Capítulo 8 | PARTE 2
Ben se esquivou antes de Thomas acordar e eu consegui terminar de arrumar tudo da mudança antes do meio da manhã.
- Olá, bom dia - Rick disse alegremente quando nos encontrou no caminho para a cantina - Eu ia mesmo até vocês.
- Mas olha se não e o mais novo papai - eu o beijei no rosto. Ele sorriu como uma criança e olhou para Thomas.
- Quero mostrar o espaço que preparamos para as aulas, aposto que vai adorar.
- Pode deixar que eu mostro - uma voz metódica falou logo atrás de mim, Eugene. Ele agachou e abraçou Thomas - Que bom que está aqui, parceiro.
- Descobri uma professora no Santuário há algumas semanas, ela concordou em ensinar, então mandei Daryl buscá-la - ele disse enquanto caminhávamos para uma grande sala ao lado da cantina, logo atrás de Thomas e Eugene.
Ao longo desses anos devem ter passado várias pessoas pelo Santuário, então nem adiantava perguntar quem era essa pessoa. Quando entramos, eu fiquei estupefata. Era uma sala de aula perfeita, com cadeiras e mesas coloridas e um grande quadro. Haviam também armários e estantes com livros e cadernos.
- Achamos em uma escola e reformamos - Rick disse, apontando para as carteiras escolares.
- Ficou muito bonito, Rick - eu disse, caminhando até chegar a estante de livros. Senti uma emoção, era tão bom ver que estávamos progredindo a cada dia.
- E você, aprova? - Rick perguntou a Thomas, e ele assentiu.
O rádio na cintura de Rick estalou e a voz grossa de Daryl anunciou que estava chegando.
- Quer conhecer a nova professora? - Rick perguntou a Thomas - Aposto que você vai ser o aluno favorito dela.
Nós fomos para fora e logo um carro entrou pelos portões, e Daryl desceu, juntamente com uma mulher. Meu sorriso morreu no mesmo momento em que eu vi quem era a professora.
Rachel.
Ela grudou os olhos em mim no momento em que pulou do carro.
- Essa é Rachel, a professora que te falei - Rick a apresentou quando ela chegou até nós. Ela tinha aquele sorrisinho antipático e aquele olhar de serpente, e mesmo sem que ela abrisse a boca, depois de todos esses anos, ela ainda era a mesma pessoa, eu via isso.
Desde quando colocavam cobras para cuidar de crianças?
- Eu e Ellie já nos conhecemos - ela deu um sorriso falso, que eu não retribui. Eu fiquei tensa quando ela olhou para Thomas - E quem é esse garoto lindo?
- Me chamo Thomas - ele disse, e eu o puxei mais contra mim.
- Que nome bonito - Rachel sorriu e passou a mão nos cabelos dele - Eu sou Rachel, e vou ser sua professora.
- Você pode mostrar o espaço para Rachel? - Rick pediu para mim, e eu queria negar, mas ele foi mais rápido - Tenho que sair.
Que merda.
- Claro - eu concordei, engolindo minha má vontade.
- Fico com Thomas enquanto isso - Eugene se ofereceu - Temos uma caixa de peças de eletrônicos para separar.
Eu fiz um gesto para que ela me seguisse, andando rápido para acabar com isso.
- É aqui - eu disse quando entramos - Acredito que não vai precisar da minha ajuda para se ambientar.
- Você tem um filho lindo - ela disse, ignorando o que eu falei - É a cara dele.
Eu apertei os dentes para isso. Eu sabia que ela iria tocar nesse assunto, mas eu não ia me deixar abalar.
- Desculpe?
- Thomas, ele é a cara do Negan - ela explicou, como se precisasse. De fato, sua expressão era uma mistura de desprezo e ressentimento. E inveja.
- Thomas não é filho dele - eu disse firmemente, sentindo minha pele esquentando. Quando ela sorriu, eu achei que fosse perder o resto de paciência.
- Ah, claro. Se é mais fácil pra você encarar as coisas assim - ela deu os ombros.
Rachel era igual a esses cachorros que latiam e se você corresse, eles iam atrás, mas de você batesse de frente, eles quem fugiam. Eu não queria puxar o passado para o presente, mas era isso ou ser provocada. Eu não era alguém que gostava de ser provocada, principalmente se estivesse metendo meu filho no meio.
