Capítulo 68

- Tudo bem - Rick disse quando estávamos do lado de fora dos dormitórios do Reino, a claridade do sol ofuscando nossa visão - Ainda há Salvadores do lado de fora, então vamos nos mover até o lado de fora pelos esgotos.

Eu assenti, Daryl ao meu lado enquanto eu colocava a mochila nas costas. Rick já tinha falado com Daryl e eu que estaríamos indo para Hilltop, já que os Salvadores já tinham feito uma busca lá. Com certeza Negan faria uma visita pessoal a Alexandria e eu não queria que ele sequer colocasse os olhos em Daryl.

- Daryl e Ellie vão para Hilltop e o restante vai voltar para Alexandria e organizar tudo. Temos que estar preparados para qualquer coisa.

Rick me entregou um rádio e a mulher de boné que me enfrentou mais cedo passou por mim bufando e murmurou alguma coisa em espanhol, que eu não entendi, mas presumi que não era um elogio. Lembrei que foi ela quem atirou em Negan, mais precisamente em mim. Obviamente era por isso que ela me detestava.

Quando saímos do esgoto e nos despedimos de Rick e dos outros, eu prometi que tudo daria certo. Andamos pela mata, e eu senti a nostalgia de quando Daryl e eu saíamos da prisão para caçar ou só por sair, enfrentando tudo sem medo, um protegendo o outro.

Suas sobrancelhas estavam franzidas em concentração e ele disparava o arco antes mesmo de eu perceber que havia um caminhante por perto. Isso me fez ver o quão enferrujada e despreparada eu estava. Achei que nunca mais fosse precisar enfrentar o mundo mal e louco, segura dentro das paredes do Santuário, mas as voltas que o mundo dava só me mostraram que de nada eu sabia.

- Então - eu disse depois de limpar a garganta - Aquela mulher... Rosita? - eu falei quando lembrei seu nome - Ela é sempre assim?

Daryl se mexeu desconfortavelmente, apertando seu arco com mais força.

- Foi o companheiro dela quem Negan matou - Daryl respondeu com uma voz apertada - Eles não estavam mais juntos, Abraham, ele... - Daryl fez uma pausa, diminuindo o passo - Você lembra de Sasha? - ele perguntou e eu assenti - Abraham estava com ela desde que chegamos em Alexandria.

Eu deixei o assunto morrer ali, cada descoberta era pior que a anterior. Ela perdeu o irmão e agora o homem com quem estava compartilhando algo.

Estávamos perto de Hilltop quando avistamos um grupo de quatro Salvadores de campana. Apesar do pânico que tomou meus ossos, Daryl e eu conseguimos desviar e descer até o esgoto mais próximo para entrar em Hilltop.

O esgoto era escuro, úmido e frio, mas a água escorrendo fazia um eco subterrâneo enquanto seguíamos flechas pintadas com spray através dos túneis sinuosos. Nós não encontramos nenhum perigo desde que descemos às profundezas da terra, a não ser alguns corpos mortos e apodrecidos espalhados pelos pisos do esgoto, mas que eram facilmente ignorados.

Hilltop também usava os túneis como um meio de mover-se mais discretamente. Além disso, era uma ótima maneira de evitar a detecção ou a perseguição de inimigos. Apenas estar aqui agora, oculta e segura, colocou minha ansiedade no nível mínimo que tinha sido em um longo tempo e foi o melhor que já tive emocionalmente nos últimos meses.

Não demorou muito para encontrarmos a saída. Era uma escada enferrujada e aparafusada na parede do esgoto, com uma flecha vermelha neon apontando para cima. O bueiro já estava removido, o céu brilhante, mas escuro, uma auréola acima de nós. Daryl me parou com um dedo, sacudindo a lanterna enquanto ouvia os sons que vinham do lado de fora.

Havia o vento e o leve chilrear dos insetos noturnos, mas também havia vozes murmurantes, suaves mas próximas. Daryl indicou para mim que estava subindo primeiro e para eu ficar quieta. Eu balancei a cabeça, sinalizando o meu entendimento.

Eu sabia que deveríamos estar bem debaixo de Hilltop, então eu não estava tão preocupada que iríamos encontrar alguém que quisesse nos causar danos, mas a possibilidade ainda permanecia. Então, eu permiti que Daryl jogasse com sua cautela ao invés de sair diretamente em uma armadilha.

Ele parou na boca do esgoto, ouvindo mais atentamente antes de dar uma olhada lá fora. Ele se abaixou, mas lentamente enfiou a cabeça para fora antes de ficar rígido nos trilhos que ele segurava. Eu ouvi um pequeno suspiro e passos no asfalto, e ele não se moveu no início, mas quem estava acima se aproximou.

- Oh! Graças a Deus! - eu ouvi uma doce voz sulista que reconheci instantaneamente como a de Maggie.

- Vocês conseguiram! - outra voz exclamou, e levei menos de um segundo para prendê-la a Glenn.

Eu agarrei os degraus de metal molhados e subi o mais rápido que pude, ansiosa para sair do esgoto fedorento e entrar em segurança.

