Capítulo 85
- Você pode ficar aqui até liberamos um quarto na mansão - Paul disse quando eu joguei a mochila aos pés de sua cama.
Eu havia deixado Alexandria logo após a conversa com Daryl, agradecendo por Rick não estar lá. Eu não queria mais uma despedida e sabia que ele não ia querer me deixar vir.
Eu não vi nem sombra de Carl quando fui me despedir de Judith, e eu a abracei não querendo ir. Ela era o lembrete em carne e osso que toda a luta valeu a pena.
- Acha que poderia me colocar na corrida do próximo grupo?
- Você quer conversar sobre o que aconteceu? Porque eu sei que aconteceu algo para você estar aqui - Paul disse, encostado na parede, com os braços cruzados.
Eu adorava Paul. Ele era um bom ouvinte e amigo, mas falar de Daryl agora não faria eu me sentir melhor.
- Nós terminamos - eu disse e sua boca se abriu, grandes olhos claros me olhando com surpresa.
- Nossa - ele disse, surpreendido - Eu não esperava por isso.
- Olha só, Paul, eu não quero ser grossa, porque gosto muito de você, mas não quero que me pergunte mais sobre esse assunto. Isso é passado e é lá que deve ficar.
Ele concordou, gentil e compreensivo como sempre, não me julgando ou insistindo.
Isso tinha a ver comigo e com a minha sede e necessidade de ir em frente mesmo que o caminho estivesse fechado com espinhos que rasgavam minha pele a cada passo que eu dava. Eu ir seguir em frente e ia voltar a ser quem fui um dia.
*
Segundo Paul, Dwight havia encontrado Sherry, mas ela decidiu ir para o Reino ao invés de ficar com ele no Santuário. Não vou dizer que fiquei surpresa, até porque sabia que eles não iriam mais ficar juntos, mas não deixava de ser triste.
Maggie e Glenn ficaram felizes em me ter aqui e não fizeram perguntas. Quase senti como nos velhos tempos quando nós três ficamos de vigia nos muros da comunidade, assim como ficávamos na prisão.
Já estava escurecendo quando voltei para dentro dos muros. Agora, nesse momento, suja de sangue de caminhante e totalmente exaurida, eu me sentia como um animal que voltou ao seu habitat natural.
Eu estava em Hilltop três dois dias e a pior parte era dormir. Minha mente não parava de trabalhar um segundo - não que eu esperasse dormir como um anjo, mas esperava que aos poucos eu colocasse a vida nos trilhos.
Quando ia entrar no trailer de Paul, Glenn veio até mim.
- Você tem visita - ele apontou para a mansão e eu respirei fundo, já sabendo quem era.
Eu entrei e vi Rick de costas, conversando com Paul.
- Oi - eu falei e os dois olharam para mim.
Rick parecia um airbag vazio. Ombros caídos, olhos baixos, os lábios curvados para baixo em uma pequena carranca.
Eu estava esperando ele vir até aqui. Eu saí de lá sem me despedir e pela sua cara, ele estava muito bravo, mas esperava que um dia ele entendesse.
Seus olhos cintilaram nervosamente, e ele lançou um rápido olhar para Paul antes de voltar para mim.
- Vamos lá fora e conversar - disse ele.
Na varanda, ele ainda mantinha distância. Minhas mãos coçaram para puxá-lo para mais perto, mas eu o conhecia bem o suficiente para saber que Rick bravo era igual a mim brava.
- Como você tem andado? Como vão as coisas em Alexandria? - eu comecei sem jeito, sem saber o que dizer.
- Tudo bem - ele respondeu, inquieto.
Tudo parecia estranho. Ele estava tão longe, tão trancado dentro de si, com as mãos nos bolsos e o rosto afastado de mim.
- Eu não consigo dormir à noite - eu disse de repente, não me importando com o quão patético isso soava.
Ele não respondeu, mas parecia um pouco mais desconfortável do que antes.
- Você sequer se despediu - ele disse, magoado, me cortando quando eu tentei argumentar - Por favor, não - ele suspirou.
Eu parei de falar.
Estava ficando tarde. O sol desapareceu do outro lado da rua e o ar estava ficando frio. Percebi que havíamos passado muito tempo sem dizer nada, mas ele ainda estava lá, de braços cruzados.
Nós nos sentamos lado a lado em silêncio, olhando para a rua. Por um segundo, eu estava dolorosamente ciente do tempo se esvaindo como água através de uma rachadura, perdida para sempre.
- Volte comigo - ele pediu, e eu balancei a cabeça.
- Eu não posso.
- Por quê? - Rick deixou sua mão descansar sobre a minha - Por que não?
- Estou feliz aqui.
- Está? Então por que você disse 'eu não posso' em vez de 'eu não quero'?