Eu cheguei bem perto dela, invadindo seu espaço pessoal assim como ela fez comigo.
- Escuta aqui, se você acha que vai infernizar a minha vida fazendo suposições e me provocando, eu te aconselho a parar antes que se machuque - eu ameacei, realmente ameacei, porque era só assim que eu cortaria o mal pela raiz - Eu quase quebrei seu nariz uma vez, não me importo em terminar o serviço dessa vez.
Ela estreitou os olhos para mim, mas engoliu seco no segundo seguinte.
- E eu acho bom você fazer somente o seu trabalho, porque se eu ouvir você sequer falando o nome daquele desgraçado para o meu filho, você vai se arrepender de ter arrastado sua bunda até aqui.
Eu não dei tempo de réplica, saí de lá antes que fizesse uma besteira. Eu não podia deixar que coisas que aconteceram há sete anos me desestabilizassem, mas eu não consegui me conter, não quando Thomas estava no meio disso tudo.
Eu achei que vir para cá seria um novo recomeço, mas parecia que a maré estava trazendo o lixo de volta para a praia.
TEMPOS DEPOIS
Eu estava me preparando para Rachel fazer algo que me prejudicasse ou que me atingisse, mas felizmente tudo estava indo bem. Surpreendentemente ela era muito boa com crianças e fazia seu trabalho muito bem. Os dias se passaram, viraram semanas e então já estávamos aqui há quatro meses.
E nesses quatro meses, eu e Ben conhecemos um ao outro ainda mais. Não foi difícil notar que era uma pessoa ciumenta. Era estranho pensar que um homem bonito e inteligente como ele era inseguro, mas ele era. Ele e Daryl não iam muito com a cara um do outro, principalmente Daryl, que fazia questão de demonstrar isso sempre que possível.
Eu conseguia conciliar bem a minha amizade com Daryl e meu relacionamento com Ben, ele a cada dia se mostrava mais parceiro e amigo de Thomas, e isso era muito importante para mim.
Thomas estava na escola e eu e Daryl estávamos separando um monte de roupas que chegaram das outras comunidades, pois iríamos fazer a distribuição como era feito todos os meses - era como um bazar onde as pessoas traziam coisas que não usavam ou não serviam mais e trocavam por outras.
- O que você acha disso aqui? - eu perguntei, levantando um colete de couro. Daryl fez uma careta.
- Parece aquelas merdas de roupas de boate gay - ele murmurou e eu ri.
- E desde quando você sabe o que se usa em boate gay?
Eu não tive tempo de desviar quando Daryl jogou uma blusa no meu rosto.
- Quanta maturidade - eu murmurei e ele jogou outra. Eu arquei as sobrancelhas - É sério?
Então ele jogou outra. E riu.
Eu me joguei contra ele, nos derrubando na pilha infinita de roupas que cobriam o chão. Nós rimos e ele tentou inverter a posição e me tirar de cima dele, mas eu forcei meu joelho entre suas pernas, o suficiente para ele parar.
- Paul que me ensinou essa - eu sorri e ele fez uma cara de derrota.
- Aquele babaca - Daryl murmurou. Com as mãos apoiadas ao lado de sua cabeça, eu abaixei meu rosto até perto do dele.
- Não sei porque você ainda fica bravo, não é a primeira vez que eu te derrubo. Admita que eu sou ótima nisso.
Ele lambeu os lábios, olhando para tudo e não para mim. Eu percebi que estava deixando-o desconfortável, e admito que por mais errado que fosse, eu gostava de deixá-lo assim às vezes. Daryl murmurou um "tá" e deu um tapinha na minha coxa para que eu saísse, mas não tirou a mão de lá.
- Estou interrompendo alguma coisa? - uma voz grossa falou. Ben.
Meu sorriso morreu e eu saí de cima de Daryl no mesmo momento. Ele estava há alguns passos, parado, nos olhando em choque e decepção. Eu fiquei tão estática quanto ele porque sabia o que a cena parecia pra quem visse de fora, mas não era nada disso.
- A gente só tava... - eu comecei quando encontrei minha própria voz, mas ele me calou com um aceno de mão.
- Não precisa explicar, eu já entendi - ele virou as costas e saiu, simplesmente. Eu pulei de pé.