Eu vim logo depois de Daryl, e as mãos de Glenn se estenderam para mim quando cheguei ao topo. Eu segurei-o como se ele fosse minha última tábua de salvação e nos abraçamos com força, ambos felizes de ver a outra depois de estarmos separados por tanto tempo.

E ao lado, sorrindo e dando-nos todo o nosso espaço, notei um homem de barba e cabelos compridos, Jesus. Eu sorri para ele antes de ver Maggie.

- Oh, Maggie. Sua barriga! - eu a abracei com firmeza, mas com ternura. Daryl mencionou que Maggie se refugiou em Hilltop para que o bebê tivesse mais assistência e eu fiquei mais do que extasiada ao ver sua barriga inchada.

Nossa reunião foi doce; nós quatro nos abraçando e expressando nossa gratidão por termos chegado aqui, vivos e relativamente ilesos. Eu não pude deixar de notar, no entanto, o quão tenso Daryl parecia e quão culpado e desamparado ele olhou para Sasha. Não precisei pensar muito para lembrar o porque. Eu a abracei e ela disse que estava feliz em me ver de novo.

- Devemos deixar vocês limparem e descansar um pouco - Jesus falou ao se aproximar do meu lado - Vocês estarão no mesmo prédio que Maggie e Glenn. Eu durmo lá também, então, se vocês precisarem de alguma coisa durante a noite, estaremos por perto.

O trio sorriu, enxugando os olhos vermelhos e molhados. Eu andei até Daryl, segurando seu braço enquanto eu timidamente agradeci a Jesus.

- Siga-me - Jesus disse e eu e Daryl seguimos atrás dele.

- Vocês já ouviram falar de Dwight desde que cheguei? - eu perguntei esperançosamente. Jesus olhou por cima do ombro.

- A última vez foi quando você chegou. Ele queria ter certeza que alguém estava esperando sua chegada.

- Ele mostrou ser de confiança - Maggie disse - Se não fosse por ele, você não estaria aqui e Daryl ainda estaria refém.

- Vamos apenas esperar que ele não nos traia também - acrescentou Sasha com um ligeiro ceticismo em sua voz. Eu não podia culpá-la por não depositar toda sua confiança em Dwight. Eu também tive momentos de desconfiança, mas eles eram fugazes e raros desde que ele se mostrou ser verdadeiro.

- Dwight foi correto com nós até agora. Eu sei que é difícil manter a fé, mas ele não fez nada além de entregar para nós o que ele prometeu - Maggie respondeu, e Sasha não interferiu mais.

Jesus nos levou a um prédio de tijolos, abrindo as portas para nós quando entramos. Era uma escola antiga, mas limpa.

- Eu vou encontrar algumas roupas limpas para vocês - Sasha ofereceu, um olhar fino de culpa em seu rosto quando ela saiu para completar sua tarefa.

- Ela está bem? - Daryl perguntou a Maggie enquanto andávamos pelo corredor.

- Ela está bem - Maggie suspirou, passando a mão pelos seus cabelos curtos - Apenas desconfiada e doente do coração. Ela quer acreditar que podemos derrotar Negan, mas toda a sua visão é sombria. Tudo o que Dwight fez até agora... ela simplesmente não pode confiar em seus motivos.

- Demorou um pouco para eu acreditar nele também. Talvez possamos conversar com ela - eu disse.

- Seria bom - Glenn sorriu para mim quando Jesus nos parou em uma porta.

Maggie abriu a porta e acendeu as luzes enquanto gesticulava para dentro. Era uma sala, mas não de aula, era bem menor e havia uma mesa, alguns armários suspensos, um banheiro e dois colchões de ar encostados na parede, um em cada canto. Uma clarabóia ficava bem no meio da sala, deixando o céu estrelado a mostra.

- Tomem um banho e descansem seus ossos. Sasha vai trazer roupas e algo para comer em breve - Maggie sorriu.

Agradeci e entrei no quarto com Daryl seguindo os meus passos. Maggie e Glenn sorriram ao passar pela porta, observando-nos com a maçaneta na mão.

- Estou muito feliz que vocês estejam aqui - Glenn disse, os olhos aguados.

- Eu também - eu suspiro num sorriso - Você não faz ideia.

_

Mais tarde quando Sasha voltou com água, dois pratos com ovos fritos e macarrão caseiro, eu e Daryl sentamos e comemos em silêncio.

- Você parece cansado - eu finalmente disse quando terminamos e empilhamos a louça suja na bandeja.
Ele concorda, mas não elabora. O silêncio começa a se esticar e tornar-se desajeitado, e eu pego uma das garrafas vazias de água e me ocupo em descascar o rótulo desbotado.

- Quer tomar um banho? - Daryl perguntou e logo ficou tenso - Quer dizer, você quer ir primeiro, antes de mim? - ele corrigiu rapidamente, se levantando, suas palavras correndo juntas e tropeçando em si mesmas no esforço de escapar de sua boca.