Eu suspirei, um pouco trêmula. Eu simplesmente não podia voltar.
- Eu fiz isso por você. Eu o deixei viver porque você me disse que era a coisa certa, e agora... agora você simplesmente foi embora, sem se importar com ninguém.
Eu olhei para ele, seus olhos mais brilhantes agora que o céu estava ficando escuro ao nosso redor. Eu não tinha perdido a acusação em sua voz, e eu estava com medo de começar uma briga.
- Não foi assim que eu quis dizer isso - Rick se deu conta do que disse, mas era minha vez de interromper.
- Como você quis dizer isso, então?
Eu respirei fundo, tentando manter a calma, tentando pensar claramente.
- O que eu quis dizer foi... - ele parou por um momento, procurando as palavras - Diga-me o que você precisa, se quer que eu mude algo... se isso tiver a ver com Negan, podemos resolver. Apenas venha para casa.
Eu poderia ter rido. Ou chorado. Ou alguma coisa. Tudo o que eu fiz tinha a ver com ele, de alguma forma.
- É minha decisão. Não teve nada a ver com o que decidimos fazer com ele.
- Eu não acredito nisso - ele argumentou, inflexível.
- Pense o que quiser - eu disse, levantando - É a verdade - eu comecei a voltar para dentro, mas Rick pulou e pegou meu pulso - Rick... - eu disse, minha voz soando fútil e vazia - Eu não quero voltar, estou bem aqui.
Mentira.
Ele também sabia disso; ele me conhecia melhor do que eu mesmo, às vezes. Seus olhos seguraram os meus, cheios de dor e indecisão.
Ele hesitou por um momento, cuidadosamente esfregando meu pulso, em seguida, aproximou-se de mim, lentamente, como se fosse algo que ele realmente temia fazer, mas tinha que fazer. E, como ele se fosse um domador de leões enfiando a cabeça na boca da besta, ele colocou os braços em volta de mim, e os meus foram em torno dele. Seu batimento cardíaco soava como um despertador nos meus ouvidos marcando os segundos, e eu queria desmoronar contra ele. Então ele recuou.
Ele olhou para mim com compaixão, mas abstratamente, como se eu fosse uma pobre idiota - como se ele quisesse que eu melhorasse, mas não sabia o que fazer sobre isso. Como se eu fosse uma pecadora em seu confessionário. Eu mal podia suportar isso.
- Rick - eu me ouvi dizer - Por favor, eu te amo. Amo você e as crianças, mas eu não posso voltar.
- Eu não entendo - ele deixou seus braços caírem ao lado do corpo, em seguida passou as mãos nos cabelos - Como você pode querer ficar longe justo agora?
Eu vi que ele estava me encarando. Ele não parecia preocupado, apenas... compassivo. Quando ele viu que eu não voltaria, ele deu um pequeno suspiro e seu sorriso ficou triste.
- Você não está sozinha. Você tem a mim, lembre-se disso.
Ele ainda era meu amigo. Ele me entendia. Nós nunca poderíamos perder um ao outro para sempre.
Minha mente correu adiante na visão do futuro - eu, sozinha de novo, exceto porque agora eu sabia que eles estavam vivos e bem, mas não poderia ficar com eles.
Mas não seria para sempre. Eu poderia deixar o tempo passar, e eu poderia fazer isso funcionar do jeito que eu queria. Algumas pessoas chamam isso de esperança; eu chamo de recusa em ceder. Eu só precisava de tempo.
- Você tem uma família - ele parecia irritado agora, quase ferido - Você tem pessoas que se importam com você, se você simplesmente parasse por um minuto e olhasse ao seu redor, perceberia isso.
- Você pode vir me ver quando quiser, pode trazer Judith, podemos fazer funcionar. Mas eu não vou voltar, Rick, não importa o que você diga. Eu já tomei minha decisão.
Doeu dizer isso em seu rosto. Vi a resignação afundar em seus olhos. Ele sabia que havia perdido essa batalha.
- Daryl sente sua falta - isso foi tudo o que ele disse antes de virar as costas e ir embora, sem sequer um adeus.
Sentei-me no degrau, observando a porta em que ele havia desaparecido e não me mexi por um bom tempo. Eu me fiz pensar que, se eu não me movesse, não fizesse nada, o tempo ficaria parado. Então, quando ficou mais escuro ao meu redor e as luzes da varanda acenderam, Paul apareceu.
- Poderia te oferecer um ombro, mas acho que um jantar quente vai te animar mais.
Ele sorriu fraco, daquele jeito reconfortante e me estendeu a mão.
As coisas pioram antes de melhorar, eu disse para mim mesma e aceitei sua mão e seu convite.
Eu acredito nisso.
TRISTE PORÉM NECESSÁRIO
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