- Ben, espera - eu pedi, mas ele saiu porta a fora.
Eu parei, tentando processar o que acabou de acontecer, sabendo que sair gritando atrás dele tentando explicar não ia dar certo. Eu queria explicar, contar que foi uma brincadeira, mas no lugar dele, vendo o que vi, eu também não acreditaria. Porque eu fazia tudo errado?
- Ellie - Daryl me chamou e eu virei - Se quiser que eu fale com ele... - Daryl ofereceu, acho que até ele nesse momento, por mais que não gostasse de Ben, viu que as coisas tinham saído dos trilhos.
- Não - neguei. Isso sim iria fazer as coisas explodirem - Eu tenho que ir.
Foi direto para a enfermaria, porque achei que era lá que ele estava, mas Ben não estava lá. Eu fui para casa e o vi na cozinha assim que entrei.
Quando encontrei Ben, ele tinha um olhar pensativo no rosto, em vez de sua expressão geralmente alegre apontada para mim. Uma garrafa de bebida estava colocada na mesa em que ele se apoiava.
- Você está bem?
Ao ver minha expressão ficar cada vez mais preocupada com seu comportamento estranho, sua atitude instantaneamente se transformou no sorriso travesso que eu tinha vindo a associar com irritação ou exasperação.
- Eu acabei de perder uma paciente e de ver minha mulher montada no ex dela. Muito para um dia que sequer terminou.
- Eu posso explicar - comecei, me amaldiçoando em seguida. Toda frase de tentativa de desculpa de traição começava assim.
Ben ergueu a cabeça para isso, para me encarar e olhar diretamente nos meus olhos. Eu senti uma sacudida. Ele deu um longo suspiro, olhando para mim sem qualquer traço de seu carinho habitual.
- Você já percebeu que sempre tem uma explicação? Que sempre tem um "não é isso que você está pensando"?
Respirei, trêmula, sentindo o ambiente pesar cada vez mais. Não havia vestígios da pessoa calma e consoladora que ele era, seu tom era venenoso e acusatório.
- Desde que a gente veio pra cá esse cara não desgruda, sempre rodeando e você acha isso normal. Agora eu entendi porque.
- Você entendeu tudo errado, eu...
- Eu entendi errado? - ele me cortou, saindo de perto da mesa - Eu entendi errado a forma que ele te olha, como se quisesse te comer ou vocês dois estarem sempre de conversa como se fosse um casal? - as palavras saíram tão agudas e cheias de ódio que eu queria desaparecer no ar - Ou de você estar me traindo?
Seu rosto estava rígido, o estresse esculpindo vincos em sua testa. Meu cérebro latejava tentando assimilar quando tudo se transformou nisso. Ele riu, engolindo em seco, os olhos em brasa me queimando.
- Do que você tá falando? Eu nunca traí você! - eu disse alto, não admitindo sequer ouvir essa acusação. Ele podia estar bravo, mas me acusar disso era demais - Eu entendo que se sinta confuso pelo que pensou ter visto, mas eu jamais te trairia.
Um grito ficou preso em minha garganta quando a garrafa atingiu a parede atrás de mim. Eu dei um pulo, sentindo o corpo inteiro formigar pelo susto, mas não consegui sair do lugar.
- Eu venho tolerando isso há tempo demais - ele explodiu, dando alguns passos largos e indo direto ao meu rosto. Ele me agarrou pelos braços e me sacudiu - Não diga como eu devo me sentir, Catherine!
As coisas estavam se movendo em câmera lenta, ou talvez meus pensamentos fossem excessivamente mais rápidos que meu pânico.
Catherine. Ele me chamou de Catherine.
Quando percebeu, ele me soltou imediatamente, recuando e me encarando com perplexa confusão. Ele piscou várias vezes e lambeu os lábios, parecendo atordoado. A raiva não era mais a emoção predominante em seus olhos. Agora foi acompanhada de confusão e medo, coisas que achei muito mais angustiantes.
- Me desculpe - ele disse e respirou instável, balançando ligeiramente. Eu engoli em seco, tentando não notar que eu estava tremendo - Eu não queria... meu Deus, me desculpe.