Ele tomou um gole de água tenso, sua mão tremendo - só um pouquinho - e ele a colocou sobre a mesa para firmá-la. Daryl estava olhando para mim com expectativa, e eu me perguntei o que ele faria se eu simplesmente fosse direto ao assunto e dissesse porque não tomamos juntos?

- Tudo bem, pode ir antes - eu ofereci. Há uma pausa enquanto ele olha para mim, mas ele só assente, pegando as roupas na pilha e sai.

Enquanto Daryl está no banho, eu jogo os dois colchões de ar no chão, cada um pouco longe do outro.

Ontem foi diferente, a adrenalina estava a toda, e nós dois nos beijamos e dormimos na mesma cama, eu nem lembro de quando peguei no sono, mas sabia que Daryl estava lá comigo; mas eu não queria forçar nada agora. Não parecia certo com ele e nem comigo. Ambos estávamos confusos demais para qualquer tipo de intimidade. Ou talvez fosse só uma desculpa que eu estava dando para não me sentir uma vadia que mal saiu da cama de um cara e estava caindo em outra.

Quando Daryl sai, já vestido, alguém bate na porta. Daryl abre, mas é só Sasha trazendo mais um cobertor e eu entro no banho, desejando que a água leve toda a confusão que roda minha mente.

Quando volto Daryl está deitado sem camisa, com um braço sobre a testa, olhando pela clarabóia. A luz da clarabóia e um abajur com luz fraca são as únicas coisas que iluminam a sala, deixando sua pele bronzeada ainda mais cintilante, abraçando os músculos de seu torço nu.

O colchão dele está próximo do meu, apenas alguns palmos de distância e ele me dá um olhar de reconhecimento quando eu apareço em seu campo de visão, seus olhos passando rapidamente pelo meu rosto de um jeito que é profundamente enervante; e eu amo e odeio ao mesmo tempo. Eu deito, assim como ele, admirando o infinito universo brilhante acima de nós.

Eu pensei nas noites em que ficamos deitados no gramado da prisão, olhando para as constelações, e a última coisa que eu pensava era que alguma vez eu as veria desamparada, sem esperança e sozinha, esperando morrer. Mas aqui estávamos nós dois, finalmente debaixo das mesmas estrelas. Juntos.

Ele ainda é tão bonito, tão forte e varonil, ainda mais forte agora, seus músculos firmes e rígidos se esticando debaixo da pele. Ele vira quando percebe que eu estou olhando.

Por um tempo, nenhum de nós diz ou faz nada, apenas ficamos virados olhando um para o outro, nossa respiração estranhamente sincronizada, seus olhos azuis fixos no meu rosto. Mas de repente me sinto tomada por uma terrível e impotente vontade de chorar porque não tenho absolutamente nenhuma ideia do que vai acontecer conosco. É como olhar por um poço de elevador: muita escuridão e nenhuma maneira de adivinhar até onde vai o vazio.

Eu não sei o que está por vir, e a única coisa que parece realmente distinta e indiscutível é que cada segundo é precioso, na verdade sempre foi, desde o começo.

Pensei em todos os olhares e toques e sorrisos que já partilhamos; a sincronicidade e a atração magnética fatal que nunca se foi.

- Quando você se foi, eu falei com você - eu disse baixinho, parecendo uma confissão, e é. É também uma declaração - Eu falei com você o tempo todo na minha cabeça; sua voz se tornou mais real do que a minha.

Ele não responde imediatamente, mas sua mão toma a minha, entrelaçando nossos dedos.

- Não houve um maldito dia que eu não me amaldiçoei por isso - sua voz está carregada e arranhada, mas eu não quero que ele chore ou se sinta culpado. Nós não merecemos isso.

Nenhum de nós diz mais nada e eu me arrasto até seu colchão. Daryl me recebe, e permanecemos o mais perto possível, minha cabeça em seu peito, seus braços ao meu redor, nossas pernas emaranhadas. Fecho os olhos, focando na maneira como sua mão está subindo e descendo pela minha espinha - e Daryl eventualmente se afasta e manobra meus ombros, então estamos olhando um para o outro. Seus olhos são muito brilhantes, e ele me olha como se tivesse retirando as camadas e realmente me vendo por tudo que sou - tudo que é defeituoso, fodido e desmoronando.

- Eu te amo - eu sussurro quando toco seu rosto pairando em cima de mim, soltando a frase que guardei por anos dentro do meu peito. Ele sorri e seus olhos se inundam, e ele rapidamente os enxuga, envergonhado antes de eu segurá-lo pela nuca e selar nossos lábios.

Eu dei meu coração, meu corpo e minha alma para um homem que desdenhou dos meus sentimentos, porque eu não daria a um que foi meu primeiro amor e que acima de tudo, me ama também?

- Você pode desligar o abajur - eu aviso quando afasto nossas bocas e Daryl me olha surpreso. Eu dou um sorriso apertado, mas não menos orgulhoso de mim mesma - O escuro não me incomoda mais.

Negan me vem à cabeça, mas sua imagem se dissipa quando Daryl me dá um pequeno sorriso, aquele que ele guardava só pra mim.

"A noite não é tão assustadora quando percebemos que não estamos sozinhos no escuro."

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