Sentei-me na cama, relaxando meus músculos o melhor que pude. Dormir tinha ajudado a liberar a dor e tensão dos meus membros, mas eu ainda estava dura em alguns lugares. Eu não me importei muito com a dor, no entanto. A porta do banheiro se abriu de repente, me assustando quando me sentei em linha reta, com os olhos arregalados.

Era Daryl, entrando com uma toalha em volta da cintura depois de tomar um banho. Seu corpo era preto e roxo, vergões vermelhos cobrindo quase todos os lugares, misturando-se as cicatrizes antigas.

Meu peito quase cedeu ao olhar para ele, mas a admiração encheu-me instantaneamente. Ele era tão forte, tão capaz. Eu nunca seria capaz de resistir ao que ele tinha nessas poucas semanas; estas últimas duas semanas. Eu tinha passado pelo meu próprio inferno, mas Daryl tinha ficado muito pior.

- Oi - ele sorriu suavemente quando fechou a porta e foi até a cômoda onde roupas estavam esperando por ele.

Eu não disse nada e me levantei, aproximando-se dele quando ele se aproximou de mim, de costas. Passei as pontas dos dedos gentilmente por suas costas, traçando suas cicatrizes e feridas; arrepios se formaram em sua pele onde eu toquei e ele estremeceu, pegando minha mão na sua quando ele se virou para olhar para mim.

- Sinto muito - eu sussurrei, engolindo um caroço - Você não deveria ter que suportar isso.

- Não há nada para se desculpar. Não foi você quem fez isso.

Foi Negan.

- Não deveria ser assim - respondi, a culpa ainda pesada em mim.

- Eu gostaria que não fosse - ele respondeu sinceramente - Mas eu não mudaria isso por mais nada. Não quando isso significa que eu tenho você agora.

Eu sorri para ele, sentindo-me inteiramente grata por tê-lo em minha vida de novo. Mas isso tudo era apenas o começo. O começo de uma guerra que eu comecei quando coloquei meus pés para fora do Santuário.

- Rick deve estar chegando daqui a pouco - Daryl disse quando eu me virei antes dele tirar a toalha e vestir as roupas.

Alguém bateu na porta e eu me certifiquei que Daryl tinha as calças em seu corpo quando abri e Paul estava lá, olhos claros estalados em seu rosto bonito.

- Você não tinha ido embora? - eu disparei na mesma hora.

- Uau, bom dia pra você também - ele riu e eu senti Daryl atrás de mim - Decidi passar a noite - ele olhou para Daryl - Richard me contou da sua introdução má sucedida com o Rei.

Ouvi Daryl bufar.

- Esse lugar é um circo. Estamos partindo assim que Rick chegar - ele murmurou, se virando para pegar a besta e colocar nas costas.

Eu estava totalmente fora do assunto e esperei que ele me atualizasse, mas ele trancou os olhos com Paul novamente, que não saiu da porta.

- Achei que Rick havia te deixado aqui para convencê-lo - Paul tentou de novo, mas Daryl o cortou.

- Esse cara não quer ser convencido. Ele está acomodado nesse mundinho de faz de conta e não vai ajudar - Daryl rosnou antes de olhar para mim, e suavizou um pouco - Vou pegar um par de sapatos pra você. Me espera aqui.

Ele saiu, quase esbarrando em Paul no processo. Eu o olhei sem entender quando ele baixou a cabeça e riu antes de me olhar.

- Ele sempre foi assim? - ele perguntou, parecendo se divertir com a irritação de Daryl e eu dei um sorriso amarelo.

- Sempre.

.

O Reino era praticamente apenas um campus escolar, mas eles pareciam ser os mais prósperos de qualquer comunidade que eu já vi - levando em conta que eu só conhecia o Santuário e Alexandria.

Quase metade da propriedade estava coberta de jardins, e cada um dos edifícios foi convertido em áreas de convivência. Eu sabia que Negan nunca havia colocado o pé dentro, um acordo que fizera com Rei Ezekiel. Como resultado, nenhuma das pessoas de lá sabia exatamente quão poderosos os Salvadores eram. Eles só sabiam que estavam fornecendo com um acordo.

Daryl disse que havia chegado uma noite antes da minha - e que já tinha falado com o líder daqui - quer dizer, Rei. Ele disse que Sherry desapareceu assim que eles saíram do Santuário e ele não a havia visto mais. Eu esperava que estivesse bem.

- Querida Ellie! Eu esperei muitas luas para conhecê-la. Estou imensamente feliz que tenha chegado até aqui - reverenciou o Rei Ezequiel ao se levantar do trono e olhar para Daryl e eu diante dele - Sou Rei Ezequiel. Bem vinda ao Reino.

Através do nevoeiro de uma noite de sono perturbada e de um corpo tremendamente dolorido, fiquei atordoada e impressionada com o homem diante de mim, não esperando algo assim.

O Rei Ezequiel era intrigante, mais ainda pelos trezentos quilos de tigre de Bengala que se encontravam domesticamente ao seu lado. Ela era linda; seu casaco brilhante de pêlos e olhos verde-amarelo luminosos. E naturalmente, eu tinha medo dela.

Daryl manteve-se meio me bloqueando com o ombro direito. O Rei Ezequiel riu silenciosamente de nossas expressões e olhos nervosos. Ele se sentou em seu trono e deu um tapinha na cabeça do gato grande, e ela permaneceu passiva quando suas pálpebras começaram a cair.

- Shiva - o Rei Ezequiel nos apresentou - Meu animal de estimação e dama mais leal. Ela não lhe fará mal a menos que eu ordene, e não desejo mal a você.

- Estou feliz por isso.

Nós dois paramos bem em frente ao palco em que o Rei estava sentado, esperando que ele nos levasse ao que ele queria que disséssemos.

Daryl não era muito falante ou partilhante. Pelo menos, não com pessoas que ele não conhecia muito bem. Então isso deixaria muita conversa para mim; eu só não sabia onde deveria começar.

- Sua história - encorajou o Rei Ezequiel com um sorriso caloroso - Me conte sua história fascinante.

Ele está te recebendo, arriscando o próprio pescoço. Seja receptiva, pensei.

- Bem - gaguejei - Tenho certeza de que você sabe como tudo começou?

O rosto do Rei mudou drasticamente, o brilho outrora benigno azedou em uma expressão de repugnância. 

- Oh, sim. Ouvi falar do seu destino com o nosso adversário; uma caricatura de boca suja e um homem propenso a conduta belicosa. Fiquei triste ao ouvir sobre a inoportuna separação de você e sua família - seus olhos de obsidiana suavizaram-se significativamente quando voltaram para nós - Mas diante de mim vejo duas almas fortes que suportam uma dor tumultuosa.

Daryl estava tenso ao meu lado, não gostando nada do interrogatório. Como o sino da liberdade, a porta do auditório se abriu. Daryl e eu olhamos para trás e meus joelhos ficaram fracos quando vi Rick rompendo juntamente com Michonne, Carl e algumas pessoas que eu não conhecia.

Eu tinha me acostumado a fingir que era tudo uma lembrança distante, que eu nunca estaria com eles de verdade, era mais como uma ferida aberta e fresca que se recusava a curar. Cada pensamento remanescente picava como sal no corte. Mas agora era tudo verdade.

Eu corri para Rick, o envolvendo em um abraço. Ele me apertou forte e em seguida me soltou, segurando meu rosto entre as mãos, nós dois chorando.

- Você está bem? Está machucada? - ele perguntou freneticamente, empurrando meus cabelos para trás.

- Sã e salva - eu sorri como pude e ele me soltou para que eu abraçasse Carl e Michonne. Havia uma mulher morena e outra com um boné, mas eu não tinha ideia de quem eram.

- Essa é minha irmã - Rick disse, seu braço ao redor de meus ombros protetoramente, seus olhos vermelhos e aguados - Obrigado por receber e zelar por ela.

Enquanto Rick falava, a expressão facial do Rei Ezequiel endureceu, as sobrancelhas se abaixaram quando os cantos da boca se contorceram levemente.

- Estive pensando no que disse na sua última visita - o Rei começou - No meu tempo nesta Terra, eu nunca me deparei com tal crueldade. Roubar vida de um andador é uma coisa; uma coisa repugnante e aterradora, mas deve ser feita. Mas tirar uma vida que ainda respira e usar isso para satisfazer os caprichos dementes e violentos de um maníaco, um com o qual temos sustentado, distorce as partes saudáveis ​​de mim em algo sombrio e repugnante. Eu desejo nunca sentir como eu me sinto agora pelo resto dos meus dias.

Ele estava falando de Negan.

Eu não sabia o que havia de fato acontecido, não sabia a dimensão da destruição que Negan havia provocado, mas logo saberia. O Rei Ezequiel se afastou e desviou o olhar, perturbado, e depois se recompôs.

- Quero comunicar que aceito sua proposta e estamos abraçando a guerra em nosso e em nome daqueles ainda presos nas entranhas daquele inferno. Nós triunfaremos sobre Negan.

Rick se endireitou ao meu lado e eu engoli nervosamente.

- Obrigado. Você está fazendo a escolha certa - Rick respondeu, puido.

- Não me agradeça, criança. Sou eu, e todas as pessoas por quem você tomou a iniciativa que deveriam estar agradecendo a você. Vocês são os heróis, nós somos meramente espectadores - o Rei sorriu gentilmente.

Enquanto Daryl estava em silêncio, seus braços estavam relaxados e em seu rosto eu vi que, enquanto ele olhava o homem diante de nós, agora ele o respeitava.

- Rei Ezequiel - Daryl falou rapidamente, e os olhos do Rei se iluminaram, animados para ouvi-lo falar - Eu peço apenas uma coisa.

- Qualquer coisa - ele ergueu uma mão suplicante - Tudo o que seu coração humilde deseja.

- Negan - Daryl respirou fundo - Ele é meu.

Não.

Não.

Não.

Não era assim que eu queria que as coisas se desenrolassem. Eu não queria que Negan morresse. Ele tinha que sair do poder, mas não assim, não morto. Mas como eu falaria isso sem parecer uma traidora?

O sorriso do Rei se alargou amplamente, expondo grandes dentes brancos.

- Considere-o seu, amigo. Eu admiro sua temeridade - ele fez uma pausa, estudando Daryl astutamente - Temo que ele não seja páreo para o que está por vir.

E agora? O que a Ellie deve fazer?