Jamais imaginei vê-lo perder o controle assim. Ele pareceu ser outra pessoa, totalmente descontrolada e fria, principalmente quando me chamou de Catherine. Ele pareceu ter entrado num transe naquele momento e eu fiquei com medo.
Eu dei um passo para trás, os cacos de vidro estalando sob meus sapatos, provando que tudo o que aconteceu segundos atrás foi real. Me senti sendo sugada para o Santuário, onde vivi cenas como essas mais vezes do que poderia contar. Mas eu não era mais aquela garota que era amedrontada por gritos.
- Me desculpe - ele avançou para me tocar, mas eu o detive.
Ele não insistiu, só assentiu, agora ciente do que havia feito.
- Vou buscar Thomas na escola - eu olhei para o chão, para a bagunça de vidros e depois para Ben - Eu não quero ver isso quando voltar.
Eu saí de lá, respirando o ar do lado de fora profundamente, tentando me acalmar, meus olhos queimando.
As crianças passaram por mim quando entrei na escola, mas Thomas não estava no meio delas. Eu segui pelo pequeno corredor.
- Você acertou todas as respostas, parabéns - ouvi a voz de Rachel e parei, indo devagar até ver Thomas sentado em uma das carteiras. Só havia os dois na sala.
- Obrigado - Thomas disse - Minha mãe e Ben me ajudaram a estudar.
- Ele é o namorado da sua mãe? - ela indagou, e eu revirei os olhos. Ela sabia que sim. Eu fiquei ali, vendo onde ela queria chegar com isso.
- Sim, mas ele não é meu pai - Thomas respondeu.
- Sim, eu sei - ela disse automaticamente.
- Você conhecia o meu pai? - ele perguntou, e eu senti meu coração pular no peito.
Ela tossiu antes de responder.
- Não, infelizmente não. Porque?
- Minha mãe me contou sobre ele. Ele não era bom.
- Você queria conhecê-lo?
- Thomas? - eu chamei da porta antes que essa conversa fosse longe demais.
Ele olhou para trás e ficou de pé, pegando os cadernos. Rachel parecia surpresa pela minha chegada, mas colocou aquela máscara de indiferença e sorriu para mim, falsa como sempre.
- Até amanhã, professora Rachel - ele se despediu e ela acenou para ele.
- Como foi sua aula hoje? - eu perguntei enquanto saíamos.
- Legal, eu acertei todas as questões, olha - ele falou, puxando uma folha de dentro do caderno.
- Parabéns, querido - eu afaguei seu ombro. Nós caminhamos até o parquinho, que estava vazio, e nos sentamos no banco. Eu não queria voltar para casa e encarar Ben depois do que aconteceu.
- Você chorou? - Thomas indagou, me olhando - Seu olho tá vermelho.
- Não - eu pisquei, forçando um sorriso - Deve ser alergia.
- Porque não pede pro Ben te dar um remédio?
- Vou pedir - eu o puxei para perto de mim e o abracei. Só em Thomas eu encontrava paz.
Tudo o que aconteceu antes parecia parte de um filme ruim ou um sonho, onde a imagem perfeita de Ben se quebrava bem diante dos meus olhos. Eu nunca sequer desconfiei que ele pudesse ser agressivo ou descontrolado, pareceu que ele havia ligado um interruptor e se transformado bem diante dos meus olhos. O que mais doía era que eu gostava muito dele para aceitar esse seu outro lado.
- O que acha da gente ir visitar Paul? - eu perguntei e Thomas olhou para mim.
- Mas eu vou perder as aulas.
Porque eu queria fugir? Dar um tempo não mudaria o que aconteceu.
- É, você tem razão.
Thomas me mostrou tudo o que estava aprendendo e eu tentei me distrair e prestar atenção, mas não consegui. O sol caiu a nós voltamos para casa, mas Benjamin não estava lá. Tudo o que eu encontrei foi uma folha dobrada sobre meu travesseiro.
Vou ficar na enfermaria, vejo que minha presença agora te incomodaria. Espero que me desculpe por mais cedo, não há justificativas pela forma como agi, mas quero seu perdão. Você é a última pessoa que eu quero magoar, Ellie. Conversamos quando você quiser. Me perdoe, por favor.
Ben.
Eu também esperava que pudesse perdoá-lo.
Parece que o Ben é um pouco... instável. Deixe suas observações sobre esse surto 😂😂😂
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