entendo que está confusa ainda — ele continuou — Logo alguém vai trazer roupas e qualquer merda que precise e explicar como as coisas funcionam.

— Eu vou poder ficar? — eu perguntei, puxando mais a coberta para me cobrir.

— Claro, querida, porque diabos acha que eu te salvei e estou gastando uma tonelada de remédios com você? — ele riu antes de virar e pegar o taco novamente.

— Obrigado por me ajudar — falei quando ele estava de costas, quase saindo.

— Espere ficar totalmente recuperada para me agradecer — ele piscou e deu um sorriso de dentes brancos e alinhados e saiu.

Negan. Esse era seu nome. Ele não parece ser ruim... tão ruim.

Ele me trouxe para o Santuário, cuidou de mim e eu fiquei saudável de novo.

Eu aprendi rápido como as coisas funcionam aqui. Regras. Você segue as regras, você fica bem. Se você não as segue... Bem, o único responsável pelo que vai acontecer com você, é você.

Você não rouba. Você não estupra. Você não foge. Você trabalha, consegue seus pontos e vive.

Negan tinha esposas. No plural. Descobri isso logo na primeira semana, quando Marie, uma das poucas pessoas que eu trocava algumas palavras me contou.

Eu achava isso uma piada, mas mantinha para mim. Não se podia confiar em ninguém daqui, nem em você mesmo.

Algumas delas deixaram os maridos para estar com Negan em troca de não precisar trabalhar para se manter aqui. Era uma merda trabalhar por pontos, mas se eu tivesse um marido ou alguém que eu amasse, nunca os deixaria. Eu trabalharia com eles, por mais duro que fosse. Mas eu não tinha uma família — nem ninguém que eu amasse.

Marie era mais nova que eu, tinha dezoito anos e estava aqui a mais de um ano, com seu irmão, que era um dos Salvadores de Negan. Ela era doce e gentil demais, o que era uma merda para ela, porque sempre tinha alguém que queria se aproveitar.

Fazia mais de um mês que eu estava aqui. Não poderia dizer que gostava, mas eu me adaptava fácil. Meu irmão dizia que eu era uma camaleão. Era um inferno trabalhar aqui, mas eu me virava. Eu tinha um quarto com banheiro, uma cama e roupas. Não precisava sair para fora dos portões, o que me dava alívio. Todo esse tempo lá fora me fortaleceu, mas ao mesmo tempo me derrubou. Foram os piores dias da minha vida.

Por mais que as pessoas daqui não fossem confiáveis, era reconfortante ficar no meio delas depois de tanto tempo sozinha.

Negan era temido e respeitado por todos. Nós conversamos só naquele dia. Eu o via pelos corredores e o cumprimentava, mas era isso. Algumas vezes eu o via me encarando de longe, e sentia meu sangue gelar.

Ele era bonito, tinha um sorriso encantador e um charme sem medida. Mas sempre que me olhava, não era com todo aquele humor depravado. Era como se estivesse pensando, me observando de um jeito nostálgico.

Talvez ele só estivesse esperando eu cometer o primeiro deslize, mas eu não tinha medo como a maioria das pessoas. Eu o respeitava. Ele me salvou, deu todos os cuidados que eu precisei, era o mínimo que eu poderia fazer.

Nunca vi Negan machucando ninguém, mas o boatos rolavam. Dwight, um loiro que tinha a metade do rosto repuxado foi o primeiro que eu ouvi.

Ele e a mulher roubaram e fugiram daqui, e quando foram pegos, ela se ofereceu para ser esposa de Negan. Negan não matou Dwight, mas queimou seu rosto para servir de exemplo.

Mas era isso. Regras. Ninguém os mandou roubar e fugir. Não que eu não tivesse pena, por Deus, o cara estava sem a metade do rosto. Eu só não entendia a dificuldade que as pessoas tinha de seguir as malditas regras.

Negan poderia ser cruel, mas ele protegia as pessoas daqui. Porque não obedecer a andar na linha?

Quando Simon — o braço direto de Negan — veio me dizer que ele estava me chamando, eu gelei. Minha mente rebobinou tudo o que eu tinha feito nos últimos dias e na última semana, a procura de algo errado.

Simon abriu a porta de onde era o escritório de Negan, me esperou entrar e a fechou. Tudo que era de Negan era diferente, a começar por esse escritório todo decorado.

Negan estava sentado na cadeira, com os pés em cima da mesa, com Lucille descansando logo a frente.

— Chegue mais perto, querida. Eu não mordo — ele falou, abrindo um pequeno sorriso. Ele sempre estava sorrindo, parecia que o fim do mundo era sua piada favorita. Eu cheguei perto, parando próxima da mesa.

— Já faz um mês que você está aqui. O que está achando do nosso Santuário? — Negan perguntou, apoiando os cotovelos na cadeira e entrelaçando os dedos.

Ok. Isso foi estranho pra caralho. Negan, Negan queria saber como eu estava me adaptando?

— Eu estou adorando — respondi depois de absorver a pergunta. Ele tinha o dom de desconcertar as pessoas.

— Você está adorando? — ele fez uma careta engraçada. Resposta errada?

— Qualquer lugar é melhor do que lá fora. Eu fiquei tanto tempo sozinha e... — eu balancei a cabeça. Não precisava contar minha história triste para ele, de qualquer forma ele não se importava — É isso. Obrigado por ter me tirado de lá naquele dia.

Ele se levantou, vindo até mim. Todos os pêlos do meu corpo se arrepiaram quando sua mão escovou meu cabelo para trás.

— Eu gosto disso — sua língua traça seu lábio, e eu acompanho o movimento sem desviar — Você está agradecida de verdade, não está falando só para me agradar.

Quando ele aproximou seu roso do meu, minhas pernas vacilaram.

— Você não tem medo de mim. Está intimidada, mas não está com medo — ele estava tão perto que sua respiração batia contra meu rosto.

Assim como suas roupas e camiseta branca mostravam, ele era limpo demais e tinha um cheiro bom. Só percebi que minha boca estava entreaberta quando quis abri-la para responder.

— Você sempre foi bom comigo. Não tenho porque ter medo ou reclamar — sussurrei, e ele sorriu.

— Eu posso ser melhor ainda. Posso te dar qualquer merda que quiser. Apenas diga que aceita, boneca.

Foi quando ele me pediu para ser uma de suas esposas, e eu aceitei.

Depois de tanto tempo me virando sozinha, eu sentia falta disso. Eu queria ser cuidada de novo. Eu sabia que Negan não gostava de mim como o último cara que eu estava gostava, mas eu estava atraída — e quem não se atrairia?

Ele tinha três mulheres que dariam para ele quando ele quisesse, e em outro momento eu mandaria ele se foder. Mas não agora. Eu queria. Eu não tinha mais nada nem ninguém.

Ele tinha Sherry, que foi a primeira, Frankie, uma ruiva alta, e Amber, uma loira que era a coisa mais chata desse mundo, e eu não sabia como tinha sobrevivido até hoje.

Nenhuma delas gostavam de mim, e eu também não ia com a cara delas. Elas faziam questão de dizer que não queriam estar ali, mas na verdade, queriam. Queriam uma boa vida, não precisar ralar como as pessoas daqui faziam. Mas elas tinham. Maridos, pais e irmãos.

Eu não tinha ninguém mais que fosse ficar magoado ou machucado com a minha decisão, então mergulhei de cabeça nisso. Eu gostava de Negan, ele era bom comigo e me respeitava. Eu não me importava de ele estar dormindo como mais três mulheres, porque eu não gostava dele assim.

O que eu não imaginava que isso fosse mudar e que eu, que tanto aceitava e obedecia as regras, fosse as quebrar. Mas o sangue é mais grosso que a água. Sempre.

Olá! Eu jurei que não ia postar outra história até terminar Depois do Recomeço, mas essa história estava gritando na minha cabeça, querendo ser escrita.

Foi só o prólogo, não sei se deu para vcs terem uma ideia da história, me digam aqui!

Beijossss